sábado, 31 de julho de 2010

MONOGRAMAS ANTIGOS








Num dia cheio demais e sem tempo para pensar em algo para escrever, alguns monogramas interessantes anteriores aos anos 1940.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

OS BONS TEMPOS. MESMO?


Corria o ano de 1945. Meu avô Sud era Diretor-Geral do Ensino do Estado de São Paulo e, apesar de seus esforços, não conseguia melhorar da forma que imaginava o ensino paulista. Em sua administração construíram-se algumas escolas pelo interior do estado, melhoraram-se algumas instalações - de acordo com os jornais da época - mas algumas escolas continuavam mal instaladas, e isto em plena Capital estadual.

Um dos professores fez um trabalho - possivelmente pedido por meu avô - e saiu fotografando os edifícios escolares paulistanos. Na verdade, parece ter visitado todos os que existiam no município então - e só relatou realmente os que tinham problemas. E, pelas fotos e comentários cáusticos desse professor não identificado, a situação de diversos prédios era bastante comprometedora.

A fotografia reproduzida acima, por exemplo, estava grampeada (ainda hoje está) no alto de um papel que era uma das páginas do relatório que ele apresentou. Por algum motivo, o relatório ficou nos arquivos pessoais de Sud e veio cair em minhas mãos. Na folha de papel, estava datilografado em tinta azul o texto abaixo, mantido na ortografia original:

Uma casa de colono de um sitio decadente a centenas de quilometros da capital?
Casa abandonada a beira da estrada, esquecida dos homens e amada dos morcêgos?
Lembrança de séculos idos, quando o avião, o submarino, o telefone, o rádio, eram fantasias dos livros de Julio Verne?
Pouso de tropeiros que vêm de longe, em demanda da humilde cidadezinha que se ergue no planalto?
Cenário trágico de algum conto de assombramento?
Nada disso.
O que se vê acima é o presente! É o século XX.
É o prédio de um grupo escolar da Capital de São Paulo.
Nele se preparam os pequeninos brasileiros para o Brasil maior de amanhã.
Nele labuta uma plêiade de professores!
Êle está situado a meia hora da Praça do Patriarca!
Chama-se Grupo Escolar João Teodóro!
Está situado à rua Joaquim Marra no. 20, em Vila Matilde.

O prédio, quase que certamente, não mais existe. E devia ficar a meia hora da praça do Patriarca... de trem da Central. A rua citada fica ao lado da estação da Vila Matilde.

Fica o registro de uma época.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

SACO SEM FUNDO


Recentemente, diversas plataformas de estações, abandonadas ou não, foram destruídas pela concessionária ALL, na linha da antiga Noroeste e no ramal de Bauru da ex-Sorocabana, para permitir a passagem das locomotivas C-30. A de Rodrigues Alves foi uma delas (veja a plataforma na foto acima, tomada em 26/7/2010 por Jorge Luiz Luvizato). As pedras quebradas e arrancadas foram deixadas sobre o que restou das plataformas. Ninguém limpou nada.

Nos últimos anos da Sorocabana (anos 1960) e durante o tempo da Fepasa (após 1971), a ferrovia começou uma obra para retificar os trilhos do ramal de Bauru na região de São Manuel, até Paranhos. Houve desapropriações de áreas e serviços iniciados. Até hoje é possível ver-se por onde passaria o leito férreo. Os novos trilhos jamais foram assentados.

Os imóveis (estação, armazéns, casas de funcionários, rotunda, oficinas) do pátio ferroviário da estação de Ribeirão Vermelho, próximo a Lavras, em Minas Gerais, pertencentes às antigas E. F. Oeste de Minas, depois à Rede Mineira de Viação, tornaram-se praticamente ruínas nos últimos 25 anos por total abandono da RFFSA, sucedânea das ferrovias citadas.

Nos tempos da Fepasa, esta adquiriu mais de vinte locomotivas francesas, elétricas, que deveriam trabalhar na linha que foi eletrificada entre 1980 e 1986, no trecho entre Campinas e Casa Branca. A eletrificação foi realizada nesse trecho e funcionou algumas vezes para testes. Nunca funcionou comercialmente e foi arrancada em 1999. As locomotivas, com exceção de três, jamais foram montadas e enferrujam hoje num depósito, ainda dentro das caixas que chegaram da Europa no início dos anos 1980.

A Fepasa abriu o leito e construiu pontes e viadutos na região entre as cidades de Hortolândia e Santa Gertrudes, na linha-tronco da antiga Companhia Paulista, para retificar a linha antiga original. Os trilhos jamais foram assentados e o leito em grande parte foi invadido por favelas. Os viadutos apodrecem e são inúteis.

Ramais ferroviários foram construídos em diversas épocas e ficaram prontos. Chegaram a funcionar por algum tempo, entre 5 e 10 anos e foram fechados, com os trilhos arrancados e as construções abandonadas. Nisto se inclui o ramal de Cangussu (RS), de Independência (CE), de Conceição do Almeida (BA), além de alguns outros cujos nomes não me ocorrem agora.

A estação da cidade de Cambuquira (MG) foi desativada e uma nova construída em seu lugar. Não funcionou mais do que alguns meses. Em 1966, o ramal foi desativado e a estação, abandonada.

Uma série de locomotivas elétricas que estavam em Sorocaba e que pertenceram à Fepasa foram enviadas para o pátio-cemitério de Triagem Paulista, em Bauru, em outubro do ano passado. Estão sendo depenadas por invasores, sem que a concessionária ou o espólio da RFFSA tome qualquer providência.

Centenas de estações, armazéns, oficinas e casas de funcionários estão abandonadas e sendo depredadas por vândalos e sucateiros por todo o país desde os anos 1970, quando começaram a ser desativadas. A Fepasa e a RFFSA, durante anos a fio, negaram-se a vender, alugar, arrendar ou emprestar a maioria desses imóveis, ao mesmo tempo que a documentação ia desaparecendo. Resultado: hoje em dia, a venda ou concessão é difícil justamente por falta de documentação e o espólio da RFFSA não tem ideia do tamanho de seu patrimônio. O mesmo acontece com centenas de vagões, carros de passageiros e locomotivas em geral, que apodrecem ao tempo.

É assim que o governo administra seu dinheiro. E olhe: estamos falando apenas do ítem "ferrovias". Imagine o resto. Some-se esse resto a todo esse prejuízo citado acima (que não são todos, são somente exemplos) e entenda porque o governo cobra tantos impostos.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

BELAS FACHADAS


No tempo em que as casas da cidade eram construídas quase sempre com sua fachada encostando nas calçadas e com quintais laterais ou nos fundos, as janelas serviam para que as pessoas ficassem junto a elas do lado de dentro, espiando o movimento de fora.

Ar poluído, nem pensar. Barulho? Quase nada. A televisão da época era a realidade da vida do lado de fora das janelas.

Essas casas foram sendo demolidas à medida que outros estilos arquitetônicos foram sendo criados. Casas eram construídas recuadas, com muros - baixos - à sua frente e grandes jardins. Havia varandas em algumas delas, é certo. Mas estavam longe da rua. As pessoas, no entanto, ainda tinham liberdade para entrar no terreno e conversar.

Depois, as próprias casas foram desaparecendo, e os prédios passaram a ser maioria. Sumiram as conversas de janelas. Bom, sumiram, não - elas ainda existem em raros momentos em bairros mais afastados. Mesmo sem essas conversas, no entanto, algumas fachadas dessas casas permaneceram, a maioria mal cuidada, nos bairros mais antigos, sempre há uma ou outra para se apreciar.

Em alguns casos, o que existe é mesmo somente a fachada - muitas vezes pichada, ou com as janelas vedadas com tijolos e reboco, e quando conseguimos ver o outro lado observamos que atrás é um estacionamento de carros, ou existem até mesmo barracos. O resto da casa caiu, ou foi demolido. A fachada que foi deixada serve apenas de isolamento para dificultar um pouco a entrada de estranhos ao terreno outrora ocupado por alguma família que ali morava.

São essas fachadas antigas, com casas atrás ou não, que muita gente tem fotografado, tentando registrar os últimos exemplares de uma arquitetura que se preocupava em apresentar algo bonito, com ornamentos, com o monograma ou o brasão da família que ali morava, com figuras de concreto ou de porcelana nos topos frontais, ou mesmo com portas e janelas de madeira bastante trabalhadas.

Pergunto, então, porque não são essas fachadas preservadas no caso de se iniciar no terreno qualquer outra construção que seja feita. Mesmo um prédio que mantenha essa fachada baixa na frente atrai a atenção. Em Curitiba há vários casos assim, porque a cidade se preocupa em manter essas fachadas bem cuidadas. Em São Paulo são raros. Lembro-me de uma no Shopping Light, uma parte do Shopping na Xavier de Toledo que ocupa não o prédio da antiga Light, mas uma casa mais antiga que era geminada a ele. Sobrou a fachada, linda e que foi mantida.

A fotografia no alto mostra uma dessas fachadas sem casa - fica na rua Florêncio de Abreu, a cerca de um quarteirão da Estação da Luz. Atrás, um estacionamento. Creio que tão cedo nada se contruirá ali, pois a degradação da área é grande. Para o proprietário, a fachada serve de "muro" para o interior.

terça-feira, 27 de julho de 2010

BOREBI E SANTA FLORA

Estação de Borebi em foto de 25/7/2010 por Adriano Martins - ela pode ou não ter sido a estação. Há dúvidas e ninguém na cidade sabe...

Borebi é um município do Estado de São Paulo, na região de Lençóis Paulista e de Agudos. Emancipada como tal em 1990, tinha, em 2000, menos de 2 mil habitantes, segundo dados da Wikipedia.

Ainda não entendo como pode uma cidade com um número desses de habitantes tornar-se município, com os mesmos direitos de cidades com 100, 500 mil, 1 milhão ou mesmo 10 milhões de pessoas. Desperdício de dinheiro: tem-se de remunerar pelo menos um prefeito, nove vereadores e ainda secretários e assessores. É muito dinheiro para 2 mil pessoas apenas.

Assessores que, aliás, não trabalham muito bem: no site da prefeitura da cidade, colocaram quatro fotografias extraídas do meu site de estações ferroviárias - o ramal de Borebi, da Sorocabana, saía de Lencóis Paulista (da estação rural de Virgílio Rocha) e prolongava-se até a estação também rural de Santa Flora, esta no município de Agudos -, sem dar quaisquer créditos: nem para mim, nem para o site em si nem para os autores das fotografias. Um descaso total, que está se tornando cada vez mais comum. Vergonhoso para uma prefeitura.

Ali perto de Borebi, a estação terminal de Santa Flora foi ativada para levar trabalhadores para a extração de madeira no local. Na segunda metade dos anos 1950, a estação e o trecho do ramal entre as estações de Coronel Leite e Santa Flora foi desativado, pois a exploração da madeira acabou ali. O trecho e as terras por onde ele passava, além dos imóveis e propriedades, foi devolvida pelo Governo do Estado (a Sorocabana era estatal) aos antigos proprietários.

Hoje, o nome de Santa Flora é praticamente desconhecido na região. Em Borebi e em Agudos, todas as pessoas que consultei - eu e o Adriano, que me ajuda na busca - jamais ouviram falar dele. O acesso para o local onde ela estava - difícil acreditar que ainda exista algo no local depois de mais de 50 anos - é bastante difícil, as estradas rurais são ruins.

Os mapas não mostram nenhum local com esse nome - nem os da época, nem os atuais. O nome e o local somente teve citações encontradas nos relatórios da Sorocabana e na lei que autorizou o desmonte do trecho final do ramal, em 1958.

Santa Flora simplesmente desapareceu. Curioso caso, em que um local que existia até pelo menos 1958, portanto 52 anos atrás - tenha sido esquecido por todos. Enfim: procura-se alguém que tenha conhecido ou ouvido falar da estação de Santa Flora, onde, além da estação, havia pelo menos um armazém de mercadorias para os funcionários da ferrovia e os lenheiros.

Procura-se também alguém que ponha na cabeça dos governantes de Borebi alguma ideia sobre como respeitar direitos de autores.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

FERROVIAS E TOMBAMENTOS

A bela estação de Caieiras em 2006. Foto Adriano Martins

Hoje, duas notícias sobre estações ferroviárias saíram nos jornais brasileiros.

Uma, na Folha de São Paulo, mostra o tombamento de nove estações ferroviárias da antiga São Paulo-Railway - ou E. F. Santos a Jundiaí, como passou a ser chamada depois da estatização de 1946. Hoje, não tem nome algum.

As estações de Santos, Jundiaí, Várzea Paulista, Franco da Rocha, Caieiras, Perus, Jaraguá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra foram tombadas pelo CONDEPHAAT recentemente. As sete últimas, por pedido aberto por mim em 2006. Na reportagem, onde consta meu nome (incompleto, o Giesbrecht não foi mencionado), apenas cita que eu pedi o tombamento e uma declaração resumida minha, de que "elas representam a expansão da ferrovia pelo Estado e a explosão de crescimento da cidade de São Paulo". Não faz muito sentido: o que eu declarei realmente é que essas estações foram todas construídas ou totalmente reformadas na década de 1890, como consequência do crescimento do tráfego ferroviário no Estado e também pelo crescimento da cidade de São Paulo e da região metropolitana de então, que pedia pelo aumento da capacidade de embarque e de desembarque de passageiros na linha.

O outro jornal foi a Gazeta do Povo, de Curitiba, mostrando o lado ruim das estações paranaenses, muitas abandonadas pela ferrovia e pelo poder público, dando como exemplo a bela estação de Jacarezinho, no norte do Estado. Cita também outras em diversas regiões. Nessa, também fui entrevistado, tendo meu nome registrado juntamente com meu site de estações ferroviárias.

É sempre bom saber que contribuo de alguma forma para a memória da ferrovia no País. Gostaria de contribuir muito mais, mas aí, eu realmente necessitaria ser um ricaço que conservaria as estações, trilhos e material rodante por hobby. Acho que vai demorar um pouco para chegar a isso...

Para completar, mais notícias sobre o trem-bala Rio-SP-Campinas, sempre fazendo comparações do tipo "com esses bilhões seria possível se instalar tantas ferrovias pelo País", ou "poder-se-ia fazer tantos quilômetros de metrô" nas capitais. Sim, sem dúvida é verdade: porém, por que não sermos realistas e admitirmos que, se o TAV não sair do papel, esses "bilhões" de reais não vão ser desviados para outras ferrovias. Isso nunca acontece.

Apesar de discordar de vários amigos e conhecidos, eu acho que o Brasil, sim, precisa desse trem. Chega de depender de empresas de aviões incompetentes. Vamos dar a chance para uma empresa ferroviária ter sua própria incompetência. De repente, ela até acerta...

sexta-feira, 23 de julho de 2010

CASAS NO CHÃO


Mais uma casa histórica paulistana foi demolida. Quantas casas serão demolidas por dia em São Paulo? Desta vez foi uma casa da rua do Bom Pastor, no bairro do Ipiranga e próxima à Xavier Curado, não muito longe do Museu Paulista. Quem me reportou foi o Douglas, do "São Paulo Abandonada".

Perguntar-me-ão: mas o que tinha essa casa de tão especial (foto acima, de autoria do próprio Douglas, meses atrás)? Respondo: para mim, casas com essa tipologia são muito bonitas. Não me perguntem o seu estilo arquitetônico: não sei responder, não sou arquiteto. Mas é um tipo de casa que não se faz mais, infelizmente. São características dos anos 1920 e 1930 na capital paulista e mesmo em outras cidades brasileiras.

Cada uma dessas que vai para o chão representa uma a menos para embelezar as cidades. Representa, também, a presença muito provável de um edifício de apartamentos ou de escritórios no mesmo local. Onde moravam 4, 5 pessoas, passam a viver mais de 200. O trânsito aumenta. A infraestrutura para alimentá-la tem de ser trocada, torna-se mais cara para todos. O céu desaparece um pouco na nossa visão. O verde que costeia a construção é substituído em grande parte por quintais cimentados e com pouquíssima absorção de água. A temperatura em volta do prédio aumenta de alguns centésimos de grau.

E se construíram ali um estacionamento? Menos mal, mas a cidade perde uma bela casa. E se for um galpão para uma loja ou um edifício para algum banco? Ainda é melhor do que um edifício alto, mas a cidade perde calor humano.

Enfim - estamos estragando nossas cidades, em resumo.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

ERNESTO E A GLETTE

Palacete Jorge Street, em 1926, pouco antes das reformas que sofreu para abrigar a Faculdade.

Uma das ruas mais nobres da cidade de São Paulo na virada do século XX, a alameda Glette foi perdendo aos poucos seu casario e se transformando em rua de pequenas lojas de negócios e bares. Hoje, apenas algumas das construções que ela tinha ainda sobrevivem, algumas em más condições.

Começando na rua das Palmeiras, como continuação da rua Martim Francisco, a alameda Glette tem seu nome dado em homenagem ao alemão do mesmo nome, um dos loteadores do bairro de Higienópolis, este situado muito próximo ao início da rua. Termina em frente ao pátio da Sorocabana, na alameda Cleveland.
Era na Glette que ficava uma das garagens de bondes da Light e mais tarde da CMTC. A rua também abrigou os dois prédios da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo até o final dos anos 1960. Uma das casas, a mais antiga, era o Palacete Jorge Street. Estas construções não mais existem. Da última, sobrou apenas uma enorme figueira, esta tombada pelo patrimônio dentro do terreno - hoje um estacionamento - onde as construções existiram um dia, chamada hoje de "Figueira da Glette".

Ainda se preservam em pé algumas casas do final do século XIX, bem como o antigo Palácio do Governo, hoje sede de uma secretaria estadual, entre a rua Guaianases e a avenida Rio Branco. Um belo palacete também está ainda de pé na esquina da Rio Branco, do outro lado da avenida em relação ao ex-Palácio.

Meu pai, Ernesto Giesbrecht, morou, estudou e trabalhou na alameda Glette. Residiu ali numa casa dessas casas com janelas para a calçada, vários quartos, térrea, de mais ou menos 1940 até 1948, aqui, quando já estava casado. Ia estudar e depois trabalhar a pé, pois a Faculdade - ele fez Química - ficava no quarteirão ao lado. Também estudou, de 1934 a 1941, no Liceu Coração de Jesus - que também ficava na Glette, próxima ao seu final. Ernesto não era daqui, nasceu em Ponta Grossa e veio com os pais, aos treze anos de idade, no início de 1934.

Depois de 1967, quando a Faculdade foi transferida para a Cidade Universitária, ele, que já morava no Sumaré desde 1950, nunca mais voltou para a Glette, depois de trinta e três anos seguidos passados nela. Não havia mais nada a fazer ali. Sua antiga casa já havia sido demolida. O Liceu, ele havia terminado. O Liceu ainda está ali até hoje, sofrendo com os "nóias" que ficam vagando em volta dele, assustando alunos, professores e pais todos os dias. A Glette, quem diria, acabou no meio dos drogados.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

SITUAÇÃO PRECÁRIA DAS FERROVIAS DO SUL

Trilhos da linha da antiga Noroeste em Bauru, SP, hoje utilizados pela ALL. Foto Ricardo Frontera, 18/7/2010

Transcrevo abaixo e-mail recebido de Paulo Stradiotto, de Curitiba, PR, que também comenta que além dos processos rolando na Policia Federal existem mais uns 6 na procuradoria do MPF do PR contra a ALL. Em Joaçaba, Mafra e Uruguaiana idem. Abaixo, a situação como está em Uruguaiana:

PORTARIA No- 28, DE 2 DE JUNHO DE 2010
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, na cidade Uruguaiana/
RS, pela Procuradora da República signatária, nos autos nº
1.29.011.000039/ 2005- 47:
CONSIDERANDO ser função institucional do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, e de outros interesses difusos e coletivos, consoante dicção ao artigo 129, III, da Constituição Federal;
CONSIDERANDO competir ao Ministério Público Federal, em razão da regra prevista no artigo 6º, inciso VII, letras "a" e "b", inciso XIV, letra "f", da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, zelar pela observância dos princípios constitucionais reguladores da Administração Pública, entre estes os da legalidade, da moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, Constituição Federal);
CONSIDERANDO o disposto na Resolução nº 87/2010, do Conselho Superior do Ministério Público Federal, que disciplina e regulamenta a instauração e tramitação do Inquérito Civil Público, bem como o previsto no art. 8º, inc. III, §3º da Lei Complementar 75/93;
CONSIDERANDO o Procedimento Administrativo nº 1.29.011.000039/2005-47 e apenso nº1.29.011.000246/2007-63, instaurados nesta Procuradoria da República, a fim de apurar o descumprimento do contrato de concessão do serviço de transporte ferroviário pela empresa concessionária ALL, mormente a desativação e destruição da malha federal de Itaqui/São Borja e São Borja/Santiago;
CONSIDERANDO que o modelo de desestatização aplicado para a privatização dos serviços de transporte ferroviário separou a malha ferroviária do país em regiões, e os bens de propriedade da Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA em Operacionais (assim entendidos aqueles indispensáveis à operação para a prestação dos serviços concessionados, arrendados às Concessionárias) e Não Operacionais (entendidos como desnecessários à operação e que permaneceram sob responsabilidade da RFFSA), tudo de acordo com o contrato de arrendamento pactuado (fls. 22 do procedimento nº1.29.011.000246/2007-63);
CONSIDERANDO que a ALL é a Concessionária do serviço de transporte ferroviário de cargas na denominada "Malha Sul", nos termos do Contrato de Concessão celebrado com a União em 27 de fevereiro de 1997 - "Contrato de Concessão", e na mesma data, celebrou Contrato de Arrendamento de Bens Vinculados à Prestação do Serviço Público e Transporte Ferroviário Federal S/A - RFFSA - "Contrato de Arrendamento";
CONSIDERANDO que se mostra evidente e inquestionável o interesse público na realização do transporte de cargas via linha férrea, pois possibilita a transferência da maioria do volume de carga atualmente transportado por via rodoviária para os trens, meio de transporte vantajoso para a coletividade frente às demais opções, sendo eficaz, menos ´poluente, barato e ágil, necessário às atividades agrícolas, comerciais e industriais locais, além de desonerar a União da necessidade de construção e frequente manutenção das rodovias, em razão da diminuição do fluxo de "cargas pesadas" pelas vias rodoviárias (fls. 23);
CONSIDERANDO ser obrigação da concessionária prestar serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, sem qualquer tipo de discriminação e sem incorrer em buso de poder econômico, atendendo às condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas, ainda zelar pela integridade dos bens vinculados à concessão, mantendo-os em perfeitas condições de funcionamento e conservação, conforme expresso na Cláusula Nona do Contrato de Concessão;
CONSIDERANDO o disposto pela Norma Complementar MT nº 06/2000, de 08 de fevereiro de 2000, fundamentada no artigo 6º, da Lei 8.987/95 e nos artigos 3 e 4 do Regulamento dos Transportes Ferroviários no sentido de que, para suspensão, supressão ou desativação, temporária ou definitiva, de transporte ferroviário de carga, deverá a concessionária obedecer ao procedimento previsto naquela norma, requerendo-o à ANTT, além de dar ampla publicidade ao fato, comunicando previamente sua intenção aos usuários dos serviços no trecho alcançado pela medida, às demais concessionárias que venham a ser afetadas direta ou indiretamente, ao proprietário dos bens arrendados, quando for o caso, e aos Prefeitos Municipais das cidades envolvidas;
CONSIDERANDO que em qualquer situação que o patrimônio público venha a sofrer lesão ou ameaça de lesão, sendo consequentemente atingidos os interesses da coletividade, extrapolando se a esfera de interesses da Administração Pública - e que este critério da lesividade, abrangente não apenas da lesão já ocorrida, mas também da ameaça de lesão futura, torna o patrimônio público objeto de interesse difuso - torna-se necessária a tutela pelos legitimados para as ações coletivas e pela intervenção obrigatória do Ministério Público nas hipóteses legalmente previstas;
CONSIDERANDO que é direito dos consumidores receber serviço adequado (Lei 8.987/95, art. 7º) e que "serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade de tarifas" (Lei 8.987/95, art. 6º, § 1º), e que "a atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço", conforme disposto no artigo 6º, § 2º do mesmo Diploma legal,
CONSIDERANDO o Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o Ministério Público Federal de Santo Ângelo/RS, ALL - América Latina Logística do Brasil S.A. , Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT e Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, que estabeleceu à ALL diversas obrigações, como a conclusão de obras de recuperação de trechos, bem como a reparação/recuperação, como prioridade, e/ou propor a demolição, quando for o caso e em acordo com a RFFSA, as edificações que estão a ela arrendados nas localidades referidas no Termo, podendo, ainda a ALL firmar parcerias com Prefeituras ou outros órgãos interessados, fls. 20/25 do PA nº 1.29.011.000039/2005-47;
CONSIDERANDO que conforme informado pelo Relatório de Vistoria nº 034/2005 realizado pelo 2º Pelotão Ambiental da Brigada Militar a linha férrea que liga São Borja a Itaqui, no trecho compreendido entre São Borja e Bororé em uma extensão de aproximadamente 33 (trinta e três) Km, a malha férrea foi totalmente retirada pela Prefeitura Municipal de São Borja, para a construção de uma estrada rodoviária intermunicipal, tendo sido esta concluída no mês de abril de 2004 (fls. 80/81 do PA nº 1.29.011.000039/ 2005- 47);
CONSIDERANDO que foi realizada vistoria, conforme Relatório
de Vistoria nº 033/2005 do 2º Pelotão Ambiental da Brigada Militar, no trecho que liga São Borja a Santiago e constatado que em diversos segmentos, houve furtos (comprovados pelos Boletins de Ocorrência das fls. 105/245 do PA nº 1.29.011.000039/2005-47);
CONSIDERANDO que conforme informado pela ALL - América
Latina Logística, diversos fatores culminaram com o pedido de supressão de serviços e desativação definitiva do trecho Santiago à São Borja, justificada pela falta de demanda para a região, investimentos a serem realizados, prestação do serviço em condições antieconômicas, os crimes de furto de trilhos e o Decreto nº 9.186 de 2004, da Prefeitura Municipal de São Borja que desapropriou área da RFFSA e autorizou a retirada dos trilhos, sendo insustentável a operação ferroviária no local (fls. 249/298 do PA nº 1.29.011.000039/2005- 47);
CONSIDERANDO que no documento produzido pela ALL, denominado
"Análise da Desativação Definitiva de Trecho Concessionado" realizada em 2006 (fls. 576/590 dos autos nº 1.29.011.000039/2005-47), verifica-se que não houve nenhum estudo acerca da demanda do transporte ferroviário (caso funcionasse a linha férrea) em razão do fluxo de cargas pela Ponte Internacional São Borja (BR) - Santo Tomé (AR), inaugurada em 09-12-97 com o respectivo porto seco denominado de Centro Único de Fronteira-CUF; soma-se a isso a ausência de informações de que a ALL tenha comunicado sua decisão de desativação às empresas de transporte de cargas internacionais estabelecidas ou com representantes naquele município;
CONSIDERANDO que a ALL, ao aprovar a desativação do trecho, emitiu a NOTA TÉCNICA nº 142/GEFIC/SUCAR de 20-12-07 que considerou no último parágrafo do item 3 o seguinte: Cabe ressaltar, que até a presente data, esta agência não recebeu nenhuma manifestação dos usuários potenciais comunicados pela ALL da desativação do trecho ferroviário Santiago - São Borja, o que, S.m.j., pode ser interpretado que o atendimento das demandas de transporte destes usuários está sendo realizado de forma satisfatória. (fl. 624)
CONSIDERANDO que na "Análise da Desativação Definitiva de Trecho Concessionado" realizada em 2006 (fls. 576/590 dos autos nº 1.29.011.000039/2005-47), verifica-se no item nº 2.18 que trata sobre "Restrições de velocidade", a ALL informa os seguintes motivos: via desnivelada, junta desnivelada, via flambada, dormentação em mau estado, aterro com deslizamento, aterro com abatimento de plataforma e outras gabarito restritivo. (fl. 383). Sendo que esses motivos deixam claro que a "Análise da Desativação Definitiva de Trecho Concessionado" contem informações inverídicas, pois na verdade, a linha férrea estava destruída devido a retirada de trilhos em vários trechos, sendo impossível "Restrições de velocidade" pois sequer havia possibilidade de tráfego de trens, por desídia da ALL;
CONSIDERANDO que a "Análise da Desativação Definitiva de Trecho Concessionado" realizada em 2006 (fls. 586/590 dos autos nº
1.29.011.000039/2005-47), o item "5 Material rodante" informa que as máquinas, com dois eixos, indicadas para o trecho São Borja - Santiago, seriam melhor alocadas nos trechos de serra para operar os portos que possuem uma demanda muito maior; ficando evidente na "Análise da Desativação Definitiva de Trecho Concessionado" que a ausência de operação da linha de São Borja - Santiago, antes mesmo de evitar prejuízos, buscou maximizar lucros da ALL com prejuízo ao interesse público;
CONSIDERANDO que fica evidente que a "Análise da Desativação Definitiva de Trecho Concessionado", realizada em 2006 (fls. 586/590 dos autos nº 1.29.011.000039/2005-47), omite informações, sendo isso uma evidência de que a desativação da linha de São Borja - Santiago decorreu por motivos justificados com meias verdades pela ALL;
CONSIDERANDO que em 19-07-07 o Ministério Público Federal expediu a Recomendação nº 03/2007, para que a Agência Nacional de Transportes se abstivesse de autorizar o pedido de desativação do trecho ferroviário, mesmo assim a ANTT por meio da Resolução nº 2548, de 12 de fevereiro de 2008, publicada no DOU de 15 de fevereiro de 2008, autorizou a Concessionária América Latina Logística - ALL a proceder a desativação definitiva e a devolução do trecho ferroviário Santiago - São Borja (fl. 381 do PA nº 1.29.011.000039/2005- 47);
CONSIDERANDO que em 06 de maio de 2008, foi enviada Recomendação nº 01/2008 à ANTT recomendando que fosse anulada a Resolução nº 2548 de 12 de fevereiro de 2008 (que autoriza a Concessionária ALL a desativar o trecho ferroviário Santiago – São Borja), e após esta providência, a empresa concessionária do serviço de transportes ferroviários - ALL deveria apresentar a esta Procuradoria,
proposta e plano de metas para a reativação do transporte ferroviário no trecho entre os municípios de São Borja e Santiago, bem como plano de desocupação e reassentamento nas propriedades pertencentes à malha ferroviária (na eventual existência de ocupações), a qual não se verificou até o presente momento (fls. 249/298 do PA nº 1.29.011.000039/2005-47);
CONSIDERANDO que se verificou a existência da ação judicial nº 2003.51.01.023238-1, tramitando na 18ª Vara Federal do Rio de Janeiro, ajuizada pela Rede Ferroviária Federal S/A, ora substituída pela União Federal, em face da América Latina Logística S/A, onde verificou-se que foi deferida antecipação de tutela para a reativação dos trechos férreos abandonados pela ALL, em 26 de maio de 2006, ocorre, que posteriormente a ANTT desconsiderou a decisão judicial, ao autorizar a ALL a desativar em definitivo o trecho ferroviário, em fevereiro de 2008, por meio da Resolução nº 2548/08;
CONSIDERANDO que em 2008 a ALL foi intimada na Ação Judicial nº 2003.51.01.023238-1 para que no prazo de seis meses fosse realizada a restauração da via férrea e dos bens a ela vinculados, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 por dia de atraso, e relativamente ao trecho São Borja - Santiago, o qual se encontra na área de atuação deste MPF, não foi cumprida de maneira alguma a decisão liminar, estando a situação de abandono e descaso a conduzir à desativação e destruição da malha ferroviária (fl. 758 do PA nº1.29.011.000039/2005-47);
CONSIDERANDO que a ANTT sequer manifestou interesse em atuar na ação ajuizada pela União como litisconsorte (fl 700 do PA nº 1.29.011.000039/2005-47);
CONSIDERANDO que em que pese a liminar emitida na Ação Judicial nº 2003.51.01.023238-1, a ANTT emitiu e considera válida a Resolução nº 2548/08 que autorizou a ALL a proceder a desativação definitiva do trecho ferroviário Santiago à São Borja com indenização à União mediante valor ainda a ser definido pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT (fls. 796/798 do PA nº 1.29.011.000039/2005-47);
CONSIDERANDO que esses fatos apontam a incidência da Lei de Improbidade Administrativa (art. 10 caput e incisos II, X e XII da Lei nº 8.429/92), especialmente por parte dos diretores da ANTT que autorizaram a desativação da malha e folham totalmente omissos em seu dever fiscalizatório;
CONSIDERANDO que, de acordo com o art. 2º da nº 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública, o foro competente para julgar as ações civis públicas é o do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.
CONSIDERANDO o previsto na Resolução 87/2010 do CSMPF, relativamente ao período de tramitação do procedimento administrativo, bem como que o tema é complexo, exigindo atuação de vários órgãos;
DETERMINO a conversão deste Procedimento Administrativo em INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO, vinculado à 5ªCCR, com o seguinte objeto: Ativação da malha ferroviária Itaqui/São Borja e São Borja/Santiago- DNIT, ANTT, ALL.
a) Autue-se e registre-se;
b) Comunique-se à 3ª e 5ª Câmara de Coordenação e Revisão nos termos do art. 6º c/c o art. 16, da Resolução 87/2010, enviando cópia desta portaria por correio eletrônico, a fim de que seja dada a devida publicidade.
c)Instaure-se o presente com prazo inicial de um ano, nos termos do art. 15 da Resolução 87/2010 do CSMPF.
d) Oficie-se à ANTT solicitando que informe porque não manifestou interesse em atuar na Ação Judicial nº 2003.51.01.023238-1, ajuizada pela União, como litisconsorte;
c1) encaminhe cópia dos documentos que instruíram o pedido de suspensão ou supressão do serviço de transporte ferroviário de carga, ocorrido em 2008 no trecho São Borja - Santiago;
c2) informe o histórico dos fatos relevantes da concessão do trecho de Itaqui - São Borja, a partir de 1997.
Uruguaiana/RS, 02 de junho de 2010.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, na cidade Uruguaiana/
LARA MARINA ZANELLA MARTINEZ CARO
Procuradora da República

terça-feira, 20 de julho de 2010

O FIM DO NOSSO INTERIOR

Estação de Canindé, em 17/6/2000. Foto tirada por mim

O texto abaixo foi escrito por mim e publicado no jornal A Tribuna, de Santa Cruz das Palmeiras, em julho de 2000.

No último domingo, dia 25 de junho, li no jornal dois artigos. Um falava sobre a China. Outro, sobre Coronel Vivida. Qual seria a relação entre eles? O primeiro falava, entre outras coisas, que para se manter a estabilidade naquele país de mais de um bilhão de habitantes, concluiu-se ser indispensável melhorar a vida de 900 milhões de camponeses, e para isso, o governo chinês mantém campanhas “monstruosas” de investimento no interior do país. Pela reportagem conclui-se que, lá, cerca de setenta e cinco por cento da população ainda vive em áreas rurais. E emigrando para as cidades, onde já vivem 300 milhões de chineses, eles fatalmente estariam legados ao desemprego.

Enquanto isso, em Coronel Vivida, Paraná, a prefeitura vem investindo já há alguns anos para equiparar a qualidade do ensino com o das escolas da cidade, a fim de evitar que se acentue o êxodo rural. Comprando alimentos para a merenda de fornecedores locais, oferecendo cursos profissionalizantes para os jovens para aumentar a renda dos agricultores da região, priorizando jogos educativos e tomando outras medidas que vêm provando ser eficazes, a cidade vem tendo excelentes resultados.

Não é isto, infelizmente, o que se vê na maioria das cidades do interior do País. Coronel Vivida não é certamente o único exemplo, mas eles não são muitos. A China percebeu o problema, mas o Brasil não, com exceção de algumas cidades.
Meu avô lutou durante boa parte de sua vida, na primeira metade do século, para tentar conter o êxodo rural através de um programa de educação nas cidades do interior que fosse voltado para elas próprias e não para as cidades grandes. Na época em que começou sua cruzada, mais precisamente em 1911, quando estava se iniciando na carreira de professor onde hoje é o município de Serrana, a população rural no Brasil correspondia a mais de setenta por cento da população total do País.

Quando ele escreveu sua maior obra sobre o assunto, o livro A Crise Brasileira de Educação, em 1930, a população rural já havia diminuído proporcionalmente. Ele, infelizmente, perdeu a batalha, e olhe que ele deteve, em sua vida, um poder de fogo bastante razoável para conseguir o seu intento. O poder dos outros era, entretanto, muito maior, de forma que, hoje, mais de cinqüenta anos depois de sua morte, mais de oitenta por cento da população vive em áreas urbanas, com as consequências que se podem notar.

A zona rural em geral vai perdendo habitantes, que vão para as cidades, que, tanto pequenas quanto grandes, vão crescendo e inchando. Colônias rurais antigas e hoje vazias são varridas, literalmente, pelas máquinas que as derrubam e no seu lugar plantam principalmente cana. A impressão que fica é que ali nunca houve povoamento algum. Nenhum resquício, quase nenhuma lembrança... é até impossível de localizar com exatidão onde estava aquele patrimônio.

Poucos dias atrás, e antes de ler o jornal de domingo, estive num lugarejo chamado Canindé. Canindé não tem mais do que vinte casinhas, algumas delas, antigas e muito bonitas, sinal de que um dia aquela foi uma próspera vila. Nos anos 1920, era uma bastante próspera estação ferroviária do ramal de Igarapava, este uma continuação do tronco da Mogiana, que levava a Uberlândia e Araguari. Nessa época, um fazendeiro construiu ali um depósito de locomotivas, de onde elas partiam diariamente para o norte, chegando pelas linhas da Mogiana à beira do rio Grande, carregando lenha para as usinas e fazendas do próspero coronel, dali seguindo por seus próprios ramais.

Os anos passaram, as ferrovias se deterioraram, e para piorar a situação, em 1979, Canindé, que já não tinha mais a partida dos trens do coronel, ficou também fora da linha do ramal, retificado nesse ano pela Fepasa. Perdida no meio do canavial cada vez mais denso, e a seis quilômetros do asfalto da via Anhangüera, há poucos anos os moradores que sobraram foram procurados pela Prefeitura da cidade a qual passaram a pertencer, Aramina, para que cedessem suas terras em troca de casas prontas, num bairro novo muito próximo do centro do município.

Vários trocaram, poucos ficaram. Canindé ainda existe, mas não é nem uma sombra de seu passado. As crianças brincam nas árvores secas que ainda sobraram junto ao canavial, e a velha estação virou moradia para algumas famílias que nem sabem a quem ela pertence. Eles dizem que não saem. Até quando?

E até quando o Brasil vai resistir, com o êxodo das pessoas do interior, expulsos de suas origens pelo interesse e omissão do próprio poder público? Pobres cidades, vilas e povoados que perdem cada vez mais a sua identidade e cujo povo acaba favelizando as cidades, tendo uma queda brutal na sua qualidade de vida, e, pior, sem percebê-lo, alimentados pela esperança e pela oferta de uma vida melhor que apenas pouquíssimos conseguem alcançar... Esperemos que, daqui para frente, mais prefeitos como o de Coronel Vivida e menos como aquele de Aramina apareçam em nossas cidades.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

DÁ PARA ACEITAR ISTO?

A plataforma de São Carlos depois do acidente - Foto Ocimar (sobrenome desconhecido) em 18/7/2010

Ontem, domingo, mais um acidente ocorreu nos trilhos da ALL. Desta vez, foi em São Carlos, junto à plataforma da estação ferroviária. Um vagão descarrilado foi passando e arrancando diversas lajotas e pedaços da (antiga) plataforma de embarque.

Segundo alguns relatos sobre o que aconteceu, "um vagão carregado de farelo, sentido Araraquara - Santos, descarrilou bem antes da passagem de nível próxima da estação. A composição continuou rodando e só parou depois de uns 1500m, quando passou sobre o pontilhão da Travessa 8. O vagão descarrilado atingiu a testa da mureta da plataforma em todo seu comprimento e destruiu todos os dormentes por onde passou. Os pedaços grandes e pequenos de tijolos, de cimento e de dormentes saltaram para dentro da plataforma (...) O vagão descarrilado pendeu para o lado da plataforma: caso tivesse sido para o outro lado, pegaria todos os pés-direitos de ferro que sustentam a cobertura e talvez não tivéssemos mais estação para ver, já que o telhado que cairia puxaria consigo boa parte das suas paredes internas".

Se fosse um problema isolado, vá lá - se bem que o problema é grave, pois destrói parte de um bem que é público (pertence à União, como qualquer bem da extinta RFFSA, que por sua vez ficou com o acervo da FEPASA em 1998), de valor histórico e somente não fez vítimas porque a plataforma está costumeiramente vazia - ou quase vazia - pois, trens de passageiros, sabemos, não existem mais ali há pelo menos nove anos. Sem trens de passageiros, sem ninguém para esperar por ele.

Não é um problema isolado. Acidentes na ALL são corriqueiros hoje em dia. Não fiz qualquer estimativa de número, mas imagino que a Central do Brasil, que tinha muito mais trens rodando do que a ALL, já está perdendo para esta no número de acidentes. (Por que a Central tinha mais trens? Ora, porque na época os trens de carga eram menores, ao mesmo tempo havia mais carga para um número bem maior de clientes sendo transportada e portanto mais trens, além do grande número de trens de passageiros que então existiam)

É claro que existe a tal falha humana, mas a maior parte desses acidentes é, sem dúvida, causada por falta de manutenção, ou, pelo menos, por manutenção insuficiente. Não, eu não trabalho na ALL e nem sou expert no assunto, mas não é preciso ser um profissional da área para ver como estão os trilhos e o leito da via permanente da maior parte das linhas da ALL para ver que os trens têm de andar devagar, com muito cuidado, para não descarrilar. E às vezes descarrilam.

A ALL está em São Paulo há 4 anos nas linhas da ex-Paulista e Noroeste. E há 10 anos nas linhas da ex-Sorocabana. Já era tempo de ter feito uma boa revisão nas linhas, que já estavam em mau estado quando foram deixadas pela FEPASA/RFFSA em 1999. No Paraná, há pelo menos um movimento que acusa a empresa de não dar manutenção adequada à via e à frota, causando lá também uma série de acidentes.

Realmente, não dá para entender o que se passa pela cabeça desse pessoal. Com a via em bom estado, a velocidade dos trens poderia aumentar e, portanto, baratear os fretes. Com isso, arranjar mais clientes e mais cargas. A impressão que se tem, no entanto, é que a filosofia da empresa é ter o maior lucro possível com um mínimo de investimentos.

Além do mais, o fechamento de inúmeras linhas que estavam ativas no tempo em que não havia concessão (exemplos? Ramal do Paranapanema, trecho Presidente Prudente-Presidente Epitácio, ramal de Piracicaba, linha Mafra-Porto União-Marcelino Ramos e outras), onde poderiam ser conseguidos novos transportes, acaba por aumentar a impressão de satisfação com o lucro atual.

Há que se lembrar que a concessão de transportes é fundamental para o escoamento da safra e produção industrial do país, e isso vem sendo tratado como secundário... terciário, talvez. O número de ações judiciais que aparecem na mídia contra a empresa - muitos com ganhos contra ela - também impressiona quem acompanha o assunto.

Nesta semana, recebi a cópia de um artigo que fala sobre a conclusão de uma CPI estadual sobre a concessão da empresa: os deputados chegam à conclusão de que a ALL deveria perder essa concessão imediatamente, entre outras decisões. Seja qual foi a decisão, nada acontecerá, pois a concessão é federal - o que os deputados fizeram foi pura e simplesmente demagogia e perda de tempo.

Não seria o caso de o governo federal, pelo menos, questionar a empresa para saber o que está acontecendo? Quem está perdendo mais nisto, no final das contas, é o Estado de São Paulo.

domingo, 18 de julho de 2010

A HISTÓRIA DE SEMPRE

Fotografia - Agência Estado - 23/6/2010

No dia 19 de junho passado e durante alguns dias seguintes, diversas cidades do norte do Estado de Alagoas e do sul de Pernambuco foram devastadas por enchentes de diversos rios da região: os rios Paraíba, Mundaú, Canhoto, Jacuípe e Camaragibe arrastaram casas, pontes, pessoas e animais.

Somente em Alagoas, a catástrofe destruiu boa parte de algumas das 28 cidades e causarem a morte e o desaparecimento de pelo menos 56 pessoas, deixando ao lado disso mais de 27 mil pessoas desabrigadas e mais de 44 mil desalojadas. Pelos números, dá para se ter uma idéia da devastação.

Um mês depois, duas delas ainda estão sem água encanada e mais onze estão com o sistema deficiente. Oito estão sem energia elétrica na zona rural - lembrando que são cidades pequenas com uma média de habitantes na zona rural bem maiores do que a média nacional.

Segundo o que se lê nas notícias, a maior preocupação das autoridades em saúde pública é com a proliferação de doenças como a leptospirose e com a dengue, já que o Estado vive a maior epidemia da história. A primeira é uma doença que tipicamente surge após as enchentes - até aqui, nenhuma surpresa. Mas a segunda já estava lá antes - e com águas paradas, empoçadas, tende a piorar. Se já ia mal e não era combatida corretamente, imagine agora, com os acontecimentos fora de controle.

Os desabrigados e desalojados até hoje não estão abrigados como deviam - ou, pelo menos, como foi a eles prometido. Como sempre, a ajuda do governo vem tarde, atrasadíssima. Infelizmente, aqui, também nenhuma surpresa.

Porém, ninguém fala no seguinte: qual foi a causa das enchentes? Alguns falaram em rompimento de barragens. Outros, em represamento de água por algumas pontes baixas e estreitas. Outros, em excesso de chuvas. Ora, se isso for uma tendência, não seria o caso de não se recontruírem essas cidades , ou, pelo menos, seus bairros ribeirinhos no mesmo local? Alguém analisou isso?

É certo que muitas dessas cidades existem há mais de cem anos à margem dos rios, mas, se algo mudou, por que não pensar nisso?

É isso que não vejo nas notícias e que deveria ser uma preocupação. E que ajudem essa gente, por favor, sem pensar em demagogia ou em burocracia para liberar verbas.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

DEGRADAÇÃO RURAL


As fotos acima (a colorida é de autoria de Jorge Alves Ferreira) mostram a degradação rural no Brasil. A mais nova é atual; a outra, dos anos 1950.

O local? Região em volta da estação ferroviária de Aristides Lobo, no município de Barra do Piraí, RJ, muito próxima do rio Paraíba do Sul, que se vê ao fundo.

Este fenômeno - abandono e ruínas no campo - não é uma exclusividade brasileira, e é difícil de se resolver. Já disse muitas vezes em minhas postagens que meu avô lutou durante a maior parte de sua vida para tentar reverter esta situação. Morreu tentando, e depois da morte dele, a situação se agravou muito.

Em 1930, apenas 30% dos habitantes brasileiros moravam em zonas urbanas. Hoje, são mais de 80%. Um aumento de 50 pontos percentuais em 80 anos. A concentração de pessoas em zonas urbanas causa tudo o que se vê hoje em dia: pobreza, problemas de saúde, educação, violência. E o pior deles: falta de esperança.

O pior: é um problema mundial também.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O DRAMA DAS ESTRADAS DE FERRO NO BRASIL


O título desta postagem é também o nome de um livro escrito por Hugo de Castro em 1981, onde o autor narrava várias histórias que considerava absurdas ocorridas nas ferrovias brasileiras. Realmente, havia muitas coisa interessantes... embora muitas delas um tanto duvidosas, por uma série de motivos e também porque neste tipo de "relatório" existe sempre o fator "opinião pessoal". Como existe esta também no que escrevo a seguir.

Depois de serem sucateadas até um ponto de quase não-retorno, as estradas de ferro do Brasil foram cedidas em concessão a consórcios-empresas entre os anos de 1996 a 1998. Hoje, estão em situação melhor do que estavam... com exceção de diversos trechos que não são utilizados pelas concessionárias e que permanecem no abandono. Exemplo? Em São Paulo, a Santos-Juquiá, a antiga São Paulo-Minas, o trecho Tupã-Panorama e outros.

O drama das estradas de ferro no Brasil, portanto, continua. Os trens de passageiros, antigamente uma necessidade e uma exigência governamental, não mais existem, com exceção dos já conhecidos - somados com os trens metropolitanos, não chegam a 3.000 km de linhas. As ferrovias que transportam quase que somente cargas transportam minérios em 80% dos casos. Muitos outros produtos que poderiam e até deveriam ser transportados por ferrovia ficam à margem, pois as empresas não se interessam por outros transportes - fora grãos, ao redor de 10%. Elas estão satisfeitas com o lucro que conseguem com o que transportam com um mínimo ou nenhum investimento.

Uma lástima, pois, mais do que receber dinheiro para operá-las, as concessionárias deveriam ajudar a infra-estrutura do País, coisa que não estão nem um pouco interessadas em fazer. O controle da União é praticamente nulo e não há nenhum plano para ordenar os modais ferroviários. É discussão "pra mais de metro".

Para piorar as coisas, desde que se começou a privatização - 14 anos - a quilometragem de trilhos pelo País praticamente não cresceu; muito pelo contrário, diminuiu. Linhas que estavam ativas - mesmo com transporte pequeno ou nulo, embora com trilhos - foram abandonadas por não terem interesse econômico para as empresas que têm as concessões. Linhas novas, com exceção de algumas curtas variantes em volta de cidades (como Barretos e Sete Lagoas, por exemplo), de um prolongamento da Ferronorte completado em 2000 e do avanço da Norte-Sul até o Tocantins (por enquanto ela é a "Norte-Lugar Nenhum"), além de novos trechos do metrô de São Paulo e do Rio - curtos, como é característico de transportes metropolitanos - não foram contruídas, esbarrando sempre em discursos do "vamos construir" e da famosa guerra das licitações.

Hoje mesmo, li que a Oeste-Leste, na Bahia, e a Norte-Sul, em Goiás, estão paradas porque "a Valec suspendeu a entrega de propostas das concorrências da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, trecho Ilhéus-Barreiras, e da extensão Sul da Ferrovia Norte-Sul, trecho Ouro Verde (GO) – Estrela do Oeste (SP) devido à determinação judicial", transcrevendo a notícia. "O Tribunal de Contas da União (TCU) exigiu alterações nos editais lançados pela Valec e as empresas interessadas na concorrência entraram na Justiça para suspender o certame, alegando que o tempo não era suficiente para realizar as alterações nas propostas", continuando. Ou seja, falta alguém com mão de ferro e real vontade política para contornar a demagogia e os excessos. Da forma que as coisas vão as obras - e isto não envolve alepnas ferrovias, não - jamais serão construídas e perder-se-á bastante dinheiro com tudo isto, por motivos óbvios.

O TAV - ou trem-bala Campinas-SP-Rio vai entrar em licitação. Vamos ver quando será iniciada a obra. E quando será terminado. Há muita gente que aposta que acabará não saindo. Vamos ver. O pior é que é necessário. Uma pessoa hoje no jornal disse que, a esse preço de passagem, o mesmo de um voo São Paulo-Buenos Aires, prefere ir para a Argentina. Mas não percebe que esta sempre será uma escolha dele, quando pode escolher. Depender somente de avião que vive dando chapéu para fazer Rio-São Paulo é que não podemos ficar, e ninguém parece perceber isto. Ônibus é desconfortável e leva pelo menos 5 horas.

Finalmente, o panorama não é dos melhores, embora as notícias sobre ferrovias na mídia tenha aumentado bastante de 1996 para cá. A desilusão não é somente minha, outros brasileiros também pensam assim, como Noé Gomes.

Nota: Hoje foi publicado um texto meu no blog de Ricardo Della Rosa, sobre a participação de meu avô na Revolução Constitucionalista de 1932. Nada a ver com o tema do post, mas a notícia é esta.

terça-feira, 13 de julho de 2010

POLÍTICOS

Estação Alto do Ipiranga do metrô em 2007. Foto Salles

Aqui em São Paulo, os candidatos a governador falam uma besteira atrás da outra. Falam coisas que não são besteira também, mas que, convenhamos, não se pode tomar como uma promessa de campanha.

Não sou muito fã do Serra nem do Alkmin - mas, de qualquer forma, não deixaram o Estado mal durante seus governos. Erros e acertos, deu positivo. Algo muito bom? Metrô e CPTM. Algo muito ruim? Pedágios caros demais, e não o "excesso" deles, além, também, de eliminar rotas alternativas para praticamente obrigarem os carros a usarem os pedágios (absurdo).

Do outro lado, o candidato do PT passa a meter o pau no PSDB, afirmando que o metrô está indo muito devagar. Ora, se há algi que vai indo bem em termos de construção é o metrô de São Paulo. Podia ir melhor? Sempre poderia. Poderiam ir ao ritmo China, por exemplo, que constrói dez vezes mais do que São Paulo, pelo menos neste momento. Mas a realidade chinesa é diferente da nossa. Comparando o governo de Covas para cá, esses três governadores investiram bastante na modernização da nojenta CPTM de 1994 e em novas linhas de metrô. Então, o adversário está pisando no calo errado.

Se ele, por exemplo, pisasse no Covas, que entregou a FEPASA de mão beijada, de graça, para a União, em abril de 1998, eu concordaria. O paradoxo, entretanto, é que, enquanto o Covas enterrou a FEPASA e de quebra o que restava de trens de passageiros no Estado - lembrando que São Paulo foi o último Estado da União a acabar com esses trens (excetuando-se os eternos trens da Vale e da E. F. Amapá) -, foi ele mesmo quem começou a recuperação da CPTM e começou a acelerar as então modorrentas obras do metrô.

Eu não sei quem vai ganhar as eleições para governador em São Paulo. Mas os candidatos podiam, pelo menos, mirar na mosca certa!

domingo, 11 de julho de 2010

TRANQUEIRA

A estação de Tranqueira, de madeira e construída toda em madeira, em fotografia tirada por mim em 2002.

Ontem, ainda em Curitiba, resolvi visitar uma velha estação que fotografei em 2002 e da qual não tinha notícias há muito. Curioso, há estações que ninguém visita para fotografar.
Fiu até lá de carro, seguindo a rua Mateus Leme sempre em frente. A um determinado ponto, ela vira rodovia: a rodovia dos Minérios. Entra no município de Almirante Tamandaré e, depois da entrada para esta cidade, seguimos mais seis quilômetros para chegar ao bairro de Tranqueira.
À medida que se vai avançando pela estrada, começamos a ver as caieiras que existem aos montes ali - e, também, a estrada e seus arredores cada vez mais esbranquiçado, com o acúmulo da poeira branca que precipita do ar da fumaça expelida pelas usinas. Somente junto a Tranqueira, há duas. E há diversas outras antes de chegar e também depois, no caminho para Rio Branco do Sul.
Eu sabia que a estação de madeira de Almirante Tamandaré já tinha ido para o chão. Eu a fotografei, também, em 2002. Tanto que, sabendo que ela não mais existia, nem me preocupei em ir até o local. Sefui pela estrada direto até Tranqueira. Eu não me lembrava que a estação não ficava ao lado da rodovia. Então, como a linha que cruza em nível a rodovia é simples, fui procurar por uma linha pelo menos dupla, onde poderia estar a estação.
Não foi tão simples. Avancei por um lado, à esquerda da rodovia (sentido Rio Branco do Sul) e entrei por uma rua de terra. Ali vi o início do pátio, com um AMV de onde saía um desvio. Não deu para prosseguir de carro por ali pois havia um atoleiro. Dei a volta, entrei numa estrada asfaltada e a um certo ponto, entrei à esquerda, acompanhando a linha - também simples, ali. A um determinado ponto, a linha se abria no pátio. Olhei em frente. Nada da estação.
Acompanhei a linha com o carro e nada - nem sombra da plataforma. A estação deve ter sido demolida, pensei. Parei numa casinha e perguntei a um senhor, que rapidamente: falou: "ficava logo ali", apontando com o dedo, "foi incendiada há alguns anos". Típico. Estação de madeira, já abandonada em 2002, o incêndio era quase que inevitável. Pode ter sido acidental, com algum idiota acendendo uma fogueira dentro ela. Ou proposital, ou por vandalismo, ou de algum morador cansado de ver o prédio descuidado e possivelmente com mendigos ou drogados dentro dele. Já vi isso acontecer em outras estações - se não são de madeira, mete-se a marreta nelas.
No caso, não havia plataforma porque mesmo esta era também de madeira. Então, com o mato crescido ao lado da linha, não se vislumbra nada, mesmo. Uma pena, era uma construção de madeira bem típica da região, como se pode ver na foto acima, uma das tiradas por mim em 2002. Como as outras estações do ramal que tinham a mesma tipologia desta também não mais existem, não sobra mais nenhuma para contar a história. Triste, mesmo.

sábado, 10 de julho de 2010

A RUA MATEUS LEME EM CURITIBA

Algumas casas fotografadas hoje na rua Mateus Leme: Acima, à esquerda, uma casa com duas fachadas; à direita, casa em nível mais alto que a rua, comum nessa via; o belo casarão em frente ao Shopping Müller, com a sua lateral na rua que cruza a Mateus Leme; e algumas casas com a frente junto à calçada, sentido centro.

Aqui estou eu, de novo em Curitiba, cidade da qual gosto demais. Meu filho veio para cá de automóvel ontem, para voltar no domingo e eu resolvi entrar de carona. Motivo? Matar as saudades da cidade. Adoro andar por Curitiba, admirar a cidade. Sinto-me bem aqui. Pela primeira vez, fiquei do outro lado da cidade. Normalmente, fico pelos lados do Batel, onde estão a maioria dos hotéis mais novos. Desta vez, fiquei num hotel junto ao Bosque do Papa, numa travessada rua Mateus Leme.

Esta rua me surpreendeu. Eu já havia passado por ela, mas uma ou duas vezes sem prestar atenção. Desta vez, resolvi ir para o centro da cidade a pá. Fui e voltei duas vezes. Vinte e cinco minutos cada "perna". A rua é muito interessante. Longa, liga o largo da Ordem, no centro velho da cidade, com a cidade de Rio Branco do Sul: é só seguir sempre em frente. Ela mantém, pelo menos até a altura do Bosque do Papa, um equilíbrio entre as construções que a acompanham. Casas antigas de fachada à beira da calçada, intercaladas por casas construídas em plano mais alto evidenciando-se no centro de um grande jardim, por alguns edifícios de apartamentos mais recentes e pequenas lojas, além do velho prédio do Müller e um casarão que virou a recepçõ de um hotel Ibis construído nos seus fundos.

No trecho entre seu início e o Shopping Müller, a maioria das construções são casas antigas, época em que a via era caminho para a Metalúrgica Müller, que ocupava o prédio do hoje shopping. Belas casas, bem conservadas, ornam o antigo caminho. O trecho seguinte já mostra casas maiores com recuo em relação à calçada, posidionadas em terrenos mais altos, dando-lhe uma imponência sutil. Em frente ao shopping, uma delas é enorme - três andares e grande área de construção, muito bonita. Deve ser hoje um escritório. Uma das casas e curiosa, com uma fachada art-decô à frente de uma casa de telhado alto com duas águas e a terceira água caindo para a frente (uma das casas retratadas acima).

Depois do bosque, o número de árvores nas calçadas aumenta e dá uma beleza diferente à rua, sempre tortuosa. Mais um parque, o São Lourenço, aparece encostando à sua direita, mais à frente. Depois, as construções diminuem em frequência. De vez em quando, uma casa ou conjunto de casas mais antigas aparece, sugerindo que no passado estavam isoladas como pequenas ilhas urbanas. Finalmente, a estrada, a rodovia atual que sai para os municípios de Almirante Tamandaré e Rio Branco d Sul, antiga Votuverava, chamada de Rodovia dos Minérios.

Bela surpresa a rua Mateus Leme. Pelo menos para mim, um paulistano que costuma visitar Curitiba algumas vezes por ano com muito prazer. Que se onserve assim por muito e muito tempo. Conseguirá ela resistir à destruidora especulação imobiliária?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

PEDÁGIOS E CONCESSIONÁRIAS

Foto Felipe Grandin - O Estado de S. Paulo

Desde que o governo paulista resolveu entregar a manutenção das estradas estaduais - que, em São Paulo, são a maioria, é o único Estado em que isso acontece no Brasil, cujos Estados têm rodovias em sua maioria de propriedade do governo da União - para concessionárias privadas, duas coisas ocorreram: primeiro, as estradas melhoraram muitíssimo; segundo, as reclamações aumentaram logaritmicamente, por causa dos altos preços que os motoristas têm de pagar.

Devo deixar claro que é uma vergonha que o Estado - e, por tabela, os outros Estados e também a União - não sejam capazes de mater estradas decentemente fazendo eles mesmos o serviço, ou por departamentos como o antigo DER ou por empresas de capital estatal majoritário. Ora, se empresas particulares podem, por que o governo não pode? Não pode porque é incompetente, para dizer o mínimo.

Outra coisa que não está nem um pouco clara é: quem é que paga pela construção de viadutos, duplicação de pistas, etc., etc., etc (suponho que itens menores, como reasfaltamento, construção de pedágios, tapar buracos e limpez de pistas e canteiros sejam feitas pelas concessionárias)? O governo ou a concessionária? A impressão que dá é que é o governo, pois a cada nova obra, aparece a placa do governo do Estado. Ora, a concessionária ganha e não gasta? É um mundaréu de dinheiro. Os pedágios têm seus valores muito altos, mesmo.

Pedágios como os da Castelo Branco, que foram feitos apenas para que a população supostamente mais rica de Alphaville o pagasse, são escandalosos: dá para ver que as pistas laterais da Castelo acabam exatamente na entrada e saída de Alphaville, no km 23. E há outros escândalos. Porém, realmente as estradas estão boas, muito boas. Dos males o menor: paga-se um absurdo, mas recebe-se boas estradas.

Enquanto isso, as estradas federais fizeram concessões de forma diferente: há cerca de dois anos, entregaram a concessão a quem oferecesse o pedágio mais baixo para fazer o serviço de conservação. Parece que foi o Ovo de Colombo. Hoje pode-se ver que a manutenção dessas rodovias federais vai mal: basta andar ela Regis Bittencourt ou pel Fernão Dias. Estas rodovias federais, duas das poucas em São Paulo que historicamente eram ruins, estão melhor: mais limpas e sem grandes buracos. Note bem, porém: sem grandes buracos, não sem buracos. Ou seja: arrecadar menos pedágio gera menos obras e mais desleixo.
Pude ter uma boa ideia disso hoje, quando vim com meu filho dirigindo de São Paulo para Curitiba. A um dado momento, o transito parou. Levamos mais de uma hora e trinta minutos para andar dez quilômetros na serra do Cafezal, em Cajati, SP. Um caminhão que tombou sua carga pesada às cinco da manhã ainda estava com a carga no chão interditando uma pista às duas da tarde. Além disso, nenhum, absolutamente nenhum aviso foi dado em ponto algum da estrada sobre o acidente e o congestionamento. Nem pela polícia rodoviária federal, nem pela concessionária - que poderia ter dado a notícia no pedágio anterior. Notar que essa morosidade não tinha nenhum escape e foi num trecho em que não havia qualquer posto de gasolina. Motoristas com pouco combustível correram o risco de ter pane seca.

Tudo continua como dantes no quartel de Abrantes, senhores. O Brasil não muda, nem com privatização, nem com estatização.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O "MONGE" DE CAIEIRAS

Visitantes na fábrica de papel da Melhoramentos, em 1914 - território parnaibano.

O que hoje é o município de Caieiras, norte da Grande São Paulo, era, em 1925, uma "área cinzenta". A oeste do rio Juqueri, pertencia a Parnaíba (atual Santana de Parnaíba). A leste, a Juqueri (atual Mairiporã). O local se chamava Caieiras por causa da construção de uma estação ferroviária ali com esse nome em 1883, à margem leste do Juqueri, portanto no município que levava o nome do rio. Em volta da estação, formou-se uma vila, que hoje é o centro do município de Caieiras; do outro lado era terra da Companhia Melhoramentos, "área cinzenta" onde a Melhoramentos mandava mais do que a prefeitura de Parnaíba.

A polícia desta cidade tinha dificuldades de acompanhar os delitos que se praticava naquela área; as estradas que levavam para lá eram péssimas e o relevo não ajudava. Era mais fácil, porém igualmente demorado, ir até a estação de Barueri, na Sorocabana, tomar o trem para a estação central em São Paulo, dali seguir para a Luz e tomar o trem da Ingleza para Caieiras, e dali entrar de volta em terras do município. Em 1925, a situação era como a descrita.

Eis que aparece em Cayeiras, no km 32, um senhor de nome Misael, dedicado à profissão de "curandeiro-espiritista", que abusava da boa fé e ingenuidade dos moradores do local, chegando a construir uma casa à custa deles, com promessas de bênçãos etc. Ocorre que ele tratou de uma estudante de 18 anos do Grupo Escolar local, por homeopatia e alopatia, e a moça morreu, tendo sido sepultada sem atestado medico e formalidades legais. A polícia de Parnaíba foi avisada e foi investigar. Descobriu que Misael também se dava ares de profeta, espalhando pela plebe ignara que "o General Isidoro em breve estará em São Paulo e será o salvador da República". Sim, o general Isidoro Dias Lopes, que havia meio ano tinha sido um dos rebeldes que invadiram a capital de São Paulo na revolução de 1924 e teve forte apoio do povo mais simples.

Com dificuldade para chegar ao local, a polícia foi ajudada pelo pessoal da Melhoramentos, que conheciam bem o "curandeiro". A empresa relatou por escrito à delegacia parnaibana que "de boa vontade damos as informações a respeito do caso. Existe de fato no lugar indicado na denúncia esse curandeiro que se diz espírita, fazendo reuniões aos sábados à noite, com grande concorrência de adeptos, gente muito ignorante. É fato que o referido espírita conseguiu que lhe dessem terreno e que lhe construíssem uma casa a troco de promessas de coisas impossíveis. Esse falso espírita cobra a seus irmãos uma certa quantia em dinheiro, mensalmente, do qual consta que dá recibo; essa importância foi ultimamente aumentada para 5$000, em virtude da carestia da vida. O referido curandeiro chama-se Misael Rocha, ex-telegrafista da Companhia Sorocabana. Esse senhor já foi proibido de entrar nas propriedades da Companhia Melhoramentos, onde tem o seu maior número de adeptos, e onde tem feito maior número de vítimas, isso devido em grande parte à facilidade com que consegue em São Paulo o atestado médico para o sepultamento".

Havia pelo menos mais um curandeiro na região, um tal Antonio de Carvalho. Enquanto o povo gostava deles, já a Melhoramentos queria-os longe dali. Quanto à delegacia parnaibana, cada vez mais se queixava da dificuldade em policiar e atingir aquela região para investigações. Tanto fizeram que o município de Parnaíba, em 1934, teve desmembrada a área da Melhoramentos, perdendo enorme fonte de renda, na época, talvez a sua principal. Nos 25 anos seguintes, em volta do rio Juqueri, houve uma autêntica revolução nos limotes originais, tendo surgido ali Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato e Cajamar, para prejuízo de Parnaíba e de Juqueri. Quanto aos curandeiros, que fim terá levado os dois... ou mais?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A VILA MARIANA QUE NÃO EXISTE MAIS

Casa onde viveu o empresário suíço Roberto Mange, na rua Vergueiro, em foto de 1915.

Ainda em uma localização provisória e sem link no site Estações Ferroviárias, algo que tem quase nada a ver com ferrovias numa nova página: a memória do bairro paulistano da Vila Mariana, onde vivi parte de minha infância.

Vejam clicando aqui. Ainda há muita coisa a adicionar nessa página, que mostra locais da Vila Mariana que não existem mais.

terça-feira, 6 de julho de 2010

VÓ CONSTANÇA


Vó Constança. Ontem eu achei essa foto aí em cima, tirada em 1929 numa sala de uma casa hoje demolida na rua Neto de Araújo, na Vila Mariana. É da minha bisavó, mais conhecida como "vó Constança", termo usado por uma de suas inúmeras netas: minha mãe Astrea.
Mamãe lembra-se pouco dela: quando Constança morreu, ela tinha apenas 8 anos. Mas ela se lembra, sim, de tê-la visto em São Paulo e em Porto Ferreira, "no Porto", onde ela morou até 1927, quando seu marido, Daniel, morreu, com 81 anos. Aí os filhos trouxeram-na para São Paulo, para a Vila Mariana, onde minha avó e boa parte de sua família moravam.
Foi para a rua Neto de Araújo, a cerca de 3-4 quarteirões da casa de meus avós, Sud e Maria.
Dava para ir a pé e, claro, sem problemas de atravessar a rua: eram tão pouco tráfego... A casa era mais alta do que o nível da rua, tinha uma escada para subir e entrar na varandinha na frente da casa. Muito bonitinha, telhado de duas águas, jardimzinho na frente. Garage, não tinha: para que? Ainda há três casas muito similares, uma do lado da outra, no final da rua, lado par, só que com algumas diferenças - fora as descaracterizações que sofreram, claro. Elas não têm duas águas somente no telhado frontel, mas quatro. Só isso já faz com que se veja que nenhuma delas é a casa que foi de minha bisavó.
Minha mãe ainda diz: "ela cosumava me dar remédios quando eu estava doente e ia para a casa dela: como eu recusava, ela tirava o chinelo e dizia: se não tomar por bem, toma por mal. E eu tomava. Ao contrário do que dizem os educadores de hoje, jamais tive nenhum trauma por isto".
Dois de seus filhos, os dois mais novos, Esther e Fávio, então com 20 e 12 anos, ainda moravam com Constança. Ester dava aulas de piano para minha mãe. As fotografias que tenho da casa, de 1929, mostram pessoas na janela da frente ou na varanda. Em uma delas, minha bisavó.
Cara de portuguesa escarrada (mas como se define uma cara de portuguesa?), ela tinha 59 anos quando tirou a foto acima, pensativa, olhando para o longe na sala de sua casa. Parecia bem mais velha do que a idade real, apesar de não ter quase cabelos brancos. Porém, treze filhos e a morte recente do companheiro de 41 anos deixaram sua marca.
Já se ia longe aquele ano de 1886, quando embarcou em Lisboa num navio que a trouxe para o Brasil, para ~"o Porto", para casar com um homem 23 anos mais velha que ele, também português e amigo de seu irmão. Deram-se bem, no entanto.
Menos de três anos depois da fotografia, no início de 1932, morreu, de volta "ao Porto", de aortite. Deixou uma lição de vida, possivelmente tendo em sua mente os dias em que levava a filharada para a grande aventura de lavar as roupas no Mogi-Guaçu.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

TRÊS LAGOAS NA HISTÓRIA DO BRASIL

A impressionante cidade de Três Lagoas, com a linha no centro e um monte de ruas sem pavimentação.

É, meus caros. Ferrovia não tem vez neste País. Se fosse algo ultrapassado, vá lá. Mas é ultrapassado somente na visão dos políticos que governam (mal) este país. O jornal Dia a Dia, provavelmente da região, fronteira de Mato Grosso do Sul com São Paulo, coloca em manchete que foi "iniciada a obra do contorno de Três Lagoas".

Cidade com
pouco mais de cem mil habitantes, segundo a Wikipedia, a reportagem diz que a tarde do dia 2 de julho entra para a história da cidade, pois marca o início das obras do contorno ferroviário. Que maravilha! Imaginem o que uma ferrovia que passa no meio de uma cidade com cem mil habitantes deve atrapalhar seu "enorme" trânsito.

A relação de políticos presentes à "festa" era impressionante. Quase havia mais políticos do que população. Inacreditável. Em Três Lagoas não deve haver coisa alguma para se fazer, então todos dão festa por qualquer motivo. A prefeita discursou e disse que o dia era muito importante pois marcava um antigo sonho da população da cidade. Sério mesmo? Não há nada de mais importante que se possa fazer pela enorme metrópole de Três Lagoas?

A cidade nem esgoto tem! Aliás, nem água corrente. Que coisa, hein? Mas tirar os trilhos - é por causa deles que a cidade existe - é mais importante. Façam uma avenida! Não é disso que todo prefeito gosta? E não se esqueçam de pôr nela o importantíssimo nome de algum político da região. Disso, prefeitos também gostam. Em segundo lugar, vem colocar os nomes dos pais, tios e parentes.

Divirtam-se! Deus salve o Brasil!

domingo, 4 de julho de 2010

VIAGEM INACABADA

O trem em Itirapina vai partir, em 22 de março de 2000 (Foto Carlos Roberto de Almeida)

Hoje estava lendo duas mensagens que recebi do Carlos. Carlos é um velho conhecido, que adora as ferrovias e a Sorocabana - o pai dele trabalhou lá - e também, de andar de trem. É triste ler suas histórias que ele constantemente conta sobre suas viagens: elas são cada vez mais raras, pois trem de passageiros no Brasil - meus leitores estão carecas de saber disso - já é raridade e, principalmente, passado.

Hoje, Carlos se contenta com viagens quase diárias nos trens da CPTM e do metrô - que sim, são trens de passageiros, mas não no estilo clássico: o trem para toda hora, passageiros viajam (principalmente) a pé e a paisagem, salvo raríssimas exceções, é sempre urbana.

Ele comnetava que desde os 14 anos de idade já viajava de trem, usando autorização do Juizado de Menores pedida por seu pai. Ele andou principalmente no Estado de São Paulo, que, de todos os Estados brasileiros, foi o que manteve seus trens de longa distância por mais tempo, eles que acabaram somente em março de 2001, enquanto, salvo os três trens da Vale, o "semi" de Paranaguá e o do longínquo Amapá, nos outros Estados acabaram no máximo em 1996.

Ele viajou, por exemplo, no Barra Mansa-Ribeirão Vermelho, que se foi em 1996, na Noroeste, em 1993... mas o que doeu mesmo foi o relato dele da viagem que ele fez à Alta Paulista em 2000. Antes, uma explicação: os trens de passageiros da Fepasa, aqui em São Paulo, foram acabando aos poucos, com os últimos correndo até final de 1998. Digo isto porque no início de 1999 eles continuaram - menos o da Sorocabana, que, mesmo indo contra o contrato assinado entre a RFFSA e a Ferroban, que assumiu a concessão no início desse ano, parou logo em janeiro.

Só que os trens, depois de um intervalo, passaram a sair de Campinas e de Sorocaba - os primeiros, para Panorama, Barretos e Santa Fé do Sul e o segundo, para Apiaí. O contrato mandava que esses trens seguissem andando por um determinado tempo. Para que? A última coisa que a Ferroban queria eram trens de passageiros. Então, ela passou a dificultar o máximo possível para os já parcos passageiros que restavam e teimavam, insistiam em tomar os trens: abandonou de vez estações que ainda estavam abertas (Sorocaba, Torrinha e Rincão, por exemplo), diminuiu os carros, não limpava, não se preocupava com banheiro e com refeições, com horários, com nada.

Carlos resolveu testar e relata, a seguir, sua viagem em 22 de março de 2000, um ano antes do apocalipse: "O que era para ser mais uma viagem antes do fim tornou-se um transtorno. Quando embarquei em Campinas, pela manhã, algo me dizia para não fazê-lo. Estava tudo tétrico. A estação fechada, poucos passageiros e um trem para partir somente para cumprir com o contrato. Mesmo contrariando o
instinto que me dizia para não ir, fui.

Alguns percalços pelo caminho, retenção aqui e ali, partimos de Bauru por volta das 16h00. No trecho entre Bauru e Garça, novo e com dormentes de concreto, o trem desenvolvia velocidade máxima. Aí a viagem começou a ficar interessante. Só que de repente, não mais que de repente (como alguns dizem), o maquinista aplicou emergência e o trem começou a reduzir velocidade.

Pensei em várias situações, como um atropelamento, por exemplo. Só que o impensável para nós, naquele momento, se tornou realidade. O trem parou repentinamente e todos foram arremessados de seus lugares. Como o trem já estava quase parando, a uns 20/30 por hora, a pancada não foi tão violenta. Havia um enorme bloco de arenito no meio dos trilhos. Com o impacto, a locomotiva saltou dos trilhos e ficou atravessada
pela força dos carros.

Fomos socorridos a Garça e depois cada passageiro foi levada de carro a seu destino. Eu voltei a Bauru, onde dormi e, no dia seguinte retornei a São Paulo de ônibus, pago pela Ferroban. E a boca doendo prá caramba. Levei dois pontos.

Pena. Foi minha última viagem num trem de bitola larga no estado de
São Paulo".