segunda-feira, 30 de abril de 2012

FERROVIAS NO NORDESTE: O QUE ESTÁ ACONTECENDO POR LÁ?

Estação ferroviária de São Pedro, na abandonadíssima linha Mossoró-Souza, trecho paraibano: no meio do sertão, tudo abandonado - linha, pátio e estação. Trens não trafegam por ali há mais de quinze anos.

Nós, admiradores e palpiteiros sobre ferrovias, ficamos aqui discutindo diversos aspectos do (mau) desempenho das estradas de ferro no Brasil, mas recebemos pouquíssimas notícias sobre o que acontece com elas no Nordeste... vamos dizer, do rio Doce para cima.

O que sabemos, embora sem grandes detalhes, é que a Transnordestina está sendo construída a passo de tartaruga e a fiscalização das obras parece ser quase inexistente. Então, uma linha que já deveria estar pronta há pelo menos dois anos, pelo menos o trecho que liga a antiga Linha do Sul da extinta RVC do Ceará, em Missão Velha, ao porto de Suape no Recife, continua sendo construída quando Deus quer. E como não é sempre que Deus quer...

Também no sul do Ceará, o Estado aproveitou uma linha sem uso convenceu um empresário a montar uma fábrica de VLTs lá perto, em Barbalha, e está rodando o primeiro trecho de VLT - para quem ainda não sabe, Veículo Leve sobre Trilhos, uma espécie de bonde moderno - no Brasil desde 2009 (Ah, sim, o primeiro trecho desde que desativaram os únicos que existiram na terrinha, o do Rio e o de Campinas).

Em Sobral, o governo está querendo fazer a mesma coisa, mas está tropeçando nas exigências ambientais e dos seus adversários políticos. Já o de Maceió está em testes. Há outros planos, mas ainda nada muito concreto.

Há quase dois anos, um "tsunami fluvial" levou a linha que ligava o sul de Pernambuco a Sergipe e a concessionária, que já não usava a linha, mas estava reformando pois foi obrigada a tal, está fazendo vistas grossas para a sua obrigação (mas, cá entre nós, se ninguém usa, reformar para que? Seria bom convencer alguém para usá-la...).

Na Bahia, há alguns meses, o pessoal que mora em Mapele, localidade no Recôncavo onde a pobreza impera e as estradas são péssimas, fez uma manifestação nas ruas para a volta do trem metropolitano, que já passou por ali nos anos 1980, levando gente até Candeias por um lado e até Simões Filho por outro (sim, Mapele era um entroncamento), sempre lembrando que o polo petroquímico de Camaçari tem uma linha que o liga ao porto e que passa por Mapele... e que nesse polo trabalha gente pra burro.

Do outro lado, surpreendi-me que de vez em quando rodam alguns trens na região entre Camaçari e Alagoinhas, fazendo trechos curtos "catando" pessoal das cidades em trens turísticos patrocinados pela FCA (pela Petrobrás também? Afinal, quem sustenta aquela região é ela, com alguns poços pioneiros no Brasil). Mas é sempre a mesma coisa: se patrocinam trens turísticos (meio inúteis, só servindo para dar "pão e circo" ao povo), por que não se aliam às prefeituras da região e voltam com os trens de passageiros?

Só para não dizer que basta, as ferrovias estão abandonadas no Rio Grande do Norte e no Piauí, bem como na Paraíba - que perderá o ramal de Campina Grande e Patos assim que (e se) entregarem a Transnordestina para operar. Já perdeu a linha que a cruza de norte a sul entre o RN e PE e também a que ligava Souzas a Mossoró, no RN.

E não nos esqueçamos da ferrovia Oeste-Leste, que deve um dia cortar o sul da Bahia ligando Goiás a Ilhéus. Esta parece estar fadada a ser mais uma das lorotas ferroviárias no meio de tantas que já se contaram no Brasil.

Brasil, um país que necessita urgentemente de ferrovias, mas não tem governantes capazes de construi-las, nem fiscalizá-las e muito menos operá-las.

domingo, 29 de abril de 2012

ALIENAÇÃO

Para as pessoas que hoje em dia ficam preocupadas em saber se seus times de futebol ganham ou perdem como se isso fosse a sua religião - embora os times não dêem a mínima para os torcedores - é sempre tempo de ainda tentar lutar pelo direito de ter (termos) governantes decentes e responsáveis.

É Cachoeira pra cá, senador corrupto para lá, deputado levando grana de cá, é um partido sendo chamado de ladrão pelo adversário... petistas que dizem que são anjos metendo o pau em peemedebistas que se julgam infalíveis, e enquanto isso, uma série de cegos ou de mentirosos dizendo que os petistas são maravilhosos e incorruptíveis enquanto peessedebistas são o demônio encarnado... É tudo vergonhoso. E pouco se pode fazer.

Ah, se o povo brasileiro agisse como as torcidas organizadas quando se revolta pelo fato de o time ter perdido um jogo ou eliminado de um campeonato... como se isso fosse mudar a vida desses torcedores. O que muda mesmo a nossa vida é a atuação dos políticos corruptos - pelo andar da carruagem, todos são, independentemente do fato de que a qual partido pertençam. Aqui na cidade de São Paulo, um prefeito altamente incompetente deixa a cidade ao Deus-dará.

Ah, sim - ninguém é totalmente imperfeito. Sendo assim, no que posso avaliar, o grande negócio do K-Sab foi a lei da Cidade Limpa, bem como manter os camelôs fora das ruas e praças das quais haviam se apossado sem que os populares pudessem nem sequer andar a pé pelas calçadas - e os carros pelo asfalto. Fora isso, nada. Prometeu mundos e fundos e não fez nada.

Ainda por cima, usou de artifícios ilegais e inconstitucionais sem que fosse questionado (e o será na justiça, depois de seu mandato, como sempre), como a proibição de notas fiscais (elas são emitidas pela internet num site da prefeitura, lembra?) para quem atrasou mais de quatro meses o pagamento de ISS para os cofres paulistanos. Você sabia? Não? Pois é, somente sabe quem as emite - porque jornal nenhum publicou. Por que terá sido?

Fora isso, o lixo constante das ruas, as calçadas esburacadas, o asfalto também esburacado, as chuvas que inundam por falta de limpeza em bueiros etc., o trânsito que não anda, as medidas tomadas a última hora e de qualquer jeito, obras faraônicas anunciadas e (graças a Deus) não cumpridas (mas se são desnecessárias e sabe-se que não vão ser cumpridas, porque as anunciam?). Estas últimas, são para vender projetos... alguém duvida? Ou acham que o simples anúncio de se "entunelar" a linha da Santos-Jundiaí sob avenidas não teve custo algum?

Uma das coisas anunciadas tanto pela Prefeitura quanto pela CPTM - dependendo de em que lugar seriam - foi a substituição de muros de concreto altos por grades metálicas em avenidas que encostam nas linhas férreas (como, por exemplo, na Marginal Pinheiros, entre as pontes do Jaguaré e o Cebolão) e também na raia olímpica e no Joquei Clube ao lado do rio Pinheiros. Isto seria um alívio ao estressado motorista que fica preso nessas avenidas em congestionamentos diários. Ah, dirão, que coisa boba, sem consequência... pode ser, dependendo de como se avalia. Mas é algo relativamente barato em termos de obras. Enfim, falou-se, falou-se... e pouco foi feito. O que foi realizado foi-o pela CPTM e somente em alguns trechos. A raia olímpica e o Jóquei continuam como era. Pena. Seria muito melhor sem os horrorosos e sufocantes muros que lá existem.

A Marginal do Pinheiros, no seu trecho inicial, quando deixamos o Cebolão e nos aproximamos da ponte da linha da CPTM, teve metade das duas faixas de rolamento que ali existem invadidas por uma favela. Os barracos estão praticamente sobre a sargeta, mas, pior ainda, há carros estacionados no leito carroçável, bem como sujeira - muito lixo, mesmo - e terra. Fora os "gatos" que chupam a eletricidade que nós pagamos, mas que o favelado não paga. Depois vêm o incêndio e mortes, danos elétricos, a ponte é interditada por meses porque o concreto foi afetado pela alta temperatura... Enfim, por isso e por muitos outros motivos, é que estava na hora de o povo agir como agem as torcidas organizadas - estas, infelizmente por motivos totalmente idiotas. E segue o prefeito pensando no seu futuro. Se nós não fôssemos tão alienados, o seu futuro, pelo menos o político, simplesmente não existiria.

sábado, 28 de abril de 2012

HAVERÁ MAGIA NAS FERROVIAS?

Muitos me perguntam por que eu gosto de estradas de ferro. Como tudo do que se gosta na vida, a resposta é: eu não sei, apenas gosto. Nem sempre foi assim, mas hoje o é.

Pensando um pouco, a maior parte das pessoas que conversa comigo sobre o assunto gosta do tema. Não que seja fanático, na maioria das vezes não sabe praticamente nada, mas... gosta. Confirma que as ferrovias têm um certo fascínio.

As lembranças de viagens com trem parecem sempre mais vivas e alegres do que as feitas com autos, ônibus, aviões. A visão de trilhos no meio do mato e de prédios ferroviários abandonados parecem também fascinar, mesmo que seja algo que não esteja claramente funcionando, esteja... abandonado. Por que?

Por que a estação ferroviária é, quase sempre, a alma das cidades? Como assim? Ora, o simples fato de haver uma estação ativa ou não na cidade com um dístico que ostenta o seu nome já indica isto. Ah, mas há, pelo menos em São Paulo, os nomes das cidades em letras de concreto na entrada rodoviária principal. Mas não parece a alma de uma cidade, apenas parece... a indicação de que aquela é a entrada.

Andar de carro pela Marginal do Pinheiros no sentido Castelo Branco nos faz passar por uma série de postes com catenárias para alimentação elétrica dos trens da CPTM, ao nosso lado esquerdo. A visão rural disto, apesar do asfalto da avenida e das casas e prédios ao lado direito nos dá uma sensação diferente - como se estivéssemos dirigindo no campo, por exemplo, entre Araraquara e Rincão, onde por uma boa parte do caminho os postes de eletrificação abandonados, a maioria sem fios elétricos mais, teimosamente nos acompanham com os trilhos abaixo - ali se vê bem esses trilhos, sobre um pequeno aterro empedrado, pouco mais altos que a estrada. Quando passa um trem, então - raro isso, hoje, naquele trecho - sentimo-nos bem. Ninguém nos acena mais, pois não estão mais ali os velhos passageiros olhando pelas janelas, mas... é um trem!

As constantes histórias de gente que conhecemos e até que não conhecemos nos leva a memórias delas próprias ou de parentes que viviam nas vilas ferroviárias no meio do mato - e não era uma vida má, pelo que sempre se diz.

Qual é, afinal, a magia dos trens? Ela é maior em mim, que literalmente sou apaixonado pelo assunto, mas ela sempre existe em menor ou maior intensidade, na maioria das pessoas, como uma faísca que se acende e traz boas memórias, a ponto de elas as contarem quando são inquiridas.

A ponte de ferro ou de pedra abandonada, a casinha em ruínas com os velhos símbolos das ferrovias - CP, CM, EFCB, EFS e muitos, muitos mais - a bela estação ferroviária ainda conservada - ou não - na cidade, os trilhos que teimam em ficar ali, os pedriscos que sobraram dos trilhos arrancados, os trilhos que ainda são pisados por trens cargueiros ou da CPTM, a associação de preservação que os desenterra depois de anos enterrados, aquele túnel que está ali perdido no meio da mata, mas que teima em não desaparecer...

Nomes que perduram depois de décadas e mesmo centenários, como a Ytuana, a Minas e Rio, a Sapucaí, Oeste de Minas e mais recentemente, Mogiana, Paulista, Sorocabana, Noroeste, Central do Brasil, Santos a Jundiaí... o velho nome no dístico da estação, apagado mas visível debaixo no nome mais recente, como em Cordeiropolis, que se pode ainda ver o nome Cordeiro...

Aquela locomotiva a vapor enferrujando no mato, a diesel destroçada, o carro de madeira apodrecendo, ou, em melhores imagens, a vaporosa funcionando e soltando fumaça em Jaguariúna, a diesel buzinando na entrada da cidade, a elétrica idem - quando ainda existem, tudo isto leva a crer que as ferrovias sejam realmente mágicas.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

CAFAJESTADA


O sexo no Brasil de 1915 é revelado numa carta de um amigo de meu avô. Hoje em dia, com "mulher pelada" e sacanagem a céu aberto em qualquer banca de jornais da cidade e, nos últimos dez-quinze anos com sites pronográficos a rodo na Internet (sim, aquela mesma que seu filho de três anos sabe acessar quando v. larga o computador e esquece que ele sabe mexer naquilo), para que se preocupar com a cozinheira quando mulheres bonitas e feias de qualquer idade se mostram, profissional ou amadorísticamente, em fotografias que rodam o mundo inteiro?

Nesses tempos de cem anos atrás, quando nem Carlos Zéfiro existia, nunca era sequer imaginado que no facebook da época (o "correio elegante" das revistas semanais, quinzenais e mensais) alguém escrevesse um palavrão ou qualquer termo chulo como os que eu leio hoje inadvertidamente quando fuço na rede social. Eu, com meus sessenta anos, jamais fui um caretão, mas o que vejo hoje me deixa envergonhado até quando estou sem ninguém ao lado.

Em 1915, as conversas e relatos de façanhas eram escritas em cartas particulares para pessoas que você sabia que não iam mostrar para ninguém. Suponho que meu avô jamais as mostrou naquela época, mas guardou-as, de forma que caíram em minhas mãos oitenta anos mais tarde. Afinal de contas, quem escreveu e quem recebeu esta carta já havia morrido em 1995. E nem assim eu digo quem foi o escritor da carta... só o receptor.

Enfim, o texto é interessante e confessor:

"(...) o interessante é que, justamente na tarde de hoje, pouco após, recebo um bilhete duma minha ex-amante (tu te lembras, da caboclinha cozinheira?), pois recebi-o, que me chamava e ás (a crase era assim mesmo, naquela época) onze horas lá fui para o antigo retiro.

Que me queria? Nada; apenas participar-me de que sou o pae de um feto de seis a sete mezes que lhe "em fina o ventre". Não pude deixar de lhe rir na cara, o que lhe provocou uma scena misero-pathetica.

Fiquei para averiguar mais de perto. Era "exacto": apalpei-lhe o ventre onde se remechia a victima do meu "crime maior do que o assassinato", coitei com a cumplice e deixei-lhe o que ela desejava: 20$000... (...)". (Traduzindo: vinte mil réis)

Coisa meio de cafajeste, certo? Mas, sim, os anos 1915 não eram nada puros quanto aparentam hoje.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

1958, O ANO QUE NUNCA TERMINOU

No hoje distante ano de 1958 eu tinha apenas seis anos de idade. Fiz sete em novembro. Ao mesmo tempo em que passei boa parte do ano (dois meses!) na cama, com febre reumática (a tal do sopro no coração), lembro-me muito desse ano.

Eu e meus pais havíamos retornado no final de 1957 depois de um ano nos Estados Unidos - de navio de linha, imaginem - e a vida no Brasil teria de recomeçar para todos nós.

O ano começou com quase um mês num apartamento no Embaré, em Santos, em frente à praia. Um pombalzão. Acho que o prédio ainda existe. Toda manhã íamos para a praia, já que o número de pessoas dentro do apartamento (pai, mãe, primos, primas, tios, tias, avó) era imenso. Dois quartos, quatro beliches, um sofá-cama e colchões no chão. Mas era legal.

Voltamos da praia no final de janeiro, e meu pai não conseguia encontrar vaga para mim no primeiro ano  primário em nenhuma boa escola. Um amigo do pai dele, dos tempos da E. F. São Paulo-Rio Grande lá no Paraná, conseguiu cavar uma vaga no Colégio Visconde de Porto Seguro, ainda na Praça Roosevelt.

E lá fui eu, com uma semana de atraso, começar minha vida escolar. Um monte de gente em volta, crianças de seis e sete anos como eu, falando entre alguns deles uma língua totalmente estranha para mim, o alemão. Professores que faziam piadas em alemão para as crianças, onde a maioria ria - eu não entendia nada, apesar de meu pai falá-lo fluentemente, embora não em casa. Algumas vezes, alguns contavam histórias de como viveram na Alemanha durante a guerra, não somente a Segunda, mas também a Primeira, no então não tão distante ano de 1914. A aula era de manhã. Eu ia e voltava da escola na perua do seu Zig - ou Herr Ziegfried, outro alemão.
 Durante a tarde, como meus pais trabalhavam fora (embora almoçassem todos os dias em casa), eu ficava com a empregada. Obviamente, ela mudava toda hora. Nesse ano, lembro-me bem, tinha uma que ficava ouvindo rádio na cozinha. Ouvia Caubi Peixoto (que eu detestava) e novelas. No fim, o que me lembro era dos anúncios cantados, como o "as flores desabrocham... com a luz do sol... e a beleza das mulheres... com o Creme Rugol... Creme Rugol... Creme Rugoo-ool!" A melodia está na minha cabeça até hoje. Bem brega, mesmo. Já o creme existe até hoje.

E tinha a música do "sua pele ficará maravilhosa... macia, suave, gostosa... com o Creme de Alface Brilhante!". Era assim, sem rimar, mesmo. Também lembro da melodia.

Televisão só depois das seis da tarde. Até às oito no máximo. Aliás, eram somente três canais: Record (o sete), Tupi (o três, que depois virou quatro) e o das Organizações Victor Costa (OVC), o canal cinco, que muitos anos depois, foi comprado pela Globo. Na Record tinha o Pullmann Jr., que passava desenhos do Picapau. A Tupi tinha o Pim Pam Pum. Os canais, aliás, começavam a programação ao meio-dia. A OVC, só às 6 da tarde. À meia-noite, acabavam.

Em maio e junho, sem ir à escola, pois estava proibido pelo médico, eu ficava lendo revistinha. O Pato Donald, Mickey, Mindinho, que tinha as histórias do Pernalonga, Papai Noel (era o nome da revista que publicava as histórias do Tom e Jerry), Luluzinha... Ou brincando em cima da cama. Eu ficava na cama dos meus pais, somente à noite passava para a minha. Da Copa do Mundo na Suécia, só me lembro dos fogos depois do jogo final vencido pelo Brasil. Isso foi por volta do meio-dia.

Voltei para a escola em agosto, mas com mil recomendações. Bem gordinho, por causa da cortisona. Passei de ano, apesar de faltar por um quarto do ano.

Era uma cidade tranquila, mas eu só conhecia o caminho do Sumaré, onde morava, até a Praça Roosevelt, e a volta. Também sabia o caminho para ir de casa até a casa da minha avó Maria, na Vila Mariana. Íamos de bonde - meu pai não tinha carro nessa época. Tínhamos de subir o ladeirão desde a rua Teffé até a avenida Doutor Arnaldo para tomar o bonde. Só em 1959 papai comprou um Studebaker e aí saíamos mais. Ele ia até a minha avó ou pela Paulista ou pela avenida Brasil.

Meus avós paternos moraram... bem, mudavam de casa a toda hora. Entre 1958 e 1961, quando meu avô Hugo faleceu, eu me lembro de tê-los visitado numa casa na rua Cardoso de Almeida, perto da rua Wanderley; em outra na rua Silva Jardim, no Alto da Boa Vista; num apartamento na avenida General Olimpio da Silveira, esquina com a rampa da avenida Pacaembu; e uma casa na avenida Itacira, em Indianópolis - nossa, era um deserto, era a casa deles e mais uma geminada e só isso no quarteirão deles. O vizinho era o Silvio Santos. Foi nessa casa que meu avô faleceu na noite de 8 de março, três anos depois de 1958. No dia seguinte, eles iriam se mudar novamente - desta vez, para uma pensão na rua Martim Francisco, perto da rua Jaguaribe.

O ano acabou com meu aniversário de sete anos em novembro e depois, claro, com o Natal na casa da minha avó Maria, como sempre. As lembranças, no entanto, ficaram mais fortes que qualquer outro ano em minha infância.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

COMO ERAM RUINS OS NOSSOS TRENS DE SUBURBIOS...

Folha de São Paulo, 3 de abril de 1977
Para quem acha que os trens estão ruins hoje e critica a CPTM todos os dias mesmo com problemas não acontecendo todos os dias (inclusive nossos jornais) dou aqui uma "refrescada na memória" de quem andava de subúrbio nessa época (1977) em São Paulo, ou mesmo para informar quem não os usava nesse tempo e hoje usa.

O artigo é explanatório por si. Fala do pulgueiro que era e do sofrimento que todos os dias era notório e desrespeitoso com o público usuário. Vergonhosamente, o governo da época oferecia isso somente e quem quisesse que usasse: quem não quisesse, que fosse a pé.

domingo, 22 de abril de 2012

O IPHAN CABOCLO - II



Há quase três anos, postei aqui um artigo que falava sobre o "IPHAN caboclo", ou seja, sobre pessoas que moram, como invasores ou não, em estações ferroviárias antigas e delas tomam conta. Alguns fazem-no bem, outros nem tão bem assim, ou seja, depende de quanto dinheiro têm para conservá-la. Essas pessoas em geral têm orgulho de manter o imóvel longe de depredações gratuitas. Já conversei pessoalmente com muitas delas.

Agora surge um caso em Jundiaí, mais precisamente na antiga estação de Jundiaí-Paulista, ou seja, a estação que servia de apoio para a estação de Jundiaí da São Paulo Railway, hoje estação da CPTM. A estação de Jundiaí Paulista vem sendo habitada por um senhor já há muitos anos. Pelo menos há dezesseis anos, pois em 1996 posso garantir que ele já estava ali. Não sei quando a estação fechou como tal. Talvez por volta de 1990. Este senhor seria um ex-ferroviário que havia trabalhado ali (realmente, não tenho certeza disto).

Por informações dos relatórios da desaparecida ferrovia, sei que este prédio já existia antes de 1898. Nesse ano, a Paulista resolveu reformá-lo e transformá-lo em uma estação. Os trens de passageiros não paravam nela, a não ser em alguma emergência ou impossibilidade de parar na da SPR, a setecentos metros desta da qual estamos discorrendo. 

O fato é que é um belo prédio. Já passou certamente por mais de uma reforma além daquela de 1898. O estilo é bem "anos 1930". Há uma foto no meu site que a mostra em 1928, e ela parece ligeiramente diferente então. Outro fato é que recentemente a luz do prédio foi cortada, deixando seu morador com problemas. Não sei o motivo, mas especula-se que queiram colocá-lo para fora dali.


A única pessoa ou entidade que teria interesse em escorraçá-lo seria a Prefeitura de Jundiaí, que é atualmente a dona de todo o complexo do enorme pátio ferroviário da cidade, que, aliás, começa ali, em termos de área que pertenceu um dia à Companhia Paulista e depois à FEPASA. Teria a prefeitura cometido esta barbaridade?

Se não foi, o seu morador deverá investigar e corrigir o problema. Se foi, a prefeitura deveria no mínimo apresentar um plano concreto de o que ela quer fazer com o prédio, que não sei se seria tombado pelo município ou não: pelo CONDEPHAAT e pelo IPHAN, ele não o é. E, se há algum plano (duvido, prefeituras nunca têm planos, apenas ideias oportunistas), este não poderia incluir a ajuda ao senhor que ali reside no sentido de tentar algum acordo com ele, de arranjar outro local decente para ele morar?

De qualquer forma, não sei como está o prédio por dentro, mas por fora, ele está sujo: infelizmente, não se espera que uma pessoa que more numa estação sem ter a posse do prédio vá pintá-lo, pois geralmente essas pessoas não têm posses para isto. E a pichação feita pelos vândalos ali come solta (outra vez, basta olhar na página em meu site). 

E é sabido que não ter um plano concreto significa que nada será feito "assim que o morador sair": bastará ele sair e o prédio em pouquíssimo tempo estará abandonado e depois aos poucos será depredado. Isso se os donos não quiserem demoli-lo, sabe-se lá por que motivo, já que é uma bela construção. Ao mesmo tempo, o fato de ela estar em parte embaixo de um viaduto não deverá dar margem a uma construção de edifício, com certeza. Já vi diversos casos de moradores de estações ou casas de turma serem obrigados a sair e em seguida tudo ser entregue às moscas. Para que tirar, então?

É o "IPHAN caboclo" que tem salvado inúmeras estações secundárias e fora de áreas urbanas (esta está em área urbana, mas jamais foi a estação principal da cidade) . São elas as mais difíceis de se conservar, pois, em áreas isoladas, estão sujeitas a vandalismo de toda a sorte. É por isso que muitíssimas delas, por todo o Brasil, embora em sua maioria sejam prédios bonitos, estão caindo aos pedaços.


Uma das soluções para parte delas, especificamente as que ainda estão às margens de ferrovias operacionais, é que sejam assumidas pelas concessionárias para servirem de ponto de apoio a pátios. Muitos dos pátios ainda conservam seus desvios que são utilizados para cruzamentos ou troca de maquinistas, porém não mantém ninguém fixo no local. As pessoas poderiam também usá-las como sede de turmas de conservação de trechos ferroviários.


É sabido, no entanto, que as concessionárias não querem estes custos: teriam de manter os prédios em boas condições e pagar para ter alguém fixo ali. Preferem em lugar disso deixar a via permanente em péssimo estado com manutenção eventual e checagem também eventual com autos de linha.


Faço votos para que o IPHAN caboclo se mantenha vivo pelo máximo de tempo possível. Como se vê, a "iniciativa privada" também pode ajudar, mesmo sem dinheiro para investir. Uma das provas está em Jundiaí Paulista.

sábado, 21 de abril de 2012

O QUE OS OLHOS VÊEM NEM SEMPRE FAZEM O CORAÇÃO SENTIR


Existe um grupo na Internet (existem vários, este é um deles) que se preocupa com a história no Estado do Rio de Janeiro. Recebo mensagens deles e, embora não conheça muitos desses locais, são, sem dúvida, todos sobre os quais leio dignos de preservação pelo contexto e importância histórica que possuem.

Você conhece Nova Iguaçu? Pelo menos de nome, tenho certeza que sim. Pois é, ela se chama "nova" porque existiu uma "velha" Iguaçu - aliás, ainda existe. A "nova" se chamava Maxambomba e se desenvolveu a partir de meados do século XIX, quando a E. F. D. Pedro II (depois Central do Brasil) estabeleceu ali, então parte do município de Iguaçu, em 1858, uma estação ferroviária, grande novidade na época. Por causa disto, a cidade começou a crescer e, ajudada por um surto de cólera em Iguaçu "velha", teve para ela transferida a sede do município.

Maxambomba virou a Nova Iguaçu e Iguaçu ficou às moscas. Embora a E. F. Rio d'Ouro tenha construído ali uma estação em 1886, o estrago já estava feito. A cidade foi pouco a pouco sendo abandonada e as ruínas substituíram a velha cidade. Porém, é como sempre digo: construções antigas são muito bonitas, e continuam bonitas mesmo em ruínas. E, talvez por isso, muita gente concorda comigo e tenta preservá-las. Não estão, infelizmente, tendo grande sucesso, como se pode ver pela carta de um lutador, o Clarindo, enviada para a Diretora Geral do INEPAC, que equivale ao CONDEPHAAT em São Paulo:

"Servimo-nos da presente para comunicar V. S. a respeito de alguns fatos que estão ocorrendo no sítio histórico denominado “Iguaçu Velha” (antiga Vila de Iguassu), tombado pelo Estado. Recentemente, um pesquisador do nosso grupo esteve em visita ao local mencionado e presenciou a movimentação de uma retro-escavadeira trabalhando junto à torre sineira da antiga Igreja de N. S. da Piedade de Iguassu. Ao que parece, o proprietário (invasor) de um pequeno “sítio” estaria ampliando sua propriedade para bem perto da referida torre sineira. É importante lembrar que esse mesmo proprietário (invasor) se instalou por ali há algum tempo e já havia ampliado os limites de suas terras, o que já é considerado ato ilegal, uma vez que aquele sítio histórico é tombado e, moralmente, o seu verdadeiro proprietário deveria ser a Cúria Diocesana de Nova Iguaçu ou o Poder Público Municipal. Assim sendo, muito respeitosamente, solicitamos os préstimos desse conceituado instituto no sentido de vistoriar o sítio histórico de Iguaçu Velha (antiga Vila de Iguassu) e interceder junto à Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu para que tome as providências cabíveis ante à ameaça de por em risco a integridade física de tão importante bem cultural iguaçuano."

O fato citado por Clarindo é um apenas dos que acontecem em um local como Iguaçu. Outro frequentador e filho de ex-morador cita:

"Estive em Iguaçu Velho em 09/2010, visitando a fazenda e o túmulo de papai, no cemitério dos escravos, e o estado de tudo aquilo me deixou muito abalado. A gente que conheceu aquela área no passado, sofre com o abandono e a depredação de tão rico acervo histórico. Meu coração se constrange diante desse descaso, e até agradeço (por absurdo que possa parecer) que o velho Waldick não esteja mais vivo para sofrer, vendo que aquilo por que tanto lutou encontra-se nesse estado."

Embora este tipo de fato seja corriqueiro em nosso País, ele não deixa de ser grave e ameaçador. Os órgãos oficiais de preservação não tomam conhecimento nem se preocupam da forma que deviam em manter todos esses bens de forma adequada. Iguaçu velha é somente uma entre muitas cidades e vilas abandonadas sem que devessem sê-lo.

Infelizmente, é sabido que a maioria da população brasileira pouco se importa (e, dentro desse universo, existe gente que prefere que tudo isso vire pó, pois não passariam de "velharias inúteis") e em alguns casos ainda faz questão de desturie o que pode, com pichações, movimentos de terras, depredações, etc. Alguns alegam até que "não conheci o local antes, por que vou me importar com ele"?

É, realmente, nenhum de nós estávamos vivos quando Iguaçu era sede de município, ou quando Cabral descobriu o Brasil, ou quando São Vicente foi fundada por Martim Afonso de Souza, ou quando Mauá inaugurou a primeira ferrovia do Brasil com o Imperador Pedro II ao seu lado. Não devemos, então, conservar nada? Não devemos ter memória? E o INEPAC, não deveria fazer o que dele se espera?

O INEPAC não deve ter todos os recursos que desejaria e também, provavelmente, está, como outros órgãos governamentais estaduais, municipais e federais, cheio de gente não preparada para o serviço. Esses que não estão prejudicam demais os que estão, e por aí vai, fora o fato de estarem subordinados a mudanças políticas de última hora. Afinal, todos sabemos, cultura no Brasil é prioridade Z. Nem A, nem B. É Z, mesmo.

Outro fato é que vilas desse tipo, expostas a céu aberto e às intempéries, necessitariam de conservação constante. Isoladas dos núcleos urbanos, como as estações ferroviárias no meio do nada que tantas existem pelo Brasil, não têm pessoas próximas a elas para delas cuidarem. Isto é um problema, mesmo. Se as comunidades que moram próximas não se importam, quem se importará? Quem vive longe vive por inúmeros motivos. Talvez até quisessem estar por ali sempre para tomar conta. Se não o fazem, é porque ninguém é mágico. Tudo custa dinheiro. Milionários não vão doar parte de sua renda para salvar algo com que, ao contrário de países europeus, ninguém vai se importar. Triste.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

JARDINÓPOLIS: A HISTÓRIA AO VIVO


Minha primeira visita a Jurucê, distrito de Jardinópolis, SP, fez-me conhecer um ex-ferroviário da Mogiana, de nome Hélio Fávaro, muito simpático e que se tornou amigo: encontrei-o pelo menos mais duas vezes nos anos seguintes, sempre que ia a Jardinópolis. Hélio morava na casa onde serviu como telegrafista, depois de uma reforma geral nela e à sua volta. Ele nem titubeou no dia em que nos encontramos pela primeira vez na rua: aceitou ir a Visconde de Parnaíba e a Entroncamento, estações citadas abaixo, com uma imensa satisfação. 

Eu havia entrado no bar na antiga estação ferroviária de Jurucê à procura de informação. Era fácil perceber que aquela havia sido a estação, tanto como ver que hoje ela era um pequeno terminal de ônibus para aquele bairro afastado. No bar, o dono apontou com o dedo para o centro da praça em frente e falou: “Está vendo aquele senhor que está subindo ali? Ele trabalhou anos na Mogiana. Pode te responder o que você quiser”. Eu fui até ele, que, quando soube o que eu queria, deu um sorriso e falou, além de que se chamava Hélio, que me mostraria os lugares nos quais eu estava interessado e contaria algo sobre eles. Depois da rápida conversa – afinal, o que mais desejaria um ferroviário aposentado que pouca coisa tem a fazer, além de falar sobre ferrovias? – entramos no seu fusquinha e seguimos por uma estrada de terra, onde ele ia contando por onde passava a linha, onde o trem apitava, mostrando os resquícios do empedramento... isto por uns três quilômetros, até chegarmos a Entroncamento. 

Aí se podia ver algo realmente diferente. Entroncamento foi uma estação em forma de triângulo, construída em 1916 (o prédio original havia sido inaugurado em 1900), que servia como ponto de bifurcação para o tronco da Mogiana, que ali, alguns metros depois de cruzar o rio Pardo por uma bela ponte metálica, dividia-se em dois. À direita, seguindo para Batatais, Franca e cruzando o rio Grande até Jaguara, em Minas Gerais, no que se convencionou chamar de Linha do Rio Grande, e, à esquerda, para Orlândia e Igarapava, o chamado ramal de Igarapava. Eu olhava para a estação, caindo aos pedaços, mas ainda linda, e ele seguia falando: “ali era a sala dos passageiros, ali, era o depósito de malas, ali, a bilheteria...”. Depois, ele apontou para a ponte, ali ao lado, com uma tábua de madeirit impedindo a sua travessia para o lado de Ribeirão Preto, e diz: “a tábua está ali para impedir que mendigos e drogados passem para cá. Essa ponte foi construída em 1932, no final da revolução, para substituir a antiga, que havia sido bombardeada e que até hoje está no fundo do rio”. 

Ele mostra, então, as plantas que o rio carrega, prendendo em alguma coisa, muito próxima da superfície da água. Realmente, a velha ponte estava ainda ali, escondida sob o rio Pardo, quase setenta anos depois. Apontando para o outro lado, ele mostrou três ou quatro casas as quais eu não havia notado: estavam inteiras, mas totalmente cobertas e invadidas pelo mato. Casinhas bonitas, da antiga vila ferroviária: do chefe da estação, do telegrafista... Meu Deus, o que fizemos com a nossa história? Hélio, então, contava que a área tinha dono, mas também tem litígio de posse, e desta forma o dono não investia em nada por enquanto. A proposta é a conservação da estação, e eu pensei: espero que se resolva o litígio antes que nada mais haja para se conservar. 

Saímos dali, voltamos a Jurucê e seguimos por outra estradinha para uma fazenda, passando por duas porteiras que ele abriu sem problemas, chegando a mais uma estação, a de Visconde de Parnaíba. Esta tem história: aberta em 1886 em terras do Visconde, que era na época presidente da Mogiana e também do Estado de São Paulo, ela foi construída, assim como outras da Companhia, pelo engenheiro Brodowski. Foi aberta com o nome de Rio Pardo, mas com a abertura de outra estação, a de São José do Rio Pardo, também da Mogiana, seu nome foi alterado para homenagear o grande chefe, ao mesmo tempo que acabava com as destinações erradas de mercadorias, por causa do nome similar. Brodowski, por sua vez, era genro do Visconde bem como um dos engenheiros-chefe da Mogiana, tendo falecido poucos anos depois, ainda jovem. 

A estação seguinte à de Visconde levou, então, seu nome. A estaçãozinha ficava em frente à casa do atual administrador da fazenda, que, como várias outras do Estado, deixou de plantar café para se transformar num imenso canavial. Num ponto alto em relação à casa, e tendo ao fundo uma encosta, fica numa posição privilegiada e ainda tem árvores a seu redor. Foi depósito de materiais depois de ter sido desativada, mas agora estava vazia, embora bem conservada. O prédio compunha com a mata e a encosta uma paisagem muito bonita. Tinha dois andares, coisa não muito freqüente nos prédios antigos da Mogiana, e ainda era a mesma de sua inauguração, que teve a presença de todas as personalidades citadas e até do glorioso Imperador. E foi ali em frente, depois de termos entrado nela, andado à sua volta e a fotografado, que uma velha senhora que mora na casa disse a frase que causou arrepios: “isso aí foi construído pelo Brodósqui, imagine. É uma velharia, que não serve mais para nada. Estamos só esperando a Fepasa nos passar a papelada para botar isso abaixo”. Meu Deus, espero que a papelada nunca chegue. Aliás, a Fepasa nem existe mais. Mas demolir um prédio de mais de cem anos com essa história, para mim, é descaso demais. 

Fomos embora e o Hélio, que morava ao lado da estação de Jurucê, contando que foi ele que teve a triste incumbência de fechá-la para o tráfego, em 1973. Depois disso, ele ainda a viu tomada de mato até quase a altura do telhado, quando lhe retiraram os trilhos. Mais tarde, reformaram-na. E ele mora ao lado, na antiga casa do telegrafista, que ele comprou e ampliou. A casa ainda tinha vários detalhes originais e foi, segundo ele, construída por volta de 1930. O corredor por onde passava a linha, atrás da casa, ele conservou. Quem viveu a história sabe o valor dela. O Brasil precisa de muito mais Hélios. 

Em tempo: a linha do Rio Grande original foi extinta em 1970, no trecho entre Pedregulho e Jaguara, em Minas Gerais e além do rio Grande; poucos anos depois, o tráfego entre Franca e Pedregulho também acabou. O que sobrou, ou seja, o trecho entre Ribeirão Preto e Franca, onde ficavam as estações citadas acima, deixou de transportar passageiros em 1976. O último trem de carga circulou de Batatais a Ribeirão Preto em 1980. Os trilhos foram retirados em 1988. Helio faleceu há alguns anos. As estações ainda estão em pé.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A FRENTE PARLAMENTAR LUTA CONTRA O DESAPARECIMENTO DAS FERROVIAS PAULISTAS

A linha em Osvaldo Cruz, SP. Foto Douglas Franzo Hidalgo

Hoje, houve mais uma reunião - a terceira - da Frente Parlamentar em Defesa da Malha Ferroviária Paulista, comandada pelo deputado Mauro Bragato, de Presidente Prudente, que, mais uma vez, gentilmente me convidou para assistir. Estive lá, efetivamente.

Na reunião de hoje estava presente o presidente da ALL e um dos diretores - creio que de planejamento - que falaram sobre a atualidade da empresa e de seus planos de investimento. Nestes planos foram citadas obras de recuperação e melhoria das linhas de Boa Vista-Santos (a mais importante de São Paulo hoje em dia, sem dúvida), Araraquara-Pradopolis-Colômbia, ramal de Piracicaba e ramal de Juquiá. Os dois últimos estão em total abandono, sendo que o de Piracicaba será praticamente todo reconstruído com trajeto diferente (minha opinião: nunca). Também está sem utilização e abandonada a linha Pradópolis-Colômbia.

Nada foi citado em relação às linhas Bauru-Panorama e Botucatu-Presidente Epitácio, ambas subutilizadas. Nem da linha Botucatu-Bauru-Corumbá, que é bem utilizada em alguns trechos.

Pedro, o presidente, não explicou por que essas linhas não recebem manutenção alguma há anos. Um representante de Osvaldo Cruz, na linha Bauru-Panorama, entregou a ele fotografias tomadas nesta semana que mostram trilhos, juntas e dormentes podres na cidade, além de um trecho totalmente invisível pelo mato.

O presidente fez questão de dizer, por exemplo, que não tem responsabilidade por pátios e estações as quais não opera (sem dúvida) e que sua concessão não envolve trens de passageiros (o que parece que pouca gente que estava assistindo sabia). Perguntado sobre se havia algum problema com trens de passageiros de terceiros em sua linha, disse ele que "de forma alguma, eles darão toda a cooperação possível" para que tal se concretize. Sabemos que não é bem assim.

Dois dos presentes, um da região de São Roque e outra de Conchas, estavam bastante preocupados com um trem turístico na região. Deviam se preocupar com outras coisas. A ALL contou sobre o problema com o trem turístico do Pantanal, que teve um trecho suspenso por falta de passageiros. Parece que isto é verdade, pelo menos em parte. O que causou realmente o baixo número de passageiros?

A maior cobrança veio de pessoas de prefeituras do interior, que dizem que a ALL não se interessa pelas cargas de diversas regiões e que na maioria das vezes não dá retorno algum às consultas - em alguns casos, nem se consegue fazer o primeiro contato. Todos, inclusive o deputado Bragatto, disseram que a ALL deveria ter um escritório de representação no Estado. Eu concordo, de longe. Não sei se seria algo somente de fachada (não duvido), mas faria sem dúvida com que o relacionamento melhorasse. Afinal, São Paulo tem mais de três mil quilômetros de linha nas mãos da ALL - mais de 15% da quilometragem das linhas brasileiras.

Fiquei de boca calada. Não gosto da ALL nem aprovo a forma pela qual ela atua não somente em São Paulo como nos estados do Sul. Eu não teria certamente uma conversa agradável com pessoas que são educadas como falam, mas que falam de modo apenas "profissional", não se comprometendo a nada, apenas em "tomar providências". Nem tenho poder de cobrar nada.

Quanto ao presidente, ele ficou de resolver todos os problemas apresentados, pois "deve haver uma falha". De qualquer forma, ele, diretamente ou indiretamente, culpou o governo federal, dono da concessão, pelos atrasos nos cronogramas, citando IBAMA, DNIT etc. Ele até está certo, mas em parte: afinal, como o interesse dele não é grande nos investimentos (afinal, estão ganhando dinheiro com a pouca carga que transportam), ele também certamente não pressiona o suficiente para ter as aprovações mais rapidamente.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

CIDADES SATURADAS

Barreiras de predios já existiam nos anos 1950 em São Paulo...

É, acho que ninguém vai apresnder, mesmo. Nos últimos dias tenho visto inúmeras tentativas de se expandir as áreas para construção de edifícios residenciais e/ou comerciais em diversas cidades brasileiras. Paulistas, principalmente.

Acho que o exemplo da cidade de São Paulo não está sendo visto pelos nossos dirigentes políticos, muito menos pelas construtoras e menos ainda pelo povo em geral.

Na capital paulista, a investida é contra uma área no nobre bairro de Vila Nova Conceição, bem em frente à judiada mas arborizada praça Cidade de Milão e o Parque Ibirapuera. Também se arreganharam as unhas contra os velhos depósitos ao longo das linhas da antiga E. F. Santos a Jundiaí - neste caso, por que em vez de se demolir tudo e construir torres, não se reforma sem aumentar as áreas construídas, o que já existe? Isto evitaria a geração de toneladas e toneladas de entulho e também a construção de barreiras de edifícios super-populosas. Seriam, como se diz, para aproveitar a infraestrutura de transportes à beira de casa. Para que? Os transportes atualmente existentes estão saturadíssimos. Vão construir linhas adicionais no percurso? Claro que não. Não há espaço para tanto.

Em São José dos Campos, fala-se em liberar nais áreas para construção e também o gabarito de altura dos novos edifícios (leia-se número de andares). Em Bertioga, a liberação de terrenos quase virgens à beira da praia. Em Embu (hoje chamado, sabe-se Deus por que, de "Embu das Artes"), querem agora a construção de corredores industriais no meio das florestas tombadas. Para que?

O exemplo de São Paulo-Capital, repito, realmente não foi assimilado.

E ainda há a velha ladainha: "construção dá emprego e fabricar automóveis também". Certo, não posso negar. No entanto, estas duas linhas industrias estão começando a sufocar as cidades. Que tal, como já falei aqui uma vez, parar com a construção de novos prédios e reformar o que já existe? Será que isto também não geraria ou manteria o emprego?

Para cada encheção de saco que existe hoje para construir uma linha férrea (transporte sobre trilhos, sabidamente o melhor transporte que existe), são liberados zilhares de automóveis nas ruas pelas fábricas que não precisam pedir licenças ambientais.

Não estarei vivo daqui a cinquenta anos. Será que as cidades estarão melhores? Ou estarão saturadas e semi-abandonadas, com ruínas de edifícios aqui e acolá e servindo de moradias para drogados que, indo a coisa do jeito que vai, sem nenhum controle da praga (um dos candidatos a prefeito de São Paulo afirmou uma frase lapidar outro dia: ele teme que os centros de atendimento a usuários de crack se tornem manicômios. E por isso, não se faz nada? Por causa de uma possibilidade de insucesso, risco que existe em qualquer empreendimento que seja?), o número de drogados tente a aumentar cada vez mais.

E digam o que disserem, quem é usuário de crack nunca se cura... infelizmente.

terça-feira, 17 de abril de 2012

JOÃO E A MÁQUINA DE DISNEY

A estação de Loreto nos anos 1970. Tinha, então, 72 anos de idade. Foto Plinio da Silva Telles

Quando eu estive pela primeira vez em Loreto em 1996, já era tarde demais. O lugar já estava abandonado, e a estação havia sido demolida. O mato cobria toda a área, somente os trilhos ainda deixavam rastros do que um dia foi o ramal ferroviário de Descalvado. Eu fiquei decepcionado, pois as indicações que eu tinha de pessoal da cidade de Araras me levavam a crer que ela ainda estava por ali: somente sobrava junto aos trilhos um prédio pequeno, antigo, que depois descobri ter sido a escolinha da vila.

Continuei tentando obter mais informações sobre a estação. Pouco tempo depois, por intermédio de um amigo comum lá de Araras, eu conheci o João. Ele foi muito gentil e contou-me que nasceu e viveu muitos anos em Loreto, tendo, ao final, me cedido duas fotos antigas da estação, uma delas com a locomotiva chegando, vindo de Araras. A foto, sem data, dava a impressão de ter sido tirada por volta dos anos 1920 – uma suposição, apenas. Era bonito o prédio. O beiral do telhado era de madeira trabalhada e havia várias árvores ao redor. João me mostrou também fotografias das festas que todos os anos se realizavam na vila, em volta da igreja. Realmente, havia muitas pessoas, que, se não eram dali mesmo da vila, vinham de fora, em trens especiais cedidos pela Paulista. Era um tempo que todos procuravam se ajudar, afinal, ali, muita gente era empregado da companhia.

Menos de dois anos depois, os trilhos se foram, vendidos para levantar dinheiro para pagar as dívidas da então moribunda Fepasa. Consegui uma foto de 1986, que mostrava a estação, já no mais completo abandono. A demolição veio depois disso, portanto. Mas aquela foto da estação com a locomotiva me impressionou, e eu perguntei à minha irmã, que é pintora, se ela pintaria um quadro a partir da foto. Ela disse que uma prima nossa seria mais indicada para isso, e algum tempo depois, a Célia – esse era seu nome – me mandou o quadro, desenhado a carvão, muito bonito. O desenho ainda ficou um bom tempo guardado, até que, alguns meses atrás, resolvi emoldurá-lo.

Foi aí que minha irmã me disse que havia um outro quadro, quase igual – na verdade, um esboço feito pela Célia e que não havia lhe agradado, tendo ela o deixado de lado. Ele era um quadro um pouco mais simples, pois não havia sido acabado. Logo depois, eu fui até Araras e dei este último, também emoldurado, para o João. Ele pareceu gostar muito dele. Mostrou-me, no quadro, o local em que mais tarde a casa em que viveu seria construída. Duas semanas depois, novamente em Araras, fui outra vez visitá-lo, quando ele comentou que havia gostado demais do quadro. De repente, ele se levantou e me pediu que fosse com ele até Loreto, tendo ele levado junto a sua máquina fotográfica. Loreto era perto, uns cinco minutos de carro. Chegamos e descemos.

Desolação total, como já sabíamos. Ele me mostrou a igreja, fechada, e voltou a falar das festas, que não se realizam mais, há cerca de trinta anos. A escolinha, fechada e abandonada, os dormentes, ainda no lugar, sem os trilhos. Da estação e do armazém, somente restaram o piso e a plataforma. Ele tomou a máquina e tirou uma foto, do mesmo ponto do qual aquela do quadro havia sido tirada. Entramos na área onde um dia esteve o armazém, e João parecia ver os sacos de açúcar que ele e os amigos galgavam quando crianças, para ficarem deitados sobre eles e, lá do alto, observarem o carregamento dos vagões.

A sua casa, na frente da entrada da estação, havia sido vendida e estava agora bastante descaracterizada e já sem o velho pomar. Aliás, fora a casa, a escolinha e a igreja, pouca coisa restou do outrora movimentado vilarejo. O João estava bastante emocionado, mas nada disso era novidade para ele, que costuma às vezes passar por ali. Na verdade, havia algo que ele nunca havia percebido: que a plataforma ainda estava lá, coberta pelo mato, pois estas, de pedra, raramente são demolidas. Foi aí que eu me lembrei de uma história do Mickey, de Walt Disney, que eu li quando criança, há quase quarenta anos: o ratinho havia conseguido uma máquina fotográfica que tirava fotos do passado, desde que ela utilizasse um filme especial. No fim, depois de várias fotos, o filme acabou e não havia outro. Em Loreto, João tinha o filme – suas memórias – mas não tinha aquela máquina. Entramos no carro e fomos embora com nossas lembranças.

Isto já foi há pelo menos dez, onze anos. Hoje, sei que a área de Loreto, por onde passavem os trilhos e havia as plataformas da estação e do armazém, a escolinha, tudo foi arrasado para ser feito um loteamento residencial. Nem parece que, um dia, trens passaram por ali.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

PIRACICABA, 3 DE JANEIRO DE 1916

Minha avó Maria, seis anos antes de receber a carta deste texto.

Trecho de carta (abaixo) que meu avô mandou a minha avó em 1916. "Mariinha" era como às vezes ele chamava minha avó Maria. Eram noivos e se casariam um ano e meio mais tarde. Sud nessa época morava em Porto Ferreira, cidade de minha avó, onde era professor primário. Ele sempre passava parte das férias escolares com os pais, que moravam então em Piracicaba.

Sida, Asmara e Brazilina eram suas irmãs. Leo era Leo Vaz, grande amigo. Os cinemas de Piracicaba da época são retratados aqui. O trem era o da Paulista, que passava por Limeira e dali Sud pegava uma condução (provavelmente, nessa época, um tilburi) para Piracicaba. Ainda não existia o ramal de Piracicaba da Paulista.

Piracicaba, 3 de janeiro de 1916

Mariinha

(...) trem que passa em Limeira ás 10 e 15, porque é o único que serve ao Leo. (...) Entreguei a Sida e Asmara o bilhete em que lhes agradecias a remessa de photographias. Asmara e Brazilina não quizeram se photographar. Mas se fizeres muita questão mando-te a do velho! (...)

Queres vir commigo ao Ideal, amanhã, assistir ao Pequeno Rabequista? O cinema é quente como uma zona tórrida, as fitas que passam, em geral, não prestam e são velhas, não vai quase moça nenhuma, mas há uma orchestra tão boa, tão suave e tão afinada que eu deixo de ir ao Polytheama, que é o cinema chic e é do Jornal, para ir ouvir Dutra e o seu violino, Astolpho e o seu piano e Isotides e a sua flauta. Queres vir?

E por hoje é só. Lembranças a todo o pessoal, inclusive os aggregados, e um abraço do teu noivo que te beija humildemente as mãos – Sud

sábado, 14 de abril de 2012

AS NUVENS NEGRAS DE 1912

Cédulas de mil-réis que circulavam pelo Brasil em 1912

O que ocorria há cem anos? Claro, o Titanic afundou. Já estou cansado do caminhão de melancias (melancias, não: Titanics...) que me tem jogado a mídia nos últimos dias sobre o assunto. Então, lembrei-me de outras coisas com relação às minhas pesquisas usuais e resolvi aqui colocar.

Há cem anos, 1912, eram inauguradas dezenas de estações e diversos trechos de linhas férreas pelo Brasil afora. Especificamente nos Estados de São Paulo, de Minas Gerais e do Mato Grosso do Sul (na época, era Mato Grosso), foram inaugurados: o trecho entre as estações de Guaxupé e de Itiguassu, passando por Guaranésia, no ramal de Passos da Mogiana, em Minas; as estações de Monteiros e de Mendonças, no prolongamento do ramal de Jataí da Mogiana, hoje desaparecido; o trecho entre Amália e Cajuru, do ramal de Cajuru, também da Mogiana e também desaparecido.

Também foram abertas estações da Companhia Paulista no trecho entre Colina e Barretos, de nomes Palmar e Frigorífico; Izar e Posto Rangel, na E. F. do Dourado e, também nesta ferrovia, parte do ramal de Jaú-dourado, entre Posto Rangel e Itapuí - então chamada de Bica de Pedra; na linha principal da E. F. Araraquara, foram abertas as estações de Cedral, Engenheiro Schmidt e São José do Rio Preto; na E. F. Funilense, as estações de Conchal e de Pádua Salles.

Além disso, os prédios das já existentes estações de São Carlos, Dois Córregos e Americana foram inaugurados ñas suas versões atuais, desaparecendo os prédios antigos. E, finalmente, foram abertos dois trechos da E. F. Noroeste do Brasil no Mato Grosso, um entre Três Lagoas e Água Clara, outro entre Pedro Celestino (hoje Imbirussu) e Porto Esperança, que seriam unidos dois anos depois, passando por Campo Grande.

Foram, portanto, entregues nessa época quilômetros e quilômetros de linhas férreas pelo país. Ainda houve outras entregas de trechos em outros estados nesse mesmo ano, não mostradas aqui. Bem diferente de hoje, onde muito se anuncia e pouco se constrói.

Em São Paulo, a cidade não contava ainda com mil automóveis pelas suas ruas, mas em compensação ela era cortada por inúmeras linhas de bondes elétricos.

Meu avô Sud Mennucci, sempre citado neste blog, começou o ano como professor primário em Piracaia e terminou em Dourado. Na primeira ele chegou a cavalo e na segunda, de trem. A linha férrea para Piracaia somente chegaria lá no ano seguinte. Sua futura esposa, Maria, a qual ele ainda não conhecia, ia e voltava todos os dias de trem de Porto Ferreira a Pirassununga, para estudar na Escola Normal de lá. Já meu avô paterno Hugo Giesbrecht estava se formando, terminando o terceiro ano do que hoje se chama segundo grau, no Colégio Dom Pedro II no Rio de Janeiro, para tentar iniciar uma faculdade de engenharia no ano seguinte. Sua futura esposa, que ele ainda não havia conhecido, Rosina, ainda brincava com bonecas em Joinville.

Lá no sul do país, irrompia a terrível Guerra do Contestado. No norte de Mato Grosso, hoje Rondônia, a ferrovia Madeira-Mamoré era entregue pela Brazil Railway depois de anos e anos de construção e muitas mortes. Na Europa, nuvens negras começavam a se espalhar pelo continente com a eclosão da Segunda Guerra Balcânica, prenúncio da Grande Guerra que chegaria dois anos depois, mudando completamente o mundo de então.

terça-feira, 10 de abril de 2012

UMA CARTA DE LEO VAZ A MEU AVÔ - HÁ CEM ANOS

Leo Vaz (esq.) e Sud no Parque do Guapira, em 1920

Monte Alegre (1) – 23/9/1912

Caro Sud (2).

Abraços.

Já andava, ha dias, com a penna (3) na mão para repetir a dose enviada na minha ultima carta, suppondo que a não tivesses recebido por teres sahido de Piracicaba antes que ella lá fosse ter. Mas, antes que o fizesse, cá veio ter a tua carta de 28. Mais uma razão pois para por de parte a indolencia e executar a ideia.

Foi para mim uma surpreza ver no “Jornal” e na “Gazeta” a noticia da tua nomeação e partida para Dourado (4). Porque foi esse um projecto de que nunca me fallaste e que eu não suspeitava siquer que tivesses na cachola. Porque diabo abandonaste a Piracaia (5)? Julgava-te definitivamente installado na Pedantopolis onde me parecia estares muito a gosto de teu genio mordaz e ironico: - tantos typos... É verdade que delles ha em todo o globo e, por certo, não os encontrarás em menor quantidade nesse Dourado, que por signal não sei onde fica e vou consultar a Geographia para descobrir a estrada de ferro que ahi vae ter.

Tens razão quando affirmas que conheço perfeitamente esse nosso proximo... Mormente agora que vim dar neste lugarejo onde esse senhor encontra todas as condições favoraveis para florescer. Tal qual como o da tua descripção, ha aqui um proximo adoravel. Desses mesmos que chegaram, em materia religiosa á nobre conclusão de que “a religião é indispensavel, porque é um freio!...” Mas eu me fiz accessivel a todas estas boas pessoas entre as quaes me divirto, observando-as em todas as faces da sua banalidade. De resto, teem para mim a serventia de se fazerem optimos parceiros para o bilhar, onde me proclamaram, graves e profundos, o primeiro taco! E acham, de certo, que me proporcionam, com isso, a suprema felicidade! Imagina agora, tu que o sabes, onde vão ter as aspirações litterario-philosophicas de um mortal, num recanto destes – na ponta de um taco!

Resta-me porem o consolo do trato diario com os nossos amigos invariaveis – os livros. E por fallar em tal, aproveito a occasião para completar a digestão de alguns que acabo de ler e dos quaes sinto necessidade de fallar com alguem que me entenda. E desses alguens bem conheces a abundancia...

Li, como ja te fallei noutra carta, as “Notas” de Eça. Deste livro nada tenho a accrescentar, pois que ja bem me conheces a opinião sobre o autor. A proposito – tinhas me promettido collaboração para o artigo sobre Eça, publicado pelo “Jornal” e, afinal vi-o sahir tal como o mandei. Porque te abstiveste de completar a parte referente ás obras que me faltam ler? É verdade que o mandei um pouco atrazado; mas, enfim, isso não constitue, absolutamente, um obstaculo.

Pois, palavra que não achei mais graça no artigo, sem a tua ajuda, porque, certo de que o farias, deixei ao teu cuidado as ultimas demãos. Mas é claro que alguma razão tiveste para assim proceder, portanto, vamos adiante. Li a “Origem do Homem” de Haeckel. O resultado dessa leitura, bem como da ultima que fiz da “Antiga e Nova Fé” de Strauss, foi o dar base scientifica ou philosophica a concepções velhas acerca dos factos e das coisas do Universo, concepções que, talvez por intuição, já eu tinha, como sabes, de me ter ouvido já, como sucedeu com Büchner e outros de que me fallaste, ha tempos, em cartas. A respeito porem, de Strauss, não posso deixar de te communicar a minha má impressão, vendo um allemão tão infantilmente allemão, ao lado do philosopho.

Como julgo que se deu comtigo, foi para mim uma perfeita descahida a ultima parte dessa obra de Strauss em que elle se põe a prégar a monarchia e a endeusar a Allemanha, os allemães e, synthese de ambas as cousas – os Hohenzollern (6). Lembrei-me daquella passagem de Eça, quando diz existirem na Allemanha escolas philosophicas cujo fim é explicar, analysar, decifrar e, sobretudo, impor o Kaiser ás consciencias... Com effeito, depois de se manter tão bem na primeira parte do livro, Strauss, para mim, infantilisou-se saxoniamente. Talvez o sangue latino seja quem me leva assim a fazer tal juizo ao autor que não perde vasa para depreciar o carater dos franceses. Seja! Mas si é esse preconceito de raça que me domina neste caso, elle é sobremaneira desculpavel diante do chuvinismo estreito e tolamente ingenuo da parte de um philosopho da envergadura de Strauss.

Tambem não pude tragar o traductor da obra que, a todo instante oppõe notas aos conceitos do autor, levado por um tambem estreito sectarismo positivista. Depois desta leitura accendeu-se-me o desejo de ver o mesmo assumpto tratado por um latino, francez de preferencia. Indica-me pois, tu que tens lido mais do que eu nesse campo, um autor que, pelo menos seja razoavel.

Quanto ao Positivismo, já que nelle tocamos, sempre o considerei uma doutrina tão secca, arida e estreita como toda outra religião e que, por isso mesmo que é uma Escola, me repugna ao espirito, porque sempre tive uma invencivel tendencia ao Livre-pensamento, mas tomado na sua exacta expressão, isto é, completa independencia no modo de encarar e resolver os problemas, sem me filiar a doutrina nenhuma, embora bebendo os principios naquellas que me parecem mais justas.

(1) Leo Vaz vivia nessa época em Monte Alegre, cidade próxima a Amparo, SP. Leo foi jornalista e escritor, nascido em Capivari, SP.
(2) Sud Mennucci, meu avô.
(3) Não somente esta palavra, mas muitas outras neste texto foram escritas no português de 1912. Letras duplas, falta de acentos e outras diferenças eram comuns.
(4) Dourado foi a terceira cidade onde Sud lecionou, após Piracaia e Cravinhos.
(5) Piracaia, cidade próxima a Atibaia, que Leo Vaz cognominava "Pedantopolis".
(6) Dinastia a qual pertencia o Kaiser Guilherme II da Alemanha, reinante na época.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

MOCOCA NO MEU BINÓCULO


“Levantei-me cedo nesse dia. Deixando o ambiente morno de minha casa, de portas e janelas fechadas, atirei-me à neblina de uma manhã invernosa, dirigindo-me à estação da Mogiana. A vida de Casa Branca despertava-se ali. O barulho das máquinas, do carregamento de mercadoria para os vagões, o vozerio de um bate-papo vespertino, caracterizam seus primeiros bocejos. Algumas pessoas, envolvidas em couraças de agasalhos, defendendo-se da imagem impertinente, passam afoitamente por mim, à procura de um lugar no carro, que leva uma placa: Canoas. A máquina do nosso trenzinho arrastava um vagão, uma plancha repleta de lenha, um carro de passageiros subdividido em duas partes, correspondentes à primeira e segunda classes; um outro vagão servindo de escritório e oficina de uma companhia de publicidade. Nosso meio-carro transformou-se, dentro em pouco, numa improvisada sala de visitas, sendo que a maior parte das pessoas, entretidas em conversas, pertencia ao corpo funcional do Asilo-Colônia-Cocais. Em poucos instantes chegávamos àquela localidade, ficando, daí por diante, privado da companhia de tão amáveis pessoas. Desceu aquele bloco de gente, quase num só ímpeto, numa algazarra de passarinhos contentes, que não ajuntam em celeiros.

A máquina suspirou... O trenzinho partiu de novo. Ia lerdo, parando de estação em estação, comendo e expelindo, penosamente, uns grãozinhos de mercadorias pondo na morosidade dos gestos de metal a alma do funcionário público.

Seis horas depois, Mococa.

Mococa, no meu binóculo!...

Que esplendor de céu! Quanta luz na terra! O sol focalizava, esplendidamente, a beleza impressionante do painel, onde se desenhava, em linhas perceptíveis, Mococa à distância. Dois braços abertos, de ruas, recebem carinhosamente o visitante, conduzindo-o à parte central da cidade, que não se conformou em permanecer no perímetro estreito da baixada; atirou-se, morro acima, num amontoado de construções, separadas, aqui e acolá, por enormes ilhas de frondosas palmeiras. As torres das igrejas levantam-se além, muito além dos telhados em aglutinação. (...)”.

O texto acima, transcrito de um jornal de Casa Branca, “O Município”, de 24 de junho de 1944, portanto há 68 anos, e escrito por Apolônio de Tiana, encompridava-se descrevendo a cidade de Mococa, mostra que uma viagem num trem misto na época, de apenas 63 km, indo de Casa Branca a Mococa, podia demorar seis horas!... Era esse o ramal de Mococa, que terminava sete quilômetros depois, em Canoas, à beira do rio.

Ele descreve bem a chegada a Mococa, que tinha a sua estação no ponto mais alto na entrada da cidade: dela se podia ver boa parte dela, no vale e além dele, como o autor descreve. Hoje, as filas de palmeiras ainda estão lá; os trilhos não. A antiga estação, descaracterizada como depósito da Prefeitura, cercada por grades e muros no meio de outras construções, ainda está hoje junto a uma das entradas da cidade; mas a magia do trem, descrita acima e em vários outros relatos, esta desapareceu para sempre da região. Eu me lembro de meu filho, que, indo a Mococa anos atrás, perguntou a um morador onde ficava a antiga estação ferroviária, e a resposta foi algo como “mas aqui nunca teve trem!”.

E, quanto à estação de Canoas, mais à frente, foi transformada em estábulo... mas ainda está lá.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

CASA BRANCA

A estação de Casa Branca - a "velha" - em 2008

Outro dia, conversando com amigos, saiu o nome de Casa Branca. Cidade que conheço, embora estando lá não frequentemente. O suficiente, entretanto, para gostar muito dela. Simpática, pequena, agradável e calma, agradaram-me bastante as minhas sempre curtas estadas em Casa Branca.

Pelo que li sobre ela, já foi mais importante e movimentada no passado. Um dos principais centros da Mogiana, de lá saía o ramal de Mococa, que levava a São José do Rio Pardo, Mococa e Guaxupé. Grandes armazéns de café, que trouxeram anos de glória à cidade, até hoje estão lá, infelizmente abandonados. Mas houve tempos em que houve que se construir uma estação auxiliar na entrada da cidade, a qual chamaram de Papagaios, dado o enorme movimento de cargas que sufocava a estação principal. E esta ficava na parte mais alta da cidade, longe do centro, e para alcançá-la com mais facilidade, foi construída uma linha de bondes, puxados a burro, dois deles, que levavam pela rua principal os passageiros da praça central à estação. Na volta, o bonde descia sozinho, e os burricos eram soltos das rédeas para também sozinhos retornarem à estrebaria na rua de trás. Eram, realmente, outros tempos.

Mas o tempo passou, e os trens da Mogiana acabaram, a própria Mogiana acabou. Antes disso, porém, a estação foi transferida para fora da cidade, para o Desterro, para uma melhor facilidade de circulação dos trens. Depois acabou o ramal de Mococa, foram-se os trilhos; foi-se Papagaios, demolida; foram-se os trens de passageiros, a estação velha virou sede da Prefeitura e a estação chamada por muito tempo de estação nova ficou às moscas, foi incendiada e saqueada. Depois reformada.

Acabou-se o movimento de Casa Branca. Mesmo assim, uma amiga dizia que embora não conhecesse a cidade, gostava dela. “Acho que deve ser algo relativo ao nome da cidade - sonoridade, ou semântica - porque eu também sempre senti algo especial por Casa Branca... nunca estive lá, quer dizer, passei por ela uma vez, numa viagem de trem quando ainda era bebê, só que cresci ouvindo meu pai falar que estava escalado para levar um trem para Casa Branca, ou que tal composição estava partindo de lá, enfim... de tal modo que se entranhou na minha cabeça esta estação em particular, tanto que quando vi fotos dela há alguns meses, no estado de abandono, parecia que as imagens não batiam. Acho que acabei criando uma Casa Branca particular...”, Um grande amigo, o Rodrigo, por sua vez, comentava que tinha “um gosto especial por esta cidade. Quando tive meu primeiro contato com o trem, em Evangelina, creio que em 1978, lembro-me que o maquinista me disse que o trem em que eu estava ia para Casa Branca. Bem, durante anos e anos eu falava que queria morar em Casa Branca. Essa era a minha Canaã... engraçado... coisas de criança”.

E então eu me recordei do velho Jorge, já falecido, um senhor que embora nascido em Porto Ferreira, cresceu em Casa Branca. Foi enterrado lá. Na sua cidade. Casa Branca, da qual ele sempre falava quando eu conversava com ele e ele dizia que “isto me faz lembrar um caso que aconteceu comigo quando eu morava em Casa Branca...” e lá ia ele contando mais uma história, que eu ouvia e não anotava... uma pena. Aécio, seu genro, quando ouvia essas histórias e dizia que “eram conversa para fazer lagartixa cair da parede”... O velho Jorge ria e continuava contando.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

PINHEIROS - ONTEM E HOJE (OU: COMO SE INVADE UM PÂNTANO)

Sara Brasil - 1930

Duas cenas do mesmo local em São Paulo: na divisa dos bairros de Pinheiros (ao norte) e de Jardim Paulistano (ao sul), como o local mudou em 80 anos. O mapa de cima é de 1930. O de baixo, de 2012.
Google Maps - 2012

Repare que o "emissário de esgotos" tornou-se a "rua do Emissário" - é a rua em diagonal que está sem nome no mapa de 2012 e que continua do outro lado da Eusébio Matoso com o nome de Jorge Rizzo. Repare nas outras modificações...

terça-feira, 3 de abril de 2012

BERTIOGA APARECEU NO JORNAL DE DOMINGO

Segundo a foto do jornal, esta seria a frente do terreno ameaçado

Eu mal conheço Bertioga, no litoral de São Paulo. Estive lá quando criança, lembro-me vagamente da saída da balsa que era mais ou menos no que era a cidade praticamente inteira. Anos 1960. Depois, cresceu, claro, mas não tanto assim, Depois que foi aberta a ligação por terra com Santos e Guarujá - antes havia de se atravessar por balsa, ou vir pela praia, apanhando muito, desde São Sebastião, descendo a serra antes vindo de São José dos Campos - e a Mogi-Bertioga, lá por 1982, aí sim houve condições para crescimento.

Em 1991 virou município, separando-se de Santos. Aí, a filosofia é sempre crecer, crescer, crescer. Mas a quem interessa crescer? A população ganha o que com isso? Bom, em princípio, ela passa a se suprir na própria cidade em vez de ter de viajar para Santos ou Guarujá - estou falando no caso de Bertioga. Depois, se o dinheiro começa a entrar por arrecadação, seja qual for o motivo, as ruas são asfaltadas, o esgoto chega, o suprimento de água melhora, a eletricidade e a telefonia crescem... mas o dinheiro tem de vir de algum lugar. Em muito municípios que são criados, o dinheiro vem de fundos federais para sustentar uma cidade que não tem indústria, a agricultura é fraca, o comércio também, o turismo não existe...

Em Bertioga sempre existiu turismo, ainda que raquítico até os anos 1980. Afinal, o acesso às praias era somente para aventureiros. Depois, veio a Riviera de São Lourenço, maia afstado do centro, que povoou toda uma praia de pesacadores. Aí, a cidade começou a crescer no sentido dela.

Tudo isto estou falando sobre a reportagem publicada em O Estado de São Paulo de domingo, dia primeiro de abril. Porém, por ela se vê que a população da cidade monta a quase 48 mil pessoas e que, com a possível construção de um empreendimento num dos poucos lugares ainda desertos entre a cidade velha e a Riviera, ela pode até duplicar. E isso me fez pensar: isto é bom ou é ruim?

A construção de um empreendimento desses, um conjunto de prédios que vai arrasar com 25 % de mata nativa junto à praia, mantendo teoricamente os restantes 75%, trará novos habitantes à cidade, tanto os que podem pagar pelos apartamentos, quanto os que vão tentar viver mais modestamente desse aumento de população mais aquinhoada.

Se fosse em São Paulo, a resposta para a pergunta "essa cidade precisa mesmo disso?", a meu ver, seria não, sem maiores análises. Mas em Bertioga, qual é a resposta? Em minha opinião, poderia até ser sim - ou melhor, bom, pode ser bom para Bertioga - mas isto é realmente analisado hoje pela prefeitura local?

Geralmente, prefeitos e vereadores querem que a cidade cresça para terem mais votos e mais dinheiro para dividir para investimentos de infra-estrutura, que realmente são bons para a cidade, e de outras coisas que muitas vezes somente interessam a uma quantidade limitada de investidores. Por isso, investimentos com os desses prédios não são analisados realmente a sério.

A outra pergunta é: se a cidade precisa disso, precisa ser ali onde se quer fazê-lo? As consequências para a ecologia são ruins. O local é bonito e deveria permanecer público e mantido no máximo possível como virgem. Porém, o terreno é particular - pode-se influir nisso sem prejudicar os seus donos? A mata que se manterá depois das construções dará acesso apenas para os moradores do local e não para as pessoas que hoje podem usufruir do lugar, que, aparentemente, permie a passagem de quem quiser.

Conclusão: para realmente se investir no desenvolvimento de uma cidade, há que se analisar muito mais do que a permissão para se construir num lugar vazio. Tudo deveria depender da real previsão de ganho para todos os habitantes. E isso nunca é feito. Apenas se diz que será feito.

domingo, 1 de abril de 2012

OS TRILHOS DO MAL (VIII): SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

Mato onde antes passava o Cruzeiro do Sul e o Santa Cruz

Enquanto eu estava no hotel em São José dos Campos nesta última terça-feira, o céu desabou sobre a cidade. Chuva na horizontal e, ainda por cima, vista do quinto andar do prédio na avenida João Guilhermino, esquina da Nelson D'Ávila. Bem no centro da cidade, onde a chuva, que caiu no município todo por volta das cinco da tarde, caiu mais forte no centro e mais tranquila nas partes baixas da cidade.
Rua João Guilhermino inundada

Como consequência, a rua João Guilhermino, exatamente embaixo de onde eu a tudo assistia, inundou. Bocas-de-lobo sujas, com certeza. Como em São Paulo e em outras cidades, ninguém se preocupou em limpar preventivamente. Tanto que, até pelo menos dez horas da noite, embora a luz já houvesse retornado e a chuva tivesse parado quatro horas antes, a inundação pouco diminuiu. Como dava para os carros passarem, jogando muita água para as calçadas, o trânsito não foi tão afetado ali. Na mesma rua, no sentido da avenida Nove de Julho, três árvores caíram sobre a posta, interrompendo pelo menos uma das faixas de tráfego. Isto sim segurou o trânsito.

No dia seguinte, fui ver como estava o leito da linha antiga em São José, que eu sabia que já havia sido retirada. Fizeram-no, claro, para construir ali uma avenida (claro! Prefeitos adoram avenidas). Fui até o ponto onde o Banhado está para começar, mais ou menos no lugar onde até 1925 a linha mais antiga ainda começava a sua subida para a estação velha, lá no alto.

O pequeno viaduto que dava acesso sobre a linha para o bairro Esplanada já não serve para nada: certamente irá para o chão, mas, como arrancaram os trilhos e nem começaram a fazer qualquer coisa, ainda existe uma vala que precisa ser aplainada embaixo do viadutinho. Do outro lado dele, sentido estação tecelagem Parahyba, só mato; do lado "de cá", está limpo. Vêem-se ainda as pedras de lastro da linha ao lado da pequena rua que a acompanha.

Eu (quem sou eu?!?!) sugeri neste mesmo blog, há mais de ano, que se usassem as linhas da variante de 1925, essas que foram retiradas, para se fazer um VLT para São José dos Campos. Há dias, um leitor me disse que esse VLT não seria viável, pois ligaria o nada a lugar nenhum, "como o de Campinas". Que ele me permita discordar. O VLT seria um meio não-poluente (se fosse eletrificado) ou pouco poluente (se fosse a diesel ou gasolina) de ligar o oeste ao leste do município sem passar pelo centro da cidade. E com interligações com eventuais outras linhas de VLT ou de ônibus, fato inevitável, seria viável, sim. E a linha poderia ser utilizada como leito de um trem regional unindo Jacareí e São José e, se fosse permitido usar a linha da MRS, seguir pelo menos até Taubaté ou mesmo Pindamonhangaba com esse trem. Com certeza, valeria a pena para os usuários. Alguém pensa nisso? Não. Só o sonhador aqui.
Trilhos arrancados (à direita, na foto) e o viaduto ao fundo

Há poucas semanas publiquei aqui o despacho do procurador do Ministério Público Federal de Ribeirão Preto, que dizia serem absurdas as reivindicações da Prefeitura dessa cidade de retirar os trilhos do ramal de Sertãozinho para, entre outras coisas, construir uma avenida. Mais ainda: se não havia plano nenhum aprovado de construção de avenida no leito ou de qualquer outra coisa, por que gastar dinheiro retirando trilhos? Que se aguardasse haver algo concreto. Repito a frase por ele usada aqui: "Também é absolutamente impensável que o MUNICÍPIO adquira a área em questão sem saber ao certo o que fazer com ela. Ou, pior, que a adquira com um intuito momentâneo que, implementado às pressas ou sem maior reflexão, precise ser alterado futuramente, por não se revelar adequado, o que remete ao triste exemplo do Minhocão. Ora, uma vez eliminados os ramais – assim entendidos não apenas os dormentes, trilhos e demais equipamentos férreos, mas principalmente a adequada conformação do solo e do terreno –, sua reposição, após constatar-se que o corredor de ônibus não passa de uma quimera política, afigurar-se-ia no mínimo canhestra."
Trilhos arrancados, sentido Banhado. Na sargeta da rua, ainda há um pedaço que não foi arrancado do asfalto, aparecendo

Foi exatamente isto que aconteceu em São José: arrancaram-se os trilhos e absolutamente nada aconteceu. Os trilhos não atrapalhavam em nada e até agora nenhum ganho houve para a cidade: apenas os enormes custos de arrancamento de trilhos. Só que, neste caso, o MPF de São José não se manifestou.