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sexta-feira, 20 de abril de 2012

JARDINÓPOLIS: A HISTÓRIA AO VIVO


Minha primeira visita a Jurucê, distrito de Jardinópolis, SP, fez-me conhecer um ex-ferroviário da Mogiana, de nome Hélio Fávaro, muito simpático e que se tornou amigo: encontrei-o pelo menos mais duas vezes nos anos seguintes, sempre que ia a Jardinópolis. Hélio morava na casa onde serviu como telegrafista, depois de uma reforma geral nela e à sua volta. Ele nem titubeou no dia em que nos encontramos pela primeira vez na rua: aceitou ir a Visconde de Parnaíba e a Entroncamento, estações citadas abaixo, com uma imensa satisfação. 

Eu havia entrado no bar na antiga estação ferroviária de Jurucê à procura de informação. Era fácil perceber que aquela havia sido a estação, tanto como ver que hoje ela era um pequeno terminal de ônibus para aquele bairro afastado. No bar, o dono apontou com o dedo para o centro da praça em frente e falou: “Está vendo aquele senhor que está subindo ali? Ele trabalhou anos na Mogiana. Pode te responder o que você quiser”. Eu fui até ele, que, quando soube o que eu queria, deu um sorriso e falou, além de que se chamava Hélio, que me mostraria os lugares nos quais eu estava interessado e contaria algo sobre eles. Depois da rápida conversa – afinal, o que mais desejaria um ferroviário aposentado que pouca coisa tem a fazer, além de falar sobre ferrovias? – entramos no seu fusquinha e seguimos por uma estrada de terra, onde ele ia contando por onde passava a linha, onde o trem apitava, mostrando os resquícios do empedramento... isto por uns três quilômetros, até chegarmos a Entroncamento. 

Aí se podia ver algo realmente diferente. Entroncamento foi uma estação em forma de triângulo, construída em 1916 (o prédio original havia sido inaugurado em 1900), que servia como ponto de bifurcação para o tronco da Mogiana, que ali, alguns metros depois de cruzar o rio Pardo por uma bela ponte metálica, dividia-se em dois. À direita, seguindo para Batatais, Franca e cruzando o rio Grande até Jaguara, em Minas Gerais, no que se convencionou chamar de Linha do Rio Grande, e, à esquerda, para Orlândia e Igarapava, o chamado ramal de Igarapava. Eu olhava para a estação, caindo aos pedaços, mas ainda linda, e ele seguia falando: “ali era a sala dos passageiros, ali, era o depósito de malas, ali, a bilheteria...”. Depois, ele apontou para a ponte, ali ao lado, com uma tábua de madeirit impedindo a sua travessia para o lado de Ribeirão Preto, e diz: “a tábua está ali para impedir que mendigos e drogados passem para cá. Essa ponte foi construída em 1932, no final da revolução, para substituir a antiga, que havia sido bombardeada e que até hoje está no fundo do rio”. 

Ele mostra, então, as plantas que o rio carrega, prendendo em alguma coisa, muito próxima da superfície da água. Realmente, a velha ponte estava ainda ali, escondida sob o rio Pardo, quase setenta anos depois. Apontando para o outro lado, ele mostrou três ou quatro casas as quais eu não havia notado: estavam inteiras, mas totalmente cobertas e invadidas pelo mato. Casinhas bonitas, da antiga vila ferroviária: do chefe da estação, do telegrafista... Meu Deus, o que fizemos com a nossa história? Hélio, então, contava que a área tinha dono, mas também tem litígio de posse, e desta forma o dono não investia em nada por enquanto. A proposta é a conservação da estação, e eu pensei: espero que se resolva o litígio antes que nada mais haja para se conservar. 

Saímos dali, voltamos a Jurucê e seguimos por outra estradinha para uma fazenda, passando por duas porteiras que ele abriu sem problemas, chegando a mais uma estação, a de Visconde de Parnaíba. Esta tem história: aberta em 1886 em terras do Visconde, que era na época presidente da Mogiana e também do Estado de São Paulo, ela foi construída, assim como outras da Companhia, pelo engenheiro Brodowski. Foi aberta com o nome de Rio Pardo, mas com a abertura de outra estação, a de São José do Rio Pardo, também da Mogiana, seu nome foi alterado para homenagear o grande chefe, ao mesmo tempo que acabava com as destinações erradas de mercadorias, por causa do nome similar. Brodowski, por sua vez, era genro do Visconde bem como um dos engenheiros-chefe da Mogiana, tendo falecido poucos anos depois, ainda jovem. 

A estação seguinte à de Visconde levou, então, seu nome. A estaçãozinha ficava em frente à casa do atual administrador da fazenda, que, como várias outras do Estado, deixou de plantar café para se transformar num imenso canavial. Num ponto alto em relação à casa, e tendo ao fundo uma encosta, fica numa posição privilegiada e ainda tem árvores a seu redor. Foi depósito de materiais depois de ter sido desativada, mas agora estava vazia, embora bem conservada. O prédio compunha com a mata e a encosta uma paisagem muito bonita. Tinha dois andares, coisa não muito freqüente nos prédios antigos da Mogiana, e ainda era a mesma de sua inauguração, que teve a presença de todas as personalidades citadas e até do glorioso Imperador. E foi ali em frente, depois de termos entrado nela, andado à sua volta e a fotografado, que uma velha senhora que mora na casa disse a frase que causou arrepios: “isso aí foi construído pelo Brodósqui, imagine. É uma velharia, que não serve mais para nada. Estamos só esperando a Fepasa nos passar a papelada para botar isso abaixo”. Meu Deus, espero que a papelada nunca chegue. Aliás, a Fepasa nem existe mais. Mas demolir um prédio de mais de cem anos com essa história, para mim, é descaso demais. 

Fomos embora e o Hélio, que morava ao lado da estação de Jurucê, contando que foi ele que teve a triste incumbência de fechá-la para o tráfego, em 1973. Depois disso, ele ainda a viu tomada de mato até quase a altura do telhado, quando lhe retiraram os trilhos. Mais tarde, reformaram-na. E ele mora ao lado, na antiga casa do telegrafista, que ele comprou e ampliou. A casa ainda tinha vários detalhes originais e foi, segundo ele, construída por volta de 1930. O corredor por onde passava a linha, atrás da casa, ele conservou. Quem viveu a história sabe o valor dela. O Brasil precisa de muito mais Hélios. 

Em tempo: a linha do Rio Grande original foi extinta em 1970, no trecho entre Pedregulho e Jaguara, em Minas Gerais e além do rio Grande; poucos anos depois, o tráfego entre Franca e Pedregulho também acabou. O que sobrou, ou seja, o trecho entre Ribeirão Preto e Franca, onde ficavam as estações citadas acima, deixou de transportar passageiros em 1976. O último trem de carga circulou de Batatais a Ribeirão Preto em 1980. Os trilhos foram retirados em 1988. Helio faleceu há alguns anos. As estações ainda estão em pé.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

AS PARNAÍBAS DO BRASIL

Rua Direita, no início do século XX, em Santana de Parnaíba. Hoje rua Suzana Dias. Acervo Prefeitura Municipal de Santana de Parnaíba

Para quem gosta de ler sobre história do Brasil, o nome Parnaíba sempre aparecerá em diversos temas. Ele é de origem indígena e já deveria existir havia gerações, quando Suzana Dias e seu marido Manoel Fernandes Ramos acharam um bom local para se "esconderem" quando não estavam na então jovem cidade de São Paulo, no já longínquo ano de 1580. Junto à que veio a ser chamada Cachoeira do Inferno, aquele local, Parnaíba, cujo nome possivelmente já existia, recebeu uma capela em devoção a Santo Antonio. Logo em seguida, outra capela a substituiu evocando então Santa Ana - Santana.

Rio Tietê em Santana de Parnaíba, 1901. Desenho feito pela Light and Power na época. Hoje as ilhas que aparecem aí já não mais existem, pois o curso e a profundidade das águas foram alterados em 1954. A barragem à direita foi feita sobre a antiga Cachoeira do Inferno e existe até hoje.

O nome significaria "rio de muitas ilhas", em alusão às ilhotas que existiam logo após a citada cachoeira, mas há também outras interpretações.

Suzana e seu marido acabaram se fixando no lugar, a cerca de 40 quilômetros da Praça da Sé. Às margens do então rio Anhembi, o hoje Tietê, o local acabou gerando uma vila que rivalizaria por muitos anos com a de São Paulo, que, aliás, ainda não era capital de nada. Em 1625, ganhou autonomia e tornou-se realmente uma "villa"- município autônomo, na época. Era então boca-de-sertão, ou seja, o local que recebia tudo que vinha do interior pouco desbravado e ponto de saída de muitas bandeiras, sempre realizadas com a companhia de seus rivais paulistanos. É difícil saber realmente quais bandeirantes viviam ali ou em São Paulo durante a história dessas duas cidades.

O tempo passou e Santana de Parnaíba - mais conhecida então como somente Parnaíba - entrou em decadência, mas os desbravadores que dali partiam sempre lembravam de seu nome e das coisas de sua terra. No Mato Grosso surgiu outra Santana do Parnaíba, hoje Paranaíba. Esta vila estava (e ainda está) às margens do rio do mesmo nome, pouco antes do seu encontro com o rio Grande para formar o rio Paraná, a cerca de uns 60 quilômetros da divisa tripla SP/MG/MT. Quem lê os relatórios anuais da Companhia Paulista de Estradas de Ferro do final do século XIX encontra que "o objetivo da ferrovia era levar seus trilhos até Santana de Parnahyba". Parece aqui do lado da Capital, certo? Não era, era a outra. Os trilhos, no entanto, jamais chegaram lá.

Na Parnaíba paulista, as atas da Câmara Municipal mostram, no século XIX, os nomes de Parnahyba, Paranahyba, Santana de Parnahyba ou Paranahyba e Santana da Parnahyba ou Paranahyba. Notem: nunca é usada a preposição+artigo "do". No Piauí, no século XVI, bandeirantes saídos daqui nomearam ali um grande rio, o Parnaíba, que hoje divide o Piauí do Maranhão. Da mesma forma, fundaram uma das primeiras cidades do Estado. O nome? Parnaíba.

Rio Paranaíba, na divisa Minas Gerais/Mato Grosso, não muito distante da cidade de Parnaíba matogrossense. Foto www.obrasdeengenharia.zip.net

A decadência da vila paulista por diversos motivos a partir do século XVIII fê-la cair praticamente no esquecimento. Jamais perdeu a autonomia, embora isso quase tenha ocorrido nos anos 1930. Mas, então, de onde surgiu, por exemplo, o título do Visconde e depois Conde de Parnahyba, no final do século XIX? Veio, na verdade, do rio Paranahyba (notem que a presença ou ausência do "a" não muda muito a situação), rio que deveria ter sido alcançado pela linha principal da Mogiana, ferrovia da qual o Conde era diretor e, mais tarde, seu presidente.

Rio Parnaíba, no Piauí. Foto www.deltadoparnaiba.com.br/parnaiba.htm

O navio que levou Dom Pedro II do Rio de Janeiro para a Europa foi o vapor "Parnahyba". Os navios recebiam nomes dos principais rios brasileiros. Neste caso, do rio piauiense.

Com a fixação dos nomes de logradouros ocorrida durante o século XX, a cidade paulista virou Santana de Parnaíba, abolindo-se o hy. A Parnaíba piauiense ficou com o nome simples e a mineira abandonou o Santana e ficou como Paranaíba - com o "a". Aquela que deu origem a tudo não recebeu nenhuma homenagem e permaneceu esquecida.

Por causa deste esquecimento, a cidade, hoje parte dos 40 municípios da Grande São Paulo, manteve sua tradição e sua memória. Isolados, somente a partir do inchaço do município da Capital e de seus vizinhos na região noroeste a cidade passou a ser "invadida" por bairros periféricos que "entravam" dentro de seus limites. Um deles foi Alphaville, que hoje responde por mais de 70% do faturamento de impostos do município. Outro foi a Fazendinha, que também tem várias indústrias, mas seu faturamento de impostos é inferior.

Por causa disto, a população de Santana de Parnaíba aumentou de cerca de 20 mil para 110 mil habitantes nos últimos 20 anos. Isto é bom, segundo alguns. Mau, no sentido de que cidade começa a perder sua identidade que manteve a tanto custo. Seu centro histórico, no entanto, a deixa muito diferente de qualquer outro município naquela área e talvez de qualquer outro da área metropolitana. Com casas que remontam até o século XVII, seus quarteirões centrais são uma joia em termos de arquitetura simples, mas bonita.