quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

ANOS NOVOS, ANOS VELHOS


O primeiro ano de que me lembro é 1956. Fui com meus pais para Urbana, ILL., nos Estados Unidos. Em 1957 voltamos depois de um ano para São Paulo. 1958: comecei no primeiro ano primário do Colégio Porto Seguro, na Praça Roosevelt, e lá ficaria por 12 anos. 1959: Segundo ano. Férias na Estância Suíça em São Carlos. 1960: Terceiro ano. Férias em Piracicaba na casa do tio Homero. 1961: Quarto ano. 1962: Quinto ano: aprendo a gostar de futebol no jogo Brasil x Chile, semifinal da Copa do Mundo. 1963: Primeiro ano do ginásio. Férias de janeiro no CTA em São José dos Campos. Em julho, férias em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, indo de carro. 1964: Segundo ginasial. 1965: Terceiro ginasial. Férias no Recife, para onde fomos de carro, e em Belo Horizonte, no meio do ano. 1966: Quarto ano ginasial.

1967: Primeiro ano científico (segundo grau). Férias em Ibitinga. 1968: Segundo científico. Férias em Itanhaém em janeiro e no Guarujá em outubro. 1969: Terceiro científico. Formatura. 1970: Vestibular. Faço Biologia na USP, mas desisto no meio do ano. Férias em Porto Ferreira. 1971: Entro no Instituto de Química da USP. Conheço a Ana Maria, minha futura esposa. 1972: Férias de janeiro em Salvador e depois no Rio de Janeiro, terra da Ana. Segundo ano da faculdade. 1973: Férias de janeiro em Salvador, com a Ana. Terceiro ano da faculdade. 1974: Quarto e último ano. Eu e Ana Maria nos casamos. Antes, em janeiro, férias em Barra Velha, Santa Catarina, com Ana Maria. Vamos morar no Itaim.

1975: Entro no meu terceiro emprego. Férias em Petrópolis. 1976: Nasce nosso primeiro filho, Alexandre. 1977: Nasce nosso segundo filho, Filipe. Viagens para Foz do Iguaçu e para Panorama, esta de trem. 1978: Viagem para Ribeirão Preto. 1979: Compramos o terreno em Alphaville, Santana de Parnaíba. 1980: Saímos do Itaim e vamos morar no Sumaré enquanto construímos a casa. Saio do emprego e vou para a outro.

1981: Começamos a construir a casa. Nasce nossa filha Verônica. 1982: Viajo para os Estados Unidos. Mudamos para a casa, já pronta, em Alphaville. 1983: Viajamos para Monte Verde. 1984: falece meu sogro. 1985: Eu e Ana Maria viajamos para Buenos Aires e Montevideo. 1986: Viajo para as Bermudas. 1987: Eu e Ana viajamos para os Estados Unidos e Bahamas. Em julho, férias em Curitiba e Blumenau. 1988: Ana deixa o emprego na faculdade e monta a própria empresa. 1989: Férias de final do ano em Foz do Iguassu e Assuncion. 1990: Viagem a trabalho para Estados Unidos, Argentina, Uruguai, Chile, Venezuela e Colômbia.

1991: Viagens para Argentina, Chile e Uruguai com Ana. Feira em Frankfurt, Londres e Amsterdam. 1992: Viagens de férias para Estados Unidos. Disney World, depois New Orleans. No meio do ano: Outra vez Estados Unidos com amigos: de Miami a Delaware. 1993: Mais viagens pela América Latina e Estados Unidos. 1994: Mais viagena para os mesmos países. 1995: Mudo de emprego. Viajo pela América Latina e depois para Milão e Viena. 1996: Saio da empresa. Trabalho como autônomo e viajo para a Argentina. Passo a viajar pelo Estado de São Paulo pesquisando a história ferroviária.

Enfim, de lá para cá viajei pelo Brasil, por vários Estados, com diversos objetivos, grande parte das vezes com Ana Maria. Aprendi a conhecer a gostar do Brasil. E que no novo ano de 2010 isso continue.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

FERROVIAS SUL-MINEIRAS

A estação de Furnas, da linha Soledade-Barra do Piraí, foi fotografada por mim em 2003. Hoje não passa de um prédio mal-cuidado jogada no mato. Perdeu sua função original e toda a infraestrutura para atender o transporte ferroviário.

Para se ter uma boa ideia do que se fez com as estradas de ferro no Brasil, basta dar um pulo na região de São Lourenço e Caxambu, em Minas Gerais. Eu já havia pesquisado as ferrovias e suas estações de longe, por livros e fotografias antes de ir lá pela primeira vez em julho de 2003.

Fui até lá com minha mãe e primos para assistir a uma homenagem que foi feita para a minha tia Lélia, falecida no ano anterior e que normalmente participava da banca do Congresso de Bioquímica, todos os anos realizado em Caxambu.

Fiquei lá três dias. Durante boa parte desse tempo resolvi rodar pela região. Havia, saindo ou chegando a Soledade de Minas, pequena cidade próxima tanto a Caxambu quanto a São Lourenço, quatro linhas de trem e partindo de uma delas mais um ramal, o ramal de Campanha. Em Soledade cruzavam-se as linhas que vinha de Cruzeiro e seguia dali para Varginha e Muzambinho e a que vinha de Barra do Piraí e seguia para Itapira, em São Paulo. Essas linhas e o ramal de Campanha haviam pertencido a diversas ferrovias, que nos anos 1930 foram fundidas na Rede Mineira de Viação.

Todas foram exterminadas. A que liga Cruzeiro, Soledade e Varginha ainda mantém seus trilhos abandonados no mato. Um pequeno trecho dela (Três Corações a Varginha) ainda tem tráfego de cargueiros, que segue além de Três Corações para o porto de Angra dos Reis. De Soledade a São Lourenço – trecho curtíssimo – há um trem turístico semanal da ABPF e de Passa-Quatro ao túnel de divisa Minas-São Paulo há outro, também num trecho muito curto. Todos os trechos não citados foram arrancados. Como trens de carga não exigem estações para nada e trens turísticos não precisam dela para muita coisa, há uma quantidade muito grande de estações no meio do mato e de cidades naquela região, boa parte abandonada ou sendo utilizada geralmente como moradia.

Para qualquer ponto cardeal que v. se dirige, você as encontra. A conclusão é que os quilômetros de trilhos que se irradiam de Soledade como uma aranha representam um desperdício de dinheiro enorme por terem sido arrancados ou por não estarem sendo usados (com exceção dos pequenos trechos citados), sem contar toda a infraestrutura de apoio ao tráfego ferroviário (estações, armazéns, casas ferroviárias, depósitos, oficinas etc.).

Ah, mas diremos: “estava tudo obsoleto, mesmo em 1960-70 quando tudo isso parou, os trens demoravam muito, tinha ônibus já para todo lugar...”. E alguns responderão: “é, mas se o governo, dono das ferrovias, tivesse respeito pelos cidadãos do País, teria modernizado as linhas, com trens novos e que seriam uma excelente alternativa para as linhas de ônibus e as péssimas estradas que existem nessa região”.

Mas não. Ele extinguiu os trens, as estradas continuam ruins, os ônibus têm o monopólio e prestam um serviço não mais do que razoável, quando isso... e assim vai. E não digam que parte da linha está sendo usada por trens turísticos, mas trem turístico (principalmente com locomotivas a vapor) não é transporte, é diversão.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

AMÉRICA, DEPOIS ALBA, DEPOIS NADA


As notícias ferroviárias são meio tristes, em geral. Há dois dias, Adriano Martins esteve na antiga estação de Alba, um local perdido entre Piratininga e Cabrália Paulista, região de Bauru, e fotografou a estação. A última fotografia que eu tinha de lá era de nove anos atrás. Aliás, eu estive lá naquele ano, mas não fotografei o prédio, que nada tinha mudado do ano anterior, quando eu também havia visitado o local.

Local que, aliás, é muito bonito: em termos de paisagem, talvez mais do que antes. Quando o trem da Paulista e depois o da Fepasa passava por ali — fê-lo até 1976 —, a paisagem era meio árida, de acordo com uma foto existente desse ano. Depois, retiraram os trilhos (a linha foi retificada, e o trajeto anterior, que costeava a Serra das Esmeraldas pelo sul tornou-se obsoleto, cheio de curvas construídas nos anos 1920), a eletrificação (a linha era eletrificada até Cabrália Paulista, segunda estação após Alba) foi retirada também, a estação ficou cercada por mato alto até que finalmente a Fepasa vendeu o imóvel.

Quem comprou ficou morando na casinha, mas já trocou janelas podres e quebrou a plataforma, maior símbolo de passagem de trilhos pelo local. Em 2000, essa foi a paisagem que vi. Por outro lado, árvores e arbustos cresceram em volta da pequena vila ferroviária e o local ficou como meio dentro de um bosque. Paisagem, bonita. Lembrança ferroviária, só mesmo o jeitão de estação e o armazém ao lado.

Há poucos anos eu soube de uma notícia: foi publicado em um jornal da região que a estação estava à venda. Bem, parece que alguém comprou. E essa pessoa, dentro do direito dela, reformou a estação, deixando-a nada, nada parecida com uma velha estação. Virou uma espécie de casa de campo (foto acima, de Adriano Martins).

Sem eletrificação, sem postes, sem plataforma, sem as janelas, sem trilhos e sem a aparência, acabou o ar de trem. Quem não sabe a história do local jamais vai saber que um dia um trem passou por ali. E olhe que o morador fez um belo gramado em volta, com plantas bonitas etc. É um local bonito. Mas trem... isso acabou de vez, mesmo.

É mais um pedaço da memória ferroviária de São Paulo, da Companhia Paulista, que se foi. A estaçãozinha foi aberta em 1924 com o nome de América. Como de Piratininga para a frente era sertão, nem nomes havia para se colocar nas estações, e a Companhia Paulista resolveu com esta estação iniciar uma sequência alfabética no então chamado ramal de Agudos. Dali para a frente, Brasília, Cabrália, Duartina, Esmeralda, Fernão Dias, Gália, Garça, Jafa, Kentucky (logo em seguida Vera Cruz), Lácio, Marília... e o nome América também foi mudado para Alba, realmente sem razão identificada.

Foi América. Virou Alba. Hoje não é nada.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

ESPERANDO DEBAIXO DO RELÓGIO DA PRAÇA


Sim, São Paulo já teve disso um dia. Conversando com minha mãe hoje, ela contava que costumava ir com minha avó “à cidade”, como se dizia quando se ia ao atual Centro Velho de São Paulo. Lá, eram frequentes as visitas à Casa Allemã — que depois, segundo ela, virou Galeria Paulista e mais tarde se mudou para o final da rua Augusta —, às Lojas Americanas, às Lojas Brasileiras e a uma confeitaria que era “a única que existia do lado de lá do viaduto do Chá” — ela não se lembra o nome, mas ficava na rua de São Bento ou na Quintino Bocaiúva. Lado de lá, no caso, para ela, era o Centro Velho. Perguntei da Vienense, que ficava na Barão de Itapetininga, portanto, no “Centro Novo” — ela se lembrou, mas disse que era “muito para lá”.

Ela ia com a mãe, mas às vezes ela se encontrava com ela na Praça da Sé “debaixo do relógio”, pois ambas vinham de lugares diferentes. Debaixo do relógio? Sim, do relógio que ficava lá mais ou menos em frente (mas no meio da praça) de onde hoje está o prédio da Caixa Econômica Federal. Ali a rua fazia com que os bondes passassem colados ao relógio, despejando e coletando gente.

O relógio, segundo um amigo meu, era um dos únicos de São Paulo que tinham três faces. Com o final dos bondes, ou sei lá quando, ele foi removido e desapareceu. Quem terá feito este crime?

Reparem na foto acima, de autor desconhecido, como era a Praça da Sé em 1937. Vejam que o relógio está no canto direito e o que está passando atrás dele são ônibus e jardineiras. O bonde passava na frente; o relógio ficava numa “ilha”. Há uma foto que mostra os bondes na frente do relógio, mas eu não a encontrei.

Quem conhece a Praça da Sé sabe que o lado direito da fotografia, onde estão os prédios, não mudou muito, quase nada, de lá para cá. Isto é um milagre em São Paulo, mas também é consequencia da deterioração dessa região da cidade. Sabe também que a Igreja da Sé já está pronta, com suas torres. Que o Palacete Santa Helena, do lado esquerdo, já foi demolido no final dos anos 1960 para a construção da estação central do metrô naquele lugar.

Sabe também que os bondes não existem mais e que automóveis são difíceis de se encontrar na praça de hoje. Estacionados, então... nem pensar. Hoje passam por ela ônibus elétricos, mas não nesse local onde estava o relógio. O Marco Zero, que já existia e do qual falei outro dia, está difícil de localizar; está, de qualquer forma, no meio daqueles automóveis estacionados em frente à Catedral.

As memórias de minha mãe relembram essa praça que hoje está bastante diferente, exceto o canto que citei.

domingo, 27 de dezembro de 2009

O TREM-FANTASMA DE LAJES

Composição da RFFSA/RVPSC que inaugurou a estação de Lajes em 1965. Quem estava a par de ferrovias na época já poderia adivinhar que, com uma composição dessas, com carros de passageiros, um de cada tipo, tirados do fundo do armário, o futuro não seria longo. Os trens seguintes seriam mistos, esse foi somente para a festa. Acervo Nilson Rodrigues

Lajes, Santa Catarina, bonita cidade no alto da serra catarinense, uma das mais antigas do Estado, fundada por bandeirantes, passagem de tropeiros durante quase 200 anos, pouso existente na Estrada da Mata, também conhecida por Caminho dos Tropeiros. Lajes era um dos pontos de repouso de tropas entre Viamão e Sorocaba.

O fluxo de tropas foi acabando à medida que a ferrovia crescia. Não é coincidência que o último mercado de tropas em Sorocaba tenha se realizado em 1908 quando a união das ferrovias São Paulo–Rio Grande e Sorocabana estava para se realizar em Itararé — fato que se deu em março de 1909.

Enquanto o ramal de Itararé, da Sorocabana, seguiu basicamente a Estrada da Mata, bem como o trecho da São Paulo–Rio Grande até Ponta Grossa, seguido do trajeto da E. F. do Paraná entre Ponta Grossa e Rio Negro, o percurso entre Rio Negro e Lajes não foi presenteado com o trem de ferro.

Ou melhor, até foi-o: porém, tal ligação ferroviária somente se concluiu em 1963, quando, depois de 24 anos de construção e mais 23 de projetos, Lajes estava finalmente unida a São Paulo e Rio de Janeiro por trem. Era, no entanto, uma época em que as ferrovias já não tinham mais o monopólio (praticamente) dos transportes nacionais: as rodovias já tinham a maioria do transporte de carga e de passageiros.

Embora a ferrovia tenha sido inaugurada oficialmente em 1965 como mandava o figurino — estações para passageiros, armazéns de cargas, casas para ferroviários em cada pátio etc. — estas instalações foram em geral pouco usadas. As linhas, nessa época, já tinham de contornar cidades por fora, pois a desapropriação de terrenos já era muito cara e havia-se ido o tempo em que fazendeiros doavam terras para a construção de linhas e pátios ferroviários.

Por outro lado, a ferrovia não era mais construída com curvas e mais curvas. Tanto que, pouco depois de abrirem a Mafra-Lajes, a linha entre Ponta Grossa e Rio Negro foi totalmente retificada, passando a ter um trajeto bastante diferente do anterior, de 1894, e bem mais moderno em termos tecnológicos.

O resultado de tudo isto foi que, embora se tenha mantido o transporte ferroviário entre São Paulo, Itararé, Ponta Grossa, Curitiba e Rio Negro, os trens de passageiros que agora sairiam de Rio Negro e Mafra no sentido de Lajes eram apenas trens mistos que paravam em estações bastante distantes das cidades do percurso — que, aliás, não eram nada populosas na época, como Papanduva, Itaópolis, Curitibanos e a própria Lajes, entre outras.

Esse trem durou até 1983, ano da grande enchente no Sul do País, que pegou ferrovias já semi-abandonadas de surpresa, destruindo pátios, trilhos e material rodante em várias delas. Excelente desculpa, na época, para a RFFSA deixar de ter os trens de passageiros, que, na época, tanto no Paraná quanto em Santa Catarina, eram somente de trens mistos, quando ainda existiam.

Enquanto cidades como Ponta Grossa, Joinville, Rio Negro, Mafra e Curitiba ainda se lembram dos tempos em que havia trens de passageiros, com Lajes isso não acontece. Já cansei de tentar obter dados e reminiscências do tempo em que se ia de Mafra a Lajes de trem — sempre mistos e lentos — e nada. Fotografias desses trens são raríssimas e lembranças de viagens mais ainda. Ele provavelmente atuou como uma espécie de “trem de subúrbios” naquela região — com a linha acompanhando ora a leste ora a oeste a BR-116 em Santa Catarina, o cidadão que tomava o mistinho era o que não tinha problema de tempo mas certamente tinha de dinheiro.

E não há memórias. O trem que passou por lá por dezoito anos era um verdadeiro trem-fantasma. Quem quiser me desmentir será bem-vindo.

sábado, 26 de dezembro de 2009

AS JANELAS DO NATAL


Desde o ano que nasci (1951) até 1986, eu passei a noite de Natal na casa de minha avó Maria. Ela era a matriarca da família. Casada com Sud, que morreu antes de eu nascer, o casal era o que ajudava a todos na grande família Silva Oliveira, de 12 irmãos. Como não poderia deixar de ser e com todos a partir dos anos 1930 já morando na Capital, a grande congratulação anual era no dia 24 de dezembro à noite. Porém, sempre lembrando que não era a única: em 17 de julho, aniversário da vó, e em 31 de dezembro, tudo se repetia com motivos diferentes.

No Natal havia aquela porta à esquerda da foto – uma porta-janela – que vivia aberta, mas nesse dia era fechada. Ali se distribuíam os presentes de Natal, trazidos, claro, pelo Papai Noel. À meia-noite, a porta se abria e cada um tinha o seu saco de presentes, com o seu nome escrito num pequeno envelope. A sala da foto era a sala de jantar da casa, que possuía, atrás da minha tia Ester e de minha mãe, sentadas à direita, três janelas, daquelas grandes, de madeira pintada de creme. A luminosidade de uma delas pode ser vista atrás de minha mãe.

Do lado direito, à direita das janelas, outra porta, que dava acesso a uma escada que levava para o quintal dos fundos. Do lado de cá, junto à posição de quem tirou a fotografia, era a saída para a copa. No canto ao fundo da foto, bem escuro, ficava a televisão – que, nessa foto de 1950, não deveria ainda existir ali (a TV chegou a São Paulo em meados desse ano).

Não sei se essa foto foi tirada no Natal, mas a cena era essa. No dia de Ano Novo, como não havia presentes, a porta que se vê era aberta – esqueci de citar que quem está de costas para ela era minha tia Lélia – e mais uma mesa era juntada à já existente, para caber todo mundo. No Ano Novo, vinha mais gente que no Natal. Era muita gente. Os “velhos” e as crianças. O único ano que sei que não passamos ali, eu e meus pais, foi em 1956, pois estávamos nos Estados Unidos, meus pais com bolsas de estudo durante um ano. Minha avó sempre se sentava no lugar atrás de minha tia Mévia, que é quem está à esquerda. Provavelmente minha avó estava sentada ali, mas a foto não a “pegou”. O fotógrafo deve ter sido meu pai.

Curioso, não tenho muitas fotos dessa sala, mas me lembro muito bem dos móveis e da distribuição. Nela, além da pesadíssima mesa, havia um móvel que era usado para guardar vinhos e sobre ele a televisão, havia um buffet que tinha dias gavetas sobre ele (colocadas como numa “caixa” de madeira) e também um outro buffet menor – e em cima dele se colocava o carrilhão. Os móveis eram todos escuros, bem escuros. Todos foram vendidos pelas minhas tias em 1995.

Em agosto de 1987, minha avó morreu. Por isso sei que 1986 foi o último Natal passado ali. É verdade, porém, que alguns Natais foram passados ali depois disso – minhas tias tentaram manter a tradição, mas era difícil. Também não citei que, no duro, no duro, o último Natal nessa sala dessa casa foi em 1965 – porque antes do Natal seguinte minha avó se mudou para uma casa, depois para outra, e finalmente, em 1972 estava numa nova, outra vez na Vila Mariana. Mas o Natal sempre a acompanhava. As salas, claro, eram diferentes.

Quando vovó morreu eu tinha já 36 anos de idade. Os Natais eram passados lá mas não necessariamente todo o tempo, pois eu já tinha família e filhos. Mas sempre passávamos lá. Sempre. Não era uma obrigação, era uma tradição. Porém, tudo um dia acaba.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

UMA SEQUÊNCIA DE ERROS EM IGUATU, CEARÁ

A demolição em foto de 28/11/2009 - Diario do Nordeste

Por acaso li um artigo na Internet sobre a construção de nova Universidade estatal na cidade de Iguatu, CE. O que me chamou a atenção neste artigo datado de 28 de novembro (quase um mês atrás) foi o fato de que a indústria desativada que está sendo demolida para dar lugar às instalações da faculdade tinha desvios ferroviários (talvez uma pequena ferrovia própria) e que, na demolição, acharam-se vagões (não dá para saber se são carros ou vagões, provavelmente sejam vagões, cargueiros mesmo) dentro de um dos prédios e que foram imediatamente cedidos para industriais cortarem-no (leia-se sucateiros). Iguatu é uma cidade ferroviária, por ali passa a antiga linha Sul da Rede de Viação Cearense – RVC.

Telhado, madeira, trilhos e ferro da antiga usina de algodão foram doados para a Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Bairro Prado. Esses materiais serão utilizados em obras sociais da Igreja. Até mesmo três vagões de trem que estavam há dezenas de anos abandonados sobre trilhos na antiga unidade são cortados com uso de maçarico. Empresários locais adquiriram esses materiais” (http://diariodonordeste.globo.com).

Outra coisa que me chama a atenção é a eterna falta de um mínimo de respeito ao meio ambiente e à preservação. Pela foto dos prédios, a CIDAO — Cia. Industrial de Algodão e Óleos, também chamada às vezes de “Cidão”, estava desativada e abandonada, mas não a ponto de que seus prédios não servissem para ser externamente restaurados e internamente servissem de salas de aula. A quantidade de material demolido (entulho) já era gigantesca nesse dia, pelas fotografias que pude ver. E ainda havia prédios a demolir.

Para onde vai todo esse entulho? Em termos ecológicos, é um desastre. Vai impermeabilizar algum local próximo da cidade, pois não tem utilidade. Muita coisa é concreto, mesmo — também pelas fotografias da para se perceber que alguns galpões foram construídos com esse material, portanto esses não são tão antigos assim.

Para que demoli-los, se eles mesmos podiam constituir a universidade? E para que retirar todo o maquinário e mesmo os vagões, se eles poderiam fazer parte de um museu ali mesmo, visto que o ensino ali também será técnico (englobará a Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu — Fecli, uma unidade descentralizada da Universidade Estadual do Ceará — Uece; a Universidade Regional do Cariri — Urca; e a Faculdade de Tecnologia — Fatec)? Para que retirar os trilhos? Eu fui verificar em postagens mais antigas sobre a faculdade mais detalhes e li que, no início, a ideia era manter os trilhos, os vagões e mesmo as máquinas exatamente para isso. Depois, tudo isso foi esquecido e foi recentemente retirado para o sucateamento.

Nem sei se algum dos galpões será mantido ou se todos serão demolidos. Não são um primor de arquitetura, mas o local é histórico e importante para a cidade — até o bairro em volta tem o nome da antiga indústria — e a tipologia de grande parte dos galpões é dos anos 1920 ou 1930, se não anterior, bem típicos daquela época.

A área parece bem grande. Mesmo que se precisasse de mais prédios, sem que se derrubasse nenhum, haveria espaço para construções que harmonizassem com o estilo já existente. Nota-se, realmente, que em nenhuma parte do Brasil, seja São Paulo, seja Ceará, as pessoas nem param para pensar em conservação, ecologia ou preservação de memória. Construindo uma escola “moderna”, Iguatu vai ser empurrada para perder suas características próprias e vai se parecer com a maioria das cidades do País, que não têm identidade e que vão se tornando em grande parte e poucas exceções, umas iguais às outras.

Nada contra a escola. Ensino nunca faz mal, muito pelo contrário, e principalmente no fato de que evita que os futuros estudantes tenham de migrar para outras cidades maiores, inchando-as e não voltando jamais para ajudar a sua própria cidade natal. Mas já estava mais do que na hora de pensarmos em outras coisas também. No caso, todos os itens aqui citados — conservação, memória, meio ambiente e educação — poderiam seguir juntos. Parece que somente o último vai prevalecer — e isso se contratarem gente competente para ensinar.

E, antes que pergunte: não, não conheço Iguatu. Porém, não preciso necessariamente conhecer uma cidade para notar esse tipo de erro.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O EXPRESSO DE TRIAGEM

O trem segue para fora de Sorocaba. Vai chegar a Triagem pelo tronco da antiga Sorocabana e depois pelo ramal de Bauru, chegando a Triagem pela bitola mista após a estação de Bauru. Na rabeira do trem, vagões de minério (vermelhos, na extrema esquerda da foto). Foto Kelso Medici em 23/11/2009

A estação de Triagem, também chamada de Triagem Paulista, foi aberta em 1941, quando foram inauguradas todas as modificações feitas pela Companhia Paulista em novembro desse ano, compreendendo aumento de bitola, eletrificação e novas estações no trecho entre Itirapina e Bauru (a eletrificação Jaú-Bauru somente foi ativada em 1947).

Ela possui (não sei desde quando) linhas de bitola mista vindas de Bauru, de forma que tanto trens da Noroeste quanto da Sorocabana podiam vir até ela para manobras, carregamentos e descarregamentos. O prédio da estação está abandonado desde mais ou menos 2002, quando a concessionária – na época, a Ferroban – mudou os escritórios para a parte mais alta do pátio, onde possui, creio, três linhas de passagem.

A parte baixa tem somente sucata – locomotivas, carros e vagões que não deveriam ser chamados de sucata, mas, pelo estado atual de praticamente todos, cortados e constantemente atacados por vândalos, não servem para outra coisa. É para aí que vão – neste momento que escrevo, talvez já estejam ali “acomodados” – os carros do Expresso de Triagem, que deixou Sorocaba na manhã de ontem, dia 23 de dezembro. Um verdadeiro “presente de Natal” para os preservacionistas do Brasil – mais conveniente seria chamá-lo de “presente de grego”.

Nome também infelizmente sarcástico é o do título, “Expresso de Triagem”. Este foi o nome que dei ao comboio fotografado ontem por Kelso Médici – é incrível como ele sempre está nos lugares certos nas horas certas – em Sorocaba. Várias fotos tomadas por ele na cidade mostram uma composição de Budds 800 e de vagões da ALL. Como se fosse um trem misto dos velhos tempos, com a diferença que, nos trens mistos, os carros de passageiros sempre eram os do fim do comboio. Além, claro, do fato de que todos os carros estavam vazios, alguns pichados e todos depredados internamente.

Esses carros quase que fatalmente seguirão o “rumo” dos que já estão lá. Não há policiamento. Invadir Triagem é algo facílimo, principalmente à noite. Os sucateiros já devem estar alvoroçados, bem como os pichadores, drogados etc.. A CPTM precisa desses carros para os seus planejados trens turísticos. Outras entidades os receberiam de braços abertos. Há muita gente atrás deles, mesmo que seja para exposição estática. Enquanto isso, eles vão permanecer ao léu, apodrecendo cada vez mais ao sol e Às intempéries.

Enquanto isso, o Presidente da República, que durante mais de vinte anos viveu emperrando aumentos de impostos “absurdos e lesivos aos trabalhadores”, ontem declarava que a redução de impostos não estava em seus planos, pois o País precisa de investimentos para crescer e portanto de mais dinheiro. Se ele se preocupasse em impedir que se jogasse dinheiro pelo ralo (mesmo que fosse vendendo carros, vagões e locomotivas como sucata, absurdo, mas legal), ele poderia abaixar impostos. Afinal, como deixar de recolher dinheiro se o jogamos fora constantemente?

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O MARCO ZERO DA SÉ


O Marco Zero da Praça da Sé em São Paulo foi construído em 1933 em frente da ainda inacabada Catedral de São Paulo. O desenho foi feito por Jean Villain, o tio Jean, grande amigo de minha família na época. Ele marca o ponto zero da quilometragem das estradas de rodagem do Estado. Na época, nenhuma das grandes rodovias que saem da Capital ainda existia: Anchieta, Anhanguera, Imigrantes, Castelo Branco e Ayrton Senna eram no máximo apenas projetos. Mesmo as federais – Dutra, Fernão Dias e Regis Bittencourt eram inexistentes. Os caminhos eram outros, como mostra o marco, fotografado por mim dois dias atrás.

Para ir a Minas Gerais, ele mostra o caminho pela rua Brigadeiro Tobias, avenida Tiradentes e Voluntários da Pátria, depois de cruzar o Tietê pela Ponte Grande, que unia as duas últimas ruas. A avenida da Luz (hoje Prestes Maia), não existia. Depois da Voluntários, ele teria de pegar outra ruas, como a Dr. Zuquim, e seguir até a Estrada de Bragança (hoje Sezefredo Fagundes) para alcançar as cidades do Juqueri (hoje Mairiporã), Atibaia, Bragança e aí cruzar a fronteira.

Para o Paraná e Mato Grosso, o mapa mostra o mesmo caminho: rua da Consolação, Avenida Doutor Arnaldo, Teodoro Sampaio – não seguia pela Rebouças pois era ainda um caminho horroroso–, rua do Butantan até a Vital Brasil, de onde ele tomaria a Estrada de Itu (hoje Corifeu de Azevedo Marques), e, saindo pela estrada de Cotia (hoje Heitor Eiras Garcia) encontraria a Raposo Tavares, seguindo para o Paraná via Itapetininga e Itararé. Se continuasse pela estrada de Itu entraria em Barueri e passaria por Parnaíba, seguindo para Itu pela Marechal Rondon, caminho para o Mato Grosso, na época ainda chamada de Estrada de Rodagem São Paulo-Mato Grosso e aberta em 1922.

Para Santos, o trajeto era pelas ruas Irmã Simpliciana e Tabatinguera até as avenidas do Estado e Dom Pedro I e passar pela rua do Bom Pastor, onde encontrava a Estrada do Vergueiro e depois sua continuação, o Caminho do Mar, única estrada para o litoral então.

Para o Rio de Janeiro, a Rangel Pestana, a Celso Garcia e a Estrada de São Miguel (hoje avenida), até encontrar a São Paulo-Rio (atual Marechal Tito) e segui-la por seus meandros pelo Vale do Paraíba. Finalmente, para Goiás e Triângulo Mineiro, o caminho era pela Lapa, alcançada pela avenida São João, rua das Palmeiras, avenida Água Branca (hoje Francisco Matarazzo), Carlos Vicari, Guaicurus, Clemente Álvares, Gago Coutinho e Estrada de Campinas (hoje avenida Raimundo P. Magalhães).

Detalhes interessantes para uma época que ainda se preocupava com eles. Se fosse hoje, o Marco Zero no máximo mostraria as estradas estaduais e federais saindo direto do centro como isso de fato acontecesse. Cada uma das estradas atuais começa no mínimo a onze quilômetros da Praça da Sé, como a Anhanguera, por exemplo.

Para evitar maiores problemas, no entanto, a maior parte das pessoas viajava mesmo era de trem.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

UMA AVENIDA CHIC QUE NAO DEU CERTO

Avenida Eusébio Matoso em 1962. Ao fundo, a ponte sobre o rio Pinheiros. - foto Aldo Anhezini

A avenida Eusébio Matoso tem uma vida relativamente curta no bairro de Pinheiros, São Paulo. Muita gente pensa que ela é continuação da avenida Rebouças, entre a avenida Faria Lima e a ponte sobre o rio Pinheiros; na verdade, não é. É, sim, continuação do fluxo de trânsito desta última, que, por sua vez, continua, mais estreita e sem canteiro central, até a avenida Marginal do Pinheiros, escondida, fazendo um “bico” com o entroncamento da Eusébio e da Faria Lima. Ou seja: essa continuação e a Eusébio Matoso começam mais ou menos no mesmo ponto da Faria Lima. É nessa Rebouças que fica a entrada do Shopping Eldorado.

A primeira referência que vi à avenida Eusébio Matoso foi em um mapa de São Paulo de 1947: ela aparece com o nome “variante”e segue para a ponte. A ponte original, aliás, não era nessa avenida, mas um pouco mais para o norte, na rua Butantan. A nova ponte e a avenida devem ter surgido pouco antes, quando terminou a retificação do rio Pinheiros no trecho entre as avenidas Cidade Jardim e rua Butantan. Depois, nos anos 1980, creio, duplicaram a ponte, que nos anos 1990 ganhou uma companheira, mais alta e maior, ligando-se novamente à rua Butantan e de nome Bernardo Goldfarb.

Era para ser uma avenida basicamente residencial: dá para se perceber isso quando vemos as casas que ainda restam, bem ou mal cuidadas, grandes, muitas de uma arquitetura que lembra o neocolonial ou estilos mais recentes de linhas retas. No início dos anos 1960 tinha pouquíssimo trânsito, como se pode ver na foto acima. Nota-se, entretanto, entre os poucos veículos que por ela trafegam, a presença, na pista ponte-centro, de três caminhões. Isso se explica pelo fato de a avenida ser na verdade parte da chegada de cargas do Sul do País: o corredor Rebouças-Eusébio-Francisco Morato (avenida já do outro lado da ponte)-rodovia Regis Bittencourt explica isso.

Tentei localizar o local exato da foto. É muito difícil. Parece ter sido tirada quase do início, na Faria Lima (que, na época, ainda era a estreita rua Iguatemi), de costas para esta, ou um pouco mais para a frente. Os canteiros centrais ainda pequenos, permitindo diversos retornos, não existem dessa forma já há muitos anos. As árvores cobrem toda e qualquer identificação de casas que porventura existam. Somente se nota o bico de um telhado do lado direito, atrás das árvores. O local imediatamente em primeiro plano está quase que certamente onde hoje passam os corredores de ônibus e o túnel que liga a avenida à Rebouças por baixo da Faria Lima e que existe desde o ano de 2004.

Sei que até o ano de 1978, o lado esquerdo da foto, ao fundo, ou seja, no quarteirão entre a rua Ibiapinópolis e a Marginal era um terreno baldio cheio de campos de futebol de várzea e de mato, e foi nele que se construiu o Shopping Center Eldorado, que o ocupa inteiro (além de, na saída da ponte, três prédios, um residencial e dois de escritórios, estes últimos já existentes nos anos 1970). A construção do Shopping iniciou-se em 1978, presenciado por mim “de camarote” dos últimos andares do atual prédio do Unibanco, onde eu trabalhava na época. Ficou pronto no final de 1980.

Hoje, as casas são todas escritórios, lojas ou estão abandonadas. Não valem nada – recentemente se demoliram duas casas pouco antes da rua Cardeal Arcoverde para se construir um estacionamento, cujos preços são altíssimos nesta região. Duas passarelas de pedestres, um corredor de ônibus, uma boca de túnel e uma lateral de shopping – sem entrada alguma pela avenida – deterioram cada vez mais a avenida, outrora de ricas casas. É o retrato (ou um dos) da decadência da Capital.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

VELHA SAÍDA PARA O SUL


Linha da Sorocabana, por volta de 1998. Já era Fepasa, talvez já RFFSA, que adquiriu a FEPASA em 1º de abril desse ano. O local: Itapeva. Aquela linha que sai para a direita era a que dava saída para tudo o que ia para o sul do País. Ou melhor, foi a que deu essa saída com exclusividade entre 1909 e 1937.

A partir deste último ano, a estação de Ourinhos passou a dar saída para todo o Paraná e o sul através do ramal do Paranapanema, que se encontrava com a linha que saía de Itapeva em Jaguariaíva. Porém, o grande tráfego ainda era por Itararé, cujo ramal saía de Santo Antonio (Iperó), muito mais próximo.

Em 1973, abriu-se ao tráfego uma alternativa muito mais moderna, uma linha bem melhor do que aquela de 1979. Ela saía desse mesmo ponto da foto e era (ainda é) a linha que continua reta. Depois do viaduto, está o pátio da estação de Nova Itapeva, aberta na mesma época, muito menos charmosa que a de Itapeva de 1909. A linha de Nova Itapeva liga-se a Uvaranas, em Ponta Grossa, passando por Pinhalzinho, local de divisa entre os dois Estados e a sudeste de Itararé.

O ramal de Itararé (Iperó-Itararé) da Sorocabana foi sendo aos poucos desativado, seus trens de passageiros acabaram em 1978. As cargas ainda se rastejaram até os anos 1980 e acabaram também. Porém, de 1998 a 2001, correu um trem de passageiros que fazia o trecho Sorocaba-Iperó-Itapeva-Apiaí, passando pela maior parte do velho ramal, somente não fazendo o trecho entre Itapeva e Itararé, exatamente esse que saía para a direita na foto. Saía, pois foi arrancado em 2001. Hoje no local nem a chave existe mais.

Na linha Itapeva-Pinhalzinho-Uvaranas jamais trafegaram trens de passageiros, com exceção do pequeno trecho inicial citado acima que se ligava a Apiaí.

A foto acima foi-me enviada por um maquinista da ALL que, pelo menos até 2004, residia em Itapeva e tem em seu nome as iniciais da ALL, André Luiz de Lima. Como escrevi mais acima, além do viaduto estão o pátio e a estação de Nova Itapeva, que dá para se ver vagamente nessa foto. Quanto à estação de Itapeva, também chamada de Castelinho, está abandonada desde 1999. É um belo prédio, mas, afastado de tudo, vai sendo cada vez mais esquecido.

domingo, 20 de dezembro de 2009

O ÚLTIMO TREM PARA CASA BRANCA

Em 1966, as pessoas posam antes da partida do último trem de passageiros que sairia de Mococa. Destino: Casa Branca. Acervo Lauro Dangelo

O trem se foi, e não voltará nunca mais. Como deve ter sido esta sensação, que ocorreu muitíssimas vezes e foi presenciada por inúmeras pessoas em diferentes lugares? A fotografia acima, tirada, segundo as informações, exatamente no último dia de circulação do trem em Mococa, com certeza foi uma das vezes onde isto aconteceu.

Muito provavelmente, a maior parte das pessoas presentes na fotografia ainda usava o trem, ou pelo menos o havia usado algumas vezes. O ano era 1966, e, nessa época, despedidas de trens eram comuns no País inteiro. O que sentiriam essas pessoas?

Algumas eram empregadas da ferrovia — foram transferidas para outras estações ou setores, na maior parte das vezes. As ferrovias ainda se preocupavam em não deixar velhos funcionários desempregados. Outros, a maioria talvez, eram usuários da linha. Uma parte também certamente gostava de visitas à estação por várias vezes só para ver trens manobrar, fossem cargueiros, fossem de passageiros.

Como estas pessoas se sentiram naquele momento em que estavam posando para o fotógrafo, que nesse dia resolveu gravar aquele triste momento para sempre? Uma sensação de perda? Ou de saudade? Quando a locomotiva diesel ligou os motores e quando pouco depois desatou a andar devagarinho, provavelmente buzinando (locomotiva diesel não apita, buzina).

Boa parte das pessoas que posaram nessa foto e nas outras tiradas com um intervalo pequeno na mesma oportunidade devem ainda estar vivas. Como será que hoje elas se lembram desse momento? Terão elas realmente saudades dessa época? Sentiam elas que esse momento iria se repetir, ou já havia se repetido em outros pontos, até um instante em que ninguém mais se preocuparia com a despedida do trem, como efetivamente viria a acontecer?

Enquanto nos anos 1960 diversas “últimas viagens” foram fotografadas e até filmadas, já nos anos 1970 nem tantas. Nos anos 1980, então, quase não há registros. Já nos anos 1990, há registros jornalísticos de alguns dos últimos trens. Os livros de história ferroviária e de história das cidades não registram nunca o último trem que de lá saiu. Nem falam que o trem acabou. Dizem que “um dia houve trem”, e falam das festas de sua implantação. Ou seja: ele foi um fator importante quando chegou, mas totalmente desprezível quando se foi. As pessoas já tomavam ônibus, já tinham carro, já preferiam assistir televisão a ir à estação ver o trem manobrar.

A verdade é que os trens e as estações eram fatores de integração entre família e amigos. Com o seu fim, sobrou o entretenimento pela televisão e mais tarde pelos computadores. O trem era anacrônico, mas era-o apenas porque as empresas ferroviárias brasileiras não se preocuparam em renová-lo, cedendo a outras tentações e a outras alternativas de transporte e entretenimento que não se revelaram tão boas assim.

Somente quem mora hoje às margens da Vitória-Minas e da linha de Carajás ainda pode sentir um pouco a emoção de antes. Esperemos e torçamos para que jamais haja um fotógrafo chegando à estação para fotografar o que seriam seus últimos trens de passageiros.

sábado, 19 de dezembro de 2009

LENDAS E INTERPRETAÇÕES

Estava eu lendo uma tese sobre a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, trecho paulista, entre 1906 e 1910. Já li livros sobre as construções da São Paulo-Rio Grande, tanto no trecho paranaense (que se deu entre 1899 e 1905) e catarinense (entre 1907 e 1910) e da Madeira-Mamoré, ocorrido entre 1908 e 1912. Houve também a construção da E. F. de Baturité, no Ceará, que se prolongou desde os anos 1870 até 1920.

Se as mortes ocorridas em todas essas construções, que se deveram em grande parte à malária, ataque de índios e seca (no Nordeste), e os problemas de pagamento dos funcionários (principalmente no trecho paranaense da SP-RG) tivessem ocorrido hoje, provavelmente nenhuma estrada de ferro teria sido construída – logo no início, a construção teria sido suspensa em regiões em que era (pelo menos naquela época) impossível de se evitar a presença da malária, dos índios e da seca. Já a falta de pagamento era sem-vergonhice mesmo.

O caso mais conhecido, inclusive em escala mundial, é o da Madeira-Mamoré. Já houve livros e uma minissérie (esta demasiadamente fantasiosa, citando diversos fatos totalmente inverídicos) na TV que trataram do assunto. Já os da Noroeste, da Baturité e do trecho catarinense da SP-RG são bem menos conhecidos, com textos até hoje pouco divulgados. O menos conhecido é a construção do trecho paranaense da SP-RG, que envolveu um capitalista de família francesa de Petrópolis que recebia dinheiro do Governo Federal e não repassava para os operários da estrada, que sabe Deus por quê, continuaram trabalhando, tendo entregado a ferrovia pronta em 1905.

Não foram os únicos casos de construções com grande número de mortes e mal administradas, mas vou me ater a somente estas nestas poucas linhas. A pergunta que faço é: seriam as construções dessas ferrovias viáveis se não fossem feitas da forma que foram e com tão poucos cuidados e garantias aos funcionários? E é sempre bom lembrar que, apesar de serem tempos bem diferentes, não faltaram na época denúncias do que estava acontecendo em todas essas frentes. Poucos ligavam para o que estavam sofrendo esses trabalhadores, vindos de todos os cantos em busca de trabalho. Talvez até considerassem tudo isso lenda, pois, afinal, o que tinham com isso?

Então, considerar Farquhar, Teixeira Soares, Roxo Roiz, Hector Legru (houve outros nomes, só nesses casos) e seus capatazes, estrangeiros ou brasileiros, culpados de morticínio por terem construído essas ferrovias é inútil: quando elas foram abertas, trecho a trecho, as notícias no jornal retratavam festas e júbilo por parte das populações, que estavam, sim, muito contentes por ter sido tiradas do isolamento secular a que estavam segregadas.

Os trabalhadores que se danassem. Afinal, foram para lá porque quiseram e não eram certamente masoquistas. Eles provavelmente sabiam que tudo era mata virgem, ou terra árida (no Nordeste), que havia índios, que havia malária — ou talvez nem quisessem saber, pois precisavam de emprego para poder viver. Se sobreviveriam ao emprego, era outro problema.

Hoje esse tipo de denúncia certamente pararia e inviabilizaria as obras. Naquele tempo, se parassem, teriam atrasado o desenvolvimento do país, que deveria vir ao custo dessas mortes, dos cortes da mata e da matança de bugres. Toda esta desgraça justifica o desenvolvimento do Brasil? Está aí uma pergunta cuja resposta mostrará o quão hipócritas ou realistas cada um de nós é.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O VELHO JARDINS


Acima, bela mureta na esquina da av. Brasil com rua Guadalupe. Embaixo, casas na alameda Jaú.

Não, não há erro no título. Jardins é como é chamada aquela vasta área da Paulista até a avenida Faria Lima, ou, se estendermos, até a Marginal do Pinheiros, limitada lateralmente pelas avenidas Rebouças e Brigadeiro Luiz Antonio, e no pedaço mais ao sul, pelas avenidas Nove de Julho e Cidade Jardim.

Os bairros que hoje se chamam Jardins têm seus nomes originais: Jardim Europa, Jardim América, Jardim Paulista, Jardim Paulistano e Cerqueira César. Aliás, este último é que é chamado hoje de “miolo” dos Jardins, O nome praticamente se perdeu no tempo.

Não vou muito aos Jardins, ou melhor, a Cerqueira César. É a área que compreende uma muralha de prédios, na maioria de apartamentos residenciais, e pequenas casas que se transformaram quase todas em lojas. Lojas que, até o início dos anos 1960, estavam concentradas nas ruas Augusta e Pamplona, as mais largas – nem tanto assim – e que tinham as linhas de bondes até que eles acabaram. Aliás, os da rua Augusta acabaram nos anos 1950. Os da Pamplona, em 1966.

A partir dos anos 1970, chegaram as lojas, incluindo as da avenida Paulista. Cerqueira César vai da Paulista à rua Estados Unidos e da Rebouças até a Brigadeiro Luiz Antonio. Em boa parte dos jardins, fora essa área, prédios não são permitidos, com exceção da área próxima à Faria Lima, antiga rua Iguatemi, e, mais antigamente ainda, Estrada das Boiadas.

Repetindo, não vou muito a Cerqueira César hoje em dia. Antigamente, ia quase todos os dias. Hoje estive lá. Como o trânsito, como sempre, estava lento em todas as ruas por onde passei — Jaú, Oscar Freire, Padre João Manoel, Peixoto Gomide, Estados Unidos — deu para fotografar alguma coisa. Pouco, é verdade, pois fotografar de dentro do carro não é tão simples assim.

Uma fileira de sobrados de aluguel geminados (e com três andares e não dois) na alameda Jaú que começa na esquina com a alameda Campinas me chamou a atenção (foto acima). Há muita descaracterização, praticamente todos são lojas hoje, mas o terceiro andar ainda mantém as janelas típicas de São Paulo na primeira metade do século, com persianas de madeira abrindo para fora e dobrando no meio ou na quarta parte.

No mesmo quarteirão, mas do lado esquerdo, uma casa bem antiga e mal cuidada sobrevive ao tempo, meio escondida. E outras mais, que não fotografei. Também se vê o velho Jardins no Jardim América, na esquina da Brasil com a rua Guadalupe, uma casa, hoje um grande escritório mas muito bem conservada, com um muro baixo na frente, ainda original, tudo muito bonito.

E prédios, prédios, prédios tapando o sol. Onde sobra uma casa pode ser o local para um novo prédio. A qualidade de vida da cidade cai, mas ninguém parece se importar. Até que seja tarde demais. Já a casa da esquina da Brasil tem poucas possibilidades de ir para o vinagre, pois a lei que proíbe prédios ali vem da formação do bairro, em 1914.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

SUJEIRA PAULISTANA

Fotografia tomada do cruzamento em 4/12/2009 por Cristian Araújo, quando a chuva o alagou. O grande volume de sujeira que boiava não aparece: ele está na água junto à calçada embaixo do prédio, for da fotografia. Em primeiro plano, a avenida Faria Lima, com Pinheiros para a esquerda e Itaim para a direita; em segundo, a Rebouças sentido cidade. No canto esquerdo da foto, os carros saindo do vértice formado pela Eusébio Matoso e Rebouças, vindas da Marginal.

São Paulo, pelo tamanho que tem (maior cidade em população da América do Sul), era uma cidade relativamente limpa até alguns anos. Reconheço que não é fácil cuidar da limpeza de detritos e lixo numa cidade complicada como está a Capital do Estado mais rico do Brasil.

Porém, há que se ter vontade e seriedade por parte da Prefeitura. Infelizmente, isto não está ocorrendo, nitidamente. Há inúmeras denúncias na imprensa falada e escrita com relação a contratos de varrição e recolhimento de lixo nos últimos anos e mesmo de falta de seriedade quando se trata deste assunto. Não sei se as denúncias são verdadeiras ou não, mas que há excesso de lixo, isso há – não preciso da imprensa para notá-lo.

No local que frequento quase que diariamente – esquina das avenidas Faria Lima e Eusébio Matoso – a situação está cada vez mais crítica. E nem é um problema somente de limpeza. Antes de falar disto, basta olhar para o fato de que construíram um túnel nesse cruzamento – direção Eusébio-Rebouças – que desemboca em um sinal, o da Pedroso de Moraes, fazendo com que ele viva sempre congestionado. Além disso, mantiveram o sinal da Faria Lima sobre o túnel para os ônibus cruzarem a pista por cima. Só os ônibus – porque os carros têm de sair da Rebouças (ou da Eusébio Matoso, se vierem da Marginal), entrar na Faria Lima e dar a volta lá na frente em retornos com semáforos. Não dá para entender – os faróis para os ônibus atrapalham tanto quanto se fossem também para automóveis. Depois, se há um túnel, porque continua o cruzamento sobre ele? Meu Deus, que engenheiros de tráfego temos. Gastaram uma fortuna com um túnel praticamente inútil.

E a limpeza, ou melhor, a sujeira, em volta desse cruzamento é algo que não condiz com o que eu pensava da cidade há alguns anos atrás. Os pequenos jardins feitos nos canteiros centrais das avenidas e no vértice das avenidas Rebouças e Eusébio Matoso estão sem cuidados e cheios de lixo. Barracas de “ambulantes” aos poucos vão aumentando em número, e com isso o lixo, já que “ambulante” nenhum limpa a sujeira que deixam ele e os clientes.

Motoristas de táxi e motociclistas saem na contra mão da rua Manduri - rua que sai da Faria Lima um quarteirão depois da Rebouças no sentido do Itaim e vai para a Marginal - e não respeitam a faixa de pedestres nessa rua, com grande tráfego de pedestres. Já há uma cobertura feita de lona plástica sobre a calçada para abrigar motoristas do sol, dando um efeito horrível ao visual que já sofre com o lixo e pontas de cigarro que eles deixam por ali.

O cruzamento das avenidas tem inundado a cada chuva que cai, trazendo uma infinidade de lixo de todo o tipo. De onde vem tudo isso? Das calçadas, das sarjetas, dos jardins, dos bueiros e das bocas de lobo... note-se que a única lata de lixo que existe e que fica ao lado da banca de jornais está com a porta lateral aberta e não tem um recipiente para conter o lixo, ou seja, é uma “caixa” de concreto que não serve para nada.

Juntando tudo isso, a microrregião está virando uma maloca. E se eu for descrever tudo o que eu tenho visto no município em termos de lixo, meu blog não falará de outra coisa.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

MAIS UMA NOTÍCIA FERROVIÁRIA GOVERNAMENTAL

Locomotiva ALCO FA-1 da RFFSA enferrujando em agosto de 2004, na estação Barão de Mauá, foto Evandro Ribeiro

Outra nota do Ministério dos Transportes, além do que falei ontem sobre os trens de passageiros que seriam reativados, foi anunciada hoje, ou, pelo menos hoje dela fiquei sabendo. Também com coordenação da Universidade Federal de Santa Catarina, deverá ser montado na estação Barão de Mauá, da velha Leopoldina, no Rio de Janeiro, o Museu Ferroviário Nacional.

A notícia só pode ser melhor se o fato efetivamente se concretizar, mas é a tal coisa: depois de roubarem, surrupiarem, abandonarem etc. tudo o que é bem das antigas RFFSA e FEPASA nos últimos anos, o que teremos para montar num museu ferroviário de grande porte?

E por que a Universidade de Santa Catarina está encarregada dos estudos? Deus, se o museu é no Rio de Janeiro, tem de ser alguém de lá! Não adianta virem com história de que o mundo está globalizado, etc. Não me convence.

Enfim, torço para que saia e que saia algo bem feito. Porém, depois de várias desilusões nos últimos anos com relação a esse tipo de coisa, fiquei realmente cético.

Havia um museu – aliás, ainda há – na estação de Engenho de Dentro, em um de seus prédios – mas tudo está relegado ao descaso. Vários dos prédios em volta foram demolidos quando das obras da construção do estádio Engenhão, para o Pan-Americano.

Muito do material rodante – carros, locomotivas e vagões – que estavam no pátio e mesmo em galpões que acabaram demolidos foram transferidos para Barão de Mauá como medida emergencial e graças ao empenho particular de alguns amantes da ferrovia que até tiveram problemas porque os salvaram.

É o conhecido descaso das autoridades com a memória nacional, tão comentado neste blog, no meu site sobre estações ferroviárias e por outros meios de comunicação.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

NOTÍCIA FALSAMENTE OTIMISTA

Trem de passageiros da Fepasa em Louveira, em 1997. Foto Vanderley Zago

Acreditem ou não, no dia 11 de dezembro foi publicada a Portaria nº. 260 do MT — Ministério dos Transportes —, no DOUDiário Oficial da União —, que versa sobre a realização de estudos de viabilidade em trechos de ferrovias brasileiras para a implantação de trens de passageiros. Tal medida foi anunciada como sendo a retomada do Projeto Trens Regionais e indica 14 trechos pré-selecionados pelo MT.

Houve autorização e dotação orçamentária no orçamento da União Federal para que esses estudos de viabilidade sejam coordenados pela Universidade Federal de Santa Catarina. Sabe-se Deus o critério dessa escolha. À primeira vista, é claramente uma medida pré-eleitoral — se bem que não consigo entender muito bem por que a implantação de trens de passageiros possa representar votos para a situação. Afinal, a eliminação dos trens de passageiros foi algo que foi feito paulatinamente entre os anos 1960 e 1990 e em praticamente nenhum caso houve reação por parte do povo supostamente afetado por ela. Quando houve, foi curta e pequena.

É possível que aproveitando a lembrança do povo mais simples, que tomava trens porque eram bem mais baratos do que ônibus numa época terminal e acha que se esses trens voltarem vão continuar baratos. Ora, para voltarem baratos, precisariam ser da mesma forma que eram quando foram eliminados — na maioria dos casos, uma droga, sujos, lentos, sem horário etc.

Os trechos são: Em SE, São Cristóvão-Aracaju-Laranjeiras; no PR, Londrina-Maringá; no RS, Bento Gonçalves-Caxias do Sul e Pelotas-Rio Grande; em PE, Recife-Caruaru; no RJ, Campos-Macaé e Santa Cruz-Mangaratiba; em MG, Belo Horizonte-Ouro Preto-Cons. Lafaiete e Bocaiúva-Montes Claros-Janaúba; em SC, Itajaí-Blumenau-Rio do Sul; em SP, Campinas-Araraquara e São Paulo-Itapetininga; na BA, Conceição da Feira-Salvador-Alagoinhas e no MA/PI, Codó-Teresina.

São todos trechos bastante populosos, o que justificaria a presença desses trens mais agindo como metropolitanos do que de longa distância. Aliás, nenhum deles passa dos 200 quilômetros de percurso. Os estudos deverão considerar, se forem sérios, novas linhas, independentes das atuais usadas pelos cargueiros; novos trens; e atuação, repetindo, como trens metropolitanos, ou seja, com distâncias entre as paradas sendo bem inferiores ao que costumava ser antigamente nos trens de longo percurso (de 7 a 20 quilômetros). Teriam de ter um trem expresso, ligando as cidades das extremidades da linha, e outro parador. Sobre este assunto, vejam minha postagem de alguns dias atrás.

Somente assim poderiam se justificar, mas somente um estudo econômico vai ditar isto. Não adianta querer recuperar linhas e material rodante já existentes, a não ser talvez em uma ou outra exceção. Como admirador de ferrovias e conhecendo razoavelmente o assunto, torço para que vá em frente; sinceramente, porém, meu ceticismo teima em tentar atrapalhar minha esperança de que tudo dê certo.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

CONSEQUÊNCIAS DE SE TER GOVERNOS SEM CRÉDITO


Um velho prédio construído com projeto do arquiteto Ramos de Azevedo no longínquo ano de 1895, quando o Pacaembu fazia parte da “afastada” zona rural do município de São Paulo e não se tinha nem ideia de que um dia ao lado dele seria construído o Estádio Municipal, virou palco de discórdia na cidade.

Seu uso original foi o acolhimento de crianças abandonadas na Santa Casa de Misericórdia na “roda dos expostos” – onde bebês recém-nascidos e indesejados pelos pais eram anonimamente colocados do lado de fora em cima de uma roda que era girada para que dentro de um quarto onde se recolhiam os bebês.

Mais tarde, em 1935, transformou-se em um asilo, quando o bairro do Pacaembu começava a ostentar suas escassas casas em meio a centenas de terrenos ainda vazios e ruas recém-traçadas. Como o terreno era grande e a casa estava afastada dos seus limites, ninguém se preocupava com o “Asylo Sampaio Viana”. Nos anos 1960 virou um orfanato do Estado e posteriormente abrigou uma unidade da FEBEM. Agora, há anos está vazio.

Vazio mas com novo dono: há onze anos, a Fundação Faculdade de Medicina (a da Universidade de São Paulo) adquiriu o imóvel. Tem estado bem cuidada, a se julgar pela fotografia acima, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no último dia 12 de dezembro.

O problema é que a Fundação quer construir ali um centro educacional para profissionais da saúde, quando todo o bairro está tombado e, ainda por cima, a região é uma ZER – Zona Estritamente Residencial — e para ser usada dessa forma, precisaria ser transformada numa ZOE — Zona de Ocupação Especial. A Associação Viva Pacaembu, dos moradores da área, não quer isso e estuda entrar com uma ação na Justiça se for aprovado o projeto de lei que vereadores já estão apresentando para mudar o bairro.

Ora, se tudo é tombado, como se pode mudar o zoneamento? Tanto um tombamento quanto um zoneamento existem para não ser mexidos. É isto que eu penso e que os moradores também pensam. Mesmo que se torne verdade o que a Fundação apregoa — que seriam cem alunos por período apenas e que portanto isso não se tornaria de forma nenhuma um polo gerador de tráfego no bairro, quem garante que isso não é uma brecha para se instalar ali uma faculdade, por exemplo?

Têm toda a razão os moradores do bairro. Da forma como têm agido nossos governantes, sempre fazendo leis às escondidas com detalhes que muitas vezes passam desapercebidos justamente para darem abertura a mudanças nos anos seguintes, não há por que neles confiarmos. É isso que dá serem gente que age sem pensar nas consequências — ou, pior ainda, pensando nelas.

Afinal, os vereadores não representam maiorias? A Fundação é uma maioria, por acaso? Se os moradores do bairro, ou a associação, que representa um número de pessoas certamente muito maior do que a Fundação, não querem, por que insistir?

Ao mesmo tempo, há que se pensar num uso para o imóvel e seu terreno que evite que, sem uso, tudo fique no abandono, como sói acontecer com diversos imóveis pelo Brasil inteiro. Esse uso, no entanto, não pode se transformar em algo que a médio prazo destrua o bairro.

domingo, 13 de dezembro de 2009

FIGUEIRA DO RIO DOCE


A fotografia de duas pessoas de minha família traz-me à lembrança memórias. Na foto estão meu bisavô, então já com 71 anos, em sua casa em Figueira do Rio Doce, nome tradicional e muito bonito de uma cidade mineira, nome que não existe mais por vontade de um político medíocre que quis perpetuar seu nome — Benedito Valadares. Como Governador Valadares, a cidade perdeu seu belo nome, esquecido no tempo, e hoje é famosa por ter muitos de seu povo trabalhando nos Estados Unidos.

Já meu bisavô, Guilherme Giesbrecht — um dos fundadores da cidade de Jaguariúna, em São Paulo, e também um dos primeiros habitantes da cidade de Brumadinho, em Minas Gerais, onde esteve como chefe da construção da rodovia São Paulo-Belo Horizonte, nos idos de 1929 — fixou-se logo depois em Figueira, onde chegou a ser prefeito durante os anos 1930. Não mais deixou a cidade até sua morte em janeiro de 1957.

A criança que está com ele — vale ressaltar que a foto foi tirada em março de 1937 — é José Giesbrecht, primo de meu pai Ernesto. José morou na casa de meus avós em Ponta Grossa durante algum tempo, exatamente na época em que meu avô Hugo sofreu com acusações – que se revelaram falsas — contra ele na direção do fundo de pensões da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, em 1933. José presenciou a depredação da casa de vovô por paus-mandados do prefeito da cidade na época. O prefeito era também chefe das oficinas ferroviárias de Ponta Grossa, que ficavam ao lado da casa de meu avô. José contou o que meu pai jamais contou: que até as bicicletas das crianças foram destruídas.

Contou que ficou sozinho na casa com a governanta durante o tempo em que levaram meu avô, minha avó e seus três filhos para Curitiba para interrogatório — a força. Logo depois, José foi levado para encontrar-se com eles em Curitiba, não antes de presenciar o resto da casa ser destruída, com caminhões amarrando uma corda à varanda da casa de madeira e puxá-la, para que viesse abaixo.

José acabou ficando com meu tio Guilherme, outro filho de meu bisavô Guilherme, e mudou-se para o Rio de Janeiro. Meu avô e a família acabaram indo para São Paulo no início de 1934, depois de inocentado.

Meu pai se encontrou com José algumas vezes em Campinas, onde José acabou se fixando. Eu me encontrei com José três anos atrás, ele com 87 anos, quando me contou a trágica história acima.

José morreu no ano passado, em Campinas.

sábado, 12 de dezembro de 2009

O ARRUAMENTO DA VILA OLÍMPIA


Acima, mapa de 1966. Em baixo, mapa de hoje, publicado no Estado de S. Paulo.

Não é por acaso que a cidade de São Paulo tem congestionamentos homéricos. Um bom exemplo disso é o bairro da Vila Olímpia, que em 1966 ainda tinha somente casas e pequenas chácaras e hoje tem edifícios em número suficiente para que o trânsito de automóveis ali seja impraticável.

Dá para se notar claramente que entre as ruas Ramos Batista e Funchal houve pelo menos dois loteamentos originais. No mapa de 1966, as ruas que saem da Ramos Batista não se encontram com as ruas que saem da rua Funchal, além do que as ruas Pequetita e Funchal são uma continuação da outra, mas mudam de nome no meio do caminho sem que haja um divisor: uma rua ou alguma ponte.

As ruas foram loteadas com largura muito pequena e com quarteirões muito longos, o que, com pequenas casas, terrenos vazios e eventualmente um ou outro comércio, não fazia diferença. Hoje, no entanto, com prédios de apartamento e escritórios, shopping center (este, recém-inaugurado) e todos os terrenos praticamente ocupados (o que faz com que não haja espaço para estacionamentos particulares), ali vire o caos. Caos que já ocorria antes da abertura do shopping.

A duplicação da rua Olimpíadas no meio de uma região loteada sem qualquer planejamento e que na época a Prefeitura também pouco se importou, não vai resolver nada. Notem também que em 1966 não existia ainda a avenida Juscelino (que é o prolongamento da rua Eduardo de Souza Aranha, por cima de cujo leito passou) e muito menos a Faria Lima (que apareceria, no mapa antigo, no canto direito superior do segmento reproduzido).

Hoje, com o bairro pequeno e sem estrutura, que continua com as ruas estreitas e com a união das ruas que não se encontravam em 1966, mas ainda com os nomes diferentes dependendo do trecho – os mesmos nomes daquele ano -, o bairro ainda teve de absorver os carros que entram das duas avenidas citadas. Não há quem aguente.

Uma coisa que simplesmente não entendo é por que neste caso não foi feito pela engenharia de tráfego um acerto nas junções das ruas que não atravessam a Ramos Batista, mas deviam atravessar (no loteamento ninguém pensou nisso, claro). Bastava ajustar os leitos do final de uma e começo de outra de forma que uma passasse a ser a continuação da outra (rua Joaquim F. Lobo com rua do Rocio – e não do Rócio, como está escrito –, por exemplo). Claro que haveria desapropriações, mas o trânsito com certeza fluiria melhor. É o mínimo que se deveria ter feito depois de terem autorizado num bairro com ruas estreitas a montanha de prédios e o shopping que agora existe ali. Ainda há tempo para se fazer. Mas farão?

Comparar os dois mapas é ter uma ideia da total falta de planejamento da Prefeitura durante o século que passou. Deus salve a Vila Olímpia.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

TORCENDO PELO RÁDIO


Já houve tempos em que se torcia pela Seleção Brasileira pelo rádio. Aliás, eu sou desse tempo – ouvi as Copas do Mundo de 1962 e de 1966 pelo rádio de pilha. Não havia transmissão direta de jogos pela televisão, pelo menos para o Brasil; os vídeo-tapes chegavam por avião e eram transmitidos pelas televisões geralmente dois dias depois dos jogos.

Somente em 1970 houve a primeira transmissão de uma Copa do Mundo para o Brasil. Foi em branco e preto, pois não havia ainda televisão colorida por aqui. Em 1974, a transmissão já era colorida.

Mas como seria nas copas que eu não acompanhei? 1954 e 1958, por exemplo? Eu já era nascido, mas muito pequeno. Sei, por gravações de transmissões, que o som que chegava da Europa era ruim, com altos e baixos, ecos etc.. Em 1950, a Copa foi no Brasil, suponho que a transmissão tenha sido um pouco melhor em termos de som, mas não me lembro de ter ouvido gravações desses jogos.

A foto acima mostra o pedaço de um jornal com o povo no centro de São Paulo ouvindo um dos jogos da Copa de 1938. Note que o texto – é bom clicar sobre a foto, para poder ver direito – escreve o nome errado da hoje extinta Tcheco-Eslováquia (escreve como Tcheco-Slovania, nome que jamais existiu). Não sei que jornal é, na verdade: tal recorte vem dos arquivos de meu avô e pode ser de O Estado de São Paulo, que tinha um suplemento em off-set na época (chamado de Estadinho) e também porque o nome do jornal aparece ao fundo, na fotografia.

No texto, o “futebolês” da época, com palavras como “onze”, “players”, “pugna”, “pacatos cidadãos do planalto”, “peripécias”, “enthusiasmo” e outras. Note que pela reportagem não dá para saber a qual jogo estão ouvindo: se contra a Polônia, contra a Tcheco-Eslováquia (foram dois) ou a Itália. O jornal deve ter sido lançado depois deste último e antes do jogo seguinte, que foi a decisão do terceiro lugar, quando o Brasil jogou contra a Suécia, a quem venceu por 4 a 2.

É claro que as pessoas podiam ouvir os jogos em rádios em sua casa, mas provavelmente preferiam ouvi-los junto com a multidão à frente de caixas de som colocadas em algum lugar do centro. Aliás, não sei quantas pessoas ainda teriam rádios em casa, aparelho este que não tinha nem dez anos de implantação no País naquela época.

Será que saía briga, como acontece hoje, entre os “manos”? Com todo aquele pessoal de terno? Como terá sido a reação daquele mundaréu de gente ante os gols do Brasil e dos adversários, e principalmente ante a derrota contra a Itália?

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

IGUAPE E O VALO GRANDE

No desenho publicado nos anos 1930 e que ilustrou o artigo de Sud Mennucci, todos os detalhes do rio, do oceano e do Valo Grande. A "continuação" do canal era o que estava sendo proposto na época — é a área hachurada ao lado de onde está escrito "Ilha Comprida".

Não conheço a cidade de Iguape, por mais estranho que possa parecer. Afinal, fica no Estado de São Paulo, não fica tão longe assim de onde moro (210 km)... mas, embora uma cidade claramente muito bonita pela arquitetura antiga — vi Iguape somente em fotografias —, jamais houve uma oportunidade para visitá-la.

Meu pai, que passeava conosco de carro pelo Brasil afora nos anos 1960, nunca foi a Iguape. É bem verdade que me lembro de ter perguntado a ele por que não íamos lá. Afinal, era praia! Ao que me pai respondia: “a estrada é muito ruim, é de terra...” E parece que era mesmo. A volta também era grande em relação às praias que frequentávamos, como Santos, Praia Grande e Itanhaém. Não era somente continuar acompanhando a praia para o sul. Tínhamos de ir de Peruíbe à BR-116, num acesso ruim e o pesadelo que sempre foi esta última. Dali, na altura do vale do Ribeira, tínhamos de pegar a tal estrada de terra e seguir de volta para o litoral.

Enfim, jamais fui. Pretendo um dia ir, mas ainda não tenho nenhuma perspectiva. Na semana passada o Estadão publicou uma reportagem sobre a cidade. Como sempre, belas fotos de casas antigas e da sua Basílica do Senhor Bom Jesus de Iguape, construída em 1782 com duas torres. No aniversário da cidade, que fez 471 anos (é mais velha que a Capital), o IPHAN a declarou Patrimônio Cultural do Brasil, da mesma forma que o fez com Paranaguá, do entorno ferroviário da estação de Campo Grande, MS, e do toque dos sinos da Igreja de São João Del Rey. Afinal, Iguape tem o maior conjunto de construções do período colonial de São Paulo.

Dez anos antes, no entanto, o mesmo jornal publicava que Iguape estava em perigo, com várias casas com risco de cair por falta de manutenção. Nos dez anos que se seguiram, isto terá mudado? Não vi nada nesse sentido sendo escrito na reportagem da semana passada.

Iguape já foi porto importante. Porém, sendo também o local da foz do rio Ribeira de Iguape, que fazia com que a cidade tivesse há 200 anos na realidade dois portos: um fluvial e outro marítimo. A cidade era rica. No entanto, resolveram, por volta de 1825, construir um valo para unir os dois portos. A intervenção humana foi catastrófica. No início um escoadouro de pouco mais de 4 metros de largura, a força das águas corroeu as margens arenosas. Quarteirões inteiros e o cemitério foram destruídos. Os ricos foram embora da cidade. O porto, assoreado, foi fechado pois não conseguiam mais usá-lo. Em 1879, pedia-se pelo amor de Deus ao Imperador o fechamento do valo.

Meu avô Sud escreveu vários artigos sobre o problema nos anos 1930. No entanto, o fechamento com pedras, depois de décadas de discussão, veio cem anos depois, mas não durou nem dez anos. Aí resolveram fazer uma barragem com comportas que regulariam o curso do rio Ribeira. A obra parou em 1992 por falta de verbas. Em 2001 ainda estava parada.

No meio da história, projetou-se em 1943 a primeira fábrica de cloro e soda no Brasil ali na cidade. Ficou somente no projeto, embora a quantidade de sal marinho nas salinas da cidade fosse grande. Hoje existe uma série dessas fábricas no Brasil, mas em outros pontos bem longe da cidade. Entretanto, o turismo hoje já é uma renda importante na velha cidade. A própria decadência e estagnação da cidade causada pelo problema do porto acabaram levando ao isolamento e, como consequência, à conservação de seu casario — não necessariamente uma boa conservação, mas eles estão lá.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

TRISTEZA, BEM BRASILEIRA

Carros Budd 800 ainda no pátio de Sorocaba, em 5/12/2009. Foto Tiago Amato

Há algumas semanas, postei neste blog um artigo falando sobre a autorização dada pelo DNIT à concessionária ALL, cujo objetivo era enviar todo o material rodante que lhe é inservível para o pátio de Triagem Paulista, em Bauru.

Já se sabe que dificilmente as linhas métricas que existem nesse pátio terão condições de abrigar todas as locomotivas diesel, elétricas, carros e vagões espalhados e mal cuidados espalhados em diversos pátios paulistas. As concessionárias não têm o menor interesse em preservação, ou de pelo menos cuidar deles de forma a impedir furtos, roubos e vandalismo nesse material.

Com a remoção para Triagem, que já começou a ser feita, as condições piorarão. Há riscos de empilhamento de material por falta de espaço nas linhas. O risco de furto, roubo e depredação será muito maior do que onde estão hoje, em pátios como o de Sorocaba, por exemplo. Os carros Budd 800 de bitola métrica que serviram a Sorocabana por tanto tempo – começaram a ser comprados nos anos 1950 e são de aço inox – estão hoje em grande parte no pátio da estação de Sorocaba, mas também irão para a fila da morte. O policiamento do pátio de Triagem somente existe no papel. Lá entra quem quer. E mesmo se ninguém entrar, a exposição ao sol e à chuva continuará sem piedade, agora longe dos olhos dos outros pátios onde estão e sujeitos a mais fiscalização, mesmo que involuntária.

Tiago Amato escreve no e-mail que me enviou anexando as fotografias dos Budd em Sorocaba: “Ontem estive no pátio de Sorocaba fazendo fotos dos 13 carros Budd 800 que estão esperando para embarcar numa viagem sem volta para Triagem. Andando entre os carros, na memória começa a rodar um filme de quando eu os observava no pátio ou na estação aonde ia com meu avô receber o pagamento dele no Banespa que ficava na estação, ou quando estava na escola destinada aos filhos e netos de ferroviários e que era ao lado das oficinas. Fico imaginando pensando em qual desses carros poderei ter andado, nos momentos que passei dentro deles e nas diversas pessoas que neles viajavam. Pude presenciar um carro com as cabeceiras amassadas, provavelmente em algum acidente na época da Sorocabana, pois nele não existe nenhum indicio de pintura da Fepasa. Seguem as fotos que provavelmente serão as últimas desses vagões inteiros”.

No lugar de doarem esses carros para museus ou para associações de preservacionistas ferroviários, deixam-nos ao relento para apodrecer, enferrujar e serem vandalizados, numa maré contrária ao interesse da memória nacional.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

SALVE-SE QUEM PUDER

Foto: Marginal do Tietê alagada, site da UOL, 8/12/2009

Outra vez São Paulo está alagada. Não pude ir para lá nesta manhã, pois o tráfego na Castelo Branco não andava. Minha filha tentou ir e voltou, chegando em casa duas horas depois de sair (andou, ida e volta, cerca de 30 quilômetros). Meu filho foi levar meu neto na escola e ficaram ambos quatro horas parados no trânsito. Desistiu de levar o filho e foi para a casa do cunhado, ali perto. Nem meu filho nem meu neto alcançaram os objetivos: trabalho e escola.

É isso aí que estamos vendo. Não há jeito para São Paulo. Não adianta se queixar do prefeito atual, que somente sabe elevar o IPTU em trinta por cento – isso é roubo. Não é ele o único culpado pelas enchentes, como já escrevi aqui. São todos os prefeitos do século 20, que não souberam ou não quiseram frear a especulação imobiliária, feita até em campos alagadiços e várzeas.

Agora não tem volta. Ou todos que moram nessa área se mudam e as casas e prédios são demolidos, ou eles vão estar sempre sujeitos a acordarem com as residências alagadas. E os outros? Bem, os outros que se conformem em ficar ilhados e em muitos casos não conseguirem comparecer ao trabalho ou poder ir atrás das coisas que têm de fazer.

Claro, a cidade não alaga todos os dias. Porém, mesmo quando não alaga, possui um trânsito quase sempre insuportável. Não precisa chover para isto. A chuva apenas piora. E a cidade não pode impedir os caminhões e ônibus de nela entrarem, pois são eles que abastecem a cidade. São eles, efetivamente, que causam a piora do trânsito nas ruas, aliados à má educação, buracos, valetas, lombadas e carros quebrados a toda hora.

O Ceasa está alagado. De quanto será o prejuízo? E os carros, caminhões e ônibus parados por horas nas Marginais e nas ruas? E a água que espalha o tifo?

Ah, eu disse que o atual prefeito não é o único responsável. Não é mesmo, mas tem responsabilidade: também não tentou conter as construções e, para piorar, a cidade nunca esteve tão suja. A cada chuva vemos as ondas de água que correm com a enxurrada carregando sacos de lixo e detritos de toda espécie. Sujeira que é vista nas calçadas e tentando entrar nas bocas de lobo mesmo em dias secos. É ela que vai entupir as galerias de águas pluviais que vai manter o escoamento extremamente lerdo quando há uma chuva como a de hoje, que uns dizem que correspondeu a um mês normal de chuva, outros a 30%, mas o fato é que foi muita água. Isso, no entanto, não tira a culpa dos governantes e do povo que joga tudo na rua e adora andar de carro até quando tem à sua porta uma boa condução (está certo, muito poucos têm à porta boas conduções, mas será por isso somente que eles deixam de utilizar transporte público?).

Não tem jeito. São Paulo está perdida. Construam seus prédios e condomínios de casas com nomes ingleses e franceses para ficarem mais chique, mas não se esqueçam que sair deles de carro está cada vez mais difícil. Os trens da CPTM, sempre defendidos por mim, hoje também (alguns) não conseguiram passar pela água, paralisando algumas linhas. Ir a pé para o trabalho? Com chuva e as calçadas que temos, não há guarda-chuva que resolva – tenha sempre à mão sua galocha.

E, por favor, pensem duas vezes antes de me chamar de pessimista e reclamão. Vejam só o pepino que temos na mão.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A ESTAÇÃO DE ITAPEVA PRECISA DE UMA FAXINA

A estação de Itapeva em 2004 (esquerda) e em 1912 (direita)

Notícias provenientes da cidade de Itapeva dão conta que finalmente a Prefeitura resolveu se mexer para impedir que a velha estação ferroviária, inaugurada em 1909 e construída logo depois (há indicações que a primitiva estação não era o “castelinho” que existe agora, mas sim uma provisória, de forma a abrir seu prédio definitivo somente em 1912) será finalmente tombada.

Está ela hoje em petição de miséria. Fora da cidade, nos limites da zona urbana até hoje, ela fica próxima à fábrica de cimento da cidade, fábrica esta que não existia quando da abertura da estação. Eu conheci esta bela estação – que segundo alguns seria, assim com a de Piraju e a de Santa Cruz do Rio Pardo, obra de Ramos de Azevedo – no ano de 1998, quando o trem Sorocaba-Apiaí, trem regular de passageiros, passava e parava na estação por volta de meia noite na ida e de seis da manhã na volta. O trem partia de Sorocaba às 6 da tarde, todos os dias, e regressava a ela ao meio-dia.

Por isso mesmo, não foi fácil de fotografá-la quando andei nesse trem: a pouca luz dificultava a qualidade. Era ainda tempo das máquinas com filme, mas sim, o prédio não somente tinha ainda eletricidade como também tinha um chefe de estação que ainda se aninhava entre móveis antigos da ferrovia. Também é infelizmente verdade que ela já estavaa em mau estado, apesar de estar sendo utilizada.

Com a entrega da Fepasa à RFFSA (1998, na verdade pouco mais de um mês antes de eu fazer essa viagem de trem) e desta à concessionária Ferroban (janeiro de 1999) e ainda desta à concessionária ALL, poucos meses depois, a estação, mesmo com o trem passando por ali, foi fechada e imediatamente caiu no abandono.

Por pelo menos quatro vezes estive na cidade, de carro, e fui à estação fotografá-la. A última vez foi em 2004. A situação era cada vez pior. E sei que, mesmo sem minhas visitas há já cinco anos, ela piorou ainda mais. E não é somente ela: o armazém, que teria sido a estação provisória, está mau também, mas, fechado, parece ter algo guardado dentro, o que impede pessoas que nada têm a ver com o prédio de entrar e depredar. Já as casas da vila ferroviária, muito simpática e alcançadas por duas escadarias com a mesma idade da estação, variam em seu estado de conservação, dependendo de quem nela mora.

O nome da cidade era Faxina até os anos 1940, daí o trocadilho acima, o do título. Até o início dos anos 1990, em Itapeva se bifurcava a linha: a antiga seguia para Itararé, Jaguariaíva e finalmente Ponta Grossa; a nova, aberta em 1973, saía para a estação de Nova Itapeva, esta feiosinha e "modernosa", mas muito bem cuidada pela ALL, daí para Pinhalzinho, na divisa SP/PR e dali para Ponta Grossa. A linha nova matou a velha. Em 2001, a velha não tinha mais trilhos, sendo impossível ir para Itararé com trens.

Espero que toda a movimentação para limpar e restaurar a estação de Itapeva saia do papel. O Condephaat, anuncia-se, tombará a estação e mais alguns prédios no próximo dia 9 de dezembro; somente isso, no entanto, não garante uma restauração. Esperamos que o poder público se mexa para tal. Por enquanto, apenas devem promover palestras sobre restauração de prédios antigos, mas que tomem cuidado: que não ouçam o ruído do desabamento enquanto técnicos falam de maravilhas futuras. Já estava mais do que na hora de se proteger o prédio com cercas, já que o madeirame está indo de vez para o saco, enquanto vagabundos e drogados entram e saem do velho prédio em ruínas quando querem.

domingo, 6 de dezembro de 2009

A GOSTOSA ARARAS

Prédios de Araras em 1918. Fotos Filemon Peres

Araras perdeu seus trens e trilhos, mas continua sendo uma cidade simpática. Eu a conheci treze anos atrás e depois disso passei a ir praticamente todo ano à cidade, às vezes mais de uma vez.

Como escrevi no meu artigo de ontem, fui lá de novo. Os motivos foram apresentados ontem. Também ontem, no entanto, aproveitei minha estada na cidade para visitar alguns conhecidos. Dormi na casa do meu amigo João de Mello, que me deixou no centro da cidade e foi trabalhar — ele é veterinário e a clínica abre aos sábados.

Passeei pela praça central, a Barão de Araras, antigo “Jardim Público”. É linda, com prédios antigos e bonitos, da mesma forma, por exemplo, que Botucatu. As ruas que cruzam a praça no sentido transversal morrem nos córregos — Araras de um lado e o outro (nunca lembro do nome, mas é um afluente do ribeirão das Araras) do outro lado e as que passam pela praça no sentido longitudinal e suas paralelas morrem na via Anhanguera.

Depois acabei indo para a Rodoviária a pé. O João falou “que era longe, que eu poderia telefonar para ele que ele me pegaria e levaria a ela”, mas ele está acostumado com cidade pequena. Para quem mora em São Paulo, a rodoviária é quase ao lado.

Fui andando e prestando atenção nas ruas por onde passei — isto quando eu conseguia achar placas nelas. Placa de rua é coisa rara em Araras. Uma das ruas: Júlio de Mesquita. O que será que o jornalista tinha a ver com Araras? Sei que ele morreu em 1927 e que foi o primeiro Mesquita do jornal O Estado de São Paulo. Era genro do Cerqueira César, um dos fundadores do jornal em 1875, e por isso ficou com o jornal, pois os outros sócios foram saindo aos poucos. Sei também que pelo menos um deles tinha interesses na cidade, grande produtora de café, mas terá sido o Mesquita? Ou o Cerqueira César? Tenho de pesquisar sobre isso.

Também existe a rua Barão de Arary, um dos fundadores da cidade, e Cronel André Ulson, outro deles. Faz sentido. Já a rua Silva Jardim não faz muito sentido. Afinal, ele era fluminense, provavelmente nunca foi a Araras. Mas como morreu quando caiu dentro do vulcão Vesúvio, em Nápoles, no final do século XIX, devem ter ficado com pena dele. Tem a rua Santa Cruz. Tem a Nunes Machado, que é também nome de uma rua em Curitiba. Seria o mesmo Nunes Machado? Teria ele algo a ver com a cidade?

O antigo Jardim Público, como já dito, tem diversos prédios magníficos, tanto nos jardins da praça quanto nas ruas que a costeiam. Outro edifício não tão antigo quanto esses, mas também imponente, é o do Clube Ararense. A estação ferroviária, por sua vez, fica onde era o limite da zona urbana da cidade no século XIX, aliás, era até longe dela na época. Como a linha passava pelo vale do ribeirão das Araras, a estação também era ali, o que obrigava os passageiros dos trens a uma longa viagem na época — de parcos transportes, como lentos carros de boi. Como era comum, muita gente ia a pé mesmo.

Já a estação rodoviária, bem mais nova, fica onde teria de ficar: na avenida que faz um “U” na cidade e contém a cidade velha em seu interior. Próxima à Anhanguera, é um dos poucos lugares da cidade que dão razão ao nome pela qual a cidade é chamada: “Cidade das Árvores”. Os jardins da rodoviária são bonitos e cheios de árvores com pássaros que cantam ali pelo dia inteiro. O prédio é bastante adequado para o movimento, apenas pecando por ter poucos assentos de espera e por ter uma limpeza não muito boa.

Mas é Araras. É no rico interior de São Paulo, mas sem nenhum hotel que possa ser chamado de bom. Eles têm de resolver isso.