domingo, 31 de agosto de 2014

UMA MENSAGEM DE OTIMISMO PARA OS TRENS PAULISTAS

Estação do Oratório - monotrilho - linha 15 de São Paulo - Foto UOL
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As notícias dos últimos dias em São Paulo sobre ferrovias não são más: aliás, são mais do que boas, considerando-se a modorrenta situação das obras de ferrovias, como VLTs, metrôs e trens metropolitanos no país inteiro.

Porém, vale ressaltar que tudo que citei é ferrovia.

Em São Pauo, inaugurou-se um trecho de 2,9 km de monotrilho, linha 15, continuação da linha 2 do metrô (Vila Madalena-Vila Prudente, já operando há vários anos), entre Vila Prudente e Oratório. 2,9 quilômetros, relativamente pouco, mas, operando em experiência todos os sábados e domingos durante três meses; Atrasado? Sim.

Também o VLT de Santos e São Vicente entrou em fase de experiência somente nesta última cidade. Vai ficar assim algum tempo. A parte de Santos demora por causa, supostamente, do emperramento de órgãos ambientais - que, no Brasil, somente servem para atrapalhar.

As obras da linha cinco continuam seguindo da estação Adolfo Pinheiro no sentido da estação Klabin, na Vila Mariana. Quando ficarão prontas? Talvez mais dois anos.

Tudo isto é por causa das eleições? É possível. Mas vai indo.

No resto do Brasil, metrôs e VLTs seguem lentas obras, como em Cuiabá, Natal, Salvador, Fortaleza, a ferrovia Norte-Sul, a FIOL (Bahia)... e as concessionárias continuam trabalhando somente para obter lucro. Benefícios para o país em termos de infraestrutura, nenhum. Somente papo furado.

Ou seja, São Paulo, como sempre, vai mais rápido que os outros, mas em compensação, o trem regional São Paulo-Americana. São Paulo-Sorocaba e São Paulo-Santos continuam em compasso de espera. E pensar que todos estes três já existiram por cerca de 120 anos, cada um deles.

Para os que ainda acreditam que os trens vão reagir no Brasil, as notícias em geral são fraquinhas, mas São Paulo vai um pouco melhor.

sábado, 30 de agosto de 2014

DEUTSCHE SCHULE, OLINDA STRASSE, SÃO PAULO

No centro da foto, Deutsche Schule
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Anteontem tive de ir à velha rua Olinda. Você sabe onde é a rua Olinda, em São Paulo? É na Vila Buarque. Alguém ainda sabe onde fica a Vila Buarque? Esse nome ainda é usado?

Pois é, eu aprendi, num dos primeiros dias que frequentei o Colégio Visconde de Porto Seguro, nos idos de fevereiro de 1958, com seis anos de idade, cursando o primeiro ano primário, que o bairro onde estávamos naquele momento se chamava Vila Buarque. A professora mostrou um mapa dos arredores: rua Olinda, rua Caio Prado, rua Gravataí, rua Augusta, rua da Consolação (ainda com bondes e estreita com paralelepípedos), a praça Roosevelt.(ainda asfaltada e com feiras todas as quartas e sábados)...

A rua Olinda, anos depois, mudou o nome para rua João Guimarães Rosa, por esses critérios ridículos (ou falta deles) que as prefeituras usam para mudar nomes de ruas e homenagear pessoas cuja maioria não deveria ser.
A mesma foto, inteira
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Na rua Olinda ficava o Colégio, desde 1913. Dizem que o prédio é hoje tombado, embora não abrigue mais o Porto Seguro, porque seria o único exemplo da arquitetura alemã no Brasil no tempo do Segundo Reich, no tempo do Kaiser Guilherme II. A escola foi chamada por muito tempo de Olinda Schule, por motivos óbvios, mas o nome original era Deutsche Schule, mesmo. Acho que me mesmo para quem não conhece a língua alemã, está na cara que Schule é escola em alemão.

Durante a Segunda Guerra, depois que o Brasil declarou guerra à Alemanha, no final de 1942, a escola teve de trocar o nome. Escolheu-se então o atual (sempre lembrando que o Porto Seguro fica desde 1972 no Morumbi, quando saiu da rua Olinda). O Visconde de Porto Seguro foi o alemão Francisco Adolfo Varnhagen, que veio para o Brasil e fundou a Fábrica de Ferro Ipanema, em Sorocaba, há cerca de duzentos anos. Hoje as ruínas da fábrica estão no município de Iperó. Claro que homenagearam um alemão - afinal, a guerra não cancelava feitos passados.

Eu estudei doze anos nesse prédio, e jamais percebi que sobre a porta de entrada principal do magnífico prédio estava escrito "Deutsche Schule", em pedra e relevo. Somente notei isso dois dias atrás, quando tive de ir à rua Olinda para resolver uns assuntos e decidi prolongar alguns passos minha estada ali - reviver os velhos tempos.

A rampa - ali esperei meu pai por uma década. Somente nos últimos anos passamos a sair pelo portão principal. À direita, os banquinhos. Em frente, o que diziam que era a casa do zelador. No fim da rampa, dobrávamos à esquerda e chegávamos no pátio principal
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Eu achei estranho que essa inscrição ainda exista. Teoricamente, ela deveria ter desaparecido quando o nome mudou. Não acredito que tenha sido refeito após a guerra, pois o nome do colégio manteve a alteração. Então, o que é possível - e aqui estou especulando - foi que se colocou uma placa com o novo nome sobre o dístico, e em algum momento ela oi retirada. Se isso é verdade, talvez essa placa ainda estivesse lá quando eu lá estudei e eu não me lembre dela. E foi muito interessante que mesmo depois da venda do prédio o nome não tenha desaparecido da pedra, eliminado por alguém, pois novas escolas ali se instalaram.

Passei em frente às ruínas, semi-escondidas hoje, do casarão espetacular que ser viu por alguns anos de anexo à escola, onde fiz o segundo ano do Curso Científico (lembram-se dele?) em 1968. Em seguida, o portão, a rampa, os banquinhos ao longo dela, de cimento e grudados no muro, onde esperava por meu pai vir me buscar todo final de manhã. O portão, fechado com cadeado. Tirei uma fotografia disso pois há um buraco no metal do portão no local da corrente.

Logo depois, acompanhando o muro de pedras, a entrada principal, um portão estreito com escadas saindo para a direita e a esquerda onde estava a entrada do prédio com o dístico de que falei mais acima. O portão estava aberto. Fotografei-o. Aliás, depois de ter sido sede do Colégio Caetano de Campos por algum tempo depois da mudança do Porto para o Morumbi, hoje ele continua como escola - mas eu não sei o nome.

Muitas saudades. Até hoje, meus maiores amigos são os que eu conheci ali.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

PORTUGUÊS ANTIGO

Eu já li muita coisa em português antigo. Relatórios de ferrovias, por exemplo. Afinal, os mais antigos que vi datam dos anos 1870. Houve também as atas da Câmara de Santana de Parnaíba, escritas a mão e muitas vezes não inteligíveis. Pelo menos em parte. Usava-se também muitas abreviaturas. A mais interessante que li foi como abreviavam os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro: respectivamente, 

7bro , 8bro , 9bro e 10bro .

Meu maior problema sempre foi: o que era o português antigo? Como os livros mais antigos que li datam de meados do século XX, o português mais antigo que li datam dessa época.

Mais antigo, esqueçam. Houve os Lusíadas e outros textos, impressos ou escritos, mas, esses, estão fora da minha alça de pesquisa.

Lendo textos que datam de 1830 em diane, vejo o português sempre diferente. Pergunto se havia regras mesmo, ou se cada um escrevia como achava que devia. Letras duplas eram comum (além dos ss, cc e rr que ainda existem), bem como a colocação de h ente vogis (nos hiatos como Bahia, a única que sobrou).

Acentos nas palavras eram raros. Aliás, eles começaram a aparecer em profusão nas mudanças que Getúlio Varga decretou nos anos 1930 e 1940. O problema é que parece que as coisas iam e vinham, ou seja, parecia que se arreendiam de algumas mudanás e voltavam atrás, e depois voltavam atrás de novo. Era muito mais simples de se escrever as palavras sem acentos. Existiam o til, o acento agudo, o circunflexo, o acento grave, mas eram muito mais raros do que hoje. O til era muito comum.

Em textos escitos por meu avô Sud Mennucci em 134 e em 1935 apresentavam uma curiosidade: os de 1934 estvam escritos em um português muito mais parecido com o dos anos 1940 e os de 1935, com um português praticamente igual ao dos anos 1920. Teria havido um recuo nas decisões no final de 1934?

O atual "à" craseado com acento grave era escrito como "á", com acento agudo e não grave. A letra "c" no meio de palavras, como facto, acto, ainda usada em Portugal, praticamente desapareceu no Brasil. Havia várias delas.

E é curioso: a maioria das palavras que inglês ou italiano que hoje em dia continuam escritas com letras duplas (pp, dd, gg, ll, mm, nn e outras) tinham suas similares em português também com letras duplas - isto quando as palavras são similares. Obviamente, quando são de raízes diferentes, isto não se aplica, pois as plavras são completamente diferentes em outra língua. Essas letras duplas tinham pronúncia diferente da mesma palavra se fosse escrita sem a letra duplicada. Eram uma espécie de acento - mas sem acento. Quem tinha pronúncia diferente era a vogal seguinte. Em italiano é assim.

Exemplo: até os anos 1930 pelo menos, escrevia-se accordo, cavallo, estrella, communicação... somente para citar alguns exemplos. Temos hoje cavallo em italiano, accord em inglês, communication em inglês, stella em italiano.

As regras devem ter mudado inúmeras vezes, mas as mais recentes foram a do tempo de Vargas, a de 1971 e a atual - que ainda não está completamente estabelecida e com a qual eu não me importo muito, pois mais confundiu do que facilitou. Em 1971, por exemplo, lembro-me que desapareceu o acento diferencial e o acento agudo que virava grave quando a palavra era proparoxítona e a ela se adicionava o sufixo mente. Exemplo: rápido e ràpidamente. Já algumas das poucas palavras que mantiveram o diferencial foram por (preposição) e pôr (verbo) e pode (3a pessoa do singular do verbo poder) e pôde (terceira pessoa do pretérito perfeito do verbo poder).

Mas a questão do acento diferencial em alguns pontos era ridícula; três exemplos sempre citados eram as palavras fôr (futuro do subjuntivo do verbo ir) com for (por incrível que pareça, uma palavra que existe, mas que ninguém usa mais e que significava "para" - a preposição, aliás, como no inglês). As palavras mêdo e medo (nesta última, um indivíduo do povo dos medos, na antiga Persia), para seguir com a palavra tôda, que não podia ser confundida com toda - um pássaro que ninguém conhece. Em todos esses casos (e muitos outros), os acentos foram suprimidos.

Isoladamente, algumas palavras que me lembro de ter lido: assúcar (açúcar), chimica (química), pharmacia (farmácia), kilometro (quilômetro), jahu (jaú), scena (cena), theatro (teatro), Nichterohy (Niterói), Bethlem (Belém), venderão (hoje venderam, quando se trata da terceira pessoa do pretérito perfeito no plural) - esta substituição do "ão" pelo "am" deu-se em todos os verbos, mas a pronúncia continua sendo de "ão". Claro que quando se trata do verbo no futuro, "venderão", são palavras oxítonas e a escrita se manteve. Aliás, repare-se que o furuto do presente e o futuro do pretérito de todos os verbos são apenas uma modificação que ocorreu durante os séculos para um futuro antes composto: "eles hão de vender" para "eles de vender hão" e finalmente "eles "venderão". Ou seja, derivam das terminações do verbo haver no presente e no pretérito imperfeito do indicativo.

Finalmente, ei gostava de um dicionário que pertenceu ao meu avô e que ficou com minha mãe, para depois desaparecer, infelizmente: era um dicionário dos anos 1940, já com a ortografia de 1943 a 1971, mas onde cada palavra que era escrita diferentemente na ortografia imediatamente mais antiga aparecia escrita da velha forma, entre parênteses, ap's a palavra "nova" no dicionário. Hoje isto não acontece.

Tudo isto que escrevi aqui decorre de simples e constante observação de ortografia de textos que li durante anos. Há muito mais observações a se fazer e certamente muitas eu desconheço.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A CASA DE MEUS PAIS


Meus pais casaram-se em São Paulo em 1946 e durante quatro anos moraram em pelo menos quatro casas diferentes. Até que, em 1950, mudaram-se para a casa que construíram, na rua Teffé, no bairro do Sumaré, SP.
A casa novinha em 1951. Notar que havia na janela da direita em cima uma varanda. Em baixo, o jardim de inverno era aberto e tinha porta somente do lado da escada de acesso ao portão. Do outro lado havia uma abertura. O jardim não tinha árvores. O enorme muro de arrimo atrás era um matagal. O vizinho "de cá" não existia
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Segundo minha mãe, o terreno era barato, mas lá era longe de tudo, as ruas não eram calçadas - nem a avenida Sumaré (o trecho de dois quarteirões que existia dela - o resto que existe hoje era um córrego intransitável) - e para chegar à faculdade de Medicina, na Doutor Arnaldo,onde minha mãe trabalhava, havia de se subir a pé a ladeira da rua Veríssimo Gloria e o final da rua Cardoso de Almeida e andar mais dois quarteirões pela avenida.
Ainda em 1951, a garagem era em cima e chegava-se a ela por uma rampa. No fundo, o portão para o automóvel. Ao fundo, atrás da casa da frente, o vale da avenida Sumaré
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Eu nasci nessa casa, em 1951. Aliás, não: eu nasci mesmo foi no Pro-Matre, na Joaquim Eugenio de Lima, ao lado da avenida Paulista. Mas meus pais já moravam ali na Tefé havia pelo menos um ano.
Hoje, mal dá para se ver a casa e olhe que a quaresmeira foi aparada recentemente. O muro de pedras cobre a casa do vizinho e parte da nossa. A garagem ao nível da rua substituiu a rampa e a garagem original virou uma edícula de dois cômodos - já em 1959. (A edícula fica no quintal de trás).

Em 1959, a casa sofreu sua grande reforma, que gerou uma segunda, menor, em 1963.
De novo hoje, a casa vista de frente. O muro baixo continua baixo, mas as grades  enfeiam a casa. O jardim de inverno ganhou em 1959 uma janela e mais e uma porta, do lado esquerdo. Em cima, a antiga varanda foi desmanchada, aumentando o tamanho do quarto e ganhando uma janela
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Fotos do aspecto dela original e do aspecto atual, espalhadas neste artigo, mostram as diferenças dela entre 1951 e 2014. Minha mãe e minha irmã ainda moram lá, uma deusa grega (Astrea, minha mãe) e uma fenícia (Astarté, minha irmã).

As modificações são citadas nas legendas das fotografias que têm, entre elas, uma diferença de sessenta e três anos. O tal arrimo atrás da casa - o vizinho de trás está na rua Macaé e a cerca de 20 metros de altura em relação ao nosso quintal traseiro. O muro de arrimo foi cimentado em 1959 até o topo, mas não é visível nas fotos. Uma modificação feita em 1959 e que não aparece nas fotos foi a da cozinha, que fica na parte de trás da casa e foi aumentada. Com isso, houve que se aumentar também um terraço todo aberto que existia sobre ela com porta saindo de um quarto ao fundo.

Só que a emenda da laje gerou um vazamento contínuo na cozinha. Sem conseguir encontrar alguém que resolvesse o problema, que aparecia em cada chuva que caía, meu pai fechou o terraço e transformou-o no quato quarto da casa - e o maior.

UM MILHÃO!

Há alguns minutos (são 21:57) o meu blog atingiu a marca de um milhão de visualizações.

Eu sei que isto não é nada comparado a outros blogs e tenho certeza que há blogs que atingem isto num dia somente.

Mas fico contente - um milhão de pessoas, não necessariamente diferentes, pelo menos abriram as páginas durante pouco mais de cinco anos.

Para isto contribuiu o fato de que a minha postagem do último domingo, dia 25 de agosto, sobre a estação de Botucatu ter alcançado um número de visualizações muito, mas muito maior, do que qualquer outra página de meu blog conseguiu atingir até hoje. Não me perguntem o motivo, não sei.

Obrigado a todos que me prestigiam a prestigiaram por todo este tempo.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

O DEBATE PRESIDENCIAL NA TV BANDEIRANTES

Resolvi assistir pelo menos uma parte do debate que está no início agora - dez e vinte e dois da noite.
Os três candidatos principais falaram primeiro sobre eles mesmos e o que eles acham do Brasil. Um minuto e meio para cada um.

Agora começaram a falar os "nanicos", que, sem chance alguma a bão ser que o inferno congele, só falam palavras ao vento. Não que só falem bobagens - mas o que adianta ouvi-los?

Dona Dilma e sua cara de enfado encheram meu saco. Dona Marina com seu jeito de Vovó Donalda ranzinza parecia que queria bater em todo mundo, inclusive em mim. Já o Aécio parece um boneco falante. Afirma coisas que teria feito (como dona Dilma também fez) que são impossíveis de se provar que fez.

Agora vão começar os debates.

E sinto muito. Não tenho paciência para isso. O que eles falaram até agora já deu um bom resumo e me fez decidir: não vão ter meu voto. Pronto. Boa noite a todos.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A HISTÓRIA SECRETA DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS - PARTE III

Mapa do ano de 1947 (IBGE)
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No terceiro capítulo desta série, tendo como base os rascunhos dos pareceres dados a petições de prefeitos e do povo dos municípios paulistas nos anos de 1934 e 1935 pela Comissão das Divisas Municipais, explicada no artigo que foi o primeiro capítulo e feitos por meu avô Sud Mennucci, apresenta-se um parecer sobre Embaú, distrito de paz disputado na época pelos municípios de Cruzeiro e de Cachoeira Paulista.

No início do parecer, escrito em 11 de março de 1935, Sud admite que "nada é mais confuso" do que este caso, inclusive citando que "não sabe mesmo se ainda existe o citado districto, mesmo depois de haver lido attentamente os dois decretos 6.447 e 6.448".

Ele tinha razão. Não entendia como uma "comarca nova, criada e constituida de um districto de paz e de parte de outro (termos textuaes do decreto no. 6.447) fique implicito que ha dois districtos e que, portanto, a parte equivale a um todo." - este autor manteve o português da época nos trechos transcritos e também confirma que as frases e palavras grifadas também o foram no original.

Tentando explicar o que ninguém entendeu até aqui, o outro decreto, de no. 6.448, estabelecia o desmembramento do distrito de Cruzeiro para Cachoeira (Paulista). Tudo seria muito simples se o decreto não determinasse, como fez, a transferência de um município para outro, da "parte do districto de paz de Embahú que fica á margem direita dos rios Embahú e Branco, os quaes determinaram, nesse local, a divisa natural dos dois municipios. A Comissão não chega a entender que, depois desse decreto, ainda subsista o districto de paz de Embahú, pelo simples motivo que essa povoação, em sua quasi totalidade, passou para o municipio de Cachoeira. Para Cruzeiro ficaram algumas casas e o cemiterio da villa. De maneira que seria muito boa vontade concordar em que existe um districto de paz de Embahú, na comarca de Cruzeiro. Seria um districto de paz sui generis, que teria a séde no... municipio vizinho.

"Este ponto de vista é o comum de todos. A propria Repartição de Estatistica e Archivo do Estado o entendeu, pois, no seu novo volume da Divisão Administrativa e Judiciaria do Estado, em confecção na Imprensa Official, declarou supprimido o districto de paz de Embahú. 

A decisão vem no final do parecer: "Entretanto como do ponto de vista juridico, é possivel que subsista o districto de paz de Embahú, no municipio e comarca de Cruzeiro, a Comissão suggere que o art. 1o. do seu Projecto de Decreto, de fls. 7, seja redigido de forma a eliminar todas as duvidas, isto é, que o districto passe para Cachoeira, transferido de Cruzeiro. No mais, mantem integralmente a sua proposta, que lhe parece em condições de resolver, definitivamente, a questão."

Entenderam? 

Hoje, realmente o bairro rural de Embaú pertence a Cachoeira Paulista. Não sei se ainda é distrito. Aliás, Embaú, originalmente, era maior do que Cruzeiro, que somente surgiu por causa de se necessitar um entroncamento na linha da Central do Brasil para a linha da E. F. Minas e Rio, que ia de lá até Três Corações.

A linha da Central original passava por Embaú, mas na verdade no posto telegráfico que levava esse nome e estava às margens do rio Paraíba do Sul, relativamente longe da sede do distrito. O posto na linha, ao lado do qual também nasceu uma povoação que se manteve pequena é hoje decadente, principalmente por causa da retirada dos trilhos que por ali passavam, em 1968, quando retificaram a linha férrea entre Cachoeira Paulista e Cruzeiro. Uma dessas localidades, entendo que se chama Embauzinho hoje em dia. Acho que é o posto.

domingo, 24 de agosto de 2014

A TRAGÉDIA DA ESTAÇÃO DE BOTUCATU

Lixo no piso interno da estação, exatamente sobre o símbolo da lendária Sorocabana
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Eu não vou a Botucatu há muitos anos - infelizmente -, mas amigos meus vão. A última foi do Daniel Gentili, ontem. As notícias são péssimas para quem gosta de história, memória, conservação de patrimônio e principalmente ferrovias: a estação de Botucatu gastou dinheiro para iniciar o restauro de sua bela estação construída em 1934 e parou. Deu no deu, no que se apresenta hoje.
Interior da estação
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Eu não sei se é culpa da Prefeitura, do governo estadual, do federal ou de qualquer outro órgão estatal ou privado: o fato é que o nosso dinheiro está sendo jogado fora e nossa história - a de nossas cidades, nosso Estado, nosso país - está acabando.

Vejam as fotografias que Daniel tirou da estação, por dentro e por fora, e tire suas conclusões.

O e-mail que ele me escreveu dizia o seguinte:

Ha cerca de um ano ou mais a estação de Botucatu começou a ser restaurada, mas... parou no meio do caminho e
continua abandonada.
No pátio, tudo virou sucata
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Em 2009 estava abandonada, porém tinha um tapume nas portas e janelas o que dava certa proteção....depois do início da
‘restauração’ foi retirado...agora esta tudo aberto entra quem quer... drogados, mendigos etc..

Tudo que era de metal (guichets,proteções etc..) foi roubado.

Até algumas belas portas de mais 80 anos foram surrupiadas.

Começaram até pintar a estação de cor cinza, o que é um absurdo, como restauração, pois o acabamento externo é uma espécie de cimento com algum corante imitando granito.

Foi interrompido graças ao meu amigo **** do Centro Cultural que interveio junto aos "restauradores".

Uma restauração ‘dentro do figurino’ acho que nunca vai ser feita; custaria muito caro. Acho que até uma ‘meia boca’ não vão fazer.

Infelizmente são coisas de brasileiros.

As fotos não estão com boa qualidade... foram tiradas
com um celular meio fraquinho...(o meu), mas acho que para registro nos seus arquivos servem...

Obrigado pela atenção

Daniel Gentili

sábado, 23 de agosto de 2014

BONDE DE SANTO AMARO: UMA GRANDE TRADIÇÃO QUE JAMAIS DEVERIA TER DESAPARECIDO


A fotografia acima, apesar de sua péssima qualidade - foi tirada do site da Folha de São Paulo, da edição de 18 de março de 1966 - me mostra uma das fotografias mais bonitas que já vi de uma velha São Paulo, de um velho bairro do Campo Belo, que não existe mais.

Ela foi publicada no dia 18 de março de 1966. Dois anos e quatro dias mais tarde e a linha de bondes de Santo Amaro, talvez a mais carismática que São Paulo já teve seria extirpada sem que, no duro mesmo, se tivesse pensado que ela sempre seria indispensável. Ela o é até hoje.

Em parte do seu caminho, constrói-se hoje a linha cinco do metrô, quase cinquenta anos mais tarde. A linha correrá, na verdade, pelo trecho final da velha linha de bondes (entre o largo 13 de Maio e a rua da Fraternidade e num trecho da avenida Ibirapuera, mais para a frente, para depois desviar para a região da Vila Mariana ali na região da rua Pedro de Toledo).

A linha original de bondes elétricos de Santo Amaro foi aberta ocupando parte de uma outra linha de bondes a vapor que ligava a rua São Joaquim, na Liberdade, até o largo 13 de Maio. Com a compra da Light da velha ferrovia, esta empresa começou sua pronta recuperação, utilizando-se de outro percurso, que originalmente não seguia pelo seu caminho total inaugurado em 1913.

Este novo caminho percorria agora, com bondes elétricos, desde a praça João Mendes, seguindo pela avenida da Liberdade, rua Vergueiro, entrando pela Domingos de Moraes e no largo Ana Rosa fazia uma curva à direita em 90 graus tomando a avenida Conselheiro Rodrigues Alves. Aí, depois de fazer outra curva de noventa graus e mais uma logo ao lado do Biológico, seguia numa imensa reta até o Largo 13 de Maio, sem que a Conselheiro jamais mudasse de nome, exceto no trecho final entre a rua da Fraternidade e o largo, onde a reta acabava e os trilhos entravam pela avenida Adolfo Pinheiro. Lembre-se que há três anos atrás, quando escavaram um quarteirão desse trecho final, "encontraram" (ninguém se lembrava mais deles?) os trilhos dos bondes elétricos, que nunca haviam sido arrancados até ali.

Com o tempo, o nome "Conselheiro Rodrigues Alves" deixou de ser contínuo. O trecho entre a curva do Biológico e a córrego da Traição passou a se chamar avenida Ibirapuera. No início dos anos 1970, o trecho entre a Traição e a rua da Fraternidade teve o nome alterado para "Vereador José Diniz", nome que permanece até hoje.

Mais alguns detalhes interessantes: até o fim dos bondes em 1968, havia trechos da reta em que somente bondes passavam ali - não havia espaço para carros. Esse era o caso do trecho entre a curva do Biológico e a avenida Indianópolis. A partir daí existia uma pista lateral para autos - o bonde corria pelo canteiro central. Porém, a partir da avenida dos Eucaliptos o bonde voltava a ser exclusivo - em alguns quarteirões, até o Alto da Boa Vista, havia estreitas ruas de terra laterais que permitiam a passagem de carros para chegarem às casas que ali havia. E em muitos pontos essas "marginais" tinham um desnível grande entre elas e a linha férrea, para cima ou para baixo. Isto é visto até hoje na avenida duplicada que substituiu esse trecho entre a avenida dos Eucaliptos e a rua da Fraternidade.

A atual avenida que acabou com a linha do bonde Santo Amaro foi inicialmente duplicada apenas entre a avenida dos Eucaliptos e a rua Joaquim Nabuco, no Brooklyn. O trecho seguinte até a rua da Fraternidade comente foi duplicado há cerca de cinco anos mais ou menos. Os desníveis laterais obrigaram à construção de algumas curvas e de pistas mais estreitas. O trecho entre o Biológico e o parque Ibirapuera jamais foi duplicado, embora o trecho entre o chamado "Cebolinha", no cruzamento com a avenida Rubem Berta (originalmente, o bonde passava por um viaduto sobre a pista de automóveis, ainda estreita, que existia no Ibirapuera naquele ponto) e a avenida Indianópolis tenha sido duplicado desde a retirada dos trilhos no final dos anos 1960.

Voltemos à emblemática fotografia. Uma enchente daníficou o pontilhão do bonde e a subadutora de água que existia ali que levava água do reservatório do Alto da Boa Vista e a rua França Pinto, na Vila Mariana no dia 6 de março de 1966, embora a reportagem só tenha sido publicada no dia dezoito. A tragédia, que não matou ninguém, aconteceu para os estudantes que moravam no Campo Belo e que precisavam ir para a as escolas no Brooklyn - e vice-versa.

Originalmente, como se vê na notícia logo acima, falam "entre Indianópolis e Santo Amaro", oq eu é meio vago; depois, disseram em outro ponto que o acidente ocorreu entre as paradas Frei Gaspar e Volta Redonda. E, finalmente, falam que se deu no pontilhão perto à Frei Gaspar. Esta rua é a atual Gabrielle D'Annunzio. A parada de bondes deveria ser bem próxima a ela, mas onde? O pontilhão era sobre o córrego das Águas Espraiadas (hoje canalizado no centro da avenida Roberto Marinho e por sobre o qual está sendo construído o monotrilho Morumbi-Congonhas). Quando fizeram a avenida sobre a linha dos bondes, construíram um viaduto que toma vários quarteirões). Evidentemente, as casas nas marginais mais altas e baixas ficaram com uma pista estreita segregada.

Na rua Frei Gaspar, o nível da linha e da marginal se cruzavam ali (não me lembro se automóveis tinham ali uma passagem sobre a linha), passando de baixa para alta para quem olha do lado de Santo Amaro. Em minha opinião, essa foto foi tirada do lado de Santo Amaro. Há um bonde parado ali, ponto do qual ele não podia continuar no sentido da cidade por causas das obras. Vejo uma pista lateral bem alta à direita ao fundo, depois das obras: é a marginal entre a Frei Gaspar e a rua seguinte (Edison, que não teve o nome alterado).

As quatro meninas estão andando sobre a linha vindo da região do Campo Belo (a rua Vieira de Moraes está lá em cima). Segundo a reportagem, boa parte dos estudantes fazia o trecho interditado a pé para pegar o bonde do outro lado ou irem direto para a escola. O trecho interditado ia mais longe no início, depois teria diminuído. Os estudantes seguiam às vezes tudo a pé, pois não teriam dinheiro para pegar os ônibus na avenida Santo Amaro e na alameda dos Maracatins, "mais caros".

Por fim, vejam a placa de cruzamento de estrada de ferro no centro da fotografia, acima da cabeça da terceira menina da direita para a esquerda. Ali devia ser o sinal de cruzamento da rua Frei Gaspar. A vida seguiu, como sempre, mas o pontilhão para os bondes somente foi entregue pronto em 26 de junho daquele ano. A partir daí os bondes voltaram a circular no percurso todo. Numa época em que estavam sendo canceladas todas as linhas de bondes restantes, isso foi até um milagre.

Existem certas coisas em cidades que são tão tradicionais que jamais deveriam ser alteradas. O bonde de Santo Amaro jamais deveria ter sido retirado. As marginais deveriam ser asfaltadas, como o foram, mas os bondes deveriam ter sido mantidos nos canteiros centrais, gramados. Isto seria hoje uma das maiores tradições de nossa cada vez mais triste cidade de São Paulo.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

COMO ERA SÃO PAULO EM 1378 D.C.?


Eu estava aqui, pensando... sempre lendo sobre o Brasil, a Europa (principalmente) e ainda outros lugares, continentes, países...

A Europa sempre me impressionou, li e leio muito sobre ela, mas quantas vezes estive lá? Tenho sessenta e dois anos e fui à Europa apenas duas vezes em minha vida, onde passei não mais do que duas semanas por vez. Os países em que mais tempo estive, pela ordem, foram Itália, Alemanha, Inglaterra, Holanda, Austria e Espanha. Nenhum outro. Em média, foram 2,7 dias em cada país.

É pouquíssimo, considerando a área da Europa, pouco maior do que a do Brasil, e o número de países que a formam. Fui muito mais aos Estados Unidos, mas não me impressiono tanto com a história deles.

A última vez que estive nos Estados Unidos foi em 1994. Na Europa, em 1995 e neste caso sempre a serviço.

Depois disso, por uma série de fatores, não saí mais do Brasil. Meu passaporte expirou em 1993 e somente renovei-o na semana passada. Foram onze anos sem precisar de passaporte. Porém, agora, tenho uma filha morando na Itália, então... falta só o dinheiro e tempo para ir.

Não saindo mais do Brasil a partir de 1995, comecei a viajar por ele, a serviço ou não. Ainda estou longe de conhecer todo o Brasil e provavelmente nunca o conhecerei. Mas posso dizer que gostei da maioria dos locais que conheci nestes últimos dezenove anos.

O que me impressiona na Europa é a civilização, bem antiga. Há inúmeras cidades que são mais do que centenárias, até milenares.

E por aqui? As cidades mais antigas têm pouco mais de 500 anos e mesmo assim há dúvidas sobre essas datas. (Itanhaém, Cananeia, São Francisco, em Santa Catarina, por exemplo). O primeiro município brasileiro criado pelo governo português tem menos de 500 anos. É São Vicente, em São Paulo, de 1532. A cidade já existia antes. E olhe - como se caracteriza uma cidade, vila ou povoado? Difícil, não?

E é nisto que eu "estava aqui, pensando"... São Paulo foi fundada em 1554. Foi mesmo? Os jesuítas chegaram aqui no planalto em 1554. Há quem diga, burocraticamente, que São Paulo foi fundada mesmo em 1553. Como? Ora, em 1553 João Ramalho, aquele português que andava com os índios do litoral havia décadas foi quem resolveu subir a serra e fundar Santo André da Borda do Campo (nada a ver com a atual Santo André)..Só que, em 1560, a sede do município (caracterizada pela forca e pelo pelourinho) foi mudada de Santo André para São Paulo (municípios nessa época eram chamados de villas).

Ora - o raciocínio é "lógico": se São Paulo passou a ser a sede de uma vila fundada em 1553, então ele teria um ano a mais! Está bem, vamos aceitar a teoria. Mas, podemos?

São Paulo estava num ponto estratégico, no alto de uma colina de onde se via o rio Tamanduateí e até, ao longe, o Tietê. Tinha-se uma boa vista da planície por onde chegavam os inimigos - outros índios. Daí o nome da rua da Boa Vista, que somente tinha casas do lado esquerdo de quem seguia do Colégio para a aldeia do Cacique Tibiriçá (Largo de São Bento). A partir da hora em que começaram a construir casas do lado direito, e mais recentemente, prédios encostados um nos outros, a Boa Vista acabou - ficou o nome da rua. Milagrosamente não o trocaram, como fizeram com tantas ruas mais do que centenárias de São Paulo.

Os meus pensamentos, no entanto, vão mais além - Tibiriçá não era nenhum mocinho quando foi encontrado ali em sua taba. Já estava ali havia um bom tempo. Ele também estava na parta alta, olhando o rio Anhangabaú lá em baixo, esperando os inimigos. Quantos deles Tibiriçá terá derrotado? Ou nenhum, por que eles talvez nunca tenham aparecido?

Se a taba de Tibiriçá não estava isolada, e não deveria estar, aquilo não poderia ser considerado um povoado, uma cidade? Teria um nome? Piratininga, talvez? Há quanto tempo estavam ali a família, os antepassados de Tibiriçá? Dois anos? Trinta anos? Cem? Quinhentos? Os guaianazes, chefiados por Tibiriçá, eram nômades? Ou já havia povoações ali faria tanto tempo quanto as havia nas cidades europeias?

O modo de vida era completamente diferente de um europeu e de um guaianá, mas a verdade era que ambos eram seres humanos e ambos precisavam de um teto para se proteger do frio, do calor, da chuva.

Sabe-se que a rua da Consolação passou a ser o caminho para Pinheiros a partir da época em que esta aldeia foi fundada, em 1560. Depois, para Sorocaba, pois ia-se por ali também. Mas a trilha Tupiniquim, parte da rede de estradas chamada Peabiru, já existia desde... quando? A Trilha Tupiniquim, dizem historiadores, era a própria rua da Consolação - sem a largura de hoje, sem as construções de hoje, sem os trilhos de bondes que vieram e foram embora, sem canteiro central. Depois, o caminho seguia pela atual Rebouças, depois pela rua de Pinheiros, depois pela rua Butantan, Vital Brasil, Corifeu e depois estrada de Itu, que depois se bifurcava para Cotia e Sorocaba... e para o Paraguai, para o Peru.

Não tirei o que escrevi aqui da minha imaginação. Tirei de literatura que li durante décadas. Podem estar corretas ou não - mas não podem estar tão erradas.

Então, nós, que hoje levamos a pé umas duas horas para ir do centro a Pinheiros, mas não fazemos isso porque temos de subir uma enorme ladeira na ida e porque temos automóveis e preferimos ficar parados no trânsito - talvez até em mais de duas horas, dependendo do dia, de qual é o protesto do dia - nós, que hoje podemos pegar o metrô, que segue o Peabiru até a igreja de Pinheiros, ou o corredor de ônibus da Rebouças e Consolação, que a partir do rio Verde (esquina da Rebouças com a Brasil), deixa de seguir o Peabiru, pois não segue pela rua de Pinheiros, nós, que precisamos percorrer hoje uma cidade monstruosa que tem doze milhões de habitantes e que, se existisse no ano 1000 (será que não existiria?) teria quantos habitantes?

Impossível calcular. Quantas aldeias desaparecidas podem ter ocupado a área entre o ano 1000 e 1554? Quantas respostas jamais teremos? É até frustrante, mas nada podemos fazer, a não ser que alguma surpresa apareça de forma surpreendente (juntamos aqui duas surpresas) e nos revele como era São Paulo na primeira metade do segundo milênio depois de Cristo.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

O TEMPO ESTAGNOU EM ANDES, BEBEDOURO, SP

Largo no centro de Andes em 1999 (foto do autor)
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O bairro rural de Andes, no município de Bebedouro, a cerca de 350 quilômetros de São Paulo (quilometragem por ferrovia) foi um dos lugares mais simpáticos que visitei para fotografar estações de trem. A estação foi desativada no final de 1966, quando metade do ramal de Jaboticabal, ainda em bitola métrica, foi suprimido pela Companhia Paulista, já então de posse do Governo.
Largo no centro de Andes em 1918 (foto de Filemon Peres)
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Poderíamos dizer que desde então o bairro pouco se modificou em aparência. Mas não: se compararmos a fotografia de Filemon Peres em 1918 e a minha, que tirei em 1999 (sim, esta foi a única e a última vez em que lá estive), vemos que pouca coisa mudou realmente, mas não desde 1966 e sim desde pelo menos 1918. A praça é vista acima em duas fotografias.
Estação de Andes em 1999. Fica do outro lado do largo em relação às casas (foto do autor)
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A estação mudou mais: sem trilhos, sem pátio, somente sobrava (e ainda sobra, pelo que sei), foi o prédio, como moradia naquela época. Um muro foi erguido ao longo dos dois lados da fachada. A estaçãozinha era do tipo das da Rio-Clarense, ferrovia adquirida pela Paulista em 1892, mas que continuou influenciando bastante na construção das estações pequenas da empresa por pelo menos mais vinte anos (a estação foi construída em 1902, quando a ferrovia lá chegou.
Estação de Andes em 1918 (Foto Filemon Peres)
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A estação seguinte era a de Bebedouro. A linha extinta em dezembro de 1966 foi o trecho Jaboticabal-Bebedouro. Pouco mais de dois anos depois, em janeiro de 1969, desativaram e arrancaram o trecho inicial Rincão-Jaboticabal.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

NOTÍCIAS DO RAMAL DE CAMPINA GRANDE, NA PARAÍBA

Mapa dos anos 1960 que mostra as linhas da então RFN na Paraíba; em vermelho, o ramal de Campina Grande (Acervo do autor)
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Aqui no Brasil, anunciou-se com grandes pompas a privatização da malha ferroviária da RFFSA (na época, com exceção da FEPASA, E. F. Campos do Jordão, as ferrovias da Vale do Rio Doce e as concessionárias de trens metropolitanos - como CPTM e CBTU, tudo era RFFSA) em 1996.

Dividiu-se a rede toda em "malhas", que basicamente correspondiam às ex-Noroeste (oeste), Central do Brasil+E. F. Santos a Jundiaí (bitola larga), Central do Brasil + Leopoldina+VFFLB (métricas), RVPSC+VFRGS (sul), E. F. Teresa Cristina (a menor delas, separada de todas as outras em SC) e as antigas RFN+RVC+E. F. S. Luís-Teresina, que formavam a "malha nordeste".

Esta última foi a que se deu pior. As ferrovias, que ligavam os Estados do NE, já estavam praticamente sucateadas e, com a Cia. Ferroviária do Nordeste, passaram a ser cada vez menos - e muito rapidamente - usadas. Atualmente, até onde sei, há tráfego em parte da linha Recife a Patos (o tráfego não chega mais a Patos, mas vai apenas pouco além de Campina Grande, sentido Ceará) e na E. F. São Luiz-Teresina e na ligação Teresina-Fortaleza. A antiga linha Central da velha Great Western (Recife-Salgueiro) está em parte debaixo da terra e de asfalto e em parte teve os trilhos roubados. A tal Transnordestina vai ocupar seu lugar... se um dia acabarem de construí-la.

As informações de linhas funcionando ou sendo construídas no Nordeste são mínimas aqui no Sul. Então, as informações são pouco confiáveis. A CFN - que adotou para a sua malha toda o nome Transnordestina - não usa nenhuma linha no Rio Grande do Norte e, na Paraíba, somente o trecho do ramal que liga Itabaiana a Souza - este, o trecho inteiro do ramal de Campina Grande.

Em Alagoas e no sul de Pernambuco (linha Cabo a Alagoas), também não existe movimento algum. Em Pernambuco, onde, pelo fato de não haver tráfego, a população joga lixo na via férrea, além de invadir o leito ferroviário, cometendo dessa forma, crime contra o patrimônio público ferroviário nacional. Parte das linhas de AL foram levadas pela enchente de 2010. Algumas informações dizem que parte foi reconstruída. Não sei se é confiável, mas o tráfego, de qualquer forma, não voltou.
Trabalhadores limpando um dos trechos na cidade de Patos-PB, onde os trilhos foram "asfaltados"
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Agora, nos últimos dias, sabe-se lá por que, a ex-CFN resolveu (ou por pressão da agëncia controladora, ou por alguma decisão própria, o que, francamente, duvido), resolveu "recuperar" o trecho Campina Grande a Souza, abandonado há pelo menos cinco anos - se não mais. Primeira providência: fazer um auto de linha percorrer os trilhos do ramal. A foto logo acima mostra como foi para passar pela cidade de Patos. Os trilhos estavam semi-asfaltados. Não foi o único local em que isto aconteceu.

Um país que dá em concessão o uso de suas linhas férreas para ajudar a infra-estrutura nacional - e sabe-se que elas são insuficientes, além de estarem em mau estado, e não controla coisa alguma, deixando-as largarem quase tudo ao léu, não pode ser sério. Nem o governo que fez os contratos de concessão nem o governo que não administra essa concessão.

Para quem foram boas as concessões? Para as concessionárias, claro - pelo menos enquanto ganharem dinheiro. Pois se não ganhassem, certamente já teriam entregue tudo de volta e caído fora. Para o povo, nada. Os pouquíssimos trens de passageiros que ainda existiam quando se decidiu fazer as concessões foram extintos. Hoje dá para se ver claramente a falta que eles fazem.

O Brasil não sobreviverá por muito tempo. E não será "só" por causa da falta de ferrovias, mas pela bagunça em que se tornou.

domingo, 17 de agosto de 2014

A HISTÓRIA SECRETA DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS - PARTE II

Parte do município de Cruzeiro em 2014 e o distrito (ainda o será hoje?) de Itagaçaba, do outro lado do rio Paraíba e com uma ponte apenas de passagem para o centro da cidade. Não cresceu muito, realmente. (Google Maps)
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Como apresentado em um artigo publicado neste blog há dois dias, meu avô, Sud Mennucci, participante da Comissão que estudava a redistribuição, criação e extinção de municípios em São Paulo, escreveu uma série de pareceres, alguns referentes a eventualmente alterar modificações já feitas pela Comissão em 1934, outros, para fazer as originais.

Os pareceres abaixo referem-se ao município extinto de Jataí e às cidades de Cruzeiro e de Cachoeira Paulista. São três, em datas diferentes. Todos escritos e assinados por meu avô naquela época. O primeiro data de 18 de janeiro de 1934:

"Como se vê do memorial dos moradores do distrito de paz de Itagaçaba, município de Jataí, têm estes toda a razão no que se refere á incapacidade de Jataí a continuar como séde do município. Faltam-lhe todos os requisitos para isto:

   1o - As rendas, que, em 1932, de acôrdo com o relatorio oficial, publicado pelo Departamento de Administração Municipal, não atingirem a rs. 3:500$000;

   2o - a população, que é de 5.003 almas para todo o município, das quais apenas 53 na séde;

   3o - o numero de predios, que não chegam a 20, na séde, quando a lei organica de 1917 exigia, no minimo, 100."

No texto acima, a extinção de Jataí já estava praticamente decidida. É interessante notar que, comparando-se com o artigo sobre outras cidades, reproduzido no artigo de dois dias atrás, o português de época apresenta algumas variações. Ele era de 1925. "Distrito", que aqui se escreveu como "distrito", foi escrito como "districto" em 1935, ou seja, houve uma reversão de algumas palavras ao termo antigo. Meu avô não errou: ele seguia estritamente o português da época e seguia as modificações com extremo rigor. Itagaçaba, por sua vez, é a parte ao sul do rio Paraíba no atual município de Cruzeiro. Mas, continuando com o texto:

"Não se explica a manutenção de um municipio nessas condicões. Mas, os moradores de Itagaçaba já não têm razão quando pedem que a séde seja transferida para esta última localidade. Embora muito mais desenvolvida do que Jataí, tambem não possue os requisitos indispensaveis. Falta-lhe a população de dez mil habitantes, pois êles reconhecem que o municipio tem apenas 5.003, somando os dois distritos. E a renda é a mesma para todo o municipio.

"A solução, portanto, tem de ser outra, isto é, a solução que propôs esta Comissão no processo acerca da elevação de Cruzeiro a comarca; a) suprimir o municipio de Jataí; b) anexar o distrito de paz da séde do municipio e comarca de Cachoeira, de que dista apenas seis quilometros pela estrada estadoal Rio-São Paulo; c) anexar o distrito de paz de  Itagaçaba ao municipio de Cruzeiro, a cuja sede fica fronteiro, separado apenas pelo rio Paraíba. Pela Comissão (a) Sud Mennucci."

Em 22 de fevereiro de 1935, portanto, pouco mais de 13 meses depois, foi emitido outro parecer por Sud:

"É justamente a solução mais absurda a que se propõe neste processo para o caso intrincado dos districtos de paz de Jatahy e Itagaçaba, que formavam, até maio de 1934, o municipio de Jatahy, e pertencem hoje ao municipio de Cachoeira. (...) Mas Itagaçaba fica a 12 kms. de Jatahy e está localizado em frente á cidade de Cruzeiro, de que está separado apenas pelo rio Parahyba. A solução era, como não se tem cansado de o repetir esta Comissão, a sua annexação a Cruzeiro. Solução racional em todo o sentido: entre Cruzeiro e Itagaçaba ha tres balsas funccionando diariamente para o transporte de passageiros (e ha uma velha ponte, sempre promettida, sempre atacada, e sempre... protelada)."

Notar que o português volta a ser o anterior a 1934, como no caso do artigo anterior publicado dois dias atras.

"Dos dois districtos, Jatahy e Itagaçaba, não ha grau de comparação entre o primeiro e o segundo. Itagaçaba tem muito maior população ( séde conta cerca de 600 habitantes) e o povoado, em virtude de sua posição fronteira e uma grande cidade commercial como Cruzeiro, está em franco florescimento.

"Jatahy é um arraial em ruínas. A população do agglomerado mal chega a 100 almas. Não tem elementos para sustentar uma unica escola publica.

"Pois, é o escrivão deste districto que propõe a extincção do districto de Itagaçaba e sua annexação a Jatahy 

"A solução, a ser razoavel, seria a inversa. Mas nem a reciproca cabe no caso. Porque entre  Jatahy e Itagaçaba nunca houve estrada de rodagem que merecesse esse nome. Havia e ha um caminho de cabritos montezes por onde só passam cavaleiros atarefados, que não têm outro recurso. E nessas condições, annexar uma a outra dessas duas povoações seria sempre, em qualquer sentido, cometter a injustiça cuja repetição abusiva, pelo Estado inteiro, determinou, da parte do Governo, fosse nomeada a Commissão que dá este parecer. 

"A Commissão, depois de examinar a questão propõe o seguinte

PROJECTO DE DECRETO

   Art. 1o - Fica extincto o districto de paz de Jatahy do municipio e comarca de Cachoeira, passando as suas terras a pertencer ao districto de paz da séde. 

   Art. 2o - É annexado ao municipio e comarca de Cruzeiro o districto de paz de Itagaçaba, óra, pertencente ao municipio e comarca de Cachoeira.

   Art. 3o - A divisa entre os municipios de Cachoeira e Cruzeiro, na parte a leste do rio Parahyba, passam a ser as seguintes: começam no rio Parahyba, onde faz barra o corrego de Dona Fausta, sobem pelo rio, até a barra do ribeirão do Alegre, continuam por este acima até encontrar a antiga estrada de rodagem que de Jatahy vae a Itagaçaba e vão deste ponto em recta até a barra do ribeirão do Paiol no rio Itagaçaba, já nas divisas do municipio de Silveiras.

   Art. 4o - As divisas internas entre o districto de paz de Itagaçaba e o da séde do municipio e comarca de Cruzeiro, a que aquelle passou a pertencer, far-se-á, como até aqui pelo rio Parahyba, em toda a extensão da area municipal. (...)"

Outro parecer foi redigido pela Comissão em 15 de março de 1935 referindo-se ao mesmo assunto do de 22 de fevereiro, com as mesmas exatas conclusões, para, ao que parece, confirmar "na marra" uma possível oposição de partes interessadas em diferentes modificações. Mas o que foi escrito nestes pareceres prevalece até hoje, basicamente, salvo modificações mais recentes de pouca importância.
 


sábado, 16 de agosto de 2014

E SE A PAULISTA EXISTISSE COMO FERROVIA PRIVADA ATÉ HOJE?

A CP - V-8 entre Itirapina e Rincão ou Itirapina e Bauru - Foto atribuída a Clodoaldo Oliveira
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Exercícios de "e se" são extremamente difíceis de se fazer. Imaginar o que teria acontecido durante (neste caso específico da Companhia Paulista de Estradas de Ferro) os últimos 53 anos com a mais lucrativa empresa ferroviária do Brasil - assim como também a única ferrovia privada em 1961 do País - é simplesmente impossível, devido ao enorme número de variáveis a se tomar em conta.

Antes que me corrijam, vale dizer que havia mais uma estrada de ferro particular no Brasil, nessa época: a Estrada de Ferro do Amapá, que, aliás, com seus cento e cinquenta quilômetros de extensão, continua privada até hoje.

Outra coisa a acrescentar é que a E. F. Santos a Jundiaí foi considerada durante sua existência como empresa particular (entre 1862 e 1946, com o nome de São Paulo Railway) a mais lucrativa empresa ferroviária do Brasil e uma das mais rentáveis do mundo. Em 1961, porém, já era estatal havia quinze anos e já apresentava contínuos deficits.

Finalmente, temos de estabelecer uma premissa para este exercício de imaginação: que a história política do Brasil e de suas ferrovias tivessem se desenvolvido da mesma forma que aconteceu durante todo esse tempo. É claro que a continuidade da Paulista como firma privada afetaria, bem ou mal, esta igualdade de desempenho - mas temos de trabalhar com isso.

Não se trata, aqui, de nenhum trabalho espetacular, indo a fundo em detalhes.Apenas um rápido exercício. A história prossegue: de alguma forma, durante a greve de meados de 1961 na Companhia Paulista (CP), a empresa, mais uma vez, como conseguira por vários anos seguidos desde o final da Segunda Guerra Mundial, encerrou a greve com um acordo que satisfez as duas partes envolvidas - dirigentes e operários. Não houve interferência do Estado e muito menos a desapropriação das ações da empresa.

Na época, a CP havia fechado apenas duas de suas linhas: exatamente os dois ramais de 60 cm de bitola, Porto Ferreira a Vassununga e Descalvado a Aurora. Linhas curtas e certamente deficitárias. Desde o início dos anos 1950 a empresa vinha tentando seu fechamento, que ocorreu em 1960. Depois, na história real, o ramal seguinte a fechar foi o de Água Vermelha (São Carlos a Santa Eudoxia), em março de 1962. Assumamos que tal também teria ocorrido numa história paralela de CP privada, pois desde 1957-58 ela vinha tentando obter autorização do Estado para isto.

Assumo aqui que outros pequenos ramais que foram fechados na "vida real" entre 1964 e 1969, todos de bitola métrica, também seriam fechados pela empresa privada. Tomaria apenas uma exceção: o ramal São Carlos a Novo Horizonte, que englobava, na verdade, a linha-tronco da antiga Douradense, que havia sido adquirida pela Paulista em 1949. Assumo isto porque, durante toda a década de 1950, a CP investiu na recuperação dessa linha, com troca de trilhos, empedramento e dormentes, gastando uma quantia considerável de dinheiro para favorecer o transporte melhor para os passageiros. Era considerada uma linha potencial pela CP - isto está escrito nos relatórios oficiais da empresa nos anos 1950 e início dos 1960.

A linha Bebedouro a Nova Granada, adquirida da E. F. S. Paulo-Goiaz em 1950, também sofreu melhoramentos. Poderia ter sido mantida por uma suposta CP particular. Possivelmente até prolongada e poderia ser uma concorrente à E. F. Araraquara. As bitolas teriam sido mantidas como métricas, mas dependendo do desempenho, teriam sido provavelmente ampliadas para bitola larga, como as outras linhas da Paulista.

As duas linhas-tronco continuariam operando até hoje: São Paulo a Colombia, com a bifurcação em Itirapina até Panorama (quando a estatização de 1961 veio, esta última tinha como terminal a estação de Dracena e as obras da continuação para Panorama estavam em andamento. A Paulista estatal a terminou, de qualquer forma, entregando-a no início de 1962).

Finalmente, havia os três ramais em bitola larga. Um deles foi desativado e desmontado entre 1968 e 1980, o de Pirassununga a Santa Veridiana. Esta última linha, para ser rentável nesse tempo, teria de ser prolongada ate a região de Ribeirão Preto, pelo menos. Com a construção das variantes novas da Mogiana nos anos 1960 e 1970, a CP teria de concorrer com a Mogiana. Apesar de ter a vantagem da bitola larga, a concorrência não seria fácil: o trajeto teria de correr praticamente paralelo ao da Mogiana.

O outro, Cordeiropolis a Descalvado, se fosse prolongado a Ribeirão Preto, eliminaria de vez o ramal de Santa Veridiana. Ou seja, somente um deles sobreviveria. Provavelmente o que chegava a Descalvado, que poderia seguir para Ribeirão não tão próximo à Mogiana. Especulações.

Por fim, o ramal de Piracicaba. Saía de Nova Odessa e chegava a Piracicaba, com pouco mais de 40 quilômetros. Ele poderia seguir até Torrinha - isto chegou a ser aventado pela CP estatal na "vida real" em 1969, mas apenas para se juntar ao tronco oeste entre Brotas e Jaú. Cortaria caminho? Para a região oeste do Estado, sem dúvida. Mas teria de vencer a serra entre Piracicaba e Torrinha. Com tecnologia moderna, viadutos e túneis seriam necessários. Descongestionaria a linha-tronco principal entre Nova Odessa e Itirapina. Provavelmente viável.

Em 1971, a FEPASA seria formada apenas com quatro ferrovias, sem a CP. Com isto, se não se chegasse a um acordo com a FEPASA governamental, a linha entre Jundiaí e Campinas não poderia ser utilizada. Na verdade, provavelmente o acordo seria assinado de tráfego mútuo, sim. Mas haveria uma alternativa para quem saísse de São Paulo e isto, somente para os trens de passageiros, pois as cargas vindas do interior poderiam seguir pela serra da Sorocabana para o porto. Se fossem para São Paulo, via Campinas-Mairinque ou Evangelista de Souza-Julio Prestes. Já para trens de passageiros, sair de Julio Prestes e entrar por Mairinque para Campinas e daí para o interior seria uma alternativa para não se usar o trecho Jundiaí-Campinas. Mas o tempo de viagem aumentaria muito. Admitamos que no nosso "passado alternativo" a CP autorizaria a passagem pelo menos dos trens de passageiros que seguiriam pelas linhas da Mogiana para o Triângulo Mineiro no seu trecho. Afinal, a CP também precisaria do trecho da E. F. Santos a Jundiaí para alcançar a Luz e da serra da Sorocabana para descer mais fácil suas cargas para Santos.

A CP chegaria, então, adotando a linha de raciocínio acima, até hoje com as seguintes linhas para o transporte de passageiros - que ela manteria, sempre investindo de forma a concorrer com a as alternativas aéreas e rodoviárias:
 - São Paulo-Santos, usando a linha da antiga EFSJ;
 - São Paulo-Campinas-Colômbia, usando a linha da antiga EFSJ entre São Paulo e Jundiaí. (prolongaria a linha até Frutal, no Triângulo Mineiro, como se desejava em 1940?)
 *Nestes dois casos, ela poderia conseguir a construção de linhas exclusivas para suas linhas de passageiros e cargas acompanhando de perto ou de longe as linhas da EFSJ - isto evitaria o problema da privatização efetuada em 1997, mais especificamente a MRS, que cuida das linhas apenas para cargas, ou seja, com menos "esmero". O problema seria a descida da serra. Recuperaria a CP a "serra nova", hoje em ruínas? Afinal, a MRS somente se utiliza da "serra velha", hoje a cremalheira.
 - São Paulo-Campinas-Piracicaba-Torrinha-Panorama;
 - Itirapina-Torrinha-Panorama;
 - São Carlos-Novo Horizonte (talvez prolongando a linha até o rio Paraná);
 - Bebedouro-Nova Granada (prolongaria?);
 - Cordeirópolis-Descalvado-Ribeirão Preto.

As ferrovias que já eram eletrificadas provavelmente continuariam a sê-las. E as outras, que ainda não eram? Teriam sido? Todas elas? Que locomotivas e carros a CP teria hoje? Que cores teria ela em suas composições?

Supõe-se aqui que a CP não abandonaria seus trens de passageiros, pois ela ainda os defendia na época em que foi encampada em 1961. Como ela se relacionaria com a FEPASA? E com a MRS e a ALL? A filosofia da CP seria contaminada com a filosofia de capitalismo selvagem sem comprometimento com a infra-estrutura do País praticado pelas atuais concessionárias, que não têm os 140 anos de experiência que a CP teria se houvesse chegado até hoje?

É um cenário ao qual jamais teremos uma resposta. Enfim, pior do que prever o futuro, pois aqui você tem uma pequena chance de acertar. Nas minhas divagações sobre um passado que não existiu, as respostas corretas não existem.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A HISTÓRIA SECRETA DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS - PARTE I

Monte Azul Paulista (direita) e Severínia (esquerda). Marcondesia ficava entre elas, mas bem mais perto de Monte Azul e também próxima à SP-265, estrada de rodagem que as une hoje - Google Maps, 2014)
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Durante o Império e a República Velha, a elevação de povoados a distritos de paz a vilas (municípios de menor importância política) ou cidades (municípios de maior importância política) eram feitos por critérios nem sempre muito claros.

O que predominava então era a influência política dos dirigentes quase feudais que existiam nas aglomerações. Não que isto não exista nos dias de hoje - mas existem algumas regras e normas que devem ser seguidas para a implantação de distritos ou municípios (hoje não há mais a diferenciação entre vilas e cidades), embora nem sempre sejam seguidas à risca.

Houve, porém, um tempo em que começaram a se implantar normas. Isto aconteceu com a subida de Getúlio Vargas ao poder, no final de 1930. Uma de suas inúmeras modificações no sistema da República Velha começaram com estudos sobre uma redivisão do Brasil. Em termos dos Estados existentes (além do então único território federal, o Acre), isto provou ser extremamente difícil.

Criaram-se inúmeras sugestões sobre a redivisão brasileira, sugerida tanto por amadores quanto por gente mais esclarecida e capacitada para este estudo. Meu avô se "jogou de cabeça" nesse estudo, graças ao imenso conhecimento de geografia que ele possuía, principalmente da paulista. Ele chegou a escrever um livro sobre isto, em 1932, com o nome "Brasil Desunido". Porém, as rivalidades estaduais, que basicamente remontavam a quatrocentos anos anos com a criação das Capitanias Hereditárias, empurraram as modificações - que se resumiram à criação de territórios em regiões pouco povoadas e desmembradas quase sempre de Estados grandes - para quase treze anos mais tarde, em 1943. Mesmo assim, dos seis territórios criados (Amapá, Rio Branco, hoje Roraima, Guaporé, hoje Rondônia, Fernando de Noronha, Iguassu e Ponta Porã), os dois últimos duraram apenas três anos, revertendo suas áreas aos Estados originários, enquanto Fernando de Noronha foi reintegrada a Pernambuco em 1988.

O que deu mais certo acabou sendo a criação de novos municípios, ou a redivisão ou ainda a supressão de alguns (em 1935, por exemplo, Santo Amaro e Araçariguama foram incorporados a municípios vizinhos, respectivamente São Paulo e São Roque, além de alguns outros). Essas mudanças foram implantadas por uma comissão que tinha como líderes meu avô Sud e seu amigo Djalma Forjaz, no Estado de São Paulo, que começou a trabalhar em 1931 e apresentou suas conclusões em 1934, de forma que, nesse ano e em 1935, uma série de mudanças no nosso Estado.

As comissões não se baseavam em pressões políticas nessa época. Meu avô, por exemplo, recebia a visita de inúmeros prefeitos do interior que discordavam das conclusões tiradas por Sud e que eventualmente criavam prejuízos para alguns municípios; segundo uma testemunha ainda viva, minha mãe, filha de Sud, este rebatia os pedidos, mostrando com mapas e um imenso conhecimento de geografia e de história os pedidos dos políticos. Porém, sei de alguns casos que apesar dos pareceres emitidos pela comissão, as modificações não saíram. Por que isto teria havido? Provavelmente por que havia ainda políticos com uma força que conseguiam virar a cabeça não da comissão, mas do interventor do Estado.

Existiram comissões em outros Estados também. Realmente, não sei se em todos. As comissões deveriam se reunir e apresentar resultados de cinco em cinco anos. Portanto, os municípios, pelo menos os paulistas, eram criados em 1938, 1943, 1948, 1953, 1958 e 1963. A partir daí, com a revolução de 1964, praticamente nenhum município foi criado em São Paulo até a promulgação da (desastrosa) Constituição de 1988, atualmente em vigor. Atualmente, inclusive, as modificações são criadas depois de um referendo entre a população do município e baseadas em termos bem diferentes dos dos anos 1930.

Voltando aos pareceres, eu herdei boa parte deles - não sei qual teria sido o número total - datilografadas por meu avô para a comissão. São, na verdade, cópias em carbono de textos datilografados. Vamos ver um e analisar algumas conclusões, tiradas para os municípios de Monte Azul Paulista e de Cajobi, datado de 17 de maio de 1935. Pelo que pesquisei, parece que, neste caso, as modificações realmente aconteceram. E mais: este parecer foi criado a partir da representação de moradores do município de Monte Azul (não tinha ainda o sufixo "Paulista"), que pediam a incorporação do distrito de Marcondésia a Monte Azul, retirando-o de Cajobi. São cidades do norte do Estado e que eram atravessados pela Estrada de Ferro São Paulo-Goiaz, em 1950 comprada pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Dizia o texto do parecer, mantendo o português da época:

"Marcondesia está a menos de 10 kilometros de Monte Azul, ao qual está ligado pela estrada de ferro da Companhia São Paulo-Goyás, por meio de dois trens diarios,ao passo que dista mais de 20 kilometros, por estrada de rodagem, de Cajoby. Os habitantes de Marcondesia, para attingir a séde de seu municipio, têm de ir, por via ferrea, até a estação de Monte Verde (20 kms.) e fazer depois cerca de uma legua, sem estrada de ferro, até Cajoby".

Notar que ainda se utilizava o termo "legua", hoje praticamente desaparecido (cerca de 6 quilômetros). Monte Verde era onde ficava a estação da São Paulo-Goias, um distrito de Cajobi. Essa estação chegou a se chamar Cajobi por algum tempo, mas voltou o nome para o original, pois era muito longe da sede da cidade. Voltando ao texto:

"O simples exame desses dados revela que aos moradores de Marcondesia é uma solução incomparavelmente mais vantajosa pertencerem a Monte Azul e não a Cajoby.
Distância de Cajobi (em baixo) a Monte Verde (no topo da foto) - Google Maps, 2014
.

"Aliás, as reclamações do teor desta de Marcondesia serão permanentes e inevitaveis emquanto se persistir na pratica de amarrar a séde de municipios colocados fóra de estradas de ferro districtos e povoações servidas por esse meio de transporte. Porque evidentemente não se compreende que lucro havia fazer Marcondesia, situada ás barbas de Monte Azul, com quem mantem todas as suas ligações economicas, pertencer a Cajoby, que fica muito mais longe e fóra de mão.

"A comissão é de parecer que se effective a transferencia que os habitantes de Marcondesia pleiteiam.

"Quanto á Cajoby, a melhor solução seria levar a séde do municipio para o districto de paz de Severinia (hoje Luiz Barreto) desmembrando-se este de Olympia para vir a constituir a nova entidade administrativa juntamente com Cajoby e a povoação de Monte Verde. Isso comtudo será assumpto de outro estudo, se o Governo do Estado houver por bem deteminal-o." (...)

Note-se que a atual Severínia, também detentor de uma estação de trem, chamava-se Luiz Barreto nessa época; mais tarde, readquiriu seu nome. Hoje é municipio, realmente desmembrou-se de Olimpia. O final do texto dizia:

"Propomos, assim, o seguinte projecto de decreto:
Art. 1o - O districto de paz de Marcondesia, do municipio de Cajoby e comarca de Olympia, fica pertencendo ao municipio de Monte Azul, comarca de Bebedouro.
Art. 2o - Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrario.
A Comissão."

Por aqui, vê-se que, pelo menos no parecer de meu avô, as ferrovias ainda apresentavam uma importância muito grande na economia dos municipios e distritos. Vale ressaltar que hoje, quase oitenta anos depois da data deste parecer, nada mais existe: a estrada de ferro foi erradicada em 1969 e as estações de Monte Verde, Severínia, Monte Azul e Marcondesia foram todas demolidas. Somente a de Olímpia se mantém, com outros usos, claro.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

AS RODOVIAS NO VALE DO RIBEIRA DE 1935


Assim eram as estradas de rodagem no Vale do Ribeira por volta de 1935. A imagem chegou a mim, já recortada dessa forma, nos arquivos de meu avô Sud Mennucci. Não há menção de que jornal seja, nem a data exata.

O mais curioso é que, do outro lado desta imagem, há outro mapa. Qual mapa interessava a meu avô? Os dois? Seria uma coincidência terem publicado um atrás do outro na mesma folha do jornal? O outro era de Ribeirão Preto e será mostrado em outra oportunidade.

Adoro mapas, especialmente antigos e especialmente bem feitos e desenhados, como este. Obviamente as estradas não eram retas como aí é mostrado. A região é montanhosa em boa parte. Notar que nessa época geralmente se mostravam também as estradas de ferro, quando havia. Neste caso, não mostram.

Existiam ferrovias a serem mostradas. Ao norte, a linha-tronco da Sorocabana, de São Paulo a Sorocaba, e o ramal de Itararé, também da EFS, de Santo Antonio (hoje Iperó e não mostrado no mapa) a Itapetininga, daí seguindo para longe de Capão Bonito. E ainda a Santos-Juquiá, que seguia praticamente paralela ao eixo (neste mapa) Santos a Juquiá, via Itanhaém, Peruíbe, Alecrim (Pedro de Toledo), Bigué e Juquiá.

Nenhuma das rodovias aí desenhadas era asfaltada. Algumas estavam sendo construídas e outras eram "necessárias", ou seja, julgava que seria importante fazê-las, mas não existiam.

O grande eixo dessa região, hoje, é a BR-116, a Regis Bittencourt, que não existia. A estrada que ligava São Paulo a Curitiba era a que é chamada de "estrada estadual" no mapa, linha vermelha em traço grosso. Essa estrada ainda existe e parte de seu trecho entre Capão Bonito e Apiaí foi asfaltada somente em 2006, acreditem ou não. Existia a alternativa, bem mais longa, que seguir, a partir de Capão Bonito, para oeste até Itapeva e Itararé, depois Ponta Grossa e finalmente Curitiba. A atual BR-116, com 400 quilômetros e aberta somente em 1961, era bem mais curta que as duas citadas.

No mapa, podemos verificar que o único trecho que já existia dela era a ligação entre Biguá, Juquiá e Registro. A descida da serra do Mar seria feita pela estrada Piedade-Juquiá, hoje uma alternativa para a Regis, mas não muito segura. E não estava pronta na época do mapa. Porém, depois de Registro, que hoje é ligada a Jacupiranga e depois sobe a serra na divisa com o Paraná, não havia estrada alguma. De Registro somente se podia chegar, no máximo, a Cananeia.

Tempos de estradas ruins e transporte lento. Como a ferrovia que ligava São Paulo a Curitiba era praticamente tão longa quanto a alternativa rodoviária acima citada, por Ponta Grossa, era comum ir da capital paulista à paranaense por navio, tomando-se o trem em Paranaguá para chegar a Curitiba. Meu avô fez esta viagem pelo menos duas vezes; além disto, teve a coragem de fazer a viagem de automóvel, em 1935, pelo percurso que na época era o mais curto, ou seja, via Apiaí. Viagem esta que foi devidamente reportada por ele na época.