A estação de Loreto nos anos 1970. Tinha, então, 72 anos de idade. Foto Plinio da Silva Telles
Quando eu estive pela primeira vez em Loreto em 1996, já era tarde demais. O lugar já estava abandonado, e a estação havia sido demolida. O mato cobria toda a área, somente os trilhos ainda deixavam rastros do que um dia foi o ramal ferroviário de Descalvado. Eu fiquei decepcionado, pois as indicações que eu tinha de pessoal da cidade de Araras me levavam a crer que ela ainda estava por ali: somente sobrava junto aos trilhos um prédio pequeno, antigo, que depois descobri ter sido a escolinha da vila.
Continuei tentando obter mais informações sobre a estação. Pouco tempo depois, por intermédio de um amigo comum lá de Araras, eu conheci o João. Ele foi muito gentil e contou-me que nasceu e viveu muitos anos em Loreto, tendo, ao final, me cedido duas fotos antigas da estação, uma delas com a locomotiva chegando, vindo de Araras. A foto, sem data, dava a impressão de ter sido tirada por volta dos anos 1920 – uma suposição, apenas. Era bonito o prédio. O beiral do telhado era de madeira trabalhada e havia várias árvores ao redor. João me mostrou também fotografias das festas que todos os anos se realizavam na vila, em volta da igreja. Realmente, havia muitas pessoas, que, se não eram dali mesmo da vila, vinham de fora, em trens especiais cedidos pela Paulista. Era um tempo que todos procuravam se ajudar, afinal, ali, muita gente era empregado da companhia.
Menos de dois anos depois, os trilhos se foram, vendidos para levantar dinheiro para pagar as dívidas da então moribunda Fepasa. Consegui uma foto de 1986, que mostrava a estação, já no mais completo abandono. A demolição veio depois disso, portanto. Mas aquela foto da estação com a locomotiva me impressionou, e eu perguntei à minha irmã, que é pintora, se ela pintaria um quadro a partir da foto. Ela disse que uma prima nossa seria mais indicada para isso, e algum tempo depois, a Célia – esse era seu nome – me mandou o quadro, desenhado a carvão, muito bonito. O desenho ainda ficou um bom tempo guardado, até que, alguns meses atrás, resolvi emoldurá-lo.
Foi aí que minha irmã me disse que havia um outro quadro, quase igual – na verdade, um esboço feito pela Célia e que não havia lhe agradado, tendo ela o deixado de lado. Ele era um quadro um pouco mais simples, pois não havia sido acabado. Logo depois, eu fui até Araras e dei este último, também emoldurado, para o João. Ele pareceu gostar muito dele. Mostrou-me, no quadro, o local em que mais tarde a casa em que viveu seria construída. Duas semanas depois, novamente em Araras, fui outra vez visitá-lo, quando ele comentou que havia gostado demais do quadro. De repente, ele se levantou e me pediu que fosse com ele até Loreto, tendo ele levado junto a sua máquina fotográfica. Loreto era perto, uns cinco minutos de carro. Chegamos e descemos.
Desolação total, como já sabíamos. Ele me mostrou a igreja, fechada, e voltou a falar das festas, que não se realizam mais, há cerca de trinta anos. A escolinha, fechada e abandonada, os dormentes, ainda no lugar, sem os trilhos. Da estação e do armazém, somente restaram o piso e a plataforma. Ele tomou a máquina e tirou uma foto, do mesmo ponto do qual aquela do quadro havia sido tirada. Entramos na área onde um dia esteve o armazém, e João parecia ver os sacos de açúcar que ele e os amigos galgavam quando crianças, para ficarem deitados sobre eles e, lá do alto, observarem o carregamento dos vagões.
A sua casa, na frente da entrada da estação, havia sido vendida e estava agora bastante descaracterizada e já sem o velho pomar. Aliás, fora a casa, a escolinha e a igreja, pouca coisa restou do outrora movimentado vilarejo. O João estava bastante emocionado, mas nada disso era novidade para ele, que costuma às vezes passar por ali. Na verdade, havia algo que ele nunca havia percebido: que a plataforma ainda estava lá, coberta pelo mato, pois estas, de pedra, raramente são demolidas. Foi aí que eu me lembrei de uma história do Mickey, de Walt Disney, que eu li quando criança, há quase quarenta anos: o ratinho havia conseguido uma máquina fotográfica que tirava fotos do passado, desde que ela utilizasse um filme especial. No fim, depois de várias fotos, o filme acabou e não havia outro. Em Loreto, João tinha o filme – suas memórias – mas não tinha aquela máquina. Entramos no carro e fomos embora com nossas lembranças.
Isto já foi há pelo menos dez, onze anos. Hoje, sei que a área de Loreto, por onde passavem os trilhos e havia as plataformas da estação e do armazém, a escolinha, tudo foi arrasado para ser feito um loteamento residencial. Nem parece que, um dia, trens passaram por ali.
terça-feira, 17 de abril de 2012
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Ralph, frequentemente quando leio seu blog e belo site de estaçoes, vejo essa expressão maldita 'demolida'. Me pergunto porque empresas moribundas ora simplesmente abandonam e ora acabam com a estação. Não faz muito sentido, afinal demolições não são de graça. Sei que existem 1000 casos e 1000 razões, mas pela sua experiência, quais são as razões mais comuns das demolições ? Abraço
ResponderExcluirÀs vezes as demolições são feitas pelas próprias empresas ferroviárias. Muitas das vezes, de tanto que se arruinam, acabam caindo ou sendo demolidas por vizinhos ou vandalos... as que foram demolidas há muitos anos foram-no porque "atrapalhavam" a cidade, o vilarejo, etc. Ou por que eram reduto de vagabundos e drogados. Ou por nada... Não sei a porcentagem.
ExcluirO Pato Donald, 579, a primeira história da revista.
ExcluirTenho essa história do Mickey e Pateta com a máquina que registrava fotos do passado. Às vezes gostaria de ter uma, já que poderia apontar para uma estação abandonada, um trilho destruído, uma vila dos ferroviários arrassada, tirar uma foto com o visor virado para 80 (anos passados, como na história) e ver a construção do lugar, as locomotivas entrando na estação, a alegria de um tempo que nunca mais voltará... Não temos a câmera, temos o filme em nossa imaginação e lembranças, compete a nós guardarmos de alguma forma essa história, e sua página contribui muito com isso. Um grande abraço.
ResponderExcluirPoderia me passar os dados deste gibi, amigo: ano e número? Obrigado!
ExcluirOlá, é um prazer ler seu blog, e ver que (por incrível que pareça) existem pessoas que assim como eu amam ferrovias. Ontem fui até o pátio de carregamento de bauxita em Barão de Camargos no município de Cataguases-MG, e tive o prazer de ver, filmar e fotografar uma raríssima locomotiva dos tempos de RFFSA com sua bela pintura vermelha com listras amarelas (ainda em atividade!!). E finalizando minha aventura ferroviária, hoje fui "pedalar" pela linha do Centro em Barbacena-MG, sentido Belo Horizonte-MG. Tirei várias fotos da parada de Dorival de Brito, e mais a frente do túnel 34 (caninana). Foi com certa tristeza que vi a tal parada, pois quando era mais novo, eu e alguns amigos passávamos pelo local para buscar goiabas que ficavam logo a frente, e a parada ainda era bem cuidada, dando a impressão de que o trem ainda parava ali (embora os trens de passageiros já não passavam desde os anos 90). Porém, hoje é um local completamente deserto, com o mato tomando conta de tudo e a parada quase sumindo.
ResponderExcluirAbraços, Anderson
OBS: tenho fotos atualizadas da parada Dorival de Brito e algumas outras, caso queira atualizar o site http://www.estacoesferroviarias.com.br, me mande um e-mail: andersonwribeiro@yahoo.com.br