terça-feira, 31 de agosto de 2010

FALÊNCIA


A que ponto chegamos.

Hoje eu fui a uma delegacia de polícia de trânsito retirar cópia do boletim de ocorrência de um acidente de carro sofrido por minha nora. Ela me deu uma procuração para que eu pudesse retirar a cópia. Para que procuração, realmente não sei. Não sei por que qualquer pessoa não pode tirar essa cópia, não consigo imaginar que problema isso poderia causar.

O atendimento foi muito bom. Policiais de trânsito, mulheres e homens, muito bem educados, todos me deram boa tarde na sala de espera quando passavam, com um sorriso no rosto. Todos foram muito bem educados.

Porém, isso não impede absurdos: primeiro, a policial que me atendeu perguntou qual foi o dia do acidente. Eu não sabia. Ela disse que somente poderia localizar o B. O. original com a data, embora houvesse um número, que eu forneci a ela junto com a procuração. Ela me disse que havia "milhares" de B. O.s e que somente com a data ela poderia identificar. Não consigo entender. Então, o número serve para que? Não há uma sequência numérica de arquivo?

Telefonei para meu filho, que falou com a esposa e me passaram a data. Aí, eles encontraram o boletim. Então, a policial me disse que eu precisaria tirar uma cópia xerox do boletim e voltar ali para eles autenticarem e me entragar essa cópia. Interessante. Eles me disseram onde era a papelaria que tinha a máquina mais próxima dali. É uma zona residencial, o distrito fica no Parque Villa-Lobos. Em volta não há comércio.

Peguei o carro e fui. Era na rua Pio XI. De carro, relativamente próximo. A pé, seriam pelo menos quinze ou vinte minutos de caminhada, em aclive, só para ir. Tirei a cópia, paguei 1 real e voltei. Ela então carimbou (autenticou) a cópia e me a entregou.

Parece piada, não? Não existe máquina copiadora no distrito. Típica economia de custos mesquinha, típica de funcionalismo público. E eu havia pensado em ir de metrô para lá, desistindo porque teria de caminhar demais para chegar da estação Jaguaré ao outro lado do parque, onde é a entrada. Imagine se houvesse ido assim mesmo. Teria levado mais da metade da tarde.

Aí começo a extrapolar. Como será o resto da polícia, em sentido de burocracia? Daqui a pouco vão pedir para o preso comprar suas algemas e voltar com elas para ser algemado. Realmente, apesar da extrema educação e cortesia dos policiais daquele distrito, não dá para ter confiança na segurança atual. E ninguém liga para ela. Governos continuam a dizer que ela está ótima, mas ou são cegos ou são mentirosos mesmo. Fico com a segunda hipótese. E São Paulo é o estado mais rico da federação, disparado...

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

CEM ANOS ATRÁS

À direita, o rio do Peixe. À esquerda, o rio Uruguai. Do outro lado do Uruguai, Marcelino Ramos, cidade ainda tão pequena que não aparece nesta foto. Nesta foz do primeiro no segundo, a linha da E. F. São Paulo-Rio Grande já estava pronta em meados de 1910, aguardando a ponte sobre o Uruguai, que seria construída em madeira de forma provisória e inaugurada em dezembro do mesmo ano, ligando São Paulo e Rio de Janeiro a Porto Alegre e ao Uruguai por ferrovia.

Há cem anos atrás, o Brasil era muito diferente do que é hoje. Vamos nos concentrar em um tema que conheço bem: ferrovias. Hoje, quantas se constroem? A Norte-Sul, em Tocantins e em Goiás, e só. O leito da Transnordestina, na região entre o sul do Ceará e o oeste de Pernambuco, vai avançando a passos de tartaruga, atrasadíssima.

Em 1910, a Mogiana estava colocando para rodar o ramal de Jataí, o ramal de Cajuru e o ramal de Cravinhos. A Paulista, o ramal de Bauru. A Sorocabana estava construindo a oeste de Ourinhos, desbravando a selva virgem paulista. Virgem, senhores!!! Há cem anos atrás!! A Araraquarense avançava para lá de Catanduva, buscando chegar a São José do Rio Preto. A São Paulo-Minas chegava a São Sebastião do Paraíso. A E. F. do Dourado, a Ibitinga e começava outros ramais em busca de Jaú. A Noroeste do Brasil atingia o rio Paraná.

Em Santa Catarina, a E. F. São Paulo-Rio Grande avançava no sentido do rio Uruguai, prestes a construir em suas margens a ponte de Marcelino Ramos, ainda provisória, de madeira (a metálica seria inaugurada em 1913). No Rio Grande do Sul, a linha acabava de chegar a Caxias do Sul. Em Minas Gerais, a E. F. Oeste de Minas chegava a Betim e atacava outras linhas também. A Central do Brasil chegava a Pirapora, no rio São Francisco. E tinha a Madeira-Mamoré, avançando apesar de seus dramas.

Em 1910, essas não eram todas as obras de ferrovias. Havia mais, por todo o país, que não vou relacionar aqui, mas que poderiam ser. Era um frenesi, quase todos os dias inaugrações de ferrovias novas. Políticos para cá e para lá.

Vão dizer alguns que muitas eram mal construídas. E têm razão. Os motivos eram vários, mas os objetivos eram a acolonização, a integração do país. Isso sucedeu na Naoroeste, na São Paulo-Rio Grande, principalmente. Por causa dessa "mal-traçadas linhas", o desenvolvimento veio bem mais rápido para essas regiões.

Dirão outros que esse avanço nas matas - onde se formaram inúmeras cidades nas selvas do oeste catarinense e paulista por causa do trem de ferro - foi um desastre para a ecologia e para o êxodo rural (embora, no início, este processo tivesse sido invertido). Foi, realmente - mas há escolha, felizmente ou infelizmente? É um dilema do qual jamais teremos a resposta; a resposta para o que seria pior.

Em 1910, as ferrovias impulsionavam o desenvolvimento sem a burocracia de hoje. E mais: se todas as concessões dadas e pedidas nessa época tivessem se tornado ferrovias operacionais, a integração teria sido mais rápida ainda.

Hoje, cem anos depois, as ferrovias continuam sendo uma necessidade para o País, já devastado de boa parte de suas aintigas florestas, mas a burocracia, a desorganização e a corrupção fazem com que isso seja retardadíssimo. Aqui, o país regrediu. Este artigo pode ser estendido à exaustão. Foi escrito muito rápido e extremamente resumido, mas pode dar margem a muita interpretação e opiniões...

domingo, 29 de agosto de 2010

MENTIRAS E SONHOS

Trem da E. F. Juruti, em operação há cerca de um ano no interior do Pará. Iniciativa privada, apenas 55 km. Créditos na própria foto.

Douglas Hidalgo, de Osvaldo Cruz, enviou-me há poucos dias a notícia que dá conta que a empresa que administra o porto modal da cidade de Panorama, cidade e estação terminal do tronco oeste da extinta Companhia Paulista de Estradas de Ferro, está desativando as instalações por absoluta falta de uso.

Depois de esperarem por mil promessas ainda do tempo da Fepasa e depois das sucessoras Ferroban e ALL, ela resolveu cuidar da vida e desmontar tudo, enviando boa parte para a cidade mineira de Araguari (não me perguntem por quê).

Claramente, esse é um dos indicadores da falência da privatização das ferrovias brasileiras, feitas entre doze e catorze anos atrás. Por que afirmo isto? Bem, a privatização foi feita para que as ferrovias sucateadas e apenas parcialmente operantes com materiais obsoletos do tempo da FEPASA e da RFFSA pudessem voltar a trabalhar em níveis decentes, melhorando significativamente a infra-estrutura do País (junto com rodovias, aerovias, dutos, portos), reativando e modernizando o que não estava sendo utilizado.

Nada disso ocorreu. Das ferrovias ainda em operação na RFFSA e FEPASA na época da privatização, diversas foram desativadas, algumas até com trilhos retirados e roubados. Nenhuma nova entrou em operação, com exceção de trechos da Ferronorte e da Norte-Sul, além de mini-variantes regionais. Os portos continuam trabalhando mal.

Em termos financeiros, a privatização foi um ótimo negócio para o governo federal. Agora, em vez de bancar prejuízos enormes com as ferrovias que ele operava, ele recebe parte do faturamento das concessionárias que as operam. Para estas, são um bom negócio, pois dão lucro com investimentos muito pequenos. Para a infra-estrutura nacional, no entanto, péssimo negócio, pois a quilometragem operada diminuiu, e bastante.

O tronco oeste da ex-Paulista é uma das ferrovias que não estão sendo operadas desde a privatização. Bom, parte dela está: o trecho entre Itirapina e Bauru. De Bauru a Tupã, só durante a safra de açúcar. De Tupã a Panorama, de vez em quando uma composição para matar mato. Por isso, o porto de Panorama não opera.

Anuúncios na mídia há muitos: Ferrovia Norte-Sul de Tocantins a São Paulo, Ferrosul, Ferrofrango, Transnordestina, reativação deste ramal, daquele outro, Oeste-Leste na Bahia... mas obras, mesmo, nada. E lá se vão já catorze anos de mentiras e sonhos.

sábado, 28 de agosto de 2010

A BOA VISTA DA RUA DA BOA VISTA

Varanda traseira do Frontão São Paulo, de onde se via o vale do rio Tamanduateí em 1922.

Hoje, folheando revistas antigas, dei de cara com uma fotografia interessante num exemplar da Revista da Semana de 30 de setembro de 1922. A revista era carioca, e mostrava sempre praticamente somente artigos sobre a cidade do Rio de Janeiro. Vez em quando, outras cidades. Aqui, no caso, uma página sobre o "Frontão Boa Vista", em São Paulo.

Mas onde ficava isso? Supus que, pelo nome, estaria na rua da Boa Vista, que, segundo sempre li, teria esse nome por ter uma... boa vista de um de seus lados, que dava para o vale do Tamanduateí. Dava, nã, ainda dá, porém, com a quantidade de edifícios altos ali construídos e na sua traseira na rua 25 de Março, a "boa vista" foi se perdendo.

Mandei a fotografia escaneada (a foto é mostrada acima) para meu filho Alexandre e meu amigo Douglas, perguntando se alguém saberia algo e se achavam que era na rua da Boa Vista mesmo. O segundo me respondeu que podia ser, pois ele achava ter visto a Casa das Retortas do Gasômetro ao fundo. O primeiro me mandou um link da internet ("Almanack Paulistano") que mostra exatamente o local, dando nome a um galpão atrás do prédio do jornal A Fanfulla. Esse local hoje tem um prédio do Jockey Clube e fica na esquina da rua da Boa Vista com a ladeira Porto Geral.

Esse galpão tinha essa espécie de varanda, vista na foto acima, em sua parte traseira, onde havia mesas e iluminação externa. Ali era também a sede de uma equipe de "pelota basca", jogo trazido por espanhóis e que dava margem a apostas. Por isso, na reportagem da revista, se falava em "pelotários", que, em outra foto que não coloquei, posavam em equipe com vários integrantes e seu equipamento de jogo.

É muito interessante descobrir-se coisas sobre a São Paulo antiga, que já desapareceram há muito tempo. Não é a primeira vez. Há vários exemplos de fotografias de locais que não consigo identificar. Às vezes até acabo achando, mas em muitas vezes, de forma acidental.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A MEMÓRIA PAULISTANA

Bela fachada na esquina das ruas Guaicurus e Faustolo, na Vila Romana, situada à antiga estrada velha de Campinas (rua Guaicurus). Toda pichada, ainda é muito bonita e o imóvel segue sendo utilizado. Foto Ralph M. Giesbrecht em 3/7/2010

Algumas atualizações sobre o estado da memória paulistana hoje. Deu no jornal que uma chaminé industrial foi tombada na Mooca. Apenas uma chaminé para ser mantida no meio de um novo (e certamente desnecessário) condomínio de edifícios "de alto padrão" que será construído no local. Melhor que nada, dirão. Sim, essas chaminés geralmente são muito bonitas e imponentes, mas sozinha, cercada de prédios, representará o quê?

Por outro lado, na Lapa, um prédio que começou a ser construído de forma ilegal 15 anos atrás, tornando-se um esqueleto de concreto com cerca de dez andares de altura depois de "abortado", foi finalmente condenado à demolição. Bom para um bairro somente de casas e já tombado, teoricamente, desde seu loteamento, há 90 anos. É duro se fazer cumprir a lei neste País. Às vezes se consegue, mas com a geração de uma porção imensa de entulho.

Seria mais fácil se as pessoas se conscientizassem de algumas possibilidades de se manter construções antigas e representativas histórica e/ou arquitetonicamente, sem prejudicar os interesses econômico-financeiros: em construções com mais de 50 anos e que tenham sido feitas à beira da calçada (ou seja, sem recuos frontais), a demolição de suas fachadas seria proibida, fazendo com que se possibilite a demolição no restante do terreno, mas que fosse mantida a fachada como entrada.

Não é uma ideia nova nem original: alguns prédios recentes já se valeram deste artifício tanto na Capital como em cidades do interior. Falei já sobre isto na minha postagem do dia 28 de julho deste ano. Seria uma forma de se manter as poucas fachadas antigas que ainda restam na cidade sem atrapalhar ninguém.

Está mais do que na hora de pararmos para pensar. Se dá para equilibrar o fator dinheiro com o fator memória, por quê não?

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

CARTAS ESQUECIDAS

Os Silva Oliveira... Constança, Daniel e, em pé, Angélica, em 1916. Foto tomada em Porto Ferreira.

Piracicaba, 12 de junho de 1916

Maria

Cheguei de viagem (1) não tão bom como suppunha, pois, á noite, arranjei a minha costumeira dor de cabeça que eu havia prophetizado, em virtude do pince-nez, do pó e talvez da saudade. (...)

Minha terra está morta. Com a vinda das férias os estudantes zarparam. Os meus collegas, casados quase todos, não se atrevem mais a apparecer por estas plagas. (...)

Fui hoje entregar ao snr. Julio Pedroso e família as encomendas de seu Daniel e d. Constancia (2). Moram na casa da Empresa Telephonica e pelo que me falaram nunca sahiram daqui, depois que vieram de Descalvado e Porto Ferreira. Receberam-me affavelmente e a senhora do snr. Julio me contou que já sabia que tu eras minha noiva. Falamos, durante mais de uma hora, de Porto Ferreira e do pessoal dahi, que para elles, como para mim, quasi que se resume na família de teu pai. Prometteu, o Julio, arranjar o miesophone, si fosse possível e a Lucy não resistiu ao desejo infantil de abrir o pacote e ver o que é que a madrinha lhe mandava. (...)
Dahi mandar-me-ás algumas, especialmente sobre o estado de saúde do Joaquim (3). Como foste de festa de Pirassununga? (4) Ficaste para o baile ou decidiste mesmo voltar a assistir fitas no Condor? (...) (5)

É possivel que na volta, si não for incommodo ahi, eu leve commigo Sida (6), que com a mudança de escola vai ter uns quinze dias de férias.

Sem mais recommenda-me a todo o pessoal que forma a família Oliveira, não te esquecendo do Siqueira, Affonso e Rodello (7), emquanto te beijo humildemente as mãos

O teu Sud

Carta transcrita no português original.

(1) De Porto Ferreira, onde Sud Mennucci morava e estava então ainda noivo de minha avó Maria.
(2) Pais de Maria e meus bisavós.
(3) Um dos irmãos de Maria, 2 anos mais velho do que ela.
(4) Pirassununga, onde Maria estudava na Escola Normal e distante 20 km de Porto Ferreira.
(5) Cinema de Porto Ferreira na época.
(6) Irmã de Sud, mais nova.
(7) Futuros cunhados de Sud, menos Affonso que não tenho ideia de quem tenha sido.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

OS ENGANOS DA HISTÓRIA

Vale a pena ampliar a figura acima. Capa da revista A Careta de 9 de junho de 1917. O Kaiser se diverte com o bilboquê. Ao seu lado, o Krohnprinz Willhelm (Príncipe Herdeiro Guilherme). Nunca herdou nada. Desenho do imortal J. Carlos. Acervo Ralph M. Giesbrecht/Sud Mennucci.

Há exatamente cem anos, o jornal O Estado de S. Paulo publicava uma notícia: o Kaiser da Alemanha, Guilherme II, ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 1910, por ter impedido que a anexação da Bósnia-Herzegovina (até dois anos antes território do Império Otomano, atual Turquia) pela Áustria-Hungria se tornasse um ato de guerra. Belo feito. Pena que, quatro anos mais tarde, Guilherme II se tornasse um dos maiores protagonistas de uma guerra sangrenta, a Primeira Guerra Mundial, quando apoiou a mesmo Império Austro-Húngaro na invasão da Sérvia por suas tropas, no que se tornou o primeiro ato bélico da catástrofe que mudaria o mundo.

Como prever que a intenção das pessoas, às vezes boa, de repente pode se tornar oportunista? O que terão pensado as pessoas que o escolheram para ganhar o prêmio quando a guerra começou?

Quantas vezes isso não ocorreu na história do mundo? A imprevisibilidade dos fatos e das pessoas é algo imponderável. Quem poderia adivinhar que, no final de 1917, a Rússia, supostamente tão poderosa em 1914, retirar-se-ia da guerra, entregando um vasto território à Alemanha, que, além disso, livrar-se-ia da frente oriental e poderia concentrar todas as forças contra os aliados na frente sul e ocidental? O que a lógica diria? Que a Alemanha venceria a guerra!

Outra vez o imponderável atacou. Até setembro, outubro de 1918, a guerra seguia renhida. De um lado, Alemanha, Áustria-Hungria e otomanos; de outro, França, Inglaterra, Itália... e os Estados Unidos, chegando para tentar salvar a pátria. Eis que, porém, a Áustria-Hungria e os turcos se entregam em outubro, cansados e arruinados, com seus impérios se esfacelando em mil pedaços e ainda por cima colocando toda as suas infra-estruturas de transportes ao alcance dos aliados e ex-inimigos. A Alemanha, ainda com as forças em ação e longe de ser derrotada, olha em volta e percebe que toda a sua muralha que deveria conter a frente sul não existia mais. Do lado ocidental, não conseguia avançar. Teve de se render, quase da noite para o dia.

Guilherme II, sabendo que era odiado pelos aliados, foge para a Holanda, que lhe oferece asilo. A guerra acaba de repente. A Europa destruída. Guilherme é responsabilizado por todo o horror de uma guerra violentíssima. O Império se desvanece no mesmo dia. O Segundo Reich acaba. O Prêmio Nobel da Paz teve de fugir para não se responsabilizado por crimes de guerra. A Alemanha, praticamente inteira e pouco atacada durante a guerra, tem de ceder territórios e indenizações de guerra que fazem o país praticamente falir.

São os eternos enganos da história.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O METRÔ DE SÃO PAULO 110 ANOS ATRÁS

Estação da Vila Prudente, a mais nova do metrô de São Paulo, inaugurada no último sábado. Foto Rafael Asquini em 23/8/2010.

Se o metrô de São Paulo já existisse com os percursos que tem hoje, no ano 1900, como seriam os nomes das estações? É apenas um exercício de passadologia (o contrário de "futurologia"), imaginação de alguém que, às vezes, fica pensando nisso. É só ver o que existia em volta das estações de hoje... naquele tempo.

Vamos lá, estação por estação - o nome antigo sem parênteses, o atual entre eles; quando o nome é igual, um nome somente. Linha 1: Santana - Carandiru - Tietê - Ponte Pequena (Armênia) - Tiradentes - Luz - São Bento - Sé - Liberdade - São Joaquim - Vergueiro - Corrêa Dias (Paraíso) - Ana Rosa - Vila Mariana - Vila Clementino (Santa Cruz) - Praça da Árvore - Encontro (São Judas) - Conceição - Jabaquara.

Linha 2: Araçá (Vila Madalena) - Pacaembu de Cima (Sumaré) - Isolamento (Clínicas) - Caaguaçu (Consolação) - Saracura (Trianon) - Estrada de Santo Amaro (Brigadeiro) - Corrêa Dias (Paraíso) - Ana Rosa - Estrada do Vergueiro (Klabin) - Rio Ipiranga (Imigrantes) - Capão do Rego (Alto do Ipiranga) - Moinho Velho (Sacoman) - Tamanduateí - Córrego da Mooca (Vila Prudente).

Linha 3: Barra Funda - Palmeiras (Marechal Deodoro) - Santa Cecília - República - Anhangabaú - Sé - Várzea do Carmo (Dom Pedro II) - Braz - Belenzinho (Bresser) - Marco da Meia Légua (Belém) - Tatuapé - Villa Gomes Cardim (Carrão) - Penha - Dona Escolástica (Vila Matilde) - Rincão (Guilhermina-Esperança) - ??? (Patriarca) - Santa Luzia (Artur Alvim) - Água da Pedreira (Itaquera).

Mudou tanto assim?

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

GRANDE BULGÁRIA!

Ontem visitou a mim e minha esposa um casal amigo de muito tempo. Mais ela do que ele: ela é amiga de infância, ele, seu marido, conheço-o há uns dez anos, provavelmente. Ela é brasileira; ele, búlgaro. Um búlgaro! Quantas pessoas por aqui conhecem um búlgaro? Eu conheço - só ele.

Os dois viveram no Brasil por um tempo. Ele, com visto brasileiro por ter se casado com uma brasileira, tentou arranjar emprego em São Paulo e arredores por dois ou três anos. Mestre (master) em meio ambiente e segurança industrial, falando português (aprendeu aqui), por todo esse tempo tentou arranjar emprego e nada. Depois, falam há anos que falta mão-de-obra especializada no Brasil.

Um belo dia foram para a Alemanha. Ele, que fala alemão desde criança (saiu da Bulgária há 18 anos, já com 30 anos de idade e tendo vivido todo esse tempo sob o regime comunista), arranjou emprego praticamente no dia seguinte. Passaram a viver lá, em Hannover. De ano em ano eles vêm para São Paulo visitar a família e os amigos. Ele ainda fala o português (embora, na Alemanha, somente converse em alemão com a esposa). Fora isso, ele é fluente em russo, em francês e em búlgaro, claro.

Conversando com ele, vê-se a diferença de "discutir" sobre o regime comunista com alguém que jamais viveu em um (99,9% das pessoas) e com alguém que esteve desde criança sob o jugo de um governo marxista. Qundo falei sobre a dificuldade de se viver em um regime capitalista no Brasil, ele responde: "nunca tente o comunismo". Ele pode comparar. Bulgária com Alemanha e com Brasil. Será que os integrantes dos nossos PCs do B, PTs, PCs etc. sabem mesmo o que é um regime comunista? Visitam Cuba de vez em quando, só e olhe lá.

Fora isto, é curiosa a reação que ele vê dos brasileiros quando ele fala que vem da Bulgária. Quando eu o conheci, anos atrás, em casa, perguntei-lhe, depois de falarmos um pouco sobre a Europa, Europa Oriental etc., se ele sabia como iam as intenções do rei Simeão II de reassumir o trono búlgaro. E completei, dizendo que, afinal, quando ele foi deposto em 1946, tinha cerca de 4 anos de idade. Sua resposta: você é um dos poucos brasileiros que sabem que a Bulgária existe. E certamente o único que conheci que sabe o nome do último rei do país. Alguns me perguntam se o nome do país seria... Bolívia? quando digo que sou búlgaro.

É interessante ressaltar que, atualmente, a Bulgária tem cerca de 7 milhões de habitantes. Menos do que o município de São Paulo, numa área bem maior.

domingo, 22 de agosto de 2010

CIDADE MONÇÕES E O BROOKLYN

Vista aérea do Brooklyn/Monções (parcial) em 1958, extraída do site GEOPORTAL em 22/8/2010. No canto inferior direito, a av. Santo Amaro. No centro da foto, a Hípica. O córrego que corta no alto/direita é o córrego da Traição, hoje avenida dos Bandeirantes.

Sobre a postagem deste blog do último dia 20, onde falei "Brooklyn, ou Cidade Monções, como queiram", Carlos Augusto Leite Pereira me deu uma verdadeira aula sobre este bairro da capital paulista, que transcrevo abaixo como sendo a postagem de hoje. O texto a seguir é todo dele.

A Cidade Monções é apenas o núcleo central do Brooklyn. Foi um conjunto de casinhas térreas feitas para a classe média, na década de 1940, pela construtora monções do arquiteto Artacho Jurado. As casinhas eram todas iguais, com um terraço com arcos e uma garagem no fundo do quintal. Quem comprava uma casa ganhava um Ford Prefect. Quando me mudei para o bairro, em 1959, ainda havia muitos desses carros circulando por lá. Até alguns anos atrás ainda havia algumas poucas casas com a arquitetura original.

Hoje, quase todas foram reformadas e muitas transformadas em sobradinhos. Os quarteirões tinham 100 x 50 mts e ficavam entre as ruas Califórnia e Guaraiúva e entre a antiga avenida Central (atual Padre Antonio José dos Santos) e a rua Flórida. Entre essas duas ficava a rua Pensilvânia. Havia uma quadra separada das demais que ficava entre as ruas Michigan e Arizona, Ribeiro do Vale e Mangoatá.

A construtora Monções pavimentou todas as ruas com uma camada muito fina de asfalto e quando conheci o bairro este asfalto já estava todo esfarelado e as ruas esburacadas. Só a av. Central, que era mão dupla e tinha ônibus, tinha um asfalto de boa qualidade. A Guaraiúva, entre a Central e a Flórida, e esta, entre a Guaraíuva e a Ribeiro do Vale, eram calçadas com paralelepípedos. Na Flórida ficava uma padaria, uma farmácia, um ponto de táxi e lotação (daquelas antigas que eram feitas por automóveis) e o ponto terminal do ônibus Cidade Monções, que era da CMTC. No início dos anos 1960 a linha passou para a recém criada Viação Monções que também operava a linha Hípica Paulista e que faliu no início dos anos 1970 sendo substituída pela Viação Campo Belo.

Até o final dos anos 1970 havia, na rua Pensilvania, um empório que tinha nos fundos uma caixa d'agua de uns 6 metros de altura. Segundo moradores antigos do bairro, havia alí um poço artesiano que fornecia água para todo o bairro. As demais ruas de monções eram: Miami, Los Angeles, Hollywood, Filadélfia, Chicago e Cincinati.

A região da Berrini, próxima da rua Guararapes era chamada de Hípica Paulista. No extremo oposto, próxima da atual avenida Jornalista Roberto Marinho, onde as ruas têm nome de cientistas, fica o Jardim Edith.

sábado, 21 de agosto de 2010

SOCORRO, ATIBAIA E VILA PRUDENTE

A estação ferroviária de Socorro, atual rodoviária, em foto de 2009, por Adriano Martins.

Segundo fiquei sabendo hoje, os ônibus intermunicipais deixarão o prédio da antiga estação ferroviária da cidade de Socorro, em São Paulo, no próximo dia 30 de agosto. Uma nova estação rodoviária já está pronta e passará a atuar como tal no mesmo dia. O antigo prédio, inaugurado em 1910 e desativado de suas funções originais em 1966, passará por uma restauração (se bem que seu estado não é mau pois estava em uso) e abrigará um centro cultural.
O interessante da história é que ele receberá uma locomotiva e alguns carros, além de trilhos no antigo pátio, de forma a ligá-la às antigas oficinas da Mogiana, cerca de 150 metros afastada. Mas de onde virá todo este material?

Virá de Atibaia. Seus donos concordaram em remover todo esse material para Socorro, com o apoio da Prefeitura de lá, apoio que lhes faltou em Atibaia. No final de setembro, tudo isso deverá estar lá. Antes, porém, eles serão expostos num evento no Anhembi, em São Paulo, de 23 a 27 de setembro, e de lá serão transportados para Socorro.

Em termos de memória ferroviária, essa é a notícia do dia. Em termos de novidades ferroviárias, foi inaugurada hoje a estação Vila Prudente, que se torna, pelo menos por alguns anos, a terminal da linha 2 do metrô da cidade de São Paulo. Uma construção moderna e espaçosa, é inaugurada exatamente cem anos depois da velha estação ferroviária de Socorro.

Observando-se as duas construções, é possível comparar estilos com um século de diferença. A foto acima, entretanto, mostra apenas a mais velha delas.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O CAOS

Hoje trabalhei em São Paulo com ponto final antes de vir para casa no bairro do Brooklyn - ou Monções, como queiram. Mais precisamente, avenida Luiz Carlos Berrini, próxima à rua Guararapes. Saí de lá por volta de 6 horas. Cheguei em casa, no Alphaville, às 7:45. Infernal.

A Marginal do Pinheiros, pista local, entupida e parada. A expressa, nem tanto, mas impossível de ser acessada até depois da ponte da Cidade Jardim.

Nos últimos dias, o Rodoanel, no trecho próximo à Castelo Branco esteve parado pela manhã, pelo menos. O Rodoanel já está saturado. A Marginal do Pinheiros, nesta manhã, já estava horrpivel. Um caminhão pegou um motoboy - ou o contrário. Segundo estatísticas, dois motoboys morrem por dia em São Paulo, e não é do coração.

A Marginal do Tietê estava entupida ontem à tarde. Minha esposa, que precisava ir à Zona Leste, não conseguiu passar da ponte da Casa Verde. Voltou.

O aeroporto de Porto Alegre teve um black-out e parou. Virou bagunça. Há poucos dias, ela aconteceu nos aeroportos brasileiros porque a Gol não sabe gerenciar seus vôos e continua mentindo para seus usuários (assim como todo o resto das empresas aéreas).

A infraestrutura do País está parando. Não há organização nenhuma e o governo não age, são um bando de inúteis, ao menos neste setor.

Todo dia há acidentes de camninhões nas ruas de São Paulo e isso piora já um trânsito lotado de automóveis. Não há rua, avenida nova ou linha nova de metrô que resolva.

Copa do Mundo aqui deste jeito? Vai ser um circo de horrores...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

EPOPÉIA

A placa na estação de Evangelista de Souza. Errada há pelo menos 35 anos. Foto minha, hoje

E hoje estive em Evangelista de Souza, finalmente. Esse local, talvez o povoado mais longínquo do centro da cidade de São Paulo e ainda dentro do município, fica a uns sete quilômetros de Engenheiro Marsilac, este sempre (bom, sempre é exagero) citado nos jornais. Fica dentro da APA Capivari-Monos e está, teoricamente, salvo de construções, favelas etc.

Na verdade, em Evangelista de Souza não mora ninguém. Ninguém que eu tenha visto morando, pelo menos. Basicamente, é apenas uma estação de trem com a vila ferroviária em volta, todas construções dde meados dos anos 1930, quando a Sorocabana passou sua linha por ali, ligando Mairinque a Santos. Houve trens de passageiros para Evangelista de Souza desde essa época e eles duraram até o final de 1997. A vila, que até o início dos anos 1990 tinha seus moradores, morreu de vez.

O prédio da estação é utilizado como escritório da turma de via da ALL. Chegam de manhã e vão embora à tarde. Um funcionário dá plantão durante o turno de trabalho. O resto sai para manter a linha num determinado trecho em volta da estação (um quilômetro, dito por um deles). Até que o prédio não está tão mal assim, mas a plataforma de embarque é coberta com telhas de amianto - originalmente, eram telhas de barro - e a estrutura de madeira não inspira muita confiança.

Na placa que indica a posição da estação, posicionada na plataforma em posição bem visível, vê-se que desde os tempos de FEPASA não é trocada. Pode não fazer diferença hoje, mas nos tempos do trem de passageiros fazia. Nela está escrito que a estação seguinte é Engenheiro Ferraz (estava correto), mas a anterior era Barragem - que ficava na linha de Jurubatuba, hoje abandonada no trecho que a CPTM usa (de São Paulo a Varginha) e a estação de Evangelista. Nos anos 1960-70, a linha principal não era considerada a que seguia para Mairinque, mas sim a que ia para Pinheiros. Desde 1976, no entanto, isso já não se confirma. Portanto, a informação errada e não corrigida vem dessa época.

Saindo da estação no sentido Marsilac, há algumas casas da vila ferroviária, aparentemente vazias. Uma está em ruínas. Há uma de madeira. Uns 200 metros antes da estação, a chegada da linha de Jurubatuba hoje está abandonada: poucos trilhos de bitola métrica ainda são vistos no leito e enterrados, enquanto uma boa parte já foi arrancada. No pátio da estação, um enorme cargueiro cheio de soja e milho aguardava autorização para descer para Santos e não conseguia. Ficamos uma hora lá, ele fez muito barulho, mas não mudou de lugar.

Enfim, uma cidade-fantasma. Muito lixo em volta. É verdade que não há uma lixeira ali, mas isso não é desculpa. Restos de tudo que se possa imaginar está tudo atrás do muro da plataforma, entre ele e o barranco atrás. Do outro lado da linha, em frente à estação, enormes buracos causados pela água - provavelmente desde as fortíssimas chuvas de janeiro - já deixam dois desvios pendurados e ameaçam as duas linhas principais. A concessionária não parece se importar muito.

O caminho de acesso por carro, de Marsilac para Evangelista (que muita gente chama de Engenheiro Evangelista, um absurdo, pois Evangelista de Souza era o Barão de Mauá, que jamais foi engenheiro) é de terra, em alguns trechos não muito bem mantido, mas dá para ir, desde que não seja período de chuvas, como não está sendo hoje. A meio caminho da estação, vindo de Marsilac, na passagem de nível sobre os trilhos, quatro crianças esperavam pelo ônibus escolar (do Governo do Estado, segundo a placa nele). Elas foram filmadas com a mochila nas costas embarcando no ônibus, numa cena rural maravilhosa.

Nesse período, apenas um trem passou, além de um mini-comboio com duas locomotivas e um vagão vazio. Foi um da Votorantim Celulose, em bitola métrica. O grande estava no pátio esperando. Para nós, entre ida e volta, cinco horas de carro...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

ESTÁ TUDO UMA BAGUNÇA

Em foto tirada hoje por mim em Santa Barbara do Oeste, a linha do ramal de Piracicaba, uma linha concessionada à ALL, mas não utilizada há mais de dez anos, foi cortada pelo meio para a passagem de uma avenida construída pela Prefeitura.

Hoje estive em Santa Barbara d'Oeste. Fazia, na verdade, já 14 anos que eu não ia para lá. Quando fui, estava atrás da estação ferroviária. No ano anterior, 1995, havia passado por ali o último trem do ramal de Piracicaba, com uma carga de açúcar - já o de passageiros, o último passara 19 anos antes. Descobri que o prédio, em estado de conservação apenas regular, era a rodoviária da cidade.

Soube, depois, que o prédio foi abandonado e a rodoviária transferida de local. Assim ficou até cerca de 2005, quando a Fundação Romi conseguiu autorização da Prefeitura, já dona do prédio, para instalar ali parte da sua fundação. No armazém, ao lado, instalaram um auditório. Isso tudo hoje está muito bem conservado. Do outro lado da linha, entre o espaço entre os dois prédios, um terceiro foi construído, e ali está um bar e mais algumas instalações. Para se o atingir, fizeram uma pequena passarela metálica sobre os ains existentes três linhas do pátio, que ainda estão lá - afinal, o ramal foi concessionado em 1998 para a Ferroban e, depois, para a ALL.

Concessionado foi, mas uso que é bom, nada. O ramal está abandonado há mais de dez anos. Vários trechos já foram roubados no percurso. Mais não foi por milagre: os dormentes desse ramal são todos de ferro, com valor de sucata razoável por seu peso. Um dos dormentes que vi hoje foi fundido em 1896. A linha é de 1917, construída pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro em bitola larga de 1m60 e com 42 km.

A cerca de um quilômetro da estação, no sentido Americana, a linha corre sobre um aterro até um ponto em que ele foi destruído para se fazer uma avenida: a linha ali foi eliminada. Depois, continua do outro lado. Curioso, essa linha ainda está dada em concessão para a ALL. Quem teria autorizado o corte? Provavelmente, ninguém. A Prefeitura foi lá e arrancou todo o aterro e a linha. A avenida está feita, asfaltada, canteiro central, etc. Ficou tudo por isso mesmo. A ALL tem a obrigação de cuidar do ramal, mesmo não o usando. Nada fez. A Prefeitura não podia cortar, mas cortou. Isso significa que ninguém se importa, nem fiscaliza.

Este tipo de coisas: falta de fiscalização das agências, o fato de se fazer o que não se pode fazer com as ferrovias, o descalabro e desleixo com a infraestrutura pública (tanto das concessionárias quanto do poder público) estão cada vez mais constantes no país. Pelo visto, quando as malhas foram devolvidas ao seu dono, a União, nada mais sobrará para contar a história.

Acorda, governo! Acordem, brasileiros!

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

TREM RAPIDO É COISA SÉRIA

Foram-se há muito os trens a vapor da velha Paulista, herdados da Douradense nesta foto em Jaú, em 1964.

O texto transcrito abaixo deste parágrafo é uma junção de uma série de respostas dadas por Nicholas Burman numa lista de discussões de trens nos últimos dias. Foi escrito por ele em pelo menos 4 e-mails e é a opinião de uma pessoa que entende bastante de trens pelo mundo todo. Não houve correções e os textos foram escritos relativamente rápido por ele. A pergunta era sobre se seria possível o compartilhamento de trens tipo Intercity de passageiros (bastante rápidos) nas linhas atualmente utilizadas pelas concessionárias.

Chega de remendos. É hora de o Brasil começar a fazer as coisas por medidas inteiras... ademais, o conceito dos HST já tem 30 anos e num mercado onde as operadoras britânicas tem que competir com empresas como Wizzair, Ryanair e afins, está começando a ficar insuficiente. Tanto que o governo britânico já anunciou planos para a HS2, a segunda linha de alta velocidade britânica, a correr entre Londres St. Pancras (atual terminal da HS1) e Birmingham. A julgar pelo barulho na imprensa, a obra irá sair mesmo com a crise econômica. Ainda por cima com a linha convencional atual se aproximando rapidamente do ponto de saturação. Se o conceito HST ainda fosse válido, o governo britânico não estaria pensando numa linha nova...

A tal alta velocidade dos anos 1970 não é mais alta velocidade. É mera velocidade de cruzeiro hoje. Assim, o traçado da linha SP-RJ não serve mais para transporte de passageiros em alta velocidade legítima. E a MRS não vai querer nem saber de abrir mão de sua linha, especialmente na serra. Se for segregar, segregue tudo, com um traçado novinho em folha, separado da linha atual e passando fora daquela cidades que não terão paradas.

Trem a 3 a 4 horas não vinga, mais um pouco e vão sugerir "reciclar" os Budds. Repito, para atrair o público o trem deve ser competitivo com a Ponte Aérea e deve correr com frequencia similar. E elétrico, CO2 e cerrado oblige...

Essa história de compartilhar via não vinga. Ainda mais aqui. É simplesmente impossível vc fazer coincidir na mesma via trens de minério com 200 vagões a 60 Km/h e trens de passageiros a 200 Km/h. Impossível, quanto maior a diferença de velocidade entre tipos distintos de composições, menor a capacidade de transporte de uma linha - mesmo que duplicada, triplicada ou quadruplicada. Exemplo é o Corredor Nordeste da Amtrak, detestado pelos trens de carga de longo percurso (a linha ainda é frequentada por "cata-jecas" que atendem os clientes com ramais) da Conrail (que hoje seguem por um "caminho da roça" mais para o interior) em parte devido à impossibilidade de se compatibilizar trens de carga com uma enxurrada de trens de passageiros, não só de longo percurso mas suburbanos também. Isso em uma linha que apresenta via sextupla em alguns pontos!

Esqueça também restringir o tráfego de carga para a madrugada. Isso também reduz o volume de carga que você pode passar numa via - justo o contrário do que se necessita nessa hora. Mesmo na Grã-Bretanha há muito tráfego de carga diurno e não são todas as linhas que estão disponíveis de madrugada para a carga - pelo contrário, muitas linhas são fechadas à noite para permitir manutenção de via ou intervenções na infra-estrutura. A sorte é que a infra-estrutura britânica possui redundância suficiente (leia-se caminhos alternativos) para absorver esses fechamentos. Manter um serviço de trens de alta velocidade requer manutenção super-intensiva, muitas vezes incompatível com um uso alternativo noturno. Os japoneses descobriram isso logo durante o planejamento da primeira linha de Shinkansen - eles queriam usar o período da noite para correr trens de conteineres na mesma linha, porém tiveram que desistir ao perceber que necessitariam das madrugadas para dar conta da manutenção da via.

Esqueçam da linha tradicional do Vale do Paraíba. Entre os subúrbios de SP e RJ, a Serra das Araras, a MRS e o traçado, a linha é inutilizável para altas velocidades reais. Nem duplicando, triplicando, decuplicando (esqueceram das travessias das zonas urbanas??? Duplicar como em Caçapava, Taubaté, Cachoeira....), que seja. Basta de remendar o remendado...se vc tiver que fazer um traçado novo através da baixada fluminense e da Serra das Araras, aproveite e faça um traçado totalmente novo até São Paulo.

Esqueçam também do conceito de "trenzinho fazendo em 3 ou 4 horas", é muito leviano. Mais um pouco e irão sugerir "reciclar" os carros Budd...chega, hora de novo paradigma!!!!! Necessitamos de um serviço que seja mais rápido do que o ônibus e que consiga bater cara a cara com a Ponte Aérea (e complementar a rede aérea nacional também). O exemplo europeu que melhor se encaixa na situação brasileira é a linha AVE Madrid - Barcelona da RENFE - distâncias similares, mercados similares.

O uso de trens a diesel em serviços de "velocidade alta" (por que não dá mais para chamar o HST de "alta velocidade" - 200Km/h hoje é fato corriqueiro). Os alemães experimentaram isso recentemente com o ICE-TD (um ICE diesel com pendularismo para servir linhas sem eletrificação), com resultados desastrosos - as 13 composições ficaram imobilizadas de 2003 a 2007 por problemas técnicos e hoje estão servindo em linhas para o qual não foram projetados (arremedo para justificar o uso continuado delas) no norte da Alemanha (justo onde eles não precisam do mecanismo pendular!). Na Grã-Bretanha os HST receberam novos motores diesel nos últimos 5 anos (MTU ao invés dos Paxman Valenta originais - ficaram mais silenciosos e menos beberrões), porém os trens estão hoje com mais de 30 anos de serviços intensivíssimos e o governo britânico planeja sua substituição na próxima década. Na substituição veio a boa nova - depois de quase 30 anos está se planejando embarcar em um novo plano massivo de eletrificação de vias (especialmente a linha Troncal do Oeste da Inglaterra - ALELUIA!!!!!!), parte para permitir melhorias nos serviços de passageiro, parte para poder passar um maior volume de transporte de carga para tração elétrica.

O modal diesel já deu o que tinha que dar, para altas velocidades legítimas só elétrico. Apesar que parte da frota de HSTs já usa uma mistura de biodiesel e diesel comum a título experimental, o uso em massa ainda é discutível - nem toda a produção de todas as lojas de fish & chips britânicas daria conta de manter a frota funcionando... sem lembrar daquele velho mote "o barato sai caro": sai mais barato colocar diesel agora, porém a longo prazo o custo é muito mais alto. É como a disputa VLT x BRT - inicialmente o BRT é mais barato, porém a longo prazo o VLT é infinitamente melhor...

Da última vez que eu viajei de HST a viagem deu tanto desgosto que na volta eu voltei de ônibus... foi muito mais conveniente...

A Grã-Bretanha (por ora - a situação é muito fluída) possui 6 operadores de carga: DB Schenker (ex English Welsh & Scottish Railway, operador de carga geral e o único a lidar com vagões indiviuais), Freightliner (intermodal e carvão), GB Railfreight (intermodal), Direct Rail Services (DRS - resíduos nucleares e produtos químicos), Mendip Rail (agregados para a construção civil) e Colas Rail.

domingo, 15 de agosto de 2010

BACIA DO UBERABA

Debaixo desta servidão passa a galeria do córrego Uberaba, entre as ruas Pinrassilgo e Graúna (esta ao fundo). Foto Ralph M. Giesbrecht em 3 de julho de 2010.

Mais uma vez falo dos córregos desaparecidos da cidade de São Paulo. Do norte para o sul, os córregos que desembocam no rio Pinheiros pela margem leste, a partir do das Corujas, que faz a foz no Pinheiros vindo pela Frederico Hermann Junior, seguem o Verde, que tem a foz junto ao Hebraica, depois o da Várzea, na Prof. Artur Ramos; o próximo é o Uberaba.

Pelo que consegui pesquisar, atualmente ele tem a foz não no rio Pinheiros, mas sim no córrego da Traição, junto à alameda Vicente Pinzon. Não, não espere ver nem um nem outro, está tudo canalizado... ou melhor, entubado mesmo. Só que a foz natural dele era junto à rua Pequetita, no exato ponto em que ela muda de nome para rua Funchal. Você sempre achou que não havia motivo para a rua mudar de nome naquela pequena curva? Historicamente, havia sim: não havia passagem ali, pois o riacho cortava as ruas de terra que, na época, não se encontravam.

O córrego Uberaba vem ali da avenida Ibirapuera, cruza-a entre as avenidas Ibijaú e Rouxinol, continua num trecho sob a Ibijaú, cruza as paralelas à avenida Ibirapuera até a rua Tuim, segue e entra pelo centro da avenida Helio Pelegrino. Dali, segue por ela até o seu fim, onde começa a Faria Lima. Entra pelo meio da Vila Olímpia, segue por dentro desta, até fazer uma curva para o sul junto à Vicente Pinzon e desembocar hoje no Traição, sob a avenida dos Bandeirantes. A mudança deste curso final pode ter ocorrido na época da retificação do Pinheiros, nos anos 1940. Veja na foz antiga que o rio fazia uma curva ali e encostava na rua Pequetita, coisa que não faz hoje.

Seu afluente é o córrego Paraguai, que vem do alto do bairro de São Judas, na avenida Jabaquara, desce hoje entubado debaixo da avenida José Maria Whitaker, cruza a avenida Ibirapuera junto à avenida República do Líbano, entra por Moema, segue até a avenida Juriti junto à Helio Pellegrino e cruza a Diogo Jacome, onde se junta com o Uberaba na esquina da rua Marcos Lopes.

E o Paraguai ainda tem seu afluente: o córrego das Éguas, que nasce na esquina das ruas Botucatu e Onze de Junho, no alto da Vila Clementino, desce até onde hoje está um dos viadutos da Rubem Berta, acompanha esta por um quarteirão, onde se encontra com o córrego Paraguai, este sob a José Maria Whitaker.

Enfim, um festival de rios canalizados e entubados que outrora fizeram parte de uma paisagem rural no meio de São Paulo. Disso tudo, cheguei a ver apenas parte do Uberaba, no cruzamento com a avenida Santo Amaro, a céu aberto por muitos anos debaixo de uma pequena placa escrita: "Avenida Uberaba". Esta era o que se tornou a Helio Pelegrino, na época um pequeno caminho de terra ao lado de um riozinho sujo. Isto até o início dos anos 1990. Também me lembro de pequenas pontes nas ruas que cruzavam o córrego ali na região onde hoje se encontram as avenidas Faria Lima e Helio Pellegrino.

sábado, 14 de agosto de 2010

UM PASSEIO PELA SOROCABANA

A estação de São Manuel estava assim há um ano atrás (foto Luciano Secato). Hoje, está pior: por exemplo, o dístico escrito acima (São Manoel) já foi retirado ou roubado - ou caiu.

Hoje eu e meu amigo Douglas fomos até São Manuel. A intenção era verificar o estado das estações ferroviárias da cidade, São Manuel e Rodrigues Alves. Parece que a cidade não dá a mínima importância para as duas que tem, ambas no antigo ramal de Bauru. Este ramal, que liga Bauru à estação de Rubião Júnior, em Botucatu, sempre foi a continuação natural da antiga Noroeste de Bauru. Hoje, ambas são operadas pela concessionária ALL.

A ALL não tem a menor intenção de manter essas duas estações - nem a obrigação contratual. Certamente, a prefeitura da cidade também não pensa nisso. Isso está mais do claro no que claro no que vimos lá. A estação central está mais depredada do que jamais esteve. Toda a cobertura em volta da estação suspensa por madeiras já caiu. As madeiras ainda não, mas é questão de tempo. O piso de madeira da estação foi retirado (roubado). O prédio está às moscas, aranhas e tudo quanto é bicho. As portas e janelas estão escancaradas. A sujeira interna e externa é horrorosa.

Como o prédio está numa parte alta da cidade e naquele ponto, mais alta que a rua que tem casas com moradores, ninguém vê, ninguém liga. Assim como a União, dona da estação, não se preocupa de forma alguma em reparar e limpar o que lá existe - sempre lembrando que a estação central de São Manuel é uma das mais bonitas dessa antiga ferrovia e é uma construção que fará cem anos no ano que vem (2011) -, quem mora em frente também não se preocupa em ver o lixo ser jogado ali todos os dias. A União não cuida do que é do povo, nem o povo cuida do que é dele.

Tudo isso ocorre também em Rodrigues Alves, onze quilômetros mais à frente. Ali, a estação está em ruínas, juntamente com seu armazém e a casinha de funcionários em frente. O mato cresce por fora e por dentro, a concessionária cortou parte da plataforma de pedras à frente e largou o entulho ali mesmo, as abelhas zunem dentro e fora do prédio, o piso também foi roubado. Ao lado, o armazém já teve parte do telhado desabado. Trilhos arrancados do leito estão jogados ali de qualquer forma. Do outro lado dos prédios, uma terceira linha se tornou desvio morto.

Naquele pequeno bairro abandonado fora da cidade, ninguém se importa com tudo isso, mesmo porque pouca gente o vê. Ao lado, a entrada da sede da antiga Fazenda Simões, mas essa é outra história.

Isso tudo é uma tristeza.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

PRAÇA DO PATRIARCA JOSÉ BONIFÁCIO

O antigo e belo prédio do Mappin Stores, no lado oposto ao viaduto do Chá, em 1937. Este prédio foi demolido, provavelmente nos anos 1970, para dar lugar a outro prédio sem-graça: o que abrigava o Unibanco e agora abriga o Banco Itaú. Autor desconhecido

O nome no título desta postagem é o nome original desta tradicional praça da cidade de São Paulo. Localizada no Centro Velho, ela não é tão velha assim: foi construída (posso estar enganado na data, mas é por esta época) em 1928, quando se demoliram os imóveis que existiam ainda no pequeno quarteirão formado pelas ruas São Bento, da Quitanda, Líbero Badaró e Direita. Aliás, na esquina da Direita com a São Bento era o famoso "Quatro Cantos", único cruzamento em ângulo reto que o Centro Velho sempre teve.

Com o tempo, o nome foi resumido para "Praça do Patriarca". A partir de 1892, era na rua Líbero Badaró que desembocava o primitivo Viaduto do Chá, inaugurado nesse ano com sua estrutura em ferro. Quando a praça foi construída, passou a ser a porta de entrada do Centro Velho para quem vinha da Praça Ramos de Azevedo.

Da praça podia-se descer para o Anhangabaú, por uma pequena rua que passava entre o Palacete Prates (no local onde hoje está o sem-graça Edifício Conde Prates) e o início do viaduto. Depois, construiu-se a passagem entre o mesmo Anhangabaú e a praça por um túnel de pedestres com escadas: a Galeria Prestes Maia. Com a abertura do viaduto novo, em concreto, em 1938, a passagem lateral foi eliminada e substituída pela Galeria Prestes Maia. Posso estar errado aqui também e elas teram convivido por algum tempo.

Hoje, a praça ainda é bonita, mas perdeu o antigo prédio do Mappin Stores, substituído pelo edifício que abriga no térreo uma agência do Itaú, ex-Unibanco. À direita, a Igreja de Santo Antonio, de mais de 200 anos de idade, ficou espremida e meio escondida entre o prédio dos anos 1950 do Hotel Othon, fechado, e um prédio baixo horrorosinho e branco. À frente da igreja, um edifício dos anos 1920 ainda está lá, graças a Deus. De um lado do viaduto, a atual Prefeitura, ex-prédio do Matarazzo, está no lugar, desde os anos 1930, do prédio da Rotisseria Sportsman. Do lado contrário, o Conde Prates.

Sobre a saída da Galeria Prestes Maia, no centro da praça, o horror que a prefeita Marta mandou construir em 2002, uma cobertura que consegue ser mais feia do que todos os edifícios mais recentes da praça. Implosão nela (não na ex-prefeita, na cobertura).

Mas o trio Patriarca-viaduto-praça Ramos ainda tem beleza, principalmente iluminado à noite. Meu filho Alexandre deu sua recepção de casamento no salão do Othon, ainda aberto em 2006. Os convidados, muitos deles não tendo ido ao centro velho havia muito tempo, surpreenderam-se com a beleza da paisagem noturna vista das janelas do primeiro andar, mirando o viaduto do Chá e o Teatro Municipal.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

PERGUNTAS SEM RESPOSTA

Estação Julio Prestes em 1982 - hoje, principalmente por causa do cancelamento dos trens de passageiros e também por causa da inauguração da estação da Barra Funda unificada em 1987, a frequência de passageiros nessa estação é baixíssima. Pode-se dizer que ela fica às moscas.

Em meados do século 19, quando apareceram os primeiros trens e ferrovias no Brasil, o povo que seria um de seus mais fieis usuários apanhava tanto da vida que não ligava para detalhes. Tomar um trem na estação de sua cidade - ou mesmo da estação da cidade ou fazenda do lado - facilitava tanto a sua vida, que todo o resto era relegado a segundo plano. Afinal, pela primeira vez, a população conseguiria fazer viagens de uma cidade a outra em um tempo de percurso, digamos, decente.

Entre os detalhes que ele relegava (embora seja difícil a esta altura saber o que ele realmente pensava a respeito), estava o fato de que cidades com duas ferrovias geralmente tinham duas estações. Até três. Portanto, a baldeação de uma estação para outra, geralmente próximas, devia ser feita pela rua, trilhas de terra e poeira, sujas, frias ou muito quentes dependendo do dia. Não eram comuns casos de cidades com uma estação somente e duas ferrovias.

Cachoeira, atual Cachoeira Paulista, era uma das exceções. Em 1877, com a diferença de alguns meses,, duas estradas de ferro com diferentes bitolas chegaram à cidade. A primeira, a E. F. Dom Pedro II, construiu a estação. A E. F. do Norte (ou E. F. São Paulo-Rio) chegou depois e passou a se utilizr da estação da outra. Pagava para isso, claro. Com o tempo, a primeira comprou a segunda e alargou a bitola. Em 1908, a estação de Cachoeira não tinha mais baldeação de trens.

São Paulo até hoje tem duas estações centrais: Luz e Julio Prestes. Apesar de estar sendo dito há pelo menos cinco anos que tudo iria se concentrar na Luz, isso não aconteceu. Por outro lado, fala-se que uma nove será contruída e as duas deixarão de receber subúrbios. As duas estações da Barra Funda foram unificadas em 1987. As duas da Lapa, até hoje não foram. Param trens nas duas. As três do Braz - aqui incluída a do metrô - foram unificadas já há vários anos.

No Rio de Janeiro, havia quatro estações centrais. Hoje, somente há uma, mas Barão de Mauá, por exemplo, foi desativada somente há cerca de dez anos. As outras duas - Alfredo Maia e Francisco Sá - estão jogadas às traças, e quem hoje permanece como sendo única é a Dom Pedro II, hoje chamada de Central.

No Recife, eram três. Somente nos anos 1930 as partidas do trem passaram a ser feitas em uma só - a Central. Em Belo Horizonte, eram duas. Hoje uma é usada como partida para o Vitória-Minas (como plataforma apenas) e entre elas foi criada uma terceira: a do Demetrô.

Enfim, tudo era feito sem se pensar no passageiro, que tinha de descer de uma, andar até outra... mesmo em pequenas cidades do interior, como Santa Rita do Jacutinga, Agudos (nesta última, a baldeação obrigava o passageiro a uma longa caminhada de mais de um quilômetro por uma subida e una descida). Há outros exemplos.

Qual teria sido o motivo de tantas estações? Politicagem entre as empresas? Necessidade de mostrar um prédio mais suntuoso do que o outro? Orgulho? Falta de acordo monetário para uma utilizar a estação do outro?

O último caso de baldeação é o do metrô em São Paulo: as estações Paulista e Consolação são separadas por cerca de três quarteirões. Porém, a mudança de uma para outra pode ser feita debaixo da terra, a pé ou sobre uma esteira rolante. Escolha. Aqui, respeitaram o passageiro. O problema foi técnico.

Teria sido técnico nos outros casos? Será? Perguntas sem respostas.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

RELÍQUIAS FERROVIÁRIAS

Estação de Bento Quirino - foto de Ely Roberto de Oliveira Jr. em 2001

Hoje soube de uma história bem pitoresca lá no interior.

A Prefeitura de São Simão resolveu reformar a antiga estação ferroviária de Bento Quirino, desativada em 1971, para criar um museu ferroviário. Para isso, solicitou ao DNIT - um dos responsáveis (entre vários) pelo material ferroviário da antiga FEPASA, incorporada pela falida e extinta RFFSA em 1998, a cessão do material que se encontrava guardado na estação de Barracão, em Ribeirão Preto, esta desativada também e desde os anos 1990.

Vai daí, o DNIT teria autorizado. A Prefeitura foi lá e pegou o material, levando-o para Bento Quirino para arrumar e abrir o museu. No meio do caminho, o Ministério Público e a Polícia Federal tiveram uma denúncia de que o material foi subtraído de Barracão sem autorização.

Foram a Bento Quirino e lacraram a estação, fazendo o mesmo com a de Barracão, em Ribeirão. A bagunça foi armada. Há investigação agora sobre o caso.

Pergunta: por que a Prefeitura de São Simão não apresentou a carta que o DNIT teria dado, autorizando a remoção? Supõe-se que exista um documento desse tipo, senão eles não teriam conseguido remover tudo de Barracão, já que a estação estava fechada.

Se não tinham a carta, como conseguiram tirar o material (sei lá o que é esse material) da estação? Por outro lado, se Ribeirão Preto não queria que o material saísse do município, como alguém abriu o prédio para São Simão?

Mais ainda: há suspeitas de que a carta do DNIT não existe, o que existiria seria uma autorização de remoção... dada por Ribeirão Preto.

Ô história mal contada.

Não há jeito mesmo de se preservar material ferroviário no Brasil. Ninguém cuida. Quando alguém quer cuidar e o pega exatamente para cuidar dele, o dono diz: "é meu!". Isto já aconteceu antes. Sorocaba e Campinas têm uma briga com uma locomotiva que estava muito bem cuidada em Campinas e foi "resgatada" na marra por Sorocaba. Agora está enferrujando, exposta ao ar livre num parque.

Os donos de uma locomotiva em Bebedouro, em 2002, resolveram transferir uma locomotiva a vapor que estava meio largada em propriedade deles na cidade havia anos, para Antonina, no Paraná. A prefeitura de Bebedouro, que jamais deu a mínima para ela, barrou a saída da locomotiva da cidade, já na estrada, sobre um caminhão. Só que a locomotiva era particular e quem a estava transferindo era seu dono, que, com medida judicial, conseguiu levá-la para Antonina.

Há outras histórias escabrosas. E o material apodrece por aí.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

EVANGELISTA DE SOUZA

Foto Beni em abril de 2010 - a linha à beira do buraco em Evangelista de Souza

A estação ferroviária de Evangelista de Souza fica no alto da serra do Mar, perdida no meio do nada e com um acesso por carro pavoroso. A partir dela começa a descida da serra até a baixada santista e uma sequência de uns vinte túneis construídos nos anos 1930. Há uns dez anos tentei chegar até ela e desisti. Recentemente, sei que deram um "trato" na estrada, mas que mesmo assim está difícil. Porém, sempre há uns malucos que conseguem chegar até ela.

Foi o caso de outros "ferreomaníacos" como o Otavio e o Beni. Eles retrataram as crateras e as voçorocas que se formaram no início deste ano no pátio da estação, cujo nome vem do Barão de Mauá, Irineu Evangelista de Souza, e era aqui que se juntavam as linhas da Mairinque-Santos, terminada em 1938, e o ramal de Jurubatuba, de 1957, que é a linha da CPTM que acompanha o rio Pinheiros. Este último já teve os trilhos arrancados em grande parte de sua extensão, após o ponto final dos atuais trens da operadora de trens metropolitanos, mas a Sorocabana e a FEPASA chegaram a operar trens de passageiros por ali até 1976 - ou seja, por dezenove anos (nem é muito, não é?).

Voltando às voçorocas, pergunto: como pode uma concessionária operar mantendo um pátio nessas condições, que a qualquer instante pode desbarrancar de vez, levando trilhos e eventualmente até os trens eventualmente estacionados ou que estejam passando pelo local? Os comboios da ALL que passam por ali são pesados e longos e escoam quase toda a carga que vem do Estado de São Paulo, boa parte de Minas Gerais e praticamente toda a que vem dos dois Mato Grosso para o porto de Santos. Se a linha for cortada ali, é prejuízo certo.

Esse movimento de terra não apareceu por acaso: ele provavelmente se originou com as chuvas de dezembro, janeiro e fevereiro passados, que, como sabemos, arrastou muita terra em diversos estados do Sul e Sudeste do País. Não sei realmente quem é o responsável pelo conserto ali: se a União, que é a dona da ferrovia, ou se a concessionária. De qualquer forma, ela já deveria estar arrumada. Já está ali há pelo menos sete meses. Parece que ninguém está dando a menor importância para aquilo. Não é surpresa, considerando-se o monitoramento das concessionárias feito (ou não feito) pela ANTT.

Salve-se quem puder! Ferrovias à deriva!!!

domingo, 8 de agosto de 2010

TEATRO EM PIRACAIA, SP


Em 1911, meu avô Sud Mennucci foi transferido de Cravinhos para ser professor primário no município de Piracaia. Para chegar lá foi um inferno. Ainda não havia trem (o ramal de Piracaia, da Bragantina), que chegaria apenas em 1913. Ele foi por boa parte do trecho a cavalo.

O acesso era difícil, consequentemente ele teria de ficar lá por boa parte do tempo, sem fazer as costumeiras viagens que costumava fazer em Cravinhos, pois lá havia a Mogiana.

O que fazer, então? Fora os artigos que escrevia para jornais, ele precisava fazer alguma coisa para se distrair.

Uma delas foi participar de peças de teatro. Acima, o folheto que anunciou uma delas na cidade, ocorrida na Câmara Municipal. Curioso, não diz em que dia. Mas foi em 1911.

Como terá Sud se saído?

sábado, 7 de agosto de 2010

NOMES SEM NADA A VER

Planta do loteamento do Bosque da Saúde em janeiro de 1921, publicado no Diário Popular. Os nomes das ruas referiam-se todos à Guerra do Paraguai. Quase todos, no entanto, mudaram depois.

As denominações de logradouros no Brasil não seguem, realmente, nenhuma regra de coerência. Cidades, ruas, estações ferroviárias, bairros e outras localidades são e foram batizados em um grande número de vezes de forma a não manterem relação nenhuma com fatos, locais ou pessoas com as quais são denominadas. As que menos sofrem com isso parecem ser as cidades, mas, mesmo assim, parecem existir inúmeros casos desse tipo.

Ruas, então, pelamordedeus. Alguns exemplos em São Paulo: alguém sabe que relação o sr. Roberto Marinho tem a ver com a antiga avenida das Águas Espraiadas (que tinha esse nome por causa do córrego que ela acompanha)? Ou os Bandeirantes com a avenida que lhe leva o nome (antiga avenida da Traição, por causa de um fato perdido no tempo de um assassinato às margens do córrego que ela acompanha)?

Ou o Capitão Cavalcanti com a rua que tem seu nome na Vila Mariana - ele era um herói da guerra do Paraguai, mas que não tinha nenhuma relação com o bairro. Especialmente na Vila Mariana, que é um bairro formado no final do século XIX e cujas primeiras ruas levaram o nome de moradores ou dono de chácaras por ali: Carlos Petit, Dona Avelina, Dona Júlia, Dona Ana Rosa. Por outro lado, o próprio nome da rua principal dali, Domingos de Moraes, recebe o nome de um político batataense que talvez jamais tenha passado por ali. O nome original desta rua era Caminho do Carro (para Santo Amaro).

Há, no entanto, diversos bairros que receberam nomes temáticos, ou seja, quando se abriu o loteamento, como eram muitas ruas, decidiu-se dar os nomes baseados em algum fato histórico ou geográfico. O Jardim Europa leva o nome de países da Europa. O Jardim América, da América. O Sumaré, de cidades do Brasil. A antiga Vila América, de cidades do Estado (Santos, Jaú, Itu... embora a Iguape tenha virado Oscar Freire no final dos anos 1920... por que?). Em Moema, as ruas têm nomes de pássaros a oeste e de índios a leste da avenida Ibirapuera, mas nos anos 1980 uma delas recebeu o nome de um ministro (Gabriel de Rezende Passos). Mesmo que ele tivesse terras ali ou houvesse ali morado, mudar o esquema e a sintonia dos nomes temáticos por que motivo?

Em estações ferroviárias brasileiras, o nome de funcionários das companhias em que trabalhavam foram dados a inúmeras estações, sendo que muitos deles a pontos que não tinham relação alguma com as pessoas. Pessoas falecidas em acidentes na ferrovia foram homenageadas às vezes a 500 km dali. Muitos - não todos - os nomes - substituíam nomes antigos e tradicionais. Por que? O que ganham as pessoas com isso? A recente briga pelo nome do túnel da avenida Nove de Julho pelo nome de um médico mostra bem isso. Ou das pontes das Marginais. Em ambos os casos agora elas têm dois nomes. Para que, meu Deus?

São muitos os exemplos. Inúmeros, para dizer a verdade. Não se entende por que os políticos brasileiros insistem em alterar nomes de logradouros ou mesmo de darem nomes sem relação com os locais. Está mais do que na hora de parar com isso - e, se fosse mesmo viável, retroagir muitos dos nomes atuais aos antigos. Mas é, realmente, sonhar acordado.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A FAZENDA GUATAPARÁ


A fazenda Guatapará, da família Prado, depois da família Morganti e nos anos 1970 vendida para os Silva Gordo que venderam sua parte mais alta para a Votorantim, era uma fazenda de café que tinha uma infraestrutura fantástica e uma casa-sede maravilhosa. As construções da fazenda foram praticamente todas demolidas, inclusive a belíssima casa-sede, pelos atuais proprietários e se transformou numa plantação de cana.

A bela casa sobrevive nos belos desenhos de João Paulo Papandreu Lemos, um deles, o da casa-sede, reproduzido acima e os outros numa página de meu site "Lugares Esquecidos", que pode ser vista aqui. Existe mais material sobe esta fazenda desaparecida em outros sites da Internet.

O que está reproduzido abaixo foi transcrito da página sobre a fazenda no "Lugares Esquecidos". Vale lembrar que a existência da fazenda e da ponte da Companhia Paulista sobre o rio Mogi-Guaçu foi o embrião do atual município de Guatapará, separado de Ribeirão Preto.

"(A fazenda Guatapará) ...refletia o pensamento de seu fundador: o conceito moderno de terra - terra cultivada, dos seus 6.268 alqueires, 1.111 eram cultivados, tinha 56 trabalhadores brasileiros para 1.610 imigrantes. Valia 6.616 contos de réis, enquanto a fazenda tinha sido comprada por 70 contos de réis passou a valer noventa vezes o preço de compra.

"As terras da fazenda eram distribuídas. Assim, 2.688 ha eram cultivados em café; 480 ha em cereais e 48 ha em cana de açúcar. Por aí, se percebe o predomínio do café, produto destinado à exportação. Os demais produtos eram usados na pequena fazenda e o restante era vendido.

"Para manter essa imensa cultura, era necessária muita gente e uma forte estrutura. A grande propriedade era dividida em quatro grandes seções: Marco de Pedra, Brejão Grande, Monteiro e Guatapará, possuindo no total 500 edifícios, destinados à casa dos diversos diretores, máquinas de café, oficinas, depósitos, farmácia, hospital, cocheiras e um grande número de casas dos trabalhadores. Cada seção era organizada de tal maneira que havia tudo para o seu custeio e vida própria. Segundo a revista Brasil Magazine: "É somente na parte administrativa que ellas estão todas ligadas a sede central que é Guatapará e que em meio dellas faz o papel da capital de uma pequena e bem ordenada federação".

"Havia 452 casas de colonos, sendo assim distribuídas: Guatapará - 377; Brejão Grande - 34; Marco de Pedra - 23 e Monteiros - 18. Segundo as publicações da época, as casas eram construídas de tijolos e com todos os cuidados higiênicos. (NOTA DO AUTOR: Segundo a família Monteiro da Silva, proprietários da atual fazenda Baixadão, onde está hoje localizado o terreno onde um dia esteve a estação ferroviária de Monteiros, a fazenda Monteiros jamais foi uma seção da Guatapará).

"A seção central, Guatapará, era uma pequena cidade, com uma farmácia com clínico na direção, Joaquim de Miranda Alves, bem equipada com produtos de remédios e produtos antissépticos e até com alguns remédios importados da Itália. Havia um médico, Dr. I. Guzzo, formado na Universidade de Nápoles. Havia também uma escola ítalo-brasileira, um negócio de comércio de produtos alimentares, mercearia e leiteria, um hotel, uma igreja e um cemitério, construído segundo as regras de higiene. "Para o lazer dos trabalhadores, de tempos em tempos, uma companhia dramática e de variedades fazia uma série de espetáculos na fazenda. "Morava e trabalhava na fazenda uma população de 2.074 pessoas das quais 1.662 de nacionalidade italiana, 110 brasileiros e 302 de outras nacionalidades. Moravam lá 343 famílias.

"A parte de serviço do tratamento do café é grandiosa e moderna. A máquina de beneficiar o café é moderna e produz diariamente cerda de 15.000 kg, bem preparados que podem passar diretamente para o mercado de consumo.

"A energia para o movimento dos maquinários vem de um motor de 150 hp a vapor. Esse motor toca quatro dínamos elétricos. Três deles tocam uma série de máquinas para descascar, polir, separar e secar o café. O quarto dínamo se destinava à serraria de madeira, ao torno mecânico e ao moinho.

"Os terreiros para a secagem do café são imensos: 65.00 metros de superfície, todos com piso de tijolos e com uma camada de asfalto, ficando o piso liso e impermeabilizado. Não se perde um grão de café. Há também um terreiro menor nos mesmos moldes na seção do Brejo Grande.

"Há um condutor hidráulico que tem 5 km de comprimento e transporta o café por água até o terreiro. Esse condutor foi construído aproveitando o declive do terreno e economizando muito tempo no transporte do café.

"Na Guatapará, encontram-se algumas fábricas: uma de cerveja, uma de água gasosa, duas de tijolos e de ladrilhos. Elas fornecem seus produtos para as fazendas vizinhas, também para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Há também um curtume de peles.

"O sistema de transporte da fazenda era um dos mais modernos. As linhas da Mogiana passavam dentro da fazenda, onde havia uma estação junto à sede administrativa (seria uma parada junto ao paiol, chamada popularmente de "Chave", pois que a estação de Vila Albertina ficava mais longe da fazenda, ao lado da "Casa da Laranja" - nota do autor), perto da máquina de beneficiar e dos terreiros, e, em 1911, havia um ramal ferroviário particular para o trabalho exclusivo da grande lavoura. O transporte de café para vagões da estrada de ferro era feito por 20 carroções com 150 mulas. (O ramal particular da fazenda Guatapará funcionou até cerca de 1960. - nota deste autor)

"A fazenda Guatapará foi um colosso de modernização, porém no que diz respeito à relação moderna com os trabalhadores ela demorou a adotar."

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

MEMÓRIAS DOS TEMPOS DA ESCOLA

Rua da Consolação em 1956. Folha de S. Paulo

Meu pai todos os dias me apanhava na escola. Bons tempos em que era possível isso. Eu estudava na rua Olinda, mais precisamente a rua lateral da Praça Roosevelt onde ficava o Colégio Visconde de Porto Seguro, um belo prédio de arquitetura única no Brasil, remetendo ao tempo do Kaiser Guilherme II da Alemanha. Era esse colégio em que eu estudava.

Ele acordava todo dia bem cedo, por volta das seis horas da manhã. Eu morava na rua Tefé, no Sumaré, e ele, quando eu me levantava, já estava na cozinha fazendo café da manhã. Era bem "dietético" o que ele me preparava: torrada, ovos com bacon e um copo de Toddy, Kresto ou Nescau. Por volta das sete, sete e pouco, saíamos de carro. Nos primeiros anos, um Studebaker 1951. Era 1959 até 1961. Ele ia pela Doutor Arnaldo e ao entrar na rua da Consolação, parava em frente ao SirvaSe, no mesmo local onde hoje é o Pão de Açúcar, ali, e comprava o jornal no garoto que os vendia na calçada.

Eu ia folheando o jornal até chegar na escola, descendo a rua da Consolação, desviando dos bondes numa rua estreita pavimentada com paralelepípedos e ainda com alguns casarões. Papai entrava na rua Olinda à direita e me deizava na frente da escola. Era cedo, eu normalmente ficava esperando os outros chegarem. Muitas vezes não havia ninguém no pátio, as crianças iam chegando depois, aos poucos.

Na saída, às vezes eu tinha de esperar bastante. Todo mundo ia embora de ônibus ou de bonde. A maioria dos meus colegas morava para os lados dos Jardins e de Santo Amaro. Papai me levava e buscava pois era caminho para ele para o trabalho, na alameda Glette. Ou melhor, desviava um pouco, mas ele gostava disso. Enquanto esperava nos bancos de cimento na lateral da rampa que descia do pátio interno para a calçada da rua Olinda, eu via a praça.

Às quartas e sábados, havia ali a feira. Nos outros dias, somente um enorme estacionamento, público, sobre um mar de asfalto. Nada mais havia ali. O guarda civil, de capacete, estava ali todas as manhãs ajudando as crianças a atravessarem a rua. Eu sabia o nome dele, mas não me lembro mais. Era sempre o mesmo, e ficou por ali pelo menos uns oito anos, posso garantir isso. Eu às vezes seguia até a esquina da rua Gravataí, onde havia um sorveteiro num carrinho da Kibon, e às vezes comprava um picolé.

Nos dias de feira, era difícil esperar o carro em frente ao colégio. Eu tinha de descer para a rua Gravataí ou para a rua Augusta, pois a feira ocupava não somente a praça, mas também o leito da rua Olinda (hoje Guimarães Rosa). Havia uma banca de jornal por algum tempo no começo da rua Gravataí, mas era daquelas que não tinha muita coisa, então, dava para comprar figurinhas só e olhe lá. Com o tempo, a praça começou as obras da sua reformulação. Foi um tempo, em 1967-8, em que o bate-estacas funcionava o dia inteiro, dando para ouvir pelas janelas na sala de aula. Com o tempo, nós nos acostumamos ao ruído.

Na época das obras na praça, papai não me buscava mais. Ele levava e daí ia para a Cidade Universitária, para onde a Faculdade de Química se mudou no final de 1966. Ele ainda almoçava em casa, mas não dava mais para me apanhar na escola. Eu ia, entõ, ou de carona com alguns colegas, ou de ônibus. Era difícil de esperar o ônibus na rua da Consolação, que na mesma época estava sendo alargada: parecia uma praça de guerra. Já não havia mais bondes, e eu tinha de tomar o ônibus. Só que o ponto mudava de lugar quase todos os dias e o ônibus (e eu) tínhamos de adivinhar onde ele estava, nomeio de uma rua de terra, esburacada e com pedaços de guias e trilhos jogados no leito. O ônibus chegava sacolejando em cima daquela estrada rural em que se tornou a rua da Consolação.

Bons tempos, bons tempos. A gente fala sempre a mesma coisa, não é mesmo?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

TODOS IGUAIS PERANTE A LEI

A estação de Porto Novo do Cunha, na cidade mineira de Além Paraíba, com seus prédios magníficos e arruinados, construídos no distante ano de 1871. Foto Guilherme Armond Côrtes de Araujo, em 2010

A AGU (Advocacia-Geral da União) conseguiu, na Justiça, reformar decisão que obrigava a União a realizar as obras de restauração da antiga estação ferroviária de Porto Novo, no município de Além Paraíba (MG). O imóvel havia sido incluído pela Secretaria do Patrimônio da União no Fundo Contingente da extinta Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), de responsabilidade da CEF
(Caixa Econômica Federal).

O parágrafo acima foi transcrito de uma nota saída hoje na Internet, escrito por Silvana Losekan. Se a situação acima fosse um caso isolado, vá lá. Uma falha de um funcionário, uma omissão de outro, que fosse. Porém, todos os que acompanham a evolução (ou involução) da ferrovia nos últimos 15 anos (e mais) sabem que a regra é: pátio e imóveis desativados nas ferrovias nacionais significam abandono total de tudo. E continua:

Uma associação ajuizou ação alegando omissão do poder público na conservação do imóvel, gerando risco e prejuízos ao patrimônio histórico e artístico nacional, bem como a segurança do tráfego ferroviário. A 2ª Vara Federal de Juiz de Fora acolheu a liminar, determinando à Superintendência Regional do Patrimônio da União em Minas Gerais, que realizasse, no prazo de 60 dias, obras emergenciais de escoramento da estrutura da estação, sob pena de multa no valor de R$ 50 mil.

O artigo se estende, falando das responsabilidades no caso citado. Há outras decisões judiciais e processos correndo em várias instâncias contra a Rede ou seu espólio, com decisões diversas. Inúmeras. Infelizmente, tudo perda de tempo e de dinheiro. A União não vai respeitar decisão judicial alguma. Quando ela respeitou? Sómente quando lhe interessou.

O que estou querendo dizer é que a União não respeita nada, não há decisão da justiça que a faça se mexer nesse tipo de assunto e em muitos outros. É uma vergonha, realmente, para todos os brasileiros, ou, pelo menos, para os brasileiros que se importam com a preservação do patrimônio, e também, para todos os outros que são escorchados por impostos absurdos de toda ordem, enquanto do outro lado o dinheiro escorre pelas mãos da União em casos como o acima.

Até quando isso acontecerá? Provavelmente, até sempre. Até um futuro em que o País talvez não exista mais como o que conhecemos, para bem ou para mal. Não sei a resposta e não tenho esperança de que seja uma resposta otimista no âmbito ferrovias e, infelizmente, em muitos outros. Realmente, ao contrário do que está escrito na Constituição. não somos todos iguais perante a lei. A União, que em teoria é uma entidade que deveria existir para ajudar os que vivem neste País, é, na prática, algo que serve apenas para que as coisas não se degringolem demais enquanto poucos dela se aproveitam.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

DE PINHEIROS A RIBEIRÃO PIRES DE TREM

O "quiosque" de Ribeirão Pires em construção (hoje, vi-o quase pronto) e, atrás, a bela passarela e a velha estação (só dá para ver uma pontinha dela, à esquerda da foto). O quiosque está na frente da visão de quem olha da rua do Comercio. Foto Arnaldo Boaventura há alguns dias.

Bom, hoje à tarde fui de Pinheiros a Ribeirão Pires de trem, ou seja, Metrô + CPTM. Linha 4 tomada na estação Faria Lima (que fica no cruzamento da rua Teodoro Sampaio com a rua dos Pinheiros), a seguir desci na estação Paulista, fui a pé (com auxílio da esteira rolante) por baixo da terra até a estação Consolação, onde peguei a linha 2 até a estação Paraíso, dali pela linha 1 até a estação Luz do metrô, desta fui a pé (também por baixo da terra) até a velha estação da Luz, onde tomei o trem da CPTM para a estação de Ribeirão Pires. Tempo gasto: 90 minutos.

Desci em Ribeirão Pires com um fog londrino: a velha garoa que não mais existe na Capital sobrevive ali. Garoa fininha, fria, dia nublado. A viagem para lá de trem foi inédita para mim: pela CPTM, jamais havia ido. A última vez tinha sido em 1980, pela Santos-Jundiaí, então já incorporada pela Rede Ferroviária.

Fiquei reparando nos detalhes: muitos viadutos, pontes sobre córregos, duas travessias sobre o rio Tamanduateí (uma no Pari e outra próxima à avenida das Juntas Provisórias), o metrô da linha 2 passando sobre a linha na estação Tamanduateí - trecho ainda a ser inaugurado - algumas (pouquíssimas) casas velhas da ferrovia ao longo da linha, e, no Ipiranga, postes de ferro já sem fiação mas que mantêm os isoladores brancos de cerâmica.

Durante boa parte do trecho o que mais se vê são armazéns dando fundos para a linha. Todos antigos, muitos abandonados. Nenhum deles com desvios ativos. Aliás, havia desvios sendo retirados na região entre as estações de Santo André e de Capuava. Aparência de zona rural mesmo, só um trecho curto próximo a Ribeirão Pires.

Na cidade, uma estação bem antiga, mais que centenária e funcionando. Recém tombada pelo CONDEPHAAT, que se vê agora com um problema: a luta de várias entidades da cidade contra obras da Prefeitura que descaracterizam o velho pátio ferroviário. O prefeito teve a cara-de-pau e o mau gosto de construir um prédio térreo, com diversas entradas de lojas (as pessoas o chamam de "quiosques"), entre a estação e a boca da rua do Comércio, a rua mais velha da cidade e pela qual se chegava à estação. Ou seja, quem vem com ela hoje perdeu a visão da estação. Pior: ali deve ser instalado um Habib´s. Para piorar somente mais um pouco, ali existia um jardim público, utilizado para uma construção que deve ser comercial.

Têm ampla razão as entidades em reclamarem. O CONDEPHAAT está sendo chamado a intervir, mas não vai ser fácil consertar o estrago. Fora isso, uma estação rodoviária imensa, também próxima à estação e quase sobre o antigo armazém da ferrovia (que hoje é ocupado pela Guarda Civil), contribui para enfeiar o ambiente.

Ribeirão Pires tem, ainda, uma particularidade: praticamente não tem prédios de apartamentos ou escritórios: a lei dos mananciais proibia essas cosntruções. Ou melhor, proibia - as entidades preservacionistas estão em polvorosa, pois ela acaba de ser abrandada - parece que vai ser possível a construção de prédios de até 8 andares.

Realmente, é muito fácil acabar com uma cidade. O difícil é arrumá-la. Deus salve o Brasil.