segunda-feira, 23 de novembro de 2015

FERROVIAS ATUAIS, VERGONHA NACIONAL


Casos que se arrastam desde a privatização das ferrovias em 1996/98 são uma vergonha para o país e demonstram a falta de competência e de vontade dos nossos governantes e das próprias concessionárias para resolverem os problemas de pelo menos três ferrovias fundamentais para a infraestrutura brasileira.

Uma delas (trecho da Norte-Sul em Tocantins e Goiás) está construída (ou melhor, um trecho de mais de oitocentos quilômetros ligado a outro já existente e funcionando) e não é operada, estando abandonada.

Outra, a FIOL (Ferrovia Oeste-Leste, na Bahia) está em fase de obras em uma parte de sua totalidade, mas não tem nenhuma estimativa concreta de assentamento de trilhos.

A terceira (o Ferroanel da Grande São Paulo) está projetada desde os anos 1960 – portanto, em tempos de RFFSA e FEPASA – e teve o último (e único) trecho construído no início dos anos 1960. Só este funciona.

Norte-Sul e FIOL

Há um ano em meio, a presidente Dilma Rousseff inaugurou a Ferrovia Norte-Sul um trecho de 855 km da malha, entre as cidades de Palmas (TO) e Anápolis (GO).

Depois disso, um único trem de carga cruzou por ali, carregando minério de ferro na cidade de Gurupi (TO). No mais, a malha serviu como atalho para 18 locomotivas da empresa de logística VLI chegarem até o trecho superior da Norte-Sul, onde a empresa opera, entre as cidades de Palmas e Açailândia (MA).

Segundo fontes, diversos trechos da ferrovia estão cobertos pelo mato e há pontos já com erosão.
Neste fim de ano, o trecho poderá ser parcialmente usado para transporte de algumas cargas da concessionária VLI. Isso depende das definições sobre qual será o modelo de exploração comercial e o da concessão da ferrovia.

Depois de quatro anos de discussões para montar um modelo aberto e concorrencial da utilização da malha, decidiu-se voltar à tradicional concessão por monopólio, onde um único operador assume a malha e, se sobrar espaço e tempo, abre a ferrovia para outras empresas.

A concessão desse trecho pronto e feito totalmente pelo governo está condicionada à construção de mais um traçado da ferrovia no extremo Norte do País, ligando Açailândia ao porto de Barcarena (PA), 500 km de ferrovia em solo amazônico, em mata fechada e longe de estradas. São tantas as dificuldades desse trecho que o próprio governo desistiu da ideia, não encontrando interessados.

Por tudo isto, até setembro, a Valec acumulava R$ 600 milhões em dívidas com fornecedores. A falta de recursos obrigou-a a se concentrar na manutenção e reparos da estrutura existente. A falta de dinheiro obrigou a empresa a adiar a compra de trilhos para outro projeto, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), na Bahia, além de ver sua força de trabalho cair de 5,6 mil para 2,9 mil funcionários, em todo o traçado da malha baiana. (Condensado de artigo de O Estado de S. Paulo de 22/11/2015).

Ferroanel paulista

A concessionária MRS tem 1.643 km de malha ferroviária e transporta cargas da Votorantim Metais, BASF e MMX, entre outras empresas. Por utilizar os mesmos trilhos da CPTM ao cruzar a Grande São Paulo, a empresa tem o seu trabalho prejudicado.

A construção da linha do Ferroanel ainda não saiu do papel. Em uma terceira tentativa, o governo federal quer incluir o projeto nas negociações com as concessionárias de ferrovia, por meio da renovação antecipada das concessões. Em contrapartida, prolongaria as datas dos contratos por 30 anos e exigiria novos aportes. Parte do programa de investimento em ferrovias, orçado em R$ 99,6 bilhões, o Ferroanel é dividido em dois trechos: o Norte, com 52 km de extensão e custo estimado em R$ 2 bilhões, e o Sul, com 58 km e valor ainda indefinido.

Com o Ferroanel pronto, não haverá a necessidade de se dividir os trilhos com a CPTM, situação fundamental para a logística desses produtos. É por isso que poucas cargas passam pela cidade de São Paulo, o que deveria melhorar com a abertura do Ferroanel: o transporte de cargas poderia ser feito o dia todo. O primeiro projeto foi apresentado em 2003 pelo governador Geraldo Alckmin, que previu a sua conclusão em três anos. Não vingou.

A primeira tentativa concreta ocorreu realmente em meados de 2008, com uma parceria frustrada entre o governo federal e o estadual, junto com a MRS. A segunda tentativa, em 2012 também não obteve avanços por rejeição dos investidores. Agora, o governo federal quer propor uma renovação nas concessões de ferrovias atuais. A intenção é que, antecipando a renovação dos contratos, as concessionárias invistam direta e indiretamente em obras já acordadas com a União.

A abertura das negociações para a renovação das concessões foi anunciada em junho.

Especialistas ressaltam ainda que o Ferroanel será um dos principais estimuladores do Porto de Santos, o mais movimentado da América Latina.


Atualmente, a dificuldade de acesso ao porto por rodovias acaba tornando-o ineficiente. No entanto, com a opção da ferrovia, isso pode mudar. (Condensado de artigo da Isto É de 20/11/2015).

sábado, 21 de novembro de 2015

A FRENTE QUER RESOLVER O PROBLEMA DAS FERROVIAS PAULISTAS, MAS...


Mais uma vez fui a uma reunião da Frente Parlamentar em defesa da Malha Ferroviária Paulista, que se realizou na manhã do dia 18 de novembro. O convite está abaixo.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Frente Parlamentar em Defesa da Malha Ferroviária Paulista
CONVITE
Temos a imensa satisfação de convidá-lo para participar da reunião da Frente Parlamentar em Defesa da Malha Ferroviária Paulista, ocasião em que debateremos o tema: TRENS REGIONAIS, com a presença do Sr.  Secretário de Estado dos Transportes Metropolitanos, CLODOALDO PELISSIONI.
Contamos com sua presença e apoio, dada a relevância do tema, para debater o assunto e buscar soluções para esta importante política pública para o Estado e para a população.

Data: 18/11/2015 - quinta-feira
Horário: 10h00
Local: Plenário José Bonifácio
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
Av. Pedro Álvares Cabral, 201, 1º andar

Deputado Mauro Bragato
Coordenador da Frente Parlamentar

Favor confirmar presença 

Foi interessante. Tenho participado desde a primeira edição e somente não pude comparecer a dois eventos. Porém, além do resumo sobre os trens metropolitanos paulistas, que inclui metrô e CPTM, pouca coisa foi dita de concreto.

Falou-se dessas duas empresas e até da E. F. Campos do Jordão (pouco, no caso).

Estavam presentes deputados estaduais, alguns secretários estaduais e municipais, sindicalistas, prefeitos e vereadores do interior (Alta Paulista e Alta Sorocabana, como sempre) e mais algumas pessoas. Calculei a presença em cerca de cerca de trinta a quarenta pessoas no máximo.

Todas as linhas que estão em obras hoje deverão ser entregues até 2018. Porém, pelo que se lê nos jornais, isto será praticamente impossível - especialmente se lembramos que o Brasil está em uma crise que seguramente é uma das piores da República, se não a pior.

Falou-se também dos projetos de trens regionais que a CPTM pretende implantar: são quatro trens, todos partindo de São Paulo e chegando a Americana, Sorocaba, São José dos Campos e Santos.

Quem acompanha este assunto pelas mais diversas fontes, como eu, sabe que estes trens não sairão do papel tão cedo. Eagora a minha dúvida ficou maior ainda, porque falou-se praticamente somente do primeiro, São Paulo-Americana. E, quanto a este, as dúvidas são muitas, especialmente quando se discute o trecho Jundiaí-Campinas, que é da Rumo/ALL e cedida há vários anos para a MRS, e o trecho seguinte até Americana, que é da Rumo/ALL.

Como se convencer a Rumo a ceder a linha para um trem regular de passageiros? E, mesmo que ela ceda, quem poderá garantir que um trem que deverá trafegar (segundo ouvido ali) de 150 a 180 km/hora terá uma via permanente que permita este tráfego a esta velocidade?

No caso da linha Jundiaí-Campinas, que é dupla, poder-se-ia utilizar a segunda linha, já que a MRS apenas usa uma delas. Porém, é sabido que a segunda linha necessitará de total reposição, pois está totalmente abandonada.

No resto, parece-me mais do que evidente que uma segunda linha deverá ser feita na faixa de domínio e exclusiva para passageiros. A faixa de domínio permitirá a construção de uma segunda linha nova? Quanto tempo levará para que esta linha seja construída?

Sabemos como as coisas andam no Brasil. Se começássemos hoje as obras, dificilmente estariam prontas para um trem rodar em 2020, pois a burocracia e as exigências ambientais são tão absurdas que hoje em dia certamente atrasam tudo. Além disso, as aprovações são demoradíssimas para terminar.

A existência desta Frente mostra que há gente do Legislativo preocupada em fazer alguma coisa para termos trens de passageiros de volta. E mostra também que, se arrependimento matasse, todos estaríamos mortos por termos entregado a FEPASA à RFFSA dezessete anos atrás. Os deputados falam isso claramente. Foi um erro.

O governo federal pouco se importa com as ferrovias e seus problemas em geral. Em São Paulo, menos ainda. Portanto, qualquer conversa da Assembleia Legislativa Paulista com o Governo Federal não leva a lugar nenhum - ouvi isto nas entrelinhas, também.

Finalmente, numa conversa rápida com um dos políticos presentes, ouvi dele a triste e óbvia constatação: "a verdade é que ninguém acredita mais em nada".

domingo, 15 de novembro de 2015

TRENS DE PASSAGEIROS NA VARIANTE DE POÁ - 1934

Foto da estação de São Miguel, 5 anos depois, em 1939: do jornal O Estado de S. Paulo

A história do tráfego de trens na variante de Poá é bastante confusa. A abertura definitiva somente ocorreu em 1934, depois ter começado em 1926 e sido interrompida menos de um ano depois.

O movimento de trens de passageiros foi finalmente estabelecido no dia primeiro de maio de 1934. Porém, sem os trens de subúrbios que existem hoje; apenas começou o tráfego de dois trens de passageiros, o SP-5 e o SP-6, que faziam o percurso da Estação do Norte a Cruzeiro, no Vale do Paraíba, passando pela variante e parando em suas estações. Aliás, neste dia, não houve inauguração, apenas a abertura ao tráfego.

Essa inauguração vinha sendo adiada diversas vezes depois da recuperação da linha, que foi entregue quase um ano antes, em 6 de setembro de 1933. Trens de carga voltaram a trafegar desde então.

Já as estações (exceto a da Penha e a de Aracaré) haviam sido inauguradas em 1926, quando começaram a ser operados alguns trens, inclusive mistos. Estes, no entanto, rodavam somente entre as estações de Engenheiro Goulart e de Calmon Vianna. Em outubro deste mesmo ano, alguns desses trens foram suprimidos, devido a uma "crise de combustíveis", que suprimiu também trens no ramal de São Paulo. Posteriormente, todos os trens foram desativados na variante, devido a problemas com a via permanente. E parados ficaram por anos, até a reabertura citada acima, em setembro de 1933.

As duas estações que faltavam foram abertas somente em 1951. Hoje a CPTM tem diversos trens diários que percorrem o ramal - é a linha 12.

O artigo abaixo é uma reprodução do jornal O Estado de S. Paulo de 2/5/1934.



sábado, 14 de novembro de 2015

SOROCABANA, 1985: VIAGEM A UM MUNDO DE RUÍNAS

A estação de George Oetterer em 1998 - aparentemente melhor do que a reportagem fala como estava em 1985

Em 1985, os céus já eram negros para as ferrovias nacionais. Negros com raios, relâmpagos e trovões. Para os trens de passageiros, os que ainda restavam, já estava chovendo pesado. Os jornais, que até os anos 1940 - talvez até os 1950 - contavam sobre os grandes investimentos em linhas para passageiros, agora escreviam sobre os problemas das viagens com trens.

Como neste artigo de O Estado de S. Paulo sobre os trens da Sorocabana nesse ano, ou seja, trinta anos atrás. Começavam falando dos "trens de luxo da Sorocabana que não existiam mais" - leia-se o Expresso Ouro Verde. Lembravam também o leitor que a FEPASA estava em "franca decadência na região de Sorocaba" (na verdade, já era no Estado inteiro) e "poderá desaparecer a curto prazo" (fato que demorou quase quatorze anos para acontecer).
A estação em 1998 - sobra muito pouco dela (Foto Hugo Augusto Rodrigues)

Falavam de ônibus que embarcavam quatro mil passageiros em duzentos ônibus diariamente e que havia apenas seis trens diários indo e voltando com pouco mais de 200 pessoas cada um. E que eram vagarosos, ultrapassados e sujos. Em minha opinião, exagerava-se quando se falava que eram ultrapassados: ainda tinham muito o que dar -  o problema era realmente a falta de manutenção de máquinas, carros e vias.

A ferrovia "é hoje um amontoado de vagões velhos e estações em ruínas". Porém, o que o jornal não constatava é que ainda era algo recuperável e que muitos prédios estavam em ruínas porque o pessoal necessário para se manter uma ferrovia naquela época já era bastante menor do que o que se precisava para os mesmos serviços trinta ou quarenta anos antes. E que, devido ao êxodo rural (no qual o declínio da ferrovia teve sua participação), muitas das estações já não se justificavam.

Não havia como competir com os ônibus, afirmavam. Mas havia. O que se necessitava era de investimento. Muito menor do que é necessário hoje para se recuperar as mesmas linhas. E começava o texto sobre a viagem feita pelo jornalista José Maria Tomazela, a quem invejo por ter feito essa viagem:

"Quando o PS-1, um dos melhores trens de passageiros que param em Sorocaba (vindos de São Paulo), apita à distância alertando os poucos passageiros na hore do embarque, começa para eles uma viagem rotineira e invariavelmente sem nenhum conforto. A partida é lenta, o velho trem já não tem a velocidade de antigamente. (não tenho tanta certeza disso - a velocidade pouco variou nos quarenta anos anteriores). Os vagões são sujos, mal conservados e à noite tornam-se quase totalmente escuros, Em George Oetterer, a primeira estação no sentido Sorocaba-interior, o que se vê é um prédio semi-depredado e deserto. (desta estação, hoje, somente sobra a carcaça: o telhado caiu, o madeirame foi roubado) O trem pára em vão: ninguém some, ninguém desce. É o começo de uma viagem para um mundo em ruínas.

Em Bacaetava, o trem não para mais, pois a pequena estação foi completamente destruída. Passa Varnhagem, chega Iperó, antigo centro ferroviário, importante eixo da ferrovia para o sul do país. Há movimento na estação, mas o quadro de abandono é o mesmo: o mato alto crescendo no pátio, imensa quantidade de sucata enferrujada espalhada por todo lado.

O PS-1 segue sem pressa em direção a Boituva e Cerquilho. O passageiro de Sorocaba que desembarca nesta cidade pagou pela passagem de primeira classe Cr$ 3.300,00. menos do que a passagem de ônibus que custa R$ 4.800,00. O tempo gasto até aí, uma hora e meia, é praticamente o mesmo levado pelo ônibus. Mas o desconforto, sim, é maior. Inclusive na estação de Cerquilho, cujos sanitários estão sempre fechados.

O velho PS-1 segue adiante. Vem Jumirim, cuja estação é usada agora como depósito de café, Maristela, Pereiras, Conchas, Juquiratiba, Anísio de Morais (a ordem não está correta), pequenos pontos perdidos no mapa, comunidades que a ferrovia ajudou a formar e que agora lutam para não morrer com ela."

A reportagem continua mais um pouco, com o depoimento de pessoas que se lembram do Ouro Branco (não falam do Ouro Verde, que era o antecessor do PS-1 - o Branco havia sido transferido havia anos para a linha da praia (Santos-Juquiá) e a essa altura já havia sido desativado, possivelmente até sucateado.

O jornalista não fala até onde foi com o trem. Mas pelo que escreveu, já deu para vir que o abandono dos imóveis da ferrovia já vem desde essa época - na verdade, vinha já dos anos 1960 e 1970.

Porém, nada se compara com o que é a linha-tronco que foi da Sorocabana (São Paulo - Sorocaba) hoje em dia. Apenas funciona o trecho Julio Prestes - Amador Bueno, usado pelos trens metropolitanos da CPTM, e o trecho Mairinque - Iperó, usado pela concessionária cargueira. Para a frente, o abandono total.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

FOLCLORE DA FEPASA: O ACIDENTE DE ITATINGA EM 1990

Esta era a estação de Itatinga em 1998, quando o prédio de alvenaria da estação, que existia em 1990, quando houve o acidente abaixo relatado, já havia sido demolido. Esse prédio havia substituído a estação de madeira que pegou fogo dois anos antes. Não tenho foto do prédio de alvenaria que pouco durou. (Foto minha).

O faxineiro morava e trabalhava em Botucatu. Num belo dia do mês de junho de 1990, tomou o trem na cidade e foi visitar o filho que morava na vizinha cidade de Itatinga.

Depois da visita, retornou à estação para tomar o trem de volta (não é mentira: ainda existiam trens de passageiros em São Paulo). Como o trem não parava na estação de Itatinga, apenas reduzia sua velocidade para que passageiros descessem e embarcassem (caso houvessem), ele escorregou e caiu da plataforma. As rodas do trem passaram sobre uma de suas mãos. O faxineiro perdeu três dedos. Ele teria de ficar seis meses afastado do emprego.

Só que pouco depois a FEPASA resolveu cobrar de Claro (o faxineiro) a quantia de Cr$ 5.622,72 (moeda da época: o cruzeiro, que havia sido implantado no começo deste mesmo anos, um ano depois da implantação do cruzado novo e quatro depois da do cruzado. Cada moeda significava a perda de três zeros da moeda anterior). Não era pouco dinheiro.

A FEPASA alegou que ele fora imprudente e por isso atrasara o trem por duas horas. Um dos seus filhos perguntou: como podiam culpá-lo pelo atraso de um trem que vivia atrasado?

E o presidente do sindicato dos ferroviários da região achou normal a multa, defendendo a FEPASA: "quando um funcionário provocava o atraso era punido. Quando o atraso for provocado por terceiros, como o passageiro, ele teria de assumir a responsabilidade".

Não sabemos se Claro pagou a multa e nem como se desenrolou o fato. Porém, se alguém não acredita, que leia a Folha de S. Paulo de 5 de setembro de 1990. A notícia está lá e pode ser lid na íntegra.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

ITATINGA, SP EM UM SÁBADO DE PRIMAVERA

O antigo Grupo Escolar de Itatinga - foto minha

No último sábado, dia 7 de novembro, cheguei a Itatinga às 9 e meia da manhã e fui diretamente para o auditório de uma escola municipal para atender a um evento onde eu seria um dos discursantes.
O anúncio do evento

Eu sabia que o evento já deveria ter começado, como de fato aconteceu, mas a primeira palestra começou depois de minha chegada.
Mapa da região (Wikipedia)

Ali se encontravam pessoas de Itatinga, na sua maioria, e de Botucatu e Avaré, e talvez algumas de outras cidades vizinhas, como Pratânia, Guareí, Pardinho e Quadra, nomes que foram, pelo menos, citados.
No topo da pequena ladeira, onde está um carro indo em sentido contrário, ficava a antiga estação do pequeno ramal que foi desativado em 1953. Foto minha

As palestras todas foram de alto nível. A melhor foi, sem dúvida, a que versava sobre a história das cidades da região de uma forma rara, ou seja, contando-a desde o século XVI até o século XX de uma forma coesa, sem se centrar em uma cidade ou outra, já que a história de todas elas está entremeada uma nas outras.

Outros palestrantes, também muito competentes, falaram sobre Itatinga, Avaré, o distrito de Lobo, a fazenda Morrinhos e a história da região em fotos antigas, tanto da zona rural quanto da urbana.
O diploma

Eu falei sobre a história da Sorocabana na região, os problemas enfrentados e algo sobre os seus ramais lenheiros, típicos da região.
Um dos poucos e belos casarões que restaram em Itatinga. Foto minha

No final, um bate-papo com os palestrantes foi muito bom. E os parabéns à iniciativa.

É evidente que uma volta pela cidade de quase 20 mil habitantes mostrou que os edifícios mais antigos são raros, embora existam. A escola estadual (o velho Grupo Escolar) centenária está fechada e em semi-abandono aguardando restauro. Há dúvidas se, mesmo restaurada, abrigará novamente. Com um dos palestrantes, fui ao local onde a estação do ramal (que funcionou de 1914 a 1953) um dia esteve erigida - foi demolida em 1961 para que a rua que terminava à sua frente, vinda da praça da Bandeira, fosse prolongada. O prédio, outrora muito bonito, não resistiu à fúria do prefeito de então e à indiferença da população, que, a essa altura, já tinha uma outra estação, de madeira e na linha-tronco da Sorocabana, estação esta que pegou fogo, foi substituída por uma de alvenaria, que foi demolida, dela, nem a plataforma restou.

Aliás, linha que não vê trens há meses. Não há mais tráfego ferroviário entre Rubião Jr. e Presidente Epitácio, graças ao descaso das concessionárias e o descaso dos governos federal e estadual.
Outro casarão da cidade. Foto minha

Tive de dormir na cidade, pois saí do evento muito mais tarde do que imaginava. Fiquei numa pousada mantida pela Abadia da cidade: a Casa São Liborio, um predio pequeno, térreo, mas com seis quartos com camas patente, janelas e portas de madeira e que deve tger sido construído na primeira metade do século XX. Muito simpático, fica no meio de um enorme jardim extremamente bem cuidado.

Enfim, valeu a pena para todos.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A MÁ VONTADE DA SOROCABANA EM 1938

A Martinópolis do início dos anos 1940.

Sorocabana de 1938: em 10 de setembro o jornal Estado de S. Paulo publica uma carta,  enviada por quarenta e duas pessoas físicas e jurídicas da cidade de Regente Feijó, Alta Sorocabana.

Notar por favor a ortografia da época (letras duplas, á e não à, falta de alguns acentos e outras diferenças).

O meio de transporte é, sem dúvida, um dos principaes factores da prosperidade de uma zona e quando ella é servida por uma Estrada de Ferro que descuida desse factor basico, as mercadorias ficam até depredadas do seu valor real, devido á morosidade do transporte e, em casos não raros, ficam ellas deterioradas, quando se trata de genero de pouca durabilidade, causando prejuizos sem conta ao commercio e á lavoura. Acontecimentos dessa natureza determinam pois a pouca prosperidade de uma determinada região.

Nas estações deste municipio, (Regente Feijó, Rancharia e José Theodoro), existem approximadamente, mais de cinquenta mil saccos, de café inscriptos para embarque e requisições para mais de 50 vagões para cereaes, Estes pedidos são geralmente feitos, muitos delles, ha mais de um mez.

Nota: José Theodoro é a atual cidade de Martinópolis.

Tratando-se do café, os prejuizos são elevados. Nas estações há pedidos registrados para milhares de saccos. A estrada não pode ignorar esses pedidos, porém é tal o desinteresse que devota ella ao publico que esses pedidos ficam esquecidos, como se fossem simples algarismos sem finalidades. 

Existem casos de vagões fornecidos 60 dias depois de requisitados. Isto se necessario for, facil será provar.

A demora, quando obedece a um tempo razoavel, é perfeitamente supportada pelo publico que está acostumado a soffrer a morosidade com que é servido pela Estrada ha longos annos. Quando, porém, passa ella os limites da possivel tolerancia, vemos estão surgir estas e outras reclamações que exprimem o descontentamento de toda uma região.

Estamos cansados de ser mal servidos por ella e é justo que manifestemos esses nosso descontentamento. Muitos pedidos foram feitos á Estrada e a nenhum delles tivemos prazer de receber pelo menos uma palavra de esperança ou uma simples resposta de cortezia.

Ha grande desigualdade no serviço de fornecimento de vagões, o que prova a falta de um melhor controle das necessidades das estações. Podemos citar, por exemplo, a Estação de Presidente Prudente onde os vagões são fornecidos logo após pedidos, e o Armazém da Estrada eatá sempre apto a receber mercadorias. Podemos provar isto, pelo simples facto de estarem os machinistas de café de Regente Feijó embarcando seus cafés naquella Estação, percorrendo nada mais de 18 kilometros de Estrada de rodagem, encarecendo assim o seu producto com o transporte desta Estação para aquella, e tem um frete mais elevado por ser aquella estação mais distante de Santos. Milhares de saccos estão sendo transportados para Presidente Prudente e muitas vezes, são lá embarcados directamente em vagões. Isto vem provar que lá sobram vagões quando aqui esperamos por elles às vezes até 60 dias.

Em Rancharia também não ha falta de vagões. Isto explica-se porque, sendo a Sorocabana uma rodovia que serve a fazenda Bastos, cidade localizada entre esta Estrada e a Companhia Paulista, não servindo bem ella aquella localidade, as mercadorias se escoarão pela Paulista,sendo transportadas para Marilia por caminhões. 

Quem viaja pela Estrada de Ferro Noroeste pode observar a grande quantidade de vagões da Sorocabana existente naquella linha. Porque fornece a Sorocabana esses vagões? - Porque não os fornecendo ella, fornece-os a Paulista. - Porque motivo em Baurú as mercadorias são até procuradas nos Armazéns particulares, e a Estrada procura fazer sua freguezia, captivando a sympathia das firmas exportadoras? Porque no caso contrario, essas mercadorias se escoarão pela Paulista também.

Nós estamos nos confins do Estado, em um bêco sem sahida. Disso se aproveita a Sorocabana. - As nossas mercadorias serão sua sem duvida nenhuma e não ha concorrencia de outras Estradas. Ficamos portanto para quando houver occasião.

É portanto pouco razoavel a nossa Estrada. Deixe ella de fazer o que não lhe é possivel e procura servir com mais presteza uma zona que não possue outros meios de transporte. Procure servir com mais carinho esta enorme zona que será talvez, mais tarde, o seu único celeiro. 

Fazendo este apello esperamos ser attendidos. Se viemos para estas columnas é tão somente porque já pedimos demais e nunca fomos ouvidos.

Regente Feijó, 6 de Setembro de 1938.

É sempre interessante assinalar que foi por causa deste pouco interesse pelos clientes, nunca justificável, mas que ocorria pela arrogância, muitas vezes, não exatamente por parte da diretoria da Estrada, mas principalmente pelo chefe de estação, cargo que, em determinadas cidades, comparava-se com o do Prefeito e do Vigário...

Foi assim que aos poucos, os caminhõezinhos vagabundos e mambembes que existiam na região foram pegando aos poucos as encomendas e produtos da região, levando-as diretamente para São Paulo e Santos, mesmo com as horríveis estradas de então. Afinal, por causa dos atrasos e pouco caso da Sorocabana, eles levavam menos tempo que os trens, com sua boa vontade.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

SÃO GONÇALO DO SAPUCAI, MG

A estação, já desativada.

São Gonçalo do Sapucaí, Minas Gerais. Ao lado da cidade de Campanha, mas do outro lado da rodovia Fernão Dias em relação a esta.

A cidade teve uma ferrovia por apenas trinta e quatro anos, de 1930 a 1964. É muito pouco para todo um investimento feito nela. A cidade era a ponta de um ramal de 117 quilômetros em bitola métrica que vinha da cidade de Freitas, na linha Cruzeiro - Jureia. Na verdade, o trecho Campanha - São Gonçalo era considerado um ramal (de 31 quilômetros), mesmo saindo da ponta de um outro ramal (de 86 quilômetros).
A praça, já sem a estação.

Antes, teve uma linha de bondes que ligava-a a Campanha. A linha de bondes acabou bem antes de a linha de trens começar.

Não tenho ideia de como a linha cruzava a Fernão Dias. Esta estrada foi aberta em data bastante próxima ao término de operações na linha. O ramal Campanha - São Gonçalo pode até ter sido fechado tendo como desculpa a passagem da rodovia; porém, esta é uma especulação de minha parte.
A estação de São Gonçalo ainda em funcionamento.

A estação era um prédio muito bonito, com um armazém próximo a ela. Era bem ao estilo das estações da Rede Sul-Mineira (a partir de 1931, incorporada pela Rede Mineira de Viação).

Depois de a ferrovia ser fechada em 1964 (ou 1962, não há uma grande certeza nisto), a estação foi demolida - não consegui saber exatamente quando - para o aumento da praça que ficava em frente a ela.

Não havia nenhum motivo para isto ter acontecido: talvez, apenas, o fato de não se querer restaurar e manter um prédio tão bonito. Bem típico da pequenez da grande maioria de nossos governantes.