domingo, 28 de fevereiro de 2010

DESCASO TOTAL

O Estado de São Paulo, 28/2/2010

O Governo de nosso País não liga, realmente, para a opinião pública. Podemos enumerar alguns motivos? Se quisermos ser bonzinhos, podemos defender nossos governantes e dizer que “eles têm coisa demais para fazer, não podem ficar lendo cartas, e-mails e ouvindo reclamações de todo mundo”. E eu mesmo refuto: primeiro, eles têm assessores (até demais) exatamente para fazer isso, ajudá-los a ler e ouvir. Segundo, se as reclamações são demais, é por que há algo (ou, como diriam alguns, “algos”) de podre no reino da Dina... desculpe, na República do Brasil. Em um universo menor, no Estado de São Paulo.

Exemplos? Há alguns dias mandei um e-mail para todos os vereadores da cidede de São Paulo. Respostas? Duas. Duas que tentavam em suas explicações justificar o absurdo que aprovaram (e com uma rapidez inacreditável), ou seja, o absurdo aumento do IPTU paulistano (o da casa de minha mãe aumentou 700%, e o buraco em frente à casa dela continua aumentando faz já dois meses). Duas respostas em quase sessenta é falta de consideração, mesmo, para com os munícipes. Em troca, um dos que me respondeu segue mandando agora propaganda do que faz. O que ele diz? Que a cidade acaba de aprovar um projeto a favor da “diversidade”. Enquanto isso, a diversidade de lixo espalhado pela cidade continua aumentando. Só fazem coisa que não importa, coisa cosmética. E ainda ficam orgulhosos, pois isso sim eles espalham por seus e-mails.

Mais exemplos? O caso já citado aqui nos últimos 2-3 meses do material rodante da antiga FEPASA que foi mandado para ser destruído (não como sucata por alguém contratado pelo Governo, mas por ladrões, mesmo) no pátio de Triagem, em Bauru. Aliás, isso saiu em reportagem hoje mesmo, n'O Estado de S. Paulo. Eu já mandei duas mensagens (e-mails) sobre isso ao Ministério Público do Estado. Respostas? Nenhuma. Nem um “muito obrigado, vamos investigar”.

Mais exemplos? As cartas diárias mandadas na respectiva seção (2ª e 3ª páginas) do jornal O Estado de S. Paulo, que é o jornal que leio. Claro que existem cartas diferentes enviadas para outros jornais no Brasil inteiro. As reclamações, com as quais concordo quase que integralmente em geral, são óbvias e mereceriam no mínimo uma explicação por algum parlamentar ou mesmo assessoria de algum órgão governamental. A situação continua sempre a mesma e as reclamações, que às vezes são acusações claras e comprovadas, não dão em nada, tudo continua seguindo a mesma linha absurda de raciocínio por parte do nosso governo que tanto propaga inúmeras ações muitas vezes totalmente inócuas ou diferentes do que o povo pensa ou precisa. Eles se dizem representantes do povo. Há muito que não são. Realmente, admiro a paciência e a brasilidade desses escritores de cartas que não desistem. Eu já desisti. Fico com o meu blog. Ele é certamente muito menos lido que a seção de cartas dos jornais, mas o resultado é o mesmo: nenhuma providência é tomada.

Mais exemplos? Tenho um conhecido, Luiz Carlos, que escreve para a Prefeitura de São Paulo reclamando do acúmulo de lixo em diversas partes de São Paulo, pelo menos uma vez por semana, por e-mail, ao sujeito responsável por isso na Prefeitura. Melhorou alguma coisa? Nada. Eu recebo cópias de alguns desses e-mails. Certamente haverá muitos, mas muitos mais exemplos dos quais alguns eu não me lembro agora e alguns eu nem conheço. A prova, entretanto, de que nossos governos pouco se importam para a opinião pública está aí, clara, nessas linhas acima.

A única forma que conheço atualmente de se protestar e ter resultados é bloquear ruas, estradas e ferrovias, colocar fogo em pneus, invadir secretarias de governo... ou seja, fazer tudo “no pau”. Só que meus pais me deram uma educação que não condiz com esses atos. A esta altura, chego a me perguntar, depois de 58 anos de vida: foi esta a melhor educação que tinha eu para receber? Não sei. Talvez seja no Primeiro Mundo. Aqui no Terceiro, que nosso Presidente cisma de dizer que já estamos no Segundo e talvez batendo na porta do Primeiro, ela parece não funcionar.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A BELA JAGUARA

A bela estação de Jaguara. Notar, à esquerda, a cobertura de madeira em forma de um "u" invertido.

Ontem, o meu amigo Gutierrez, de Belo Horizonte, verdadeiro peregrino das ferrovias brasileiras (mas não o único!) mandou-me fotos tiradas do ramal de Catalão, da velha Mogiana. São de algumas das estações do ramal desativado em 1976 pela Fepasa e que unia as estações de Jaguara, final da linha do Rio Grande, com a estação de Uberaba.

Na verdade, a linha do Catalão, além de ser uma continuação da linha do Rio Grande (Ribeirão Preto-Jaguara), estendia-se não somente até Uberaba, mas sim a Araguari. Foi construída em dez anos, de 1886 a 1896. Deveria continuar até Catalão, em Goiás, daí o nome. Por razões políticas e erros de tática, como a demora da Mogiana em começar as obras do prolongamento, o trecho Araguari-Catalão foi concedido a uma nova empresa de nome Estrada de Ferro de Goiás. O trecho até Catalão, no entanto, só foi aberto em 1911.

Entre Jaguara e Franca, na linha do Rio Grande, a linha foi extinta em 1973, por causa da construção da barragem próxima a Rifaina, no Rio Grande. Com a linha cortada entre Franca e Jaguara, ficaram dois ramais, um saindo de Ribeirão Preto para o norte e outro de Uberaba para sudeste, já deficitários. Não duraram muito. Além do mais, um grave acidente no final de 1975 ou início de 1976 determinou o fechamento da linha mineira antes até do previsto.

Não é preciso ser gênio para saber que os trilhos foram logo retirados do lado mineiro. Em São Paulo demorou um pouco mais, mas depois de 1980 já não havia tráfego no trecho até Franca depois de 1981.

Sobrou para Jaguara, uma estação magnífica com um enorme pátio, projetada para ser uma estação ferroviária e fluvial. Dali partia a linha de navegação da Mogiana, que, aberta em 1888, fechou em apenas seis meses depois de um grave acidente no rio Grande. A Mogiana optou por não reabrir a linha, e Jaguara ficou realmente como um elefante branco. Abandonada há anos, o local, embora coberto de mato e muito mal cuidado, é, sem dúvida, um dos lugares mais bonitos do Brasil, e também um dos menos conhecidos.

Além de Jaguara, as outras estações do lado mineiro desse trecho da antiga linha do Catalão estão hoje todas ou abandonadas ou muito mal cuidadas. A exceção é a estação de Conquista. Jaguara está infelizmente, na lista das mal cuidadas, mas é um daqueles casos que sua majestade não a deixa perder sua imponência mesmo abandonada e suja - veja a foto acima, tirada por Gutierrez há poucos dias.

Eu estive em Jaguara no início de 2006 e também a fotografei, tendo me surpreendido com a beleza do local. Espero que alguma alma iluminada (e com dinheiro no bolso) acabe por restaurar o local um dia.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

SAUDADES DO QUE NÃO VIVI


Ah, que saudades tenho
De quando não havia luz elétrica à noite
De quando os lampiões iluminavam as ruas
De quando não exitia televisão
De quando não sentávamos no computador
De quando saíamos à noite para o footing
De quando sentávamos na varanda para conversar
De quando famílias conversavam
De quando se conheciam os vizinhos

Hoje fiquei sem luz por seis horas
Como acontece praticamente uma vez por semana
No lugar em que moro chamado Alphaville
Eu que acostumei com a televisão não a tenho
Eu que gosto de ler não posso
Eu que sento ao computador não o tenho
Eu que não conheço meus vizinhos
Eu que saio a pé à noite no escuro
E não encontro viv'alma nas ruas

Ai que saudades tenho
Do tempo em que os fornecedores respeitavam os clientes
Do tempo em que eu não dependia deles
Do tempo em que se sentia fome
Do tempo em que não era preciso
Escrever linhas ridículas como estas de raiva quando volta a luz

Ai que saudades tenho
Do tempo em que minha avó Maria era moça
E que simplesmente se sentava na lua para espairar

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O QUE ESCONDEM AS ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS


Fotos Julio Cesar de Paiva, 2005

Em 2005, meu amigo Júlio César esteve em Torrinha, provavelmente pela enésima vez, para fotografar a estação e trens, claro. Há cinco anos atrás, os trens que passavam por Torrinha já eram tão raros quanto são hoje, vindos principalmente de Pederneiras e eventualmente de Tupã, cargueiros em sua totalidade, e não tantos quanto passavam até 1998, quando ainda havia trens de passageiros da FEPASA que, pelo menos no papel, eram diários. Iam e voltavam, pelo menos. Torrinha tinha dois trens diários, um vindo e outro voltando. Fora os cargueiros.


Isso acabou. De 1999 a 2001, passavam trens de passageiros eventuais e por obrigação, tocados mal e porcamente pela Ferroban. Já comentei isso aqui. Sem alarde, eles acabaram em março de 2001. Torrinha, uma das raras estações da antiga Paulista que eu vi ainda funcionando em 1998, com móveis e chefe de estação. Ela e Rincão. Poucos meses depois, foram desativadas e abandonadas.


Um belo dia, a estação de Torrinha, que um dia se chamou Santa Maria e que tem um estilo arquitetônico (tipologia) muito parecido com o das estações de Brotas, Leme, Araras e Sumaré, foi limpa e recuperada. Ali se instalou gente do departamento de cultura da cidade.


Quando Júlio passou por lá, já estava assim, Era um dia de semana, então, estava aberta. Ele viu num canto uma pia de cerâmica, daquelas antigas, igual a muitas que ele e varis pessoas já fotografaram por aí. Deve ter sido comprada em “baciada” pela Paulista nos anos 1920, quando todas essas estações citadas e outras mais foram construídas.


Quando ele chegou em casa, reparou que o nome do fabricante estava legível na fotografia: Twyfords, escrito na cerâmica branca sob a velha torneira. Ele foi procurar no Google para ver se o fabricante ainda existia, e ficou surpreso de saber que sim. Mandou um e-mail com a foto relatando o que aconteceu e onde essa pia estava. O fabricante é americano. Não demorou muito para que ele respondesse, mandando a historia de que ele ainda possuía um velhíssimo catálogo, do início do século passado, encontrado dentro de um velho caixote de madeira no porto do Rio de Janeiro e também enviado para ele nos anos 1970.


Esta história contada por Julio está escrita na página da estação de Torrinha, no meu site de estações ferroviárias, desde essa época. O e-mail do fabricante, escrito em inglês, também. E as fotos e o catálogo.


O passado muitas vezes se apresenta a nós de formas estranhas. antiga Paulista que eu vi ainda funcionando em 1998, com m Torrinha, uma das raras estaçs.em sua inauguraçs, servem como

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O BAIRRO DE CERQUEIRA CÉSAR

Diário de São Paulo, 11/1/1948

Este bairro hoje aparece em todos os mapas como sendo aquele que fica ali logo abaixo da Paulista, entre esta avenida e a rua Estados Unidos e entre a avenida Rebouças e a Brigadeiro Luiz Antonio. É cortado pela rua Augusta e pela avenida Nove de Julho, por exemplo.

Pouca gente o chama assim. O mais normal é chamá-lo de “Jardins”, ou mesmo “Paulista”, visto que ele fica logo abaixo dela e encosta na própria. Tem uma sequência enorme de edifícios de apartamentos e de escritórios, hotéis, etc. Tem até casas, que em sua enorme maioria tornaram-se lojas ou escritórios, bares ou restaurantes.

É um dos bairros totalmente “quadriculados” de São Paulo, que, numa cidade de muitos morros, subidas e descidas, é raro. Até o final do século XIX, era, pelo menos em sua parte ao redor da rua Augusta, parte da Chácara do Capão, onde não havia ruas, apenas caminhos internos, e tinha até um pomar de jabuticabeiras, mais ou menos onde hoje estão as alamedas Lorena e Rocha Azevedo e ruas Oscar Freire e Padre João Manuel. Eu cheguei a ver uma delas, no quintal dos fundos de um amigo meu que morou numa casa na Rocha Azevedo, entre a Lorena e a Oscar Freire até os anos 1970. A casa foi demolida e a jabuticabeira, cortada.

O que pouca gente sabe é que o bairro não era ali. Até pelo menos o início dos anos 1950, o nome do bairro era Vila América. Cerqueira César era o bairro que ficava entre as avenidas Rebouças e Sumaré – na época, esta não existia – e a avenida Doutor Arnaldo e a rua Henrique Schaumann. Este bairro, também quadriculado, era Cerqueira César. Basta ver os mapas dessa época e os anúncios de terrenos e casas na região, como o que está acima, na rua Lisboa, anuncio de 1948.

Curioso – quem terá mudado o nome? E por que? O bairro original de Cerqueira Cesar hoje é chamado de Sumarezinho, ou mesmo de Pinheiros, embora esteja longe de Pinheiros: nem a rua de Pinheiros passa por ali, ela começa depois da rua Henrique Schaumann.

O fato é que o bairro migrou por alguma razão. Aliás, quem foi Cerqueira César? Pelo que sei, foi um dos acionistas originais do jornal O Estado de São Paulo. Eram vários. Cerqueira César, pelo que vi, era de — ou morava em — Rio Claro.

Seu genro era Julio de Mesquita que, com a morte de seu sogro, tornou-se acionista, um dos principais, já que vários outros deixaram a sociedade no início do século XX.

Por que o seu nome estava no bairro citado, não sei. Ainda não pesquisei para obter a resposta certa. Talvez possuísse terras naquele bairro. Ou não, já que a enorme quantidade de logradouros públicos em São Paulo e no Brasil nada tem a ver com as pessoas que lhes dão nome.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O TREM DO CARIRI

O primeiro VLT do Brasil foi a pique quatro anos depois de aberto, em Campinas. Isso foi uma vergonha.

A primeira vez que ouvi falar do Cariri foi quando eu tinha seis anos de idade. A revista Mickey número 66, de março de 1958, publicou uma história do (hoje) saudosíssimo Carl Barks (que depois soube que era uma história repetida de uma revista O Pato Donald que havia saído uns três anos antes), onde o Tio Patinhas ia com os sobrinhos para uma cidade perdida em “Manoa do Cariri”. Claro, em inglês não existia esse Cariri. Essa história foi uma das que serviu de inspiração para Steven Spielberg em um dos filmes de Indiana Jones — a cena em que o Tio Patinhas (no caso, o Indiana) tira o pequeno ídolo do centro de um círculo, fazendo com que toda a caverna venha abaixo.

Eu me lembro da revista, do número, do mês em que ela saiu. Incrível. Não lembro de um monte de coisas recentíssimas, mas disso (e de outras histórias) eu me lembro muito bem.

Enfim, estamos falando do VLT, ou trem, ou ainda metrô do Cariri. Podem chamá-lo de bonde, se quiserem. Ele vai indo. Era para que cobrassem tarifas a partir de fevereiro. Não tenho informações se isso aconteceu ou não. O fato é que ele vai indo bem, mereceu até um artigo na revista Veja que saiu este final de semana nas bancas.

No artigo, quem escreveu defende o VLT, dizendo que ele é mais confortável, mais rápido, mais econômico e mais silencioso que um ônibus. Não é mentira (a velocidade vai depender de vários fatores, aí fica uma dúvida). Fala que João Pessoa e Natal estão também apressando os seus. Não fala que as cidades de Betim e de Contagem estão também acelerando seus projetos. Não fala que o VLT de Santos a São Vicente está em banho-maria (até hoje não entendo por quê, posto que o leito e a via férrea estão lá, abandonados desde que o trem para Juquiá foi suspenso em 2003; estou falando dos cargueiros, já que o de passageiros — trem mesmo, não VLT – foi suspenso em 1997).

Espero que todos esses projetos vinguem. O sucesso deste VLT ajudará muito nisso. E achei até estranho quando li uma notícia, até velha, outro dia de que no dia 6 de dezembro — portanto, poucos dias após a inauguração — o tráfego havia sido interrompido por causa de um problema no leito. “Segundo a assessoria de imprensa da Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor), a previsão é de que os trens de passageiros voltem a circular nesta quarta-feira.” Vejam: uma previsão de que “os trens de passageiros voltem a circular” é até memorável. Bom, como disse, isto aconteceu há mais de dois meses e foi superado.

Longa vida aos VLTs: as cidades do Brasil precisam deles.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

PEDÁGIOS


Nada tenho contra pedágios. Tenho é contra o fato de que aqui na Castelo Branco — infelizmente o caminho de casa — ele é cobrado de forma totalmente ilegal. O fato acontece há, sei lá, dez anos, e nada muda. Quilos de ações e liminares são impetradas contra um pedágio (a) que fica a menos de 30 km do centro de São Paulo e uma lei diz que ele não pode ser cobrado dentro dessa distancia; e (b) cujo valor é mais caro do que o acerto quilométrico do contrato.

Nem a concessionária nem o “seu” Serra ligam a mínima para isto. Vão lá e quebram as ações e liminares com a maior facilidade, no dia seguinte. Aliás, entre o momento em que a liminar ou ação é impetrada, eles não baixam o preço mesmo com a existência dela, então, no duro mesmo, eles não restauram o “velho” preço: apenas o mantêm, pois não o baixaram, nem mesmo por algumas horas.

Aliás, não só aqui na Castelo Branco, mas também no Rodoanel: neste caso, a ilegalidade se refere ao pedágio cobrado dentro do perímetro proibido.

Fazer o quê? O motivo alegado é sempre algo como “isso causaria prejuízos ao tesouro do Estado”. Ao meu bolso, pode. Ao tesouro, não. Por isso é que é um tesouro.

O fato é que ninguém gosta de pagar pedágio. Por acaso, fuçando em jornais velhos ontem, encontrei uma reportagem no Diário de São Paulo do dia 3 de fevereiro de 1948, que mostrava (com foto, ver acima) o antigo pedágio da via Anchieta, que ficava logo depois da ponte sobre a represa Billings, em Riacho Grande. Ele era muito próximo do local do atual pedágio da mesma rodovia. Eu me lembro deste velho pedágio.

A reportagem dizia que ele fora inaugurado no domingo anterior, dia 1º de fevereiro. E também era completada com diversas reclamações de usuários da estrada, que era relativamente nova, tinha sido aberta ao tráfego poucos anos antes (1944? 1945?). Houve ações contra o pedágio. Houve caminhões e carros que passaram a seguir pelo Caminho do Mar para evitar pagar o pedágio. E por aí afora.

Quando comecei a ir para a praia com meus pais, no início de 1958, tínhamos de pagá-lo. Sei que ele ainda existiu por um bom tempo e depois, não me lembro realmente quando, talvez nos anos 1970, ele foi fechado.

Porém, alguns anos depois, talvez em 1980, ele reabriu e lá está até hoje. Enfim, é certamente por causa desses pedágios caros que nós, paulistas, temos as melhores estradas do País, e de longe. Mas a que preço!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

PERIGOSAS PREVISÕES

Anuncio publicado em 18 de janeiro de 1948 no jornal Diário de São Paulo. O terreno estava junto à estação 15 de Novembro, na Central do Brasil, entre as estações de Itaquera e Guaianases, hoje um bairro bastante carente de infraestrutura e super-povoado.

Meu saudoso sogro dizia que “era melhor um mau plano do que plano nenhum”. Apesar do fato de que muitos planos não dão certo (por isso existem os “planos B”), planos e projetos continuam sendo feitos. Mesmo que sejam nos nossos sonhos. Ler jornais antigos sempre nos ensina muito sobre isso.

Hoje foi dia de ler jornais antigos. Pela manhã, li o blog “100 Anos Atrás” do Estadão, que mostra algumas notícias publicadas pelo jornal exatamente cem anos atrás. Depois, a convite de meu filho Alexandre, fui ao Arquivo do Estado, na rua Voluntários da Pátria, já que ele queria pesquisar em jornais sobre futebol. Aliás, jornais não tão antigos assim.

Eu já fui mais “agressivo” e fui atrás de jornais de 1948, mais especificamente o Diário de São Paulo de janeiro e fevereiro daquele ano. Foram três horas de pesquisas, não muito especificas: eu fui apenas lendo e vendo o que poderia me interessar. E não somente acerca de ferrovias, mas também sobre qualquer outro assunto que me chamasse a atenção.

Descobri, por exemplo, que o pedágio da via Anchieta, que cheguei a conhecer nos anos 1950 e 1960 e depois foi desativado (para ser reativado, creio, nos anos 1980, em pontos diferentes), foi inaugurado no início de fevereiro de 1948. A rodovia já estava em atividade desde 1944, mais ou menos. Interessantes foram as previsões da Sorocabana. Ela estava eletrificada até Iperó desde 1944, e havia trazido uma série de locomotivas elétricas e diesel, e estava empolgada. Lançava apólices no mercado, fazendo previsões de desempenho e números futurologistas. Havia propaganda dessa venda de apólices no jornal, pelo menos uma vez por semana, e também uma reportagem que mostrava a intenção de que ela se tornasse a “maior ferrovia da América do Sul” em vinte anos.

Enquanto isso saía nos jornais, saía também que a Mogiana e a Paulista entravam em greve. Elas eram privadas, ao contrário da Sorocabana, estatal paulista desde 1905. Pagava melhor aos seus funcionários do que os empresários mais cuidadosos com seus lucros – governos nunca se preocupam muito com isto. Mas a Sorocabana não era tão mal administrada assim naquela época.

No Estado de cem anos atrás, a “campanha civilista” de Rui Barbosa à Presidência da República nas eleições de março – o novo Presidente tomaria posse em novembro de 1910 – tomava as primeiras paginas do jornal já havia dois, três meses (acompanho-o diariamente). O Estado queria porque queria que Rui vencesse e sabia que não era fácil. As notícias, como eram escritas, no entanto, davam a impressão que tudo seria maravilhoso para Rui. E sabemos que não foi. Hermes da Fonseca venceu as eleições, para desespero dos paulistas.

No caso da Sorocabana, vinte anos depois da notícia acima citada, estava a ferrovia numa situação difícil, assim como todas as outras: a decadência, que já acontecia em 1948, chegou a níveis muito maiores do que qualquer previsão em 1968. Formou-se a Fepasa três anos depois disso, empresa que durou pouco mais de 25 anos, tendo sido leiloada praticamente sucateada em 1998.

Casas que eram anunciadas como grandes investimentos em bairros de São Paulo já seriam demolidas em sua grande maioria trinta anos depois, dando origem à muralha de prédios que assola São Paulo hoje em dia.

Ou seja, continue fazendo seus planos. Mas tenha um B, um C, um D...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

PRESERVAR TUDO???

O que sobrou preservado em Ibitiúva: alguém guardou a placa de concreto da plataforma, pintou de amarelo e preto e colocou no jardim público (Foto Aureliano Justo em 2007).

Na minha postagem de anteontem, Preservação – quem quer, afinal?, não fui nada claro no que quis dizer com preservação, pelo menos naqueles casos citados. Tanto que um leitor, em um dos comentários, afirmou, com toda a razão, que “devemos preservar a memória ferroviária, mas de maneira seletiva. Afinal, nem tudo o que temos por aí é passível de ser preservado, nem mesmo justifica-se preservar tudo sob pena de não avançarmos.As estações em geral valem preservar quando representam marcos arquitetônicos, ou então quando o local virou parte importante da história”.

Se considerarmos, por exemplo, preservação como tombamento, existem três graus: o federal (IPHAN), o estadual (CONDEPHAAT) e o municipal (muitos municípios, nem todos, têm seu próprio conselho). Os motivos para o tombamento de qualquer coisa (inclusive imaterial) variam dependendo do grau. Por exemplo, a estação de Ibitiúva deveria ter sido tombada em nível municipal, a meu modo de ver, pelo fato de ela ter gerado aquele povoado, hoje um distrito do município de Pitangueiras – apesar de a estação original, da qual jamais consegui uma foto, ter sido derrubada quando da construção da mais recente, por volta de 1928 (a data não é fixa, pois a troca se deu quando a Companhia Paulista comprou a E. F. São Paulo-Goiaz e refez a via férrea entre as estações de Passagem e de Bebedouro, situação que começou em 1926 com a compra e terminou em 1930, com a abertura do trecho de linha já com bitola larga).

Entretanto, é fato que a estação de Ibitiúva tem ao menos uma outra estação de mesma tipologia, e construída na mesma época: Passagem, ali perto e também em Pitangueiras. Isto significa que, se o Estado tencionasse tombar estações de diferentes tipologias, agiria mais certamente tombando apenas uma delas (o que não significa que necessariamente a outra deva ser abandonada). A nível federal, o único motivo a meu ver para se tombar uma estação como Ibitiúva seria o fato de ali ser algum local histórico por alguma razão e a nível nacional – ou se fosse ela a única estação da Companhia Paulista a ser tombada no Estado de São Paulo, o que seria um tanto , digamos, inesperado.

A meu ver, esse exemplo se estende às ferrovias em geral, e no caso dessa estação, seu tombamento seria justificado a nível municipal, apenas. Discussão já um tanto estranha, visto que o imóvel já foi literalmente “tombado” – demolido – há pelo menos oito anos.

Preservação, para mim, não significa necessariamente um tombamento oficial – seria um absurdo, realmente, tombar as aproximadamente 800 estações ferroviárias do Estado simplesmente por serem elas estações. E então, como justificar o não tombamento de outros imóveis ferroviários, como armazéns, depósitos, casas de turma, casas do agente da estação, casa do telegrafista, o leito da ferrovia, enfim, todo o patrimônio ferroviário do Estado ou brasileiro, nesse caso? Realmente, não faz sentido.

Acho, sim, que cada um deve lutar pela preservação do patrimônio mais significativo de cada cidade deste País e isso não significa tombamentos em massa a partir de agora, mas sim, educar o povo para se importar um pouco mais – no caso, acho que muito mais – com a nossa história.

Há alguns (poucos) exemplos de preservação de fachadas de casas antigas, com um trabalho de arte significativo que as torna bonitas, em conjunto com a construção que se faz por trás delas. Há a conservação de casas sem interferência do poder estatal, simplesmente porque alguém cuida delas. Enfim, como já citei em uma postagem mais antiga, trata-se do Instituto de Preservação do Povo – ou “Caboclo”, com a nossa população pelo menos um pouco mais instruída a conservar o que é antigo, histórico, representativo e belo. Claro que cada um desses adjetivos (com exceção do “antigo”) é discutível. Mas que cada um defende o que pensa, sem pensar somente em derrubar algo para construir um edifício de apartamentos em cima ou transformar o terreno em estacionamento, ou derrubar algo somente porque, abandonado, enche de vagabundos. Ou seja, pensar um pouco menos em dinheiro e ser um pouquinho mais idealista.

Afinal, quem preserva a história ajuda a construir uma nação.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O ABSURDO IPTU DE SÃO PAULO

A mensagem abaixo foi enviada para todos os vereadores paulistanos por e-mail. Vamos ver no que dá. Provavelmente em nada aproveitável, mas, enfim...

Caros vereadores paulistanos:

Gostaria imensamente de saber, primeiro, como é que os senhores tiveram a coragem de aprovar um aumento cavalar no IPTU como o que foi feito na cidade de São Paulo no final do ano passado. O pior é que, depois de aprovado, o que veio de aumento para inúmeras pessoas que conheço (e que não conheço também) foi muito, mas muito mais do que o prometido de trinta por cento — inclusive o de meu apartamento — pelo pavoroso prefeito, sr. Taxab, também conhecido como Kassab, que conseguimos arranjar para a cidade.

Aumento aprovado no finalzinho do ano, às pressas, sem que obviamente houvesse tempo para qualquer pessoa racional — nisso incluídos os vereadores e seus advogados — tivessem tempo para analisar. É lógico que, para aprová-lo na rapidez com que foi, vocês acreditaram no que o Prefeito falou.

Lembrando o que ele falou — pelo menos para a imprensa, pois não o conheço pessoalmente, assim como não conheço nenhum de vocês —, ele disse que o aumento extorsivo de impostos (não, ele não usou a palavra “extorsivo”; quem está dizendo isso aqui sou eu) seria mais do que devido, pois “há muitos anos não era reajustado” (como se “correção pela inflação” não fosse reajuste) e ele seria maior quanto maiores fossem os melhoramentos que vários bairros tiveram nos últimos anos.

Ora, a função de uma cidade é tentar melhorar a qualidade de vida de seus moradores. Algo como colocar linhas de metrô ou de trens metropolitanos (são rigorosamente a mesma coisa, apenas os nomes são diferentes, pois são empresas diferentes, ambas do Governo do Estado). Algo como manter limpa a cidade.

A quilometragem existente de metrô e da CPTM da cidade é muito inferior ao que se necessita. Nenhum governo vai conseguir fazer a quilometragem necessária em uma, duas ou mesmo três legislaturas. A limpeza da cidade — ah, mas a cidade nunca esteve tão suja! Há lixo em todas as ruas, jardins, praças etc. da cidade. Posso apontar diversos locais que os têm de monte, e que antigamente eram logradouros limpos. A manutenção das bombas dos túneis e dos piscinões não vem sendo feita a contento. A varrição da cidade, então, nem se fala — se eu ganhasse como salário cem reais por cada gari que eu visse na cidade, não ganharia para o meu sustento.

Agora, com as chuvas incessantes — não, essa não é culpa do Prefeito nem da Câmara – o lixo e as bombas sem manutenção mostram o que podem causar. Ah, dirão os senhores e o Sr. Taxab, mas isso é apenas uma parte do problema! O grande problema vem das administrações passadas. Vem mesmo. Mas o que o Prefeito e a Câmara estão fazendo para reduzir a herança das administrações passadas, que foi deixar as zonas alagadiças da cidade se tornar bairros habitados — por populações ricas e pobres — e também deixar que se construam prédios por toda a parte (entenda-se prédios como sendo qualquer local residencial ou de negócios com mais de três ou quatro andares, com até 40-50 andares), impermeabilizando o solo e não deixando a água escoar a tempo rápido o suficiente para não causar as enchentes?

Há poucos meses, bairros que atingiram o seu limite de construções de prédios estão sendo alvo de pedidos para que o plano diretor na área que lhes toca, para que se aumente o potencial de construção! E para quê? Para empreiteiros ganharem mais dinheiro enquanto pouca gente se beneficia e se ilude com a qualidade de vida que pensa que ganha? Meu Deus, somente eu vejo isso? O que os vereadores vão fazer, ou já fizeram? Alegar que “construção civil traz empregos”? Mas essa construção civil esta acabando com a cidade.

Caros edis, o que realmente vocês (desculpem, não vou chamá-los de “vossas excelências”, não vejo motivo para tanto) deveriam fazer era, haja vista o caos que a cidade se tornou nos últimos dias, cancelar o IPTU para este ano. Ou, melhor: fiquem com a primeira parcela e cancelem todas as nove seguintes. É muito duro ter de pagar para sustentar o que o Prefeito disse e não pode provar, prometeu e não vai cumprir.

Por favor, mostrem que vocês são racionais. Façam isso. Esqueçam a que partido pertencem. Cancelem o IPTU deste ano, ou pelo menos retornem-no ao nível do ano passado. Olhem só: vocês e o Prefeito estão tentando administrar o caos.

Aguardo uma resposta sensata de cada um de vocês. E marquem a votação para a mudança ou cancelamento do IPTU deste ano para logo. Nós não estamos a fim de esperar.

Esta mensagem será postada em meu blog no dia 18/2/2010.

Grato

Ralph Mennucci Giesbrecht (seguiu com todos os meus dados, site e blog).

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

PRESERVAÇÃO – QUEM QUER, AFINAL?

A única fotografia da estação ferroviária de Ibitiúva que conheço. Será a única que existe?

Vendo aqui as estações ferroviárias a atualizar no meu site, abri a página da estação de Ibitiúva. Este bairro é um distrito do município de Pitangueiras, no norte do Estado de São Paulo, região de Bebedouro. Estive lá no ano de 1999 em uma viagem de três dias que fiz na época para fotografar estações mais distantes no Estado.

Era um local muito simples, à beira da rodovia que liga Pitangueiras a Bebedouro, lado esquerdo de quem vai nesse sentido. Poucos quarteirões de ruas quadriculadas e a estação ferroviária, esta ao lado da linha que naquele ponto acompanha a rodovia bem de perto. A estação era uma estação rodoviária, já que, embora os trens de passageiros ainda passassem por ali, numa frequencia baixíssima (foi a época daqueles trens ridículos, vazios e mal-cuidados que a Ferroban tocou até março de 2001), ele não parava. Se parava, a pedido de algum passageiro, a estação já estava desativada havia anos.

Havia um bar também nela. Estava malcuidada, mas em pé e tinha uma função. Tirei uma fotografia – uma, apenas. Era ainda o tempo dos filmes, não havia máquina digital, ou, se havia, eu não a possuía. Não dava para tirar muitas fotos sob pena de acabar o filme. Essa foto, no entanto, acabou sendo a única que já vi dessa estação. Em 2002, veio-me a notícia de que ela já estava em ruínas e sem telhado; alguns meses depois, já não havia mais nada ali, foi tudo derrubado. Coisa da Prefeitura, segundo me passaram.

O prédio havia sido construído no final dos anos 1920 pela Companhia Paulista e tinha a mesma tipologia do prédio da estação de Passagem, no mesmo município: duas plataformas, uma para cada linha: afinal, até 1966, dali saía um ramal de bitola métrica para Viradouro e Terra Roxa. A linha principal de um lado, o ramal de outro. Descia-se num, atravessava-se o corredor interno do predinho e já do outro lado estava-se na plataforma para pegar a vaporosa do ramal.

Parece, no entanto, que a demolição da estação somente incomodou a mim e a alguns poucos outros. Se ela fosse tão importante assim para as pessoas do vilarejo, de alguma forma eles não teriam deixado que ela fosse saqueada e, no final, demolida. Certamente alguns lamentaram, mas também parecem não ter se esforçado para evitar o baque.

Enfim: a quem interessa, mesmo, este País, a conservação do patrimônio construído? Quando eu me lamento e choramingo no meu site ou no meu blog que não conservam nada, não preservam nada, derrubam tudo, quantas pessoas estou realmente representando? Eu comecei a catalogar estações ferroviárias em 1996. De lá para cá, posso garantir que pelo menos cinco estações que estavam em pé foram derrubadas. Isso, que eu sei e que estou me lembrando neste momento. Uma delas foi a de Pacaembu, outra, a de São Vicente. Houve outras. Fora as que estavam em bom estado e hoje estão em ruínas, como George Oeterer e Saudade, esta no Rio de Janeiro. Há certamente muitas outras.

É verdade que algumas foram restauradas, em melhor ou pior qualidade: Pederneiras, Pitangueiras e outras. Nunca fiz a conta de quantas estações, nas quase 5 000 que existem ou existiram no Brasil, foram derrubadas, quantas estão em bom estado, quantas ainda são estações (estas, poucas). O fato é que este número se altera rapidamente e é impossível saber qual é a situação neste momento. Tento ser o mais atual possível no meu site, mas de vez em quando recebo uma bronca de alguém dizendo que a estação que estava em péssimo estado foi restaurada, ou a que estava em pé foi para o chão, ou que está sendo usada para uma coisa e não para outra. Corrijo imediatamente. Com certeza, porém, há dados incorretos ou desatualizados no site.

E, enquanto isso, continuam a depredar prédios ferroviários pelo Brasil afora, infelizmente.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

CAMINHANDO NO CEMITÉRIO

O cemitério em Brotas. O centro da cidade está para a direita.

Literalmente, foi o que eu e meu sobrinho fizemos anteontem pela manhã, em Brotas. O cemitério da cidade é pequeno; afinal, ela não tem nem 25 mil habitantes. Ele fica bem longe do centro histórico, o que é comum nos cemitérios construídos no século XIX, para afastar doenças. Hoje, está englobado pela cidade.

Imagino como devia ser difícil visitar o cemitério ou enterrar uma pessoa, carregar os caixões para ele nos tempos idos. Localizado a cerca de seis ou sete quarteirões da rua principal, para se chegar a ele temos de descer o vale e subi-lo novamente. Com ruas de terra como eram até relativamente pouco tempo, em tempos de chuva e sem automóveis deveria ser uma aventura.

Fernando foi procurar túmulos e dados sobre seus antepassados da cidade, os Piva e os Albuquerque. O túmulo mais velho que encontramos foi justamente o de um tio seu, morto nos anos 1870. Ele ficava ao lado da entrada principal do cemitério, ou seja, quanto mais importante, mais perto da entrada ficava. Ou não? Seria apenas mais caro ficar próximo à entrada, e mais barato longe dela? O fato é que há uma porção do cemitério que somente tem túmulos bem mais novos. Aparentemente, foi uma seção anexada mais tarde. São somente suposições de minha parte. Há muitos túmulos de mármore, antigos e novos. Há túmulos bem simples, há aqueles com fotografias, com placas de bronze, de pedra, de metais, de mármore. Alguns bem cuidados, outros nem tanto.

Afora nós dois, apenas encontramos uma pessoa dentro do cemitério. Era um senhor encostado a um túmulo rezando baixinho. Lá estava enterrada uma mulher, morta em 2007, com a frase “saudades de seu marido”. Ou algo muito parecido com isso. Foi uma cena extremamente comovente de se olhar. Na verdade, eu apenas bati o olho e passei, obviamente não fiquei parado mirando a cena. Mais tarde, conferi o que estava escrito. O silêncio ali dentro é grande, como em qualquer cemitério. Ainda mais se considerarmos que o tráfego de automóveis em volta dos muros é mínimo. Não é como em São Paulo, que há sempre muita gente dentro deles, dada a quantidade de túmulos.

Também é curioso verificar como as famílias dessa cidade sempre eram enterradas lá, mesmo que morressem fora. As tradições do interior podem estar desaparecendo, mas o fato é que isso ocorre muito lentamente, principalmente em uma cidade pequena como Brotas.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

BROTAS

Bela casa em Brotas - foto Ana Maria Linhares Giesbrecht

Hoje no final da tarde eu e minha esposa chegamos de Brotas, interior de São Paulo. Aliás, bem interior mesmo: a cidade fica praticamente no centro geográfico do Estado. Era ali que Maluf queria construir a “nova capital” durante seu mandato como governador entre 1979 e 1982.

Ficamos na fazenda de meu cunhado, mas na verdade vamos sempre à cidade. São cerca de 10 km de carro pela SP-225. Hoje cedo, aliás, resolvi fazer um percurso maluco, indo para a cidade não pelo asfalto, mas por uma estrada que passa ao sul do asfalto, seguindo “por fora” do curso do Jacaré-Pepira. Ou seja: enquanto o asfalto cruza o rio uma vez, justamente ali na entrada da fazenda de meu cunhado, a estrada “por fora” e de terra não cruza nenhuma vez, a ponte fica somente na entrada da zona urbana, junto à antiga usina de força na parte baixa da cidade.

Com exceção de uma velha fazenda, de cujo nome neste instante não me lembro, onde a estrada passa por dentro dela, todo o resto do caminho dessa “estrada alternativa” não tem nada para se ver, nenhuma casa, pessoas, nada. Ela atravessa canaviais, pastagens e mesmo matas, mas somente bem perto da entrada da cidade é que aparecem as primeiras casas.

A população de Brotas não é das maiores: tem menos de 25 mil habitantes (2009). Porém, na cidade informaram-me (não conferi) que o município seria o quinto do Estado em extensão. É, realmente, grande: a velha linha da Companhia Paulista que cruza o município de leste a sul, passando pelo limite do centro urbano, tem cinco estações ferroviárias na sua área (quer dizer, tem estações abandonadas e duas demolidas). A SP-225, que liga Apiaí a Ourinhos, portanto cruzando boa parte do Estado, tem pelo menos 35 quilômetros dentro do município, de leste a oeste.

A cidade é bonita: foi fundada e se tornou município ainda no século XIX. Quando o trem chegou nela, em 1886, já encontrou uma cidade razoavelmente formada e rica, com café para todos os lados — plantação rara por ali, hoje em dia. Hoje, em matéria de trens, é um município praticamente morto: trens de passageiros não existem há nove anos e os cargueiros passam pouco. A linha, que vem de Itirapina e segue para Panorama, era a segunda em importância para a Paulista, mas hoje é apenas um curto ramal com pouco movimento para a ALL, cujos cargueiros que por lá passam em sua grande maioria vêm de Pederneiras, cidade relativamente próxima a Brotas.

Fora isso, Brotas, hoje, vive também do turismo: jovens enchem a cidade em fins de semana e feriados para andar de botes infláveis por um bom pedaço do rio Jacaré-Pepira, embarcando na cidade, junto à velha usina e desembarcando ali perto da fazenda de meu cunhado. Hotéis, que até 10 anos atrás, quando existiam, eram um lixo, hoje existem em profusão na cidade. São pequenos, mas há vários bons. E há pousadas.

A cidade, basicamente, ainda é aquela do velho esquema português “rua de cima-rua do meio-rua de baixo”, praça com a igreja e uma rua, a Rui Barbosa, que segue para a velha e hoje inútil estação ferroviária. Curiosamente, ainda existem (e são placas relativamente novas) placas de indicação para a “estação ferroviária”, coisa rara hoje em dia, pois as estações estão quase sempre fechadas ou têm outro uso — caso de Brotas.

Do outro lado da linha férrea e da rodovia SP-225, pouca zona urbana. A urbanização foi-se alastrando mais para o outro lado do córrego que corta o vale e também delimitava a cidade antigamente, córrego chamado pelos habitantes de “Pitu-aceso”, ou algo assim.

Casas antigas ainda existem várias, dando aquele charme de cidade de interior. Que não mudem muito as coisas no futuro.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A CASA DOS TREZE IRMÃOS

Acervo Ralph Mennucci Giesbrecht / Sud Mennucci

Treze irmãos moraram nesta casa, a casa de Daniel de Oliveira Carvalho e de sua esposa Constança da Silva Oliveira, em Porto Ferreira. A casa não existe mais, infelizmente. Ficava na esquina das ruas Coronel Procópio Carvalho e Matias Cardoso e a cerca de 3 a 4 quarteiroes da estação ferroviária da cidade.Os treze filhos de Daniel moraram durante a infância e a adolescência ali; depois, com exceção dos dois que faleceram muito cedo, Madalena (1899-1900) e Lollio (1896-1921), todos eles saíram para São Paulo, alguns voltando para “o Porto” mais tarde, ou para outra cidade do interior paulista.

Doze deles foram meus tios-avôs. Uma foi minha avó, Maria, que, depois de deixar o Porto com seu marido Sud em 1920, foi para Campinas e Piracicaba, para terminar vivendo na Vila Mariana, em São Paulo, a partir de 1925. Morou também no Sumaré, entre 1966 e 1969, mas voltou para a Vila Mariana.

Os outros: Manoel (Maneco) casou-se e foi para São Paulo, onde morou na rua São Leopoldo, no Belém, depois na rua Margarida, na Barra Funda e tinha uma chácara onde passava as férias no Embu. Nos anos 1940 voltou para o Porto e foi Prefeito da cidade em 1948. Luisa, a segunda filha, viveu no Porto e em outras cidades, como Leme, pois seu marido era caixeiro-viajante. Abandonada por este, foi para São Paulo e viveu em diversas casas na Vila Mariana, além de ter morado também na chácara de Sud e Maria em Mogi das Cruzes.

Joaquim foi o terceiro dos irmãos, e o terceiro a falecer. Em São Paulo, morava nos Campos Elíseos e trabalhava na Praça da Sé. Maria foi a quarta filha. Lollio foi o quinto e Angélica a sexta. Esta casou-se com um dentista e farmacêutico de São Simão, Antonio Siqueira de Abreu, e foram morar por pelo menos 20 anos nessa cidade. De lá vieram, por volta de 1939, para a rua Guaicurus, na Lapa, na Capital, e dali mudaram-se para diversos endereços na Vila Mariana, entre os quais a casa da rua Vergueiro de número 2024, demolida pelo metrô.

Madalena morreu com dias de idade. Olímpia, a Lila, morou em São Paulo com seu marido em diversos locais, entre os quais a rua Sud Mennucci, na Vila Mariana. Mario morava na Vila Mariana também. Urbano, para dizer a verdade, não sei onde morava – mas não duvido que tenha sido na Vila Mariana também. Homero idem – mas mudou-se cedo para Piracicaba, onde faleceu. Esther, solteira, sempre morou com Maria ou com Angélica. Finalmente, Flávio, um dos historiadores de Porto Ferreira e trinta anos mais novo que seu irmão mais velho, era como se fosse um filho de Maria, com quem veio a morar depois da morte de seu pai em 1928 e de sua mãe em 1932. Morou um tempo na rua Senna Madureira... na Vila Mariana. Depois, voltou para o Porto, onde foi vereador.

São histórias que podem ser desenvolvidas muito mais. É interessante ter-se alguns dados das pessoas que conhecemos há tanto tempo – todas mortas hoje – para que elas tenham alguma vida, para que não se pareçam com fantasmas que jamais existiram. Alguns desses tios e tias eu conheci, incluindo maridos e esposas – outros não. Algumas das casas citadas eu visitei – outras tenho notícias apenas por cartas antigas.

Que descansem em paz.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

VARGAS E SÃO PAULO

Vargas no Estado Novo, como aparece na enciclopédia "Nosso Século".

Continuando a falar sobre a segregação de São Paulo pelo Governo Federal, fato que vem se arrastando há muitíssimos anos, gostaria de acrescentar também que eu, particularmente, não acho que Getúlio Vargas tenha sido um mau presidente. Muito pelo contrário, sob certos aspectos, ele foi um dos melhores que este País já teve.

Porém, ele, sem dúvida, isolou São Paulo, o Estado, durante seu governo. Vargas era vingativo. Muita gente caiu em desgraça com ele e foi duramente “castigado”. Miguel Costa foi um deles. Houve outros. Por outro lado, São Paulo, antes da Revolução de 1930, era chamado de “a locomotiva do Brasil – o trem que puxava 19 vagões vazios”. Eram vinte os Estados na época. Portanto, certamente Getúlio achou que outros Estados precisariam mais de ajuda que São Paulo. Entretanto, não era somente isso que ele achava.

Durante a Revolução Constitucionalista, por exemplo, todas as indicações são de que São Paulo não queria se separar do resto do Brasil. O que queria era a volta da ordem, ou, melhor ainda, queria depor Vargas para conseguir voltar à liderança perdida desde 1930. Vargas, espertamente, espalhou aos quatro ventos que o Estado queria a separação. É claro que em revoluções como esta há sempre quem pense dessa forma. Mas não era o pensamento dos líderes.

Para retomar a confiança perdida dos paulistas após a derrota destes, os homens de Vargas criaram a figura do “bandeirante herói”, com seus trajes com jalecos e botas pelos quais eles são conhecidos popularmente hoje em dia. Esses trajes eram uma farsa, mas a verdade é que os paulistas gostaram da história e também o adotaram – vide a estátua do “Borba Gato”, em Santo Amaro, construída depois disto.

Meu avô, Sud, tantas vezes citado em meus artigos, era um dos seguidores de Vargas no Estado. Sud pensava no Brasil como um todo, embora fosse um paulista de coração. É fácil sentir isto em seu material guardado pela minha família, suas cartas, seus livros. Ele não era um traidor, mas foi perseguido como tal durante a revolução (teve de se esconder, pois não via sentido em lutar a favor ou contra) e mesmo depois dela. Foi-o, simplesmente porque tinha sua opinião e não aceitava mudá-la somente porque alguns paulistas assim o exigiam.

Tanto que ele continuou morando na Capital até sua morte prematura, em 1948. E acabou, no final de sua vida, se desiludindo com o Estado Novo, que ele efetivamente apoiou. Seus artigos publicados já no final desse período e depois da queda de Vargas mostram claramente esta desilusão. Meu sogro, infelizmente já falecido, também prematuramente, em 1984 (basta trocar os números de 1948, ano da morte de Sud), uma pessoa extremamente inteligente, culta e esclarecida, com uma visão ampla dos fatos, considerava Getúlio um verdadeiro estadista, um dos únicos que, na opinião dele, o Brasil teve.

Geraldo Linhares Azevedo era seu nome: nasceu em Campos dos Goitacazes, viveu em Niterói, Barbacena e Rio de Janeiro até 1968, quando tinha 42 anos, e aí veio para São Paulo como transferido pela empresa para a qual trabalhava — a Shell. Quando terminou seu tempo em São Paulo, recusou-se a voltar. Afirmando que “gostava do Rio, mas em São Paulo podia-se realmente trabalhar”. Morreu por aqui mesmo, deixando sua belíssima filha aos meus cuidados de marido.

Enfim: Getúlio prejudicou São Paulo, mesmo, por vingança e/ou por achar que assim deveria ser. Porém, isso acabou por isolar o Estado dos outros. Basta ver a enorme diferença de desenvolvimento de São Paulo em relação aos outros Estados. Não é mais a locomotiva do Brasil, sem dúvida. Mas é muito forte.

Que os meus leitores que não são daqui me contestem, pois está na hora de me “acalmar”.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

PAULISTAS SEGREGADOS



É notória em alguns aspectos a segregação contra os paulistas. Calma, não-paulistas, não fiquem irados ou exaltados contra este que vos escreve. Estou apenas refletindo sobre a revista História da Biblioteca Nacional, que compro desde o seu primeiro número.

Para quem não conhece, não se trata da “História da Biblioteca Nacional”, mas sim de uma revista sobre História brasileira que é produzida pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A revista é muito boa sobre vários aspectos, assim como o acervo da Biblioteca em si, que conheço parcialmente.

O problema é que os artigos que ela escreve bem raramente versam sobre a história paulista. A preferência é, de longe, para o Rio de Janeiro e para quem está ao norte em relação a esse Estado. Dirão vocês que, afinal, a revista é produzida por uma entidade carioca, ou fluminense — na verdade, a Biblioteca é supostamente nacional (daí o nome): é apenas sediada na capital do Estado do Rio de Janeiro.

Ela já publicou artigos sobre São Paulo, sim. Poucos, mas publicou. Muito poucos em relação a outros artigos: estou contando todas as matérias, grandes e pequenas, publicadas na revista até agora. Na edição deste mês de fevereiro, onde foi publicado um artigo sobre ferrovias brasileiras, falaram até da Central do Piauí, uma das piores ferrovias que já operaram no País. Escreveram bastante sobre a Leopoldina e a Central do Brasil. Falaram da Curitiba-Paranaguá. Mas não citaram uma palavra sequer sobre a Paulista, a Sorocabana e a Mogiana, as três maiores ferrovias de São Paulo em extensão, pertencentes a particulares ou ao governo paulista (dependendo da época). A Paulista foi considerada uma das cinco melhores ferrovias do mundo em sua época áurea. Não foi a mais lucrativa do País, pois foi superada pela São Paulo Railway dos ingleses, que, com seus meros 140 quilômetros de extensão, pelo fato de ser a única ferrovia que descia a serra para alcançar o porto de Santos, o maior do Brasil, tinha um lucro astronômico.

Para piorar mais ainda as coisas, publicou uma fotografia de um trem da CPTM em São Paulo com portas abertas e passageiros pendurados do lado de fora – fato que não acontece em São Paulo desde o final dos anos 1990. A foto deve ter sido tirada recentemente, quando devido à inundação da cidade, alguns trens tiveram de trafegar por alguns quilômetros a baixíssima velocidade e transportar, contra as regras de segurança, mas sem alternativa no momento, quem pulou da linha para os carros. Ou seja, uma imagem irreal e atípica classificando de ruins os trens da segunda melhor empresa de transporte metropolitano sobre trilhos do Brasil — a melhor é a Cia. do Metrô de São Paulo. Ao lado da foto (mostrada acima), escrito: "o calvário cotidiano dos trens metropolitanos como os de São Paulo". Mentira. O cotidiano é muito diferente.

Esse tipo de “boicote” a São Paulo, premeditado ou não, aumentou significativamente desde a época de Getúlio Vargas. Paulistas em geral têm Vargas atravessado na garganta. Outro dia comentei na lista de discussão sobre trens na Internet que os paulistas devem ter ficado contentíssimos com o alagamento da estação Presidente Vargas, da E. F. Araraquara, no início dos anos 1970, devido à represa ali construída — ao que um colega ainda adicionou que “deve ter havido gente que transportou água em baldes para jogar no lago para ver se a estação alagava mais depressa”. Realmente, há pouquíssimos locais com o nome do Presidente Vargas no Estado, ao contrário do resto do Brasil.

A Revista Brasileira de Geografia, publicada pelo IBGE desde 1938, época em que Vargas era o ditador do Estado Novo, era também uma excelente publicação (foi publicada até pelo menos os anos 1960, li recentemente todas que saíram desde o início até essa época), mas matérias sobre São Paulo eram extremamente raras. Havia inúmeras matérias sobre o Rio de Janeiro e sobre a “fronteira do desenvolvimento”, na época, Amazônia e Centro-Oeste. Portanto, o “problema” vem de longe.

Não quero com este artigo criar polêmica, somente relatar um fato da forma como eu o vejo e interpreto. Vou voltar ao tema no futuro.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

MUITA, MUITA ÁGUA

A várzea do Carmo, hoje Parque Dom Pedro II, quando inundar não era nenhum problema — por isso se chamava várzea (1884). No alto, o Pateo do Colégio.

Depois de muita chuva por cerca de quarenta e cinco dias seguidos (de acordo com os jornais), ela parou ontem. Domingo já havia chovido pouco, no Jabaquara e arredores. Ontem, segunda-feira, não foram reportadas chuvas na cidade de São Paulo. Hoje, choveu, pelo menos na zona oeste e, até agora, não tenho notícias de maiores problemas.

O fato é que está muito quente há dias, com chuva ou sem chuva. Com pouca chuva por mais de quarenta e oito horas, o chão foi secando. Não sei se em quantidades significativas, mas o fato é que os pingos que caíram hoje e molharam o chão aqui de casa desapareceram depois do fim da chuva com muita rapidez.

Não foi à toa que cada dia que chovia a cidade inundava. A terra estava, ou está, saturada de água. Não há como absorver mais água, então, cada chuva razoavelmente forte acaba por alagar até locais que geralmente não sofriam do "mal".

Durante dias, pararam o trânsito de veículos, o metrô, os trens da CPTM, os ônibus... guarda-chuvas de pouco adiantavam, pois quem se arriscava a sair com chuva e guarda-chuva ficava ensopado do mesmo jeito: a chuva caía de lado, respingava com seus grandes e grossos pingos no chão contra as calças, meias e pernas nuas, molhava a roupa toda e, para piorar, muito guarda-chuva virou do avesso com facilidade.

Ainda se veem grandes quantidades de terra em ruas e calçadas que sofreram inundações, grandes ou pequenas. O Jardim Pantanal e o Jardim Romano, que inundaram muito, ficaram todo o tempo de chuva como uma "Veneza brasileira". Sem gondoleiros, no entanto, e com portas mais baixas que a água, ao contrário da cidade italiana.

Crianças nadavam e andavam de barcos improvisados para fugir das desgraças da chuva: elas tentam ver o lado divertido da coisa. Seus pais sofreram bastante, no entanto. Muitos perderam móveis, automóveis e casas que caíram, foram soterradas ou escorregaram pelos morros. É até incrível que este fato não ocorra com mais frequência, dada a quantidade de água que caiu e os locais pouco (pouquíssimo) recomendados para a construção de qualquer casa que seja.

Há registros de anos muito chuvosos pela história dos últimos cem anos, facilmente perceptíveis quando se lê sobre o passado em São Paulo ou no Brasil. 1928 foi um deles — as obras ferroviárias nesse ano, reportadas nos relatórios das ferrovias, foram um problema para sua manutenção e construção. 1929 foi o ano da grande enchente da Light no rio Pinheiros, causada, dizem alguns, pela própria empresa para delimitar a sua zona de atuação como a lei previa. 1983 tenho na minha lembrança — como choveu nesse ano! Lembro-me das paredes de casa "chorando" de umidade. 1967 foi o ano da tragédia de Caraguatatuba, quando as chuvas trouxeram o morro abaixo e muita gente morreu. E outros, certamente, que não me vêm agora à mente.

Que a chuva modere agora a sua força para que a sofrida cidade de São Paulo possa aguentar ainda muitos anos sem se desmontar.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

MEMÓRIA DAS RUAS

Colégio Arquidiocesano em 1954. No canto superior doreito, a rua Domingos de Moraes, ainda com os trilhos do bonde no seu canteiro central

Este final de semana comecei um novo site, que, pelo menos provisoriamente, ficará dentro das páginas do estaçõesferroviárias. Ele versará sobre memórias das ruas da cidade de São Paulo. Não contará exatamente a história delas, pois há muitos dados e incertezas a serem levantados neste campo. Mas falará sobre isso também, e das casas, cinemas, parques, chácaras, escolas e tudo o mais que possam ter existido ou que ainda existem nessas ruas.

Também levará um bom tempo para que o número de páginas aumente. Há muito material sobre algumas, e a própria confecção das páginas é demorada. Portanto, quem quiser checar hoje, apenas poderá ler sobre a rua Domingos de Moraes, na Vila Mariana.

É uma forma de aproveitar e divulgar todo o conhecimento e todas as fotografias e mapas que juntei em pesquisas, livros e jornais durante pelo menos quarenta anos. No caso da Domingos de Moraes, ela fez parte da minha infância, teve bondes, teve o quase esquecido Tramway de Santo Amaro, cinemas, chácaras... inclusive a chácara da Vila Mariana à qual já me referi pelo menos duas vezes neste blog.

Portanto, se alguém quiser saber algo sobre a principal rua da Vila Mariana, baste clicar no link que já pus acima.

E espero que tenha um pouco de tempo para escrever também sobre diversas outras ruas.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

A MOGIANA ESQUECIDA


Reparem os que gostam de estradas de ferro brasileiras ou paulistas que a velha Mogiana - quarta ferrovia a ser inaugurada em São Paulo, em 1875 - é uma das de que menos se fala ou escreve. Qual seria o motivo?

É verdade também que não há muitos livros específicos sobre ferrovias no Brasil - nem a lendária Paulista tem um livro sobre ela, com exceção daquele álbum escrito em 1918 que comemorava seus 50 anos, hoje um livro raro e caro. Lembro-me apenas da São Paulo Railway e da Sorocabana em São Paulo. Nem a Santos a Jundiaí tem um livro próprio - contando-se que a SPR foi operada com esse nome até 1946, e é até esse ano que o livro sobre ela conta sua história.

Nas listas de discussão na Internet, fala-se bastante das ferrovias paulistas, mesmo porque a maioria das pessoas que as frequenta está no Estado de São Paulo, mas mesmo assim a Mogiana é das menos comentadas. Qual teria sido o motivo? Falta de admiradores? Bem, eu conheço vários. O que me vem à mente são alguns fatos que podem ser motivos para a literatura não tão ampla sobre a Mogiana: ela passa por uma região de população relativamente baixa em seu tronco principal (lembrando que ela começa em Campinas, uma das maiores cidades do Estado e passa por Ribeirão Preto, também grande cidade, mas outras cidades não têm o mesmo destaque hoje). São Simão, Mogi Mirim e Casa Branca, por exemplo, eram cidades mais importantes relativamente ao Estado na época em que a ferrovia foi implantada. Hoje não têm nem de longe a mesma importância relativa.

Além disso, praticamente a metade das linhas da Mogiana estava em território mineiro e não paulista, com linhas que foram quase em sua totalidade extintas há muito tempo: só sobrou, mesmo, a linha que segue para Araguari. Os espaços entre Uberaba, Uberlândia e Araguari são pouco povoados, e, no triângulo mineiro, somente estes três municípios têm linhas da velha ferrovia hoje em dia.

O rápido declínio em termos financeiros da Mogiana também pode ter contribuído para isto: afinal, desde os anos 1920, a Mogiana entrou em queda livre, faturando anualmente muito menos do que o valor de suas dívidas. Foi estatizada por pressão não governamental, mas sim de seus acionistas, em 1952 - acionistas que queriam ainda receber alguma coisa pelo espólio de uma ferrovia falida.

Tal fato veio como consequências de fatos como a cara baldeação em Campinas, por causa da troca de bitolas; do investimento em ramais inúteis, como (principalmente) o de Jataí/Guatapará e o ramal de Juréia; do endividamento feito para a construção de um ramal para o porto de Santos que acabou não sendo construído, tendo sido o dinheiro desviado para a construção de ramais como os dois já citados e os outros dois que partiam de Guaxupé, que jamais deram os resultados esperados; da depredação da ferrovia no seu lado mineiro pelo Governo Federal durante a Revolução de 1932; da sua linha-tronco mal construída, com excesso de curvas que aumentavam demais as distâncias e diminuíam a velocidade dos trens, linha que somente começou a ser substituída nos anos 1920 e foi terminada apenas na época da Fepasa em 1979 - tendo ainda sobrado o trecho Mato Seco-Lagoa Branca, que ainda é o original.

Com tudo isto, não tinha muito de bom para se recordar. A Mogiana foi, ainda, a última das grandes ferrovias paulistas a ter carros de aço (1960) em lugar dos já antigos e obsoletos carros de madeira. Mesmo assim, seus admiradores fiéis - entre os quais, eu - não têm até hoje um livro em que se fale da grande Mogiana. Esperamos que um dia ele saia, e como um bom livro em que tudo possa ser analisado dentro da história desta ferrovia, que hoje teria 135 anos de idade.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

MEMÓRIA DESAPARECE À FORÇA

Palacete Lotaif, demolido em 1982 (Foto Irmo Celso, revista Veja, 30/6/1982) na avenida Paulista, na esquina com a alameda Joaquim Eugenio de Lima

É sabido que diversas construções, principalmente casas, são colocadas abaixo e o terreno vendido ou transformado em estacionamento não somente porque vale muito, mas também porque alguns proprietários não têm dinheiro para arcar com as despesas de manutenção e/ou de impostos altos do imóvel. O tombamento de um bem pelo IPHAN, CONDEPHAAT ou pelo município, isso em São Paulo – sempre lembrando que existem outros órgãos da União – não leva necessariamente à sua preservação.

Vemos em São Paulo diversos casos, como a casa do Itaim-Bibi, cujas ruínas estão tombadas (neste caso as ruínas são praticamente somente as fundações) e uma capela no Barro Branco, tombada, mas posta abaixo mesmo assim há alguns anos. O tombamento de um imóvel deveria no mínimo prover incentivos de impostos e para manutenção do imóvel para que este possa ser conservado de uma forma mínima que seja. Diversos imóveis tombados estão se deteriorando pelo Brasil afora.

Lembro-me das demolições da avenida Paulista, nos anos 1980, que eram feitas durante a noite, para impedir protestos da população. Os donos não queriam continuar arcando com impostos altíssimos e ainda por cima com construtoras acenando com quantias “indecentes” para comprar o terreno e nele levantar mais um edifício com “n” andares. Quem pode condenar um proprietário de deixar de lucrar com um imóvel mesmo que o valor sentimental dele seja grande para os donos?

Uma das soluções seria que a Prefeitura transferisse para os proprietários de imóveis tombados terrenos em outras regiões que tivessem a mesma valia. Não é fácil, mas já houve casos onde o acordo aconteceu. Outra forma seria permitir a demolição de imóveis que não fossem considerados de valor arquitetônico (um caso simplesmente de opinião, pois mesmo arquitetos discordam entre si), mas com a ordem de serem mantidas algumas partes, como a fachada ou outras partes (como foi feita no caso da casa das caldeiras e a chaminé da Matarazzo) ou mesmo o imóvel inteiro, liberando o amplo terreno atrás dele – quando isto for possível, é claro. Não é solução ideal, mas algo se preserva.

Há meses, postei neste blog uma história que poucos sabem, sobre a “chácara da Vila Mariana”, que foi desmanchada em suas construções do grande jardim que tinha uma miniatura de castelo, uma piscina, fontes, pontes e outros artefatos em pedra e cimento. Disse que isso ocorrera nos anos 1970. Não foi. Foi no início dos anos 1990. Também fiquei sabendo que o jardim foi obra de um arquiteto italiano no início do século e que o local originalmente foi chamado de Chácara Flora – nada a ver com o bairro de Santo Amaro. E fiquei sabendo também da triste notícia: como a casa que dava frente para a rua Domingos de Moraes foi vendida sem os jardins, para a construção de um conjunto de prédios no final dos anos 1960, estes ficaram ali, sendo cuidados por pessoas da família que moravam em casas atrás dele. A Prefeita Luiza Erundina, num relance de total desconhecimento das consequências que isso traria (ou de pouco se importar), taxou o imenso terreno como se fosse um terreno baldio, triplicando o valor de seu imposto territorial. Resultado: a família vendeu-o para uma construtora. Esta derrubou tudo e construiu edifícios de apartamentos.

A memória dum lugar único em São Paulo se foi, em nome da impermeabilização do solo, do adensamento populacional, tudo de ruim, enfim. Mais uma das tristes histórias de uma cidade que está se tornando inviável.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

SÃO PAULO: PERGUNTAS SEM RESPOSTA

Lixo nas calçadas de São Paulo. Foto Douglas Nascimento

Todo mundo vê que existe uma favela cada dia maior debaixo da ponte do Jaguaré, sendo vista pelos motoristas que passam pela Marginal do Pinheiros no sentido do Cebolão. Por que somente as autoridades não vêem isso? Por que não a retiram de lá?

Todo mundo que sai da Castelo Branco e entra na Marginal do Pinheiros vê logo no início e debaixo da ponte ferroviária da antiga FEPASA uma enorme favela que avança por pequenos pedaços do asfalto da avenida logo depois de uma curva fechada. Logo depois dela, uma enorme quantidade de lixo e de entulho se acumula na calçada. Também é vista com facilidade. Por que somente as autoridades não vêem isso? Por que não retiram a favela e o lixo?

Todo mundo que anda a pé pelas calçadas que formam as esquinas da avenida Brigadeiro Faria Lima com as avenidas Rebouças e Eusébio Matoso vê ali uma quantidade de lixo e de mato, ambas muito grandes, nos pequenos canteiros e nas calçadas. Por que somente as autoridades não vêem isso? Por que não limpam o mato e o lixo?

Todos que andam pelas calçadas da mesma Faria Lima vêem os buracos enormes nas calçadas e os camelôs vendendo produtos pirateados e falsificados em pequenas tendas e mesmo espalhadas pelas calçadas em pequenos lençóis. Por que somente as autoridades não vêem isso? Por que não retiram os camelôs e apreendem as mercadorias?

Todos os motoristas que trafegam pelas ruas de São Paulo vêem inúmeras placas de "proibido estacionar" e, em meio a elas, pontos de táxis colocados ali pela Prefeitura. Porém, o estacionamento proibido tem a função de deixar mais espaço para o trânsito de veículos. Quer dizer, então, que táxis estacionados não atravancam o fluxo? E, se não atravancam, por que não se libera o estacionamento de veículos no resto do quarteirão?

O túnel que passa por debaixo da Faria Lima e que une as avenidas Eusébio Matoso e Rebouças foi construído para que não houvesse mais esse cruzamento, Porém, o semáforo foi mantido na Rebouças e na Eusébio, pois, de outra forma, os ônibus que passam por cima não poderiam cruzar a avenida Faria Lima. Então, que me respondam: para que fizeram o túnel, gastando milhões de reais? E por que os carros particulares que vêm tanto pela Rebouças quanto pela Eusébio Matoso não podem cruzar pelo sinal, tendo que dar uma volta de mais de um quarteirão fazendo os retornos na própria Faria Lima para chegarem ao outro lado do cruzamento, atrapalhando mais ainda o tráfego da Faria Lima?

Até quando estas perguntas ficarão sem respostas? E que sejam coerentes?

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

FURTO NO MUSEU DA CIA PAULISTA EM JUNDIAÍ


No dia 2 de fevereiro último, o Sr. Mauro David Artur Bondi, da regional do IPHAN em São Paulo, pediu-me para transcrever o seguinte e-mail, enviado para mim nesse mesmo dia no sentido de divulgar um furto no Museu da Companhia Paulista em Jundiaí, conforme transcrito abaixo.


O texto foi copiado também por ele para várias outras pessoas interessadas no assunto. As fotografias acima, do quadro, foram-me enviadas no mesmo e-mail.


"Prezados:


Conforme informações da Prof. Karin Bizzarro, Diretora do Museu Ferroviário da Cia. Paulista em Jundiaí, no dia 25 de janeiro de 2010 às 7h45m, foi dada a falta de uma tela de pintura retirada do chassi e da moldura, no salão nobre do Museu da Cia. Paulista, sito à Av. União dos Ferroviários, 1.760, no centro de Jundiaí.


Trata-se do retrato do Dr. Clemente Falcão de Souza Filho - Presidente da Cia. Paulista de Estradas de Ferro de 1869 a 1880. O Dr. Clemente Falcão de Souza Filho foi um dos fundadores e primeiro Presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. O retrato foi encomendado pelo Engenheiro Adolpho Augusto Pinto em 1919 e a pintura a óleo é atribuída ao pintor Oscar Pereira da Silva.


Pelo que ainda me foi relatado, não há sinais de arrombamento e, ao que parece, quem cometeu o furto deveria ter a cópia da chave da porta do Museu. Nenhuma outra peça foi subtraída e o retrato do Dr. Clemente Falcão de Souza Filho encontrava-se no segundo andar do referido museu.


Foi lavrado um boletim de ocorrência, que será encaminhado para a regional do IPHAN amanhã. Aguardamos a orientação superior da CTPF/DEPAM, considerando inclusive que o acervo desse museu ferroviário encontra-se em estudo para tombamento oelo IPHAN".

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

ERROS DE BASE


Osires da Silva, ex-Presidente da Embraer, defendeu numa audiência pública a não construção do TAV, Campinas-Rio-São Paulo. É o lobby da aviação com medo do trem-bala.

Sobre isso, um amigo meu acabou comentando o que transcrevo abaixo:

“Defendo o transporte de massa. É o mais racional. Poupa o meio-ambiente da poluição. Acaba com as mortes no trânsito. É democrático. Existem ainda outros motivos.

Quando penso no TAV Rio-SP-Campinas três coisas me vêm à mente:

1) Existe a questão do custo e de quem vai bancá-lo. A relação custo-benefício compensa? Com quanto a sociedade brasileira vai ter de arcar? Quem serão os usuários beneficiados, um grande número de pessoas que viajam entre Rio e SP ou uma parcela relativamente pequena? Em outras palavras, em que circunstâncias vale a pena implantar o TAV?

2) Parece que os estudos de demanda não estão levando em conta o conforto da classe-média alta que mora na zona sul de SP. Ela é considerada uma das principais usuárias do futuro TAV. Mas é ela que mais resistiu e ainda resiste à transferência da maioria de vôos de Congonhas para Guarulhos. Viajar da zona sul para Guarulhos custa tempo além de ter o visual poluído por favelas a que muitos moradores da zona sul (especialmente na ilha que são os Jardins) não estão acostumados. Com o trânsito caótico de SP e o tempo imprevisível de deslocamento de um bairro para outro, com previsão de só piorar, essa classe não vai topar ir da zona sul para o Campo de Marte, provável local da estação do TAV. Vai preferir pegar avião em Congonhas para ir para o RJ.

3) Se não houver uma boa integração da estação Campo de Marte com o transporte de massa de São Paulo, o TAV corre sério risco de fracassar na operação. O governo do estado está disposto a investir num VLT ou metrô interligando com alguma linha já existente do metrô? Vale lembrar que a linha norte-sul, a provável candidata para interligação, já está saturada”.


É uma opinião. Mas concordo com ela em praticamente tudo. O Campo de Marte não é local para a estação, principalmente porque, além de já ter um uso, não há ligação rápida com ele, que está no meio de quatro avenidas altissimamente congestionadas, onde se incluem a Marginal do rio Tietê e as pontes da avenida Santos Dumont e da Casa Verde. Vai se perder mais tempo em ir até o Campo de Marte do que a viagem de trem para o Rio e principalmente para Campinas.

Realmente, o ideal para o TAV sair seria um local próximo e de fácil acesso aos moradores da Zona Sul e da Zona Oeste. No caso, entretanto, ele teria de sair em túnel tanto para Campinas quanto para o Rio.

Alguém tem, de qualquer forma, de decidir o que se deve fazer para resolver o impasse antes de fazerem besteiras da grossa.

Em tempo: não moro na Zona Sul nem na Zona Oeste da cidade, portanto não sou suspeito pela minha opinião.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O DILEMA DO POVOAMENTO

Bonde em São Paulo, anos 1950. Autor desconhecido, local não identificado — alguém se habilita?

Uma reportagem publicada hoje pelo jornal Valor Econômico, de nome “O TAV muda o destino das cidades”, entra em detalhes de como uma estação do chamado Trem de Alta Velocidade — ou, popularmente, “Trem-Bala”, pode levar ao desenvolvimento da cidade que a possuir. Cita como exemplo cidades do Vale do Paraíba paulista e fluminense.

Não vou entrar nos pormenores, mas se por um lado acho pouco provável que isso reflita tanto assim em termos de desenvolvimento e concentração populacional na área da estação e mesmo na cidade, pois elas já são basicamente cidades desenvolvidas que podem ser alcançadas hoje por diversos meios de transporte — o trem deverá apenas ser uma alternativa supostamente viável —, por outro lado, é notório que historicamente o trem realmente povoou áreas em todo o Brasil, notadamente no Estado de São Paulo e diversas outras linhas férreas do Brasil.

Cidades como Santo André, Francisco Morato, Rio Grande da Serra, Caieiras e Franco da Rocha — somente para citar algumas na área metropolitana de São Paulo — não existiriam pelo menos da forma em que hoje as conhecemos se não fossem as linhas da São Paulo Railway, depois E. F. Santos a Jundiaí.

Também é certo que cidades que foram “boca de sertão” por anos, quando determinadas linhas férreas chegaram até elas e pararam ali, esperando ou não prolongamentos, tiveram um desenvolvimento maior do que outras que também certamente cresceram, mas sendo apenas pontos de passagem não tinham o mesmo movimento. O grande exemplo paulista aqui foi São José do Rio Preto. Há várias outras pelo País afora.

E mais: estações do metropolitano de São Paulo também ajudaram o crescimento e a verticalização de diversos bairros de São Paulo: os locais por onde as linhas passaram desenvolveram-se e valorizaram-se muito mais do que outros mais distantes da rede metroviária. Como as estações neste caso são muito mais próximas umas das outras do que estações no interior, que têm em média 7 a 10 quilômetros entre uma e outra, o desenvolvimento não se dá exatamente nas estações, mas sim ao longo de toda a linha.

O mesmo ocorreu com as linhas de bondes, construídas em muitos casos com seus pontos terminais no meio do nada, que em pouco tempo se povoaram. Idem com as linhas férreas que se adentravam pelo sertão ainda praticamente inexplorado, caso típico do Oeste de São Paulo, onde cidades no início foram criadas a partir de uma estação e mais adiante no tempo passaram a ser construídas nos lugares em que a linha deveria passar às vezes num intervalo de alguns anos, como ocorreu na Nova Alta Paulista (Pompéia, Tupã, Adamantina, Dracena e outras).

Aí vem o dilema: naquela época (final do século 19 e início do século 20), o povoamento era algo desejado e necessário. Hoje, com o que se aprendeu de bom e de ruim nesse desbravamento — principalmente de ruim — o povoamento tanto dentro das cidades como entre elas já não é visto com bons olhos por uma boa parte da população.

O que fazer, então? Deixamos as cidades se afogar no caos da falta de transporte público de qualidade para que não se concentre população mais ainda em seu centro e entrono ou fazemos o que pedem para ser feito (no caso, exatamente esse “transporte público de qualidade”) para que quem ali já mora seja beneficiado? Não podemos em nenhum caso evitar que outros se mudem para esses pontos para que desfrutem da mesma facilidade. É um círculo vicioso. A decisão é dificílima, e podem ser ambas erradas. Ou ambas corretas.