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terça-feira, 22 de novembro de 2016

ANOS 1940: A BAGUNÇA DOS NOMES DAS ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS

A estação e a cidade de São José dos Campos quase viraram Camponésia em 1943
Entre 1938 e 1943, houve uma febre de mudança de nomes de estações ferroviárias, considerando-se que era um absurdo a existência de nomes de estações iguais a outros, ou iguais a distritos, ou a municípios, ou que fossem muito longe da sede do município, etc.

Mesmo antes desse período, houve diversas estações, distritos e municípios que tiveram nomes alterados, mas cada caso era isolado dos outros, eram por motivos específicos.

Propunha-se a mudança de nome de uma estação porque ela tinha o mesmo nome, por exemplo, de um distrito de um município que às vezes ficava a 600 km de distância. Em muitos dos casos, mudava o nome tanto da estação quanto do município do qual ela era a principal.

O curioso é que, mesmo com essa campanha, ainda sobraram diversas estações com nomes iguais a outras.

O primeiro estudo foi feito dentro do Estado de São Paulo. Mais tarde, isto se estendeu pelo Brasil inteiro e foi um fuzuê. Houve reclamações de todos os lados e a troca radical de nomes tradicionais de estações, municípios, distritos, etc. E na maioria das vezes a reclamação era procedente.

Realmente, uma bobagem. A lei, que realmente acabou prevalecendo, causou a troca de inúmeras localidades no País inteiro, e meu avô, Sud Mennucci, foi um dos incentivaram essa "revolução". Admiro muito meu avô, a quem não conheci, mas de quem escrevi a biografia, em 1997. Admiro, mas certamente não por esta "paranoia" de sua parte. Ele foi um dos mais ativos colaboradores dessa "revolução", pelo conhecimento geográfico que tinha, especialmente no Estado de São Paulo, com uma memória de fazer inveja.

Tenho, de seus arquivos, esboços de leis, de reuniões no Instituto Brasileiro de Geografia, recortes de jornais, leis já feitas, etc..

ÉSeriainteressante citar as mudanças (dentro do Estado de São Paulo) que foram propostas para mudança de nomes de diversas estações paulistas, pelos mais variados motivos.

Nomeio abaixo algumas que foram sugeridas, de acordo com o decreto-lei no. 3599, de 6/9/1941, transcritas na ata da reunião do IHG de 28/3/1942. Estas foram sugeridas, mas, por algum motivo, não foram aplicadas. Em alguns casos, os nomes foram até alterados, mas para outros, diferentes.

Nesta lista, os primeiros nomes eram do que existia na época. O segundo, da ferrovia. O terceiro (em negrito) era o nome sugerido. O quarto e último é o nome que a estação (e/ou município) tem hoje. Aliás, como a esmagadora maioria das estações brasileiras foi fechada e até demolida, muitos desses nomes nem têm mais sentido, a não ser que algum bairro ou município tenham adotado o nome.

São José dos Campos - Central - Camponésia - São José dos Campos
Areais - SPR - Itiquiri - Areais
Campo Largo - Bragantina - Itapetinga - Campo Largo
km 7 - Bragantina - Buturucaia - km 7
km 22 do ramal de Piracaia - Bragantina - Baitacas - km 22
km 69 do tronco da Bragantina - Bragantina - Mandacaru - km 69
Bacuri - Noroeste - Guacuri - Bacuri
Iporanga - Noroeste - Açoiaba - Iporanga
Junqueira - Noroeste - Abrigo - Junqueira
Mirandópolis - Noroeste - Comandante Arbués - Mirandópolis
Bom Sucesso - E F Campos do Jordão - Mandu - Bom Sucesso
Anhumas - Mogiana - Anhara - Anhumas
Corredeira - Mogiana - Campininha - Corredeira
Guatapará - Mogiana - Angaíba - Guatapará
Itaoca - Mogiana - Itapuá - Itaoca
Macaubas - Mogiana - Jabaetê - Macaubas
Orindiuva - Mogiana - Jaguari-Mirim - Orindiuva
Porangaba - Mogiana - Poranduba - Coronel Pereira Lima
Tibiriçá - Mogiana - Tijupá - Tibiriçá
Entroncamento - Perus-Pirapora - Agarapê - Entroncamento
Nova Parada Sete - Cantareira - Arapecó - Nova Parada Sete
Via Queimada - Central - Caitaba - Vila Queimada
Vargem Grande - Central - Mamanguá - Vargem Grande
Paraíso - Itatibense - Galvões - Paraíso
Itapema - Itatibense - Boava - Itapema
Pedra Branca - E F do Dourado - Itati - Pedra Branca
Ciro Rezende - E F do Dourado - Cambará - Cambaratiba
Areia - Paulista - Ibicuitiba - Santa Irene
Batalha - Paulista - Ibiretê - Batalha
Estrela - Paulista - Tataci - Estrela
Floresta - Paulista - Ibirati - Floresta
Macuco - Paulista - Abaretê - Macuco
Santo Inácio - Paulista - Jacaré-Guaçu - Santo Inácio
Taquaral - Paulista - Taquaretã - Taquaral
Americana - Sorocabana - Americanópolis - Guilherme Wendell
Angatuba - Sorocabana - Angaturama - Angatuba
Caixa D'Água - Sorocabana - Itatins - Caixa D'Água
Fortuna - Sorocabana - Catuaba - Canitar
Iberá - Sorocabana - Ibatubi - Martim Afonso
Itupeva - Sorocabana - Inhandijara - Itupeva
Lageado - Sorocabana - Itaiá - Lageado
Pereiras - Sorocabana - Taba-mirim - Pereiras
Santa Teresinha - Sorocabana - Guaçussaba - Santa Teresinha
Serrinha - Sorocabana - Caraia - Serrinha
Cambuí - E F Araraquara - Anajá - Cambuí

A farra foi muito maior. Essas não vingaram - o nome sugerido acabou nunca sendo efetivamente implementado, mas muitas outras que não estão nesta lista mudaram realmente os seus nomes. Imaginem o que deve ter havido de confusão, principalmente quando os nomes mudavam de novo ou voltavam para o que eram.

Em alguns casos, os nomes mudaram, mas depois voltaram a ser o nome anterior, com o acréscimo de algum nome, como "Paulista", "do Sul", "do Norte", etc. (Exemplos? Cachoeira mudou para Valparaiba e 5 anos mais tarde passou a ser Cachoeira Paulista)

Isto é Brasil. Quando tudo está em ordem, arruma-se um jeito de se o bagunçar. 


domingo, 18 de setembro de 2016

SANTANA DOS OLHOS D'ÁGUA (IPUÃ), 1931

Final da carta transcrita mais abaixo (1931)

Ipuã é um município paulista que existe como tal desde 1948. Fica entre Franca e Barretos. Era um distrito que já existia desde meados do século XIX com o nome de Santana dos Olhos D'Água.

A situação dos municípios paulistas (e brasileiros) era muito estranha em 1931 e bastante diferente do que é hoje. O Estado tinha pouco mais de 200 municípios (hoje tem mais de 600) e a divisão era feita de forma totalmente aleatória. 
Como já citei em outros artigos neste blog, meu avô Sud Mennucci escreveu um livro, "Brasil Desunido", que lançaria em 1932, livro este que teve boa parte dele escrito no final de 1930 e no início de 1931 nas páginas do jornal O Estado de S. Paulo.

A partir de 1934, a situação dos municípios paulistas alterar-se-ia radicalmente, com mudanças drásticas nos seus territórios. Meu avô Sud participou da comissão que fez essa redivisão. Há diversos tópicos neste blog (de nome "A História Secreta dos Municípios Paulistas"), postadas há cerca de 2 ou 3 anos.

A carta abaixo dava uma ideia de uma situação que ocorria na época no distrito de Santana dos Olhos D'Água - hoje o município de Ipuã -  e foi transcrita mantendo-se o português da época (aliás, notem a quantidade mínima de acentos, o que era bom). Olhem só a politicagem da época (não que hoje isso não exista), especialmente na mudança de um distrito de um município para outro.

Note-se que São Joaquim é hoje São Joaquim da Barra. Note-se também que, além dos municípios citados abaixo, Santana pertenceu também a Batatais e a Morro Agudo, de acordo com outras fontes por mim consultadas.

Quem a escreveu foi o Sr. Quirino B. de Campos Junior, que residia no distrito em 1931 e aparentemente tinha, ou trabalhava em, uma loja na cidade de Guaira, não longe dali (de acordo com o cabeçalho da carta, Casa Fausto - Fausto Alves de Lima - Guayra - Via Orlandia).

"
Sant’Anna dos Olhos D’Agua, 1º de janeiro de 1931
Exmo. Snr. Sud Mennucci
Redacção do Estado de São Paulo

Saudações. Tenho acompanhado com muita attenção os seus artigos intitulados “Brasil desunido”, escriptos no “O Estado de S. Paulo”.

Levado pela admiração que sempre mereceu a sua pena inolvidavel, atrevo-me a repisar um pequeno ponto do seu artigo de hoje. Nada existe mais verdadeiro e mais triste para nós, do que sejam a politicalha que tem avassalado todos os municipios do Brasil. Refiro-me logo ao Brasil porque a miseria politica existe menos em São Paulo do que nos demais estados. O meu velho districto de Olhos D’Agua, creado em 1851, tem sido o maior joguete politico que se poderia imaginar.

Para o senhor fazer uma idéa do que tem sido a vida do districto a que me refiro, eu cito apenas o seguinte: pertenceu a Franca; para satisfazer interesses políticos passou para Nuporanga; ainda pelo mesmo motivo passou para Orlandia; ainda pelo mesmo motivo passou ultimamente para São Joaquim. O districto possui uma renda de oitenta contos; 276 predios na séde; mais de doze mil habitantes; conta com todos os requisitos exigidos pela lei para ser elevado a municipio. Por que? Simplesmente porque a politica não consente. Puseram a principio todos os obstaculos imaginaveis como sejam: mutilação do seu territorio, pagamento de divida imaginaria, divida contrahida antes da annexação do districto, etc. etc. A Camara de São Joaquim teve o desplante de exigir nada mais de trezentos contos de gratificação pela sua emancipação, ainda com sacrificio de uma parte de seu territorio com mais de dois milhões de pés de café. Não consentimos em absoluto com a proposta, porque acceital-a seria sacrificar irremediavelmente, o futuro do novel municipio. Como recompensa pelos nossos anseios de liberdade, tivemos as escolas estadoais do districto suprimidas. Um districto com doze mil habitantes, com uma lavoura calculada em seis milhões de pés de café em producção e com uma só escola estadoal. Isto tudo não é uma miseria? Não é uma infamia?

Appelamos para o Congresso, para o presidente do estado, mas todos faziam ouvidos moucos. Era o silencio revoltante. Era a espionagem em volta dos nossos actos para saber em que pé se achavam os trabalhos para emancipação, e mais fácil poderem impedir.

Eu não estou fazendo critica infundada, porque tudo o que estou escrevendo está sobejamente provado com documentos entregues á Secretaria da Justiça. O que tem acontecido comnosco, tambem está se passando com muitos outros districtos, sacrificados, humilhados pela politica nefasta. Como contra peso porem, existem districtos emancipados para perseguição politica de municípios rebeldes, e para protecção de políticos districtaes. Não tomará o governo revolucionario uma medida que desembarace esses districtos opprimidos? Uma medida geral que abranja a todos? Si vinte contos é pouco para que um districto se possa mantes, por que o governo não eleva para 50 contos? Uma lei por exemplo que estabelecesse que todos os logares que tivessem renda de cincoenta contos de reis e os demais requisitos seriam elevados automaticamente a municipio. Dessa forma ficando prejudicados os municípios que não tivessem essa renda. Seria uma medida de alta justiça, que o actual interventor federal já devia ter tomado. Ninguem ignora que os municípios são as bases do regimem. Abandonar os districtos como o estão fazendo, é provocar  uma revolta em desespero de causa, para que os districtos se elevem pela força. Uma revolta contra os municípios que os estão oprimindo, usurpando a sua vida.

Espero que o senhor desenvolvendo bem esse assumpto, chame a attenção do actual governo para a situação angustiosa dos districtos.

Olhos D’Agua não tem autoridade, não tem escolas, não tem estradas publicas, e o abandono é tão revoltante, tão miseravel, que só e unicamente ao facto de ter muita reserva de vitalidade, se deve o districto ainda não ter desaparecido. E porque o governo olhando um pouco para esses enteados, não nomeia uma comissão de syndicancia para apurar a situação desses logares? Essas comissões com isenção de animo apresentariam um relatorio das possibilidades e neccesidades e dos direitos de emancipação que assistem aos districtos de paz.

Desculpe-me a massada de ter ocupado demasiadamente o seu precioso tempo. Uns minutos de sacrificio em beneficio do estado.

Com a mais viva admiração subscrevo-me

Do patrício e creado, obrigado,

Quirino B. de Campos Junior"

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

DE JAÚ A NOVO HORIZONTE - 1947


Meu avô Sud tinha seus ídolos. Um deles era a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, na época, considerada uma das cinco melhores do mundo - será essa colocação real?

Aqui ele escrevia um artigo (mais abaixo) para o já há muito desaparecido  Jornal de São Paulo, publicado em 2 de outubro de 1947, onde comentava algo que muito pouca gente ouviu falar, pelo menos nos dias atuais: a bitola larga de  Jaú para Novo Horizonte.


Notem que ele se refere à compra da Douradense e da São Paulo-Goiaz já efetivadas pela empresa - fatos que, oficialmente, são considerados como tendo sido concretizados, respectivamente, em 1949 e 1950.

Imagino que a linha já existisse - necessitaria, no entanto, de alterações no traçado antigo dos anos 1910 (entre Jaú e Ibitinga) e mais moderno (de 1936) de Ibitinga a Novo Horizonte, construídos pela Douradense. Isso, se as modificações não alterassem o traçado da ferrovia já existente (Jaú-Posto Rangel-Trabiju-Ibitinga-Novo Horizonte).

E ninguém entendia mais da geografia paulista do que meu avô Sud.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

SOROCABANA, QUE SAUDADE!

Trecho Candido Mota-Sussuí na atualidade - Foto Joaquim Antonio Martini

Por aqui passava o trem para Ourinhos.
Por aqui passava o trem para Londrina e Maringá.
Por aqui passava o trem para Piraju.
Por aqui passava o trem para Santa Cruz do Rio Pardo.
Por aqui passava o trem para Presidente Prudente.
Por aqui passava o trem para Assis.
Por aqui passava o trem para Presidente Epitácio.
Por aqui passava o trem para Euclides da Cunha.

Por aqui passava os trens que levavam e traziam cargas que desenvolveram o país.

Por aqui passava o trem que um dia levou o Presidente Theodore Roosevelt para Piraju em 1913.
Por aqui passava o trem que um dia levou meu avô Sud Mennucci para Presidente Epitácio.
Por aqui passava o trem que um dia levou trabalhadores que construíram a linha para o rio Paraná.
Por aqui passava o trem que um dia levou os ingleses para fundar Londrina e região.
Por aqui passava o trem que um dia levou o povo que fundou as cidades da Alta Sorocabana.
Por aqui passava o trem que um dia levou o progresso de São Paulo e do Brasil.

Não dá mais para cantar: "Tomei um dia de Sorocabana..."

domingo, 26 de abril de 2015

UM DIA O TREM PASSOU POR AQUI (2)

Uma das fotos da estação de Itatingui, tirada por mim na época, que sugeriu o nome do livro
.

Uma das coisas que aconteceram nos últimos tempos e que me deram muita alegria foi a descoberta, por acaso, de um livro publicado nos Estados Unidos, de nome Brazilian Railway Culture, escrito por Martin Cooper, a quem não conheço — nem havia ouvido falar dele até três dias atrás. Porém, agradeço demais a ele pelo que escreveu sobre mim e meu livro.

Achei-o na Internet, pesquisando sobre ferrovias, como sempre faço, e não pude ler o livro todo até agora, pois o que eles publicam são partes dos livros. Um dos capítulos fala sobre alguns livros escritos no Brasil e seus escritores. O que ele falou de meu livro deixou-me muito contente, realmente, pois ele captou a essência de um livro escrito por mim há pouco mais de treze anos (2001) e que, infelizmente, tem sua tiragem esgotada.

Fruto de uma pesquisa que, na época, completava pouco mais de cinco anos, além de troca de ideias com diversos aficionados por ferrovias brasileiras e do exterior, meu foco foram os trens de passageiros do Estado de São Paulo, que, quando da publicação do livro (novembro de 2001), haviam sido definitivamente extintos oito meses antes, em péssimas condições e correndo em pouquíssimas linhas, comparadas com as então ainda existentes no Estado de São Paulo, reservadas pelas concessões para transporte de carga e para serem sucateadas — disto ficamos sabendo mais tarde…

O livro Um Dia o Trem Passou por Aqui, com subtítulo "A história e as estórias dos trens de passageiros do Estado de São Paulo e as saudades que eles deixaram" tem alguns comentários a ser feitos por mim.

A capa é uma foto que Alberto del Bianco postou em um e-mail, quando eu já estava terminando o livro: ele disse tê-la encontrado depois de algum tempo numa gaveta. A intenção não era fornecer uma capa para o livro, mas, sim, mostrá-lo em cima de uma porteira em Ubá Paulista, próximo à estação de Itirapina, em 1959, observando a passagem do trem mais famoso de São Paulo — o da linha-tronco da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.

O título veio de um comentário feito por Sergio Romano (até onde me lembro), quando viu uma fotografia postada por mim numa lista de discussão de ferrovias na Internet: "Um dia o trem passou por aqui." A foto mostrava a antiga, simples, muito bonita e então semiabandonada e já sem trilhos estação de Itatingui, lugarejo rural no município de Pederneiras. Esta linha havia sido extinta no já distante ano de 1966. Achei essa frase ideal para o título.

O texto de abertura do primeiro capítulo do livro foi, na verdade (e isto é citado ali), escrito por meu avô Sud Mennucci, em 1912, para um jornal da época — não identificado no recorte de seus arquivos, que me chegaram às mãos seis anos antes. Quando estava já revisando o livro, minha esposa se ofereceu para fazê-la também. Ela, a um determinado momento da leitura, disse-me que esse trecho era muito bonito (retratava um fato real relatado por meu avô numa viagem feita a partir de Limeira, com baldeação em São Carlos, onde meu avô tomaria outro trem para chegar a Dourado, onde dava aulas na época), alem de romântico, e deveria, na opinião dela, abrir o livro — em lugar de abrir o quarto capítulo, como estava no rascunho —, pois ele certamente abriria mais o interesse do leitor pelo resto da leitura. Eu achei que, sim, valia a pena e mudei, fazendo todos os ajustes necessários no resto do texto. Na verdade, o quarto capítulo virou o primeiro.

O autor do livro americano percebeu isso. Não a troca de capítulos, mas impressionou-se com aquele relato de meu avô e pelo fato de ele abrir o livro. Isto deixou o casal feliz aqui em casa.

Devo ressalvar que o livro foi totalmente patrocinado por mim e minha esposa e não teve qualquer evento de lançamento. O editor fui eu mesmo, contratando e intermediando os serviços de impressão com uma gráfica paulistana. Foi o meu segundo livro (o primeiro foi a biografia de meu avô Sud, patrocinada pela Imprensa Oficial do Estado, do qual também fui o editor) e o primeiro de dois sobre estradas de ferro paulistas. Não foi distribuído em livrarias, teve uma tiragem de apenas mil edições, que, com raras exceções de um ou outro livreiro que quis pegar meia dúzia de edições para deixar exposta em livrarias pequenas, foi vendida por mim, ajudado pelo meu site de estações ferroviárias. A tiragem levou dez anos para esgotar-se.

Por outro lado, é extremamente difícil este livro ser encontrado em sebos, o que significa, no meu ponto de vista, que quem o tem não quer desfazer-se dele.

E, por fim, devo dizer que, do final dos anos 1990 para cá, foi lançada uma quantidade relativamente alta de livros sobre ferrovias brasileiras, alguns muito bons e possivelmente até melhores do que os meus. Ainda assim, o meu foi um dos poucos citados neste livro americano. O texto sobre ele é curto, toma no máximo duas páginas, mas comenta realmente o que vários leitores falaram acerca dele após seu lançamento.

Não transcrevi o texto, mas coloco-o por fotografia (print screen), abaixo. E obrigado ao apoio que sempre deram a mim e ao meu livro.

sábado, 25 de abril de 2015

FAMÍLIA

Angélica (em pé), Constança e Daniel, em foto cerca de 1915 em Porto Ferreira
.

Continua sendo difícil para mim arranjar algo que me inspire a escrever neste blog. A última postagem foi há três dias atrás. O motivo, já escrevi aqui diversas vezes: os problemas sérios causados a nossas vidas por diversos fatores, mas, hoje, é pior: um governo incompetente, desonesto e corrupto que está acabando com as nossas vidas.

O problema é: estarei certo? Há gente, certamente, que discorda de mim. E não serão poucas. Vão dizer que eu sou um fracassado - não, eu não sou um fracassado, tive uma vida normal (defina "normal", por favor), ou seja, nunca fui rico nem pobre. Nunca fui pessimista, sempre fui otimista. Hoje, não vou dizer que sou pessimista, mas estou cruzando a linha entre o primeiro e o segundo.

Será que é a idade: Sessenta e três anos. Tenho uma saúde razoável, mas sempre lembro que fui operado já duas vezes do coração. Mas já não posso jogar futebol. Antes disso, teria realmente que fazer um longo tempo de exercícios até conseguir começar aos poucos. E não jogaria três, quatro hoeras seguidas como jogava antigamente aos domingos de manhã., por exemplo.

Minha família é pequena Minha esposa sempre me deu e continua me dando apoio. Meus filhos têm seus problemas, mas também tocam suas vidas. Gostam de nós e gostamos deles.

Eu sempre fui muito ligado à família. Quando era pequeno, e até meus trinta e cinco anos, tinha muito contato com eles: primos, tios, pais, avós. Hoje, tenho minha esposa e três filhos. Tenho minha mãe. Tenho meus primos, com os quais me dou bem mas pouco vejo porque estão longe, em Santa Catarina. Contato, quase sempre por telefone e eventualmente vi facebook e e-mails.

Eu gostava quando a minha família era enorme - e estou falando de uma parte dela, dos Silva Oliveira. Eu nem tenho esse nome, nem minha mãe tem, embora seja filha de uma delas. Como eles levaram suas vidas? Meu bisavô português nasceu em 1846. De todos os meus quatro bisavôs, era de longe o mais velho. Era português, de Trás-os-Montes e veio para o Brasil com aproximadamente vinte e cinco anos, ainda solteiro. Trabalhou no interior de São Paulo, como peão de obras. Sei que trabalhou na Comapnhia Paulista de Estradas de Ferro, no ramal de Descalvado, Provavelmente foi por isso que se fixou em Porto Ferreira. A cidade passou a existir em 1880, quando a linha férrea chegou ali, mas ele logo em seguida mudou-se para lá. Ou já estava por ali, vai saber.

Ele se casou em 1885, com uma irmã de um amigo seu que provavelmente conheceu já no Brasil, Casou-se por procuração e conheceu sua esposa quando ela chegou ao Brasil, já como sua mulher. E deu certo. Havia vonte e cinco anos de diferença entre eles. Em 1886 já tiveram o primeiro filho (Manuel, como todo bom português) e tiveram treze no total, o último em 1916, Flavio, quando ele tinha setenta e um anos.

Daniel era Oliveira. Oliveira Carvalho, na verdade. Sua mulher era Silva. Os filhos eram Silva Oliveira. somente uma delas, minha tia Angélica, que era Oliveira Carvalho, sabe-se Deus por que. Em Porto Ferreira, foi ele que trouxe as linhas telefônicas (1909). Trabalhou também no cartório. Foi um dos autonomistas do município, criado em 1896 - as reuniões eram em sua casa.

Treze filhos e filhas. Com exceção de dois, que morreram cedo (uma, Madalena, com treze dias e o outro. Lollio, de pneumonia, com vinte e um anos), todos vieram para a capital para morar, em épocas diferentes. Muitos ficaram e morreram em São Paulo, como minha avó Maria, por exemplo, a que se casou com Sud Mennucci em Porto Ferreira e que com ele veio morar na Vila Mariana, em São Paulo, em 1925.

Os outros onze: Manuel foi para São Paulo, morou no Belém, teve um sítio no Embu e acabou voltando para Porto Ferreira, onde foi prefeito na segunda metade dos anos 1940. Depois, doente, parece que voltou para São Paulo. Morreu com Alzheimer, ou algo do tipo. Luiza foi infeliz com o marido, com quem se casou aos 14 anos. O marido acabou morrendo depois de lhe dar quatro filhos e ela ficou sem nada. Meus avós a ajudaram a vida toda; ela morou com eles, depois em outros locais, com filhos ou em Mogi das Cruzes. Morreu na Capital. Joaquim morreu jovem, mas casado e com três filhos. Morava em São Paulo. Angélica morou muito tempo em São Simão, pois seu marido era de lá. Mudou-se para São Paulo, onde morreu com 95 anos. Lollio morreu em Porto Ferreira. Era músico e professor. Como já disse, morreu de pneumonia. Não havia penicilina. Minha avó sempre contava que ela foi descoberta pouco tempo depois de sua morte. Madalena nem conheceu o mundo.

Olimpia nasceu na virada do século XIX para o XX. Casou-se com um Mussolini, alfaiate em São Paulo. Morreu perto dos noventa anos na Capital. Mario morreu perto dos sessenta. Casou-se e teve uma filha. Moravam na Vila Mariana. Urbano também veio para São Paulo. Casou-se e teve quatro filhas. Seu concunhado era Jean Villin, de quem sempre falo. Homero veio para São Paulo com a esposa, que era de uma familia (Sotero), do Vale do Paraíba. Tiveram dois filhos. Morreu perto de fazer setenta anos, em Piracicaba, onde foi morar depois de deixar a Capital. Esther nunca se casou. Era professora de musica. Sempre morou com minha avó, depois que minha bisavó faleceu, em 1932. Flavio, o mais novo de todos, também veio para São Paulo, morou com minha avó (que era irmã dele, mas também passou a ser mãe, depois que minha bisavó Constança morreu), depois se casou e ficou em São Paulo, também na Vila Mariana, onde teve dois filhos. Voltou para Porto Ferreira e foi vereador. Morreu em 1982, de infarto.

A influência que tive na vida foi sempre dos Silva Oliveira. Conheci todas as pessoas que citei acima, exceto meus dois bisavós, Madalena, Lollio e Joaquim. Sobram muito poucos deles hoje. Mamãe está viva, com 95 anos. Das famílias Mennucci, pequeníssima no Brasil, tive pouco contato, nem meu avô conheci, e Guesbrecht, que, apesar de grande, morava espalhada pelo Brasil. E tinha os Klein, de minha avó Rosina, casad com meu avô Giesbrecht, dos quais tive algum contato também.

Isso pode não interessar para ninguém que me lê, mas para mim, ajuda-me a não falar dos problemas que citei acima. Mas continuo a achar que nada como uma boa família. Todos com seus problemas, com seus defeitos, mas sempre fui muito bem tratado.

Hoje as famílias são bem menores, ninguém é louco de ter treze filhos mais. Porém, fico imaginando uma mesa com quinze pessoas, no almoço e no jantar, numa pequena cidade do interior paulista, com fogão a lenha, sem eletricidade, sem telefone, sem celulares, sem computador, i-pads e i-pods, há cem anos atrás, com as crianças pegando o trem para fazer a Escola Normal de Pirassununga todos os dias, indo e voltando sozinhas.

sábado, 21 de março de 2015

SUD E RINÓPOLIS, SP


Rinopolis é uma cidade da Alta Paulista que em 2010 tinha 9.935 habitantes, de acordo com o censo daquele ano, cerca de trezentas pessoas a menos que em 2000. A cidade fica a 525 km da Capital paulista e a cerca de 15 km de Parapuã, na época, a estação ferroviária da Companhia Paulista mais próxima dali. Claro que ficar perto desta estação há muito tempo nada significa, com a extinção dos trens de passageiros e o abandono dessa linha especificamente.

Foi fundada em 1927, mas elevada a município pouco antes de 1940. O seu fundador, Eugenio Rino, era grande amigo (pelo menos assim ele o considerava) de meu avô Sud Mennucci. Por que, não sei. Provavelmente por que meu avô, que era membro da Comissão de Redivisão Municipal, havia aprovado o pedido do núcleo para ser elevado a município. O exagero nas palavras de Eugenio talvez se justificassem por isso, ou pela população humilde que certamente havia ali se estabelecido numa época em que o culto à personalidade era um fato, com Getulio Varga presidente.

É dificil acreditar que a festa tenha sido da forma que Eugenio descreveu. Está bem, eram tempos sem televisão, sem computador e com radios cheios de intereferenacia em suas transmissões, então tudo era novidade. 
Vejam a transcrição da carta, feita sem alterações em relação ao que Eugenio escreveu. A carta original está logo abaixo.

Carta de Eugenio Rino a Sud Mennucci - 1940 (Acervo Sud Mennucci/Ralph Giesbrecht)
.
Rinopolis, 21 de maio de 1940

Presado amigo Professor Sud Mennucci

Saudações

Em primeiro lugar sua saúde junto a Exma familia.

Quando foi lido o Diario Official, na Prefeitura, sob a nova divisão do Municipio o povo olhava para o seu retrato colocado na parede. Gritavamos "Viva o Pae de Rinopolis", Só vendo o nosso contentamento mais uma vez em nome deste povo e de minha família. Em meu próprio nome agradeço a Deus que derrame sobre si bênçãos copiosas.

Professor, junto segue um conhecimento de arroz desta safra, peço dizer a Dona Maria que fizemos questão, quando precisarem  alguma coisa nos honrem com os pedidos, esta terra e da família Sud.

Queira transmitir abraços a toda família.

Cordial abraço do velho amigo


Eugenio Rino

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

E POR FALAR EM PATRIMÔNIO HISTÓRICO... ITAPURA, UM TESOURO DESTRUÍDO

Desenho: Moacir Campos, bico de pena, c. 1935
.

A cidade e município de Itapura, às margens do rio Paraná, é minúscula. A cidade é relativamente nova. A cidade velha, também pequena, foi inundada nos anos 1960 pela represa de Jupiá.

Itapura teve ferrovia, estação ferroviária, um belo salto no rio Tietê (que se encontra com o rio Paraná muito próximo da cidade), uma usina de força e um prédio magnífico, erigido em 1869 para servir de posto militar avançado no Estado de São Paulo, que, até então, parava sua civilização na altura de onde um dia passou a linha do Tratado de Tordesilhas (mais ou menos de São José do rio Preto a Itararé).

De tudo isso, sobrou somente o maravilhoso prédio que servia de residência do Comandante do Destacamento Naval - o tal posto avançado.

Tudo o que foi citado acabou, menos o prédio, que está abandonado há muitos anos e um dia vai cair por falta de manutenção. Para piorar, ele fica fora da cidade - o que o leva a um abandono maior ainda. Ferrovia, estação, o salto e a usina, assim como a cidade velha, acabaram.

As fotos nesta postagem mostram o salto nos anos 1930. Fotografias tiradas por meu avô Sud Mennucci. Desenho de Moacir Campos. O palacete aparece numa foto de 2006 do jornal O Estado de S. Paulo.

Não sei como a cidade sobrevive como município. Não sei quem quereria ir lá, a oitocentos quilômetros da Capital, para ver um prédio em ruínas. E depois reclamam que não se cuida do patrimônio histórico neste país.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

MEMÓRIA DE PORTO FERREIRA, SP


Vista aérea da cidade - Sem data
.
Do meu acervo particular, originalmente de Sud Mennucci, meu avô, e que morou na cidade entre 1914 e 1921. Minha avó Maria da Silva Oliveira era de lá, onde se casaram em 1917. Vale a pena dar uma olhada nas reproduções abaixo.

Jornal - 1916

Assinatura de João Teixeira - 1946

Convite em forma de calendário - 1944 (frente)

Convite em forma de calendário. A convidada é minha mãe, Astrea, ainda "alive and kicking" - 1944 (verso)

Cinquentenário da cidade - 1946

Envelope de carta para Porto Ferreira - 1926

Jornal satírico - 1915


domingo, 7 de dezembro de 2014

A HISTÓRIA SECRETA DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS - PARTE XII - O FUTURO DE MARÍLIA


O primeiro trem chega a Marilia em 1928. Acervo Alberto del Bianco
.

Como sempre, sugiro ler a parte anterior (parte XI) antes de ler este artigo. Neste caso e na das últimas partes, trata-se de um relatório único que abrange pareceres e projetos de decreto de leis para mudança de limites de municípios, distritos etc..escrito num mesmo dia - 1o de setembro de 1935 - na máquina de escrever de Sud Mennucci, por ele mesmo, membro da Comissão das Novas Divisas Municipais.

O artigo 5o do parecer da Alta Paulista dizia que o distrito de paz de Casagrande, do município de Campos Novos, seria anexado ao município e comarca de Marília. Que distrito ou município será hoje Casagrande?

Já o artigo 6o descreve as divisas para o município de Marília, que, como sabemos, perdeu Pompéia:

"As divisas do município de Marília passam a ser as seguintes: começam no rio do Peixe, onde faz barra o corrego do Sapo,já nas divisa com o municipio de Pompéa, seguem por este até attingir a serra do Mirante, por cuja cumiada proseguem até frontear a cabeceira mais proxima do ribeirão dos Paulistas, descem por este até a sua barra no rio Novo, procuram daqui o entroncamento da estrada que vae para Caçador, na estrada de rodagem Gallia-Campos Novos, proseguem por aquella estrada até a;canár o espigão divisor dos rios Novo e Santo Ignacio, pelo qual continuam até frontear a cabeceira mais proxima da Agua da Torre, descem por esta no rio do Alegre, e por este abaixo até a barra do rio do Peixe, subindo por este até a barra do rio do Norte, sobem por este até a sua cabeceira mais oriental, procuram depois o espigão divisor Peixe-Tibiriçá, que attingem já nas divisas da propriedade de Bento Carlos de Arruda Botelho, pelas quaes seguem aé o corrego Sete Quedas, pelo qual descem até a barra do corrego Paraizo, e vão deste ponto, em recta, até a barra do corrego da Forquilha no rio Tibiriçá, sobem pelo corrego até sua cabeceira mais septentrional, transpõem o divisor de aguas Tibiriçá-Padua Salles e alcançam a nascente mais proxima do rio Padua Salles e descem por este até a sua confluencia no rio Tibiriçá e por este abaixo até a barra do corrego Ariry, já nas divisas do municipio de Pompéa , que acompanham até o rio do Peixe, onde estas divisas tiveram começo, na barra do corrego do Sapo."

O artigo 7o e seus três parágrafos descrevem as fronteiras dos outros distritos que não o da sede, já descrito anteriormente: Oriente, Avencas e Casagrande. O artigo 8o fixa as divisas do novo município de Vera Cruz. Caçador, citada no artigo 6o, é o atual município de Ubirajara, próximo à rodovia que liga Bauru a Ourinhos.

Marilia, Vera Cruz e Oriente tinham já suas estações ferroviárias da Companhia Paulista. Já Avencas continua sendo um distrito de Marilia, a sudoeste da sede e razoavelmente distante. Casagrande tornou-se distrito de Marilia apenas em 1944, para depois separar-se como município em 1960.

Marilia, seis anos depois de sua fundação, era já município e comarca e havia tido um desenvolvimento notável para uma cidade que dez anos antes era praticamente mata virgem. Seu nome havia derivado de uma sugestão feita por Bento de Abreu Sampaio Vidal aos diretores da Paulista durante um cruzeiro que fazia no Mediterrâneo. Ele estava lendo o livro Marilia de Dirceu. Era a letra M do alfabeto do qual se aproveitava a empresa para nomear as estações a partir da de Piratininga. Antes dela, estabelecida em 31 de dezembro de 1928, já havia Jafa, Kentucky (logo renomeada de Vera Cruz), e Lacio. Lacio teria sido Avencas?

Mais detalhes no próximo capítulo desta saga.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A HISTÓRIA SECRETA DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS - PARTE XI: UM PROJETO PARA A ALTA PAULISTA

Inauguração da estação ferroviária de Pompeia em 1935, mesmo ano de sua transformação em comarca e muncipio. O trem operou até 2000 nessa estação. Hoje passam pouquíssimos cargueiros esporadicamente por ali
.
Ainda estamos na noite ou na madrugada, sei lá, do dia 1 de fevereiro de 1935. Meu avô Sud, que trabalhava na Comissão que estudava a redivisão dos municípios paulistas em bases sérias continuava escrevendo (ver parte X e anteriores) e agora começava a escrever o seu projeto de decreto para a região da Alta Paulista. O projeto toma algumas folhas (ainda as mesmas em que ele escreveu a máquina, papel já meio amarelado, erros corrigidos a mão...) e muito tempo.

Acho que vale a pena transcrevê-lo em boa parte, mas não inteiramente, Não vou conseguir fazer isto em um só artigo. Vai tomar mais partes. Mas é o reflexo de uma época.

"Projecto de Decreto: 

Art. 1o - Fica criado, na comarca de Marilia,o municipio de Pompéa, com sede na povoação do mesmo nome.

Art. 2o - Transferem-se para o municipio de Pompéa os districtos de paz de Herculanea e Tupan,do municipio de Glycerio, comarca de Pennapolis; O districto de paz de Villa Fortuna, do municipio de Campos Novos, comarca de Assis; e o districto de Varpa, do municipio de Marilia.

Art. 3o - As divisas do municipio de Pompéa serão as seguintes: começam na confluencia do rio Feio com o rio Tibiriçá, sobem por este até a barra do córrego Ariry, por este acima até a sua cabeceira mais meridional, seguindo, deste ponto, em recta, até a barra do corrego Dr. Senha no ribeirão Caingang e por este acima até a sua cabeceira mais meridional; deste ponto seguem em recta á procura do espigão divisor que deixa á esquerda as aguas dos corregos Agua Parada, Jatobá e Agua Limpa, e, á direita, as aguas vertentes para o ribeirão do Futuro, até a confluencia do corrego Jatobá neste ultimo ribeirão, por cujas aguas descem até o rio do Peixe, e por este acima até a barra do corrego do Sapo, continuam pelo espigão que deixa á direita o ribeirão Mombuca e ribeirão Panella, e, á esquerda, o corrego Anhumas e o ribeirão Fortuna, até a serra do Mirante, por cuja cumiada prosegue até o marco do Canjerani, continuando depois pelo espigão que deixa, á direita as aguas do ribeirão Panella, e, á esquerda, as do corrego do Engano e as do ribeirão Fructal, até attingir o rio do Peixe, e por este abaixo até a barra do ribeirão Taquaral, e subindo por este até a sua cabeceira mais meridional, transpõe o espigão fronteiro á procura da nascente mais proxima do ribeirão Itauna, e por este abaixo até o rio Aguapehy, e por este acima até o ponto em que tiveram começo estas divisas, na confluencia dos rios Feio e Tibiriçá."

A seguir, vêm as divisas do município de Pompeia (artigo 4o - o do artigo 3o era a comarca, lembrem-se), do distrito de paz de Vila Fortuna (paragrafo 1o - nota minha: hoje é o município de Oscar Bressane), do distrito de paz de Herculanea (paragrafo 2o - hoje é o município de Herculância) e do distrito de paz de Tupan (paragrafo 3o). Não transcrevi os textos: repetem-se várias vezes os mesmos rios, e mais alguns. Um, curiosamente, tem o nome de córrego Afonso XIII, rei espanhol deposto em 1931 e bisavô do atual rei Filipe VI). Outro é o córrego Goio-Techoro. Hã mais.

Finalmente, no parágrafo 4o, altera-se o nome do distrito de paz de Varpa para Villa Bastos, bem como o local de sua sede, onde se escreve, provavelmente para não citar mais rios e com nomes repetidos, que ele é "todo o resto da area municipal de Pompéa, fixada neste decreto".

A partir do artigo 5o, o seguinte, começa-se a descrever as divisas do município de comarca de Marília. Vai ficar para a próxima.

A grande dificuldade hoje em dia é que possivelmente (não necessariamente) muitos desses córregos tiveram nomes alterados e em alguns casos até cursos mudados, talvez alguns tenham sido retificados, canalizados e até entubados; Novos municípios e distritos foram criados.]

Quanto à colônia leta de Varpa, transformada em distrito em 1935, hoje recuperou seu nome original e é um distrito na zona rural de Tupã e não mais de Pompeia. E não cresceu muito desde essa época, estagnou, tem baixa população e pouca infra-estrutura.Visitei-o há quatro anos atrás e pode ser visto aqui.

Afinal, quase oitenta anos se passaram desde essa noite de trabalho estafante. O Brasil mudou. Tudo mudou. A população do Estado mais do tue triplicou, se não quadriplicou. O Estado tem cerca de 650 municípios, contra cerca de 250 nessa época. Essa região era quase toda ainda virgem. Hoje acabou o café, que substituiu as matas originais, passou-se para outras culturas e para pastagens. Progredimos?

sábado, 29 de novembro de 2014

A LÍNGUA PORTUGUESA SOBREVIVERÁ?


Em agosto de 1919, a linha-tronco da Sorocabana terminava na estação do Brejão, a oitocentos quilômetros de São Paulo e hoje chamada de Alvares Machado. Estava ela 14 quilômetros à frente da de Presidente Prudente e 42 de Indiana. Faltavam ainda 91 quilômetros para a linha chegar a Porto XV de Novembro, ou a estação de Presidente Epitácio, hoje.

Tudo o que está à frente de Indiana, hoje, ou seja, 133 quilômetros de linha, está abandonado. A concessionária ALL não a usa há anos. Mas em 1919, quase cem anos atrás, embora a linha estivesse funcionando até Brejão, parecia haver uma chefia do trecho de 42 quilômetros à frente da estação de Indiana nesta estação. Pelas notícias dos jornais da época, era em Indiana que se tomavam as decisões naquela terra ainda tomada pela selva e pelos índios... e eventuais fugitivos da justiça, além dos primeiros colonizadores que iam chegando.

Enquanto isto, em Porto Ferreira, no ramal de Descalvado da Companhia Paulista das Estradas de Ferro, a cerca de, sei lá, uns 600 quilômetros de Indiana em linha reta, um homem de 27 anos de idade chamado Sud Mennucci sustentava sua família - esposa e uma filha de um ano e meio de idade - vivendo como repórter autônomo e como professor primário no Grupo Escolar da cidade - escola que hoje leva seu nome.

Mas o que é que tem Sud Mennucci a ver com a estação de Indiana e com o assunto deste artigo que hoje escrevo?

Eu estava procurando dados sobre a estação de Indiana, inaugurada no ano anterior (1918) nos arquivos do jornal O Estado de S. Paulo e achei, na mesma página em que se publicou algo sobre a longínqua Indiana, um dos inúmeros artigos que Mennucci escrevia para diferentes jornais, inclusive o atual Estadão. O artigo versava sobre o descaso dos brasileiros com a língua portuguesa.

Li o artigo, achei interessante e notei que, enquanto a linha da Sorocabana foi degradada em grande parte nestes últimos noventa e cinco anos, o descaso com a língua portuguesa também piorou e muito. As relações são apenas estas.

O que dizia meu avô Sud neste artigo? Nada de muito diferente do que percebemos hoje. Ontem mesmo, recebi de um amigo, pela Internet (Sud não tinha esse recurso em 1919), as "pérolas do ENEM" desde ano. Já há alguns anos aparecem esses e-mails, coleções de frases escritas nesse exame nacional que serve como classificatório para a maioria das faculdades e que são frases que, de tão mal escritas, em muitas delas nem se consegue entender o que o sujeito quer dizer.

"Cei que gostaria que você passa-se o Natal em casa". Acabo de inventar a frase, mas há dois erros inacreditáveis nela e que foram extraídos das novas "pérolas do Enem". E se fossem duas pessoas? Eu "çaberia" que vocês "passa-sem" o Natal em casa? Olhem só o drama da língua portuguesa - ou brasileira, pois ela começa hoje a ser muito diferente já da original de Portugal.

Vale lembrar que, em 1919, o analfabetismo no Brasil era superior a 70%. O ensino era melhor do que hoje, mas havia falta de escolas públicas para um povo muito mais ponre, que não podia pagar por escolas particulares, que também não eram muitas. Hoje o analfabetismo é considerado oficialmente como sendo inferior a 10% (e é incrível que ainda exista), mas muitos especialistas falam que o número real pode chegar a 30%, se considerarmos as pessoas que sabem apenas assinar o próprio nome.

Esse analfabetismo de antes e de agora seriam uma das causas do nosso desapego à própria língua de nosso país? Pode ser. Porém, Sud escreveu sua opinião sem citar a altíssima taxa de então. O Brasil tinha então 25 milhões de habitantes - hoje tem 190. Na sua opinião, era a língua, apesar de tudo, a única coisa que mantinha o país coeso.

Quais seriam as outras caracteísticas que faziam com que um país fosse também uma nação e que pudesse manter a sua nacionalidade, mesmo quando ele havia eventualmente perdido sua liberdade? Sud mencionou três exemplos: a Polônia, a Boêmia (que passou, com o fim da guerra mundial, um ano antes, a se chamar Tcheco-Eslováquia ao se seprar do Império Austro-Húngaro) e a Finlândia. Todos países que não eram independentes até a eclosão da guerra de 1914-18, mas que já o haviam sido em tempos remotos e que conseguiram, duzentos, trezentos ou mais anos depois recuperar sua independência. E conseguiram-nas porque tinham em cada território uma só raça (hoje diríamos etnia), uma só língua e uma continuidade geográfica (sem separações territoriais).

Mas o Brasil não tem essa continuidade? Sud alegava que sim, mas que, como era (e ainda é) muito grande, não havia comunicações entre o Norte e o Sul (na época, somente se ia do norte para o sul por navios marítimos, fluviais, e cavalos, por péssimas estradas, quando as havia). E as etnias... bem, havia diversas etnias e raças, como as há até hoje. Era por causa disso que Sud achava que fortalecer a língua era fundamental.

Ele não falava da língua inglesa, que o brasileiro passou a adorar, principalmente a partir do estabelecimento dos Estados Unidos como modelo e como superpotência após a Primeira Guerra. Falava do francês, língua mais apreciada pelas ricas famílias da época, queiam passar férias na Europa e não em Nova York. Quanto ao inglês da Inglaterra, apesar da grande influência deles durante o século XIX, eles não tiveram por algum motivo a mesma força que os americanos tiveram no século XX.

Reparem: a grande maioria das lojas, empresas, estabelecimentos comerciais e escritórios que temos -  têm nomes ingleses, por que é "chic". Por que isto não acontece nos países de língua espanhola da América Latina, que sofrem as mesmas influências que nós? Sud não explica isto.

Porém, Sud defende que um americano, de nome John C. Branner, então Presidente Emérito da Lelland Stanford University, alertou os brasileiros sobre o problema da língua, pois os americanos começavam, com a destruição da Europa e a ascendência de Tio Sam, a inundar o mercado brasileiro com seus produtos. E preservar a língua ajudaria a preservar ao país sem ameaçar sua integridade. E era o próprio Branner que falava que os americanos eram ignorantes em relação ao que se passava fora de seu território e que se começassem a pensar em aprender alguma língua para se comunicar com a América não-inglesa, escolheriam facilmente o espanhol, pois, para eles, era tudo igual - embora Branner soubesse que o Brasil era diferente.

Precisávamos tomar uma atitude, segundo Sud:

"Para ser-se capaz de tal gesto seria preciso ter-se o orgulho da propria lingua, o amor e o respeito pelo proprio falar. Eo brasileito não o tem. Será possivel? 

Tanto o é que nós, ha muito tempo, não fizemos mais nada do que deturpar o nosso idioma. É um facto doloroso, que está ás vistas e á analyse de todo o mundo: estamos esphacelando o portuguez, com o desprezo de gente que se sente apodrecer por dentro (...)" e continuava, num texto não tão curto.

O português da transcrição é o da época. Aliás, muito mais fácil do que o de hoje, sem quase acentos, etc. As reformas ajudaram a deturpar nossa língua. Nestes cem anos houve pelo menos três. Pensem: se já havia gente que se preocupava com a deterioração de nossa língua há 95 anos, imaginem hoje...

terça-feira, 25 de novembro de 2014

VINTE E CINCO DE NOVEMBRO

Angélica, foto c. 1915 - sentados, meus bisavós, pais dela. Em Porto Ferreira
.

Eu já escrevi aqui que conhecia muito bem a árvore genealógica de minha família, principalmente dos Silva Oliveira (a família derivada de meus bisavós portugueses, Daniel de Oliveira Carvalho (1846-1928) e Constança da Silva Oliveira (1896-1932)), que se casaram em Porto Ferreira, SP, antes que se conhecessem um ao outro.

Por procuração, Daniel e Constança casaram-se em 1885, Daniel como noivo e um irmão de Constança como noiva por procuração. Constança chegou somente algum tempo depois, de navio, vinda de Portugal.

Já eram pais em 1886. Em 1916, tiveram seu décimo-terceiro e último filho (Flávio, 1916-1982). Um deles, ou melhor, uma delas, a quinta filha, foi Angélica Carvalho de Oliveira (a única que não tinha o sobrenome Silva Oliveira, sabe-se lá por que). Nascida em 1897, como todos os irmãos e irmãs em Porto Ferreira, formou-se (também como todos os outros irmãos, menos uma, que morreu bebê, a misteriosa Madalena) professora primária na Escola Normal de Pirassununga.

Madalena foi a sétima filha. Viveu dezessete dias, Nasceu em 1899 e morreu em 1900. Viveu em dois séculos (bom, a não ser que se considere a forma castiça de se designar o século, que começa sempre no final 1 (2001) e termina com final zero (2100)). Nada praticamente se sabe de Madalena, a não ser que morreu. De que? Por que? Por que o tabu nas histórias de família de se falar destes casos?
Casa da rua Vergueiro 2024, (a da esquerda, que não tinha garagem mas jardim e tinha uma escadaria do portão ao primeiro piso, que não aparece na foto). Pouco antes da demolição, em 1969. O casal sobre a garagem da casa vinha eram... os vizinhos
.

Enfim. Angélica casou-se em 1916 com Antonio Siqueira de Abreu, num casamento em Porto Ferreira duplo: no mesmo dia e local, mais um irmão, Joaquim da Silva Oliveira, casou-se com Deolinda Bergström Lourenço, gerando a família Lourenço de Oliveira. A festa deve ter sido grande. Considerando-se que, na época, a cidade não chegava a 3.000 habitantes de população, a foto da feta com todos os presente, tirada em alum quintal, seja lá urbano ou rural, é muito significativa.

Siqueira - era assim que todos os chamavam - também era filho de portugueses e era de São Simão, SP, não muito longe do "Porto". Era universitário, formado em Farmácia e em Odontologia. Angélica e Siqueira foram morar ali. Não tiveram filhos. Não conseguiram, segundo se contava. Tornaram-se os "tiozões", os célebres segundos pais de todos os sobrinhos.

Tio Siqueira (Que eu conheci muito bem) e tia Angélica (idem), moraram em São Simão até cerca de 1939, quando por problemas políticos - Siqueira foi prefeito lá em meados dos anos 1930 - resolveram deixar a cidade e vir para a Capital, onde estavam morando praticamente todos os irmãos de Angélica, sobrinhos etc. Angélica era diretora do Grupo Escolar de São Simão. Foi transferida para outro Grupo em São Paulo, mas não foi esse o motivo de terem se mudado.

Não sei se Siqueira continuou a ser dentista em São Paulo. Desde que me lembro deles, estavam aposentados já (meados de 1955). Havia três festas anuais para eles. Uma, a 11 de agosto, aniversári de Siqueira. Outra, a 25 de novembro, aniversário de Angélica. E outra, talvez esta a mais tradicional das três, o seu aniversário de casamento - 28 de setembro. Eu fui praticamente a todas elas. Era impossível não ir, salvo se estivesse viajando, ou doente. Numa dessas festas, a do casamento, Siqueira chegava à casa de Maria - esta festa era sempre feita na casa da irmã de Angélica, minha avó, e dizia, com as mãos para o alto: "O Sud está aqui!" Isto passou a ser dito na primeira festa dada depois da morte de meu avô Sud, marido de Maria, em julho de 1948.

Era fantástico. A família praticamente inteira comparecia. Imagine-se os descendentes de doze irmãos (fora Madalena a própria Angélica e Lollio, que morreu solteiro com vinte e poucos anos e era músico). Lollio era um retrato na parede. E uma ou outra história já muito antiga, já que ele morrera pelo menos trinta anos antes de meu nascimento.

Hoje é 25 de novembro, fez-me lembrar de uma dessas festas - a do aniversário de Angélica. Incrível como, depois de vinte e um anos de sua morte (em 1993 - Siqueira faleceu em 1977), ainda possa me bater na memória não somente essa data, quanto as outras duas. Eram realmente pessoas muito amadas.

Finalmente, para constar: depois de casados, moraram em São Simão em endereço para mim desconhecido - mas tenho foto da casa, sei que era de esquina e de fundo para o córrego do vale, hoje uma avenida. Em São Paulo, moraram na Vila Romana (rua Guaicurus, 77, casa que não conheci, mas que até uns trinta anos atrás ainda existia, tendo sido depois derrubada), depois na rua Vergueiro 2024 (esplêndida casa, demolida pelo metrô, ficava a meio quarteirão do largo Ana Rosa e se fosse hoje reconstruída no mesmo local, ficaria no meio da pista direita da rua - que na época era estreita, pista única, mão única sentido cidade, cheia de ônibus que faziam o segundo andar da casa balançar, pois o que separaca o primeiro do segundo piso eram travas de madeira com assoalho de tábuas). De lá mudaram-se em 1969, para a rua Nicolau de Souza Queiroz (o número não lembro, mas parece que a casa ainda existe), quase em frente à rua Apeninos. Nesta casa morreu tio Siqueira. Ou já teria sido na casa seguinte? Não consigo me lembrar exatamente.

Com isso, tia Angélica mudou-se para uma casa na rua Ambrosina de Macedo, 51, muito próxima à rua Cubatão. Ficando doente sem poder mais andar devido a uma queda em idade avançada, Angélica mudou-se para a casa de minha avó Maria, sua irmã, na rua Maracaju, 58 - a meio quarteirão da casa da Ambrosina. Morreu ali com 95 anos em 1993.

Saudades deles. Muitas.


sábado, 15 de novembro de 2014

A HISTORIA SECRETA DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS - PARTE IX (CABRÁLIA PAULISTA E PIRATININGA)

Cabralia Paulista hoje (Google Maps) não tinha nem 4.500 habitantes em 2010
.

Como já falei, meu avô Sud deve ter varado a madrugada no dia 1 de fevereiro de 1935 com o parecer escrito sobre os municípios da Alta Paulista. Para compreender melhor o que aqui está escrito, deve-se ler ou ter lido os capíyulos anteriores, V, VI, VII e VIII, especialmente este último.

Nesta nova parte, ele fala sobre o então ainda distrito de Cabrália, hoje Cabrália Paulista. Há mais um artigo recente que deve ser lido também, escrito depois do VIII, mas que não fazia parte do parecer, e sim contava a história da linha que passava por Cabrália e que foi a causadora do seu progresso e depois da sua decadência. No parecer, Sud escreve que

"Junto ao processo, ha um bem fundamentado pedido dos moradores do districto de paz de Mirante, cuja estação, na Paulista,  se chama Cabralia, pleiteando a sua elevação a municipio, desmembrando do de Piratininga.

O districto arrecadou em 1934, 74 contos de reis e  ascensão de suas rendas, mostra que neste anno ultrapassará os 80 contos.

De accordo com o Codigo dos Interventores, ainda em vigor, não seria possivel conceder-lhe a regalia; mas Mirante annexa o pedido dos moradores do districto de paz de Bandeirantes, do municipio de Agudos, reclamando a sua annexação ao novo municipio a criar-se. E o mesmo fazem os habitantes do bairro do Limoeiro, proximo á aquelle.

Bandeirantes e Limoeiro ficam na contravertente do espigão da Conquista e distam cerca de 18 Kms de Cabralia, quando distam, respectivamente, mais de 60 e mais de 50 Kms de Agudos. O desejo de pertencer a Cabralia é, pois, legitimo,desde que é esta estação e este povoado o ponto de suas transações comerciaes.

Ora, feita esta annexação,  que se impõe Cabralia terá mais que os 100 necessarios á sua elevação a municipio. Por isso, decidiu a Commissão fazer a proposta."

Sud segue falando agora sobre o municipio de Piratininga, no mesmo parecer.

"Piratininga - O espirito de equidade leva ainda a Commissão a propor uma rectificação de divisas a favor de Piratininga. Tirando-se-lhe Cabralia, embora não se haja dado a este novo municipio um palmo de terra a mais do que  tinha no districto de paz, Piratininga fica desfalcada, reduzida a pouco mais dos cem contos annuaes necessarios para manter-se.

Mas o exame das suas actuaes divisas revela que Agudos, municipio enorme, avançou  excessivamente para os lados de Piratininga e que emquanto a faixa lindeira, dos lados desta, não alcança uma legua, é de mais de tres para as bandas de Agudos, e as divisas de Agudos se prolongam encostadas a Piratininga, de maneira a constranger a esta fora de toda a proporção. 

Propuzemos, portanto, uma rectificação compensadora, que leve a jurisdição de Piratininga até o rio Turvo, alcançando  pontos que estão a distancias mais proximas de Piratininga que de Agudos."

Sud ainda continua o parecer falando de Campos Novos e de São Pedro do Turvo. Aí ele o finda e passa a emitir os projetos de leis que alterariam toda essa região, segundo ele, para melhor. Terá esmo sido melhor? A realidade hoje, oitenta anos depois, é bastante diferente. É o que veremos em próximos artigos sobre este assunto.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

SESSENTA E TRÊS ANOS: UMA VIDA

Ontem fiz sessenta e três anos de idade. Muito, né?

Eu sempre fui uma pessoa que conhecia a família que tinha. Quando digo "conhecia", refiro-me ao fato de ser a família inteira. Ou, pelo menos, queria saber quem eram. Sabia, desde os nove, dez anos de idade, praticamente toda a árvore genealógica da família de minha mãe. A da minha avó materna era enorme e facilitava o fato de que em todos os aniversários dela (17 de julho) e de sua irmã Angélica (a tiozona de todos, que não teve filhos - 25 de novembro), além do aniversário de casamento desta mesma tia (28 de setembro), eram comemorados na casa de minha avó na Vila Mariana (às vezes na casa de minha tia), por causa de meu avô Sud, que sempre ajudou a todos e mesmo depois de sua morte então, as festas foram na casa dele, até a morte de minha avó (1987).

Já a família de meu pai eu conhecia pouco. Claro que conhecia os irmãos dele e meus primos, mas indo para a parte de meus tios-avós, era mais difícil. A família de minha avó paterna estava em grande parte em Joinville e a de meu avô, espalhada por Minas Gerais e Rio de Janeiro; poucos moravam em São Paulo.

Mesmo assim, fazia o possível. Alguns, conheci somente como quadros na parede. Meu próprio avô, do qual acabei sendo biógrafo (Sud Mennucci), era um quadro na parede, como o eram também tios, primos, bisavós e até trisavós.

Quando nasci, em São Paulo (13 de novembro de 1951), o que acontecia pelo mundo? O jornal O Estado de S. Paulo mostrava em sua primeira página uma conferência nas Nações Unidas, cuja relação dos ocidentais com os russos era difícil por causa da Guerra da Coreia, que comia solta. Na Argentina, Peron acabava de ser reeleito presidente e Evita ainda estava viva. Os egípcios bloqueavam a guarnição britânica no Canal de Suez. O porto de Alexandria estava paralisado. Na Inglaterra, o rei George VI convalescia nos jardins do palácio, mas ele morreria poucos meses depois, já em 1952. Truman e Churchill encontrar-se-iam em janeiro em Washington. Só se falava em guerra, mas a Segunda Guerra já havia acabado havia seis anos.

Eu fui crescendo - em 1956, fui para os Estados Unidos com meus pais, onde passamos um ano, por causa de um curso que ambos fizeram, Eu fui para o Kindergarten em Urbana, Illinois. Disso eu já me lembro, e de mais muita coisa.

Em 1958, entrei no primeiro ano primário do Colégio Porto Seguro, base da minha vida. Eu sempre gostei de lá, onde passei boa parte dos meus onze anos seguintes. Meus maiores amigos são gente de lá.

Sempre gostei de "fazer anos" com festinhas em casa. Alguns colegas vinham de carro com meu pai - que me buscava todos os dias na escola na Praça Roosevelt no seu Studebaker 51 (mais tarde, nas duas Kombis que ele teve em seguida) - para almoçar e participar mais cedo da festa. Eu ganhava presentes, que punha sobre a minha cama. Eu apertava os embrulhos - se eram duros, eu os abria, pois certamente eram brinquedos. Se eram moles, eram certamente roupas, que eu largava lá sem abrir mesmo.

O dia de meu aniversário foi sempre esperado com alguma ansiedade por mim. Apesar disso, no ano de 1988, nesse dia morreu um de meus maiores amigos do Porto Seguro: Roland Müller, fato que, por diversas razões, fiquei ciente apenas quatro meses depois.

Em 1962, com a Copa do Mundo, comecei a não somente gostar de futebol, mas a ser fanático por ele. Antes disso, não sabia de nada do assunto. Minha mãe me pôs em escola de dança (Poças Leitão, na rua Joaquim Floriano), aulas de ginástica na ACM (rua Nestor Pestana), piano (em casa), jiu-jitsu (na rua da Consolação) e me forçava a ler livros. Nunca adiantou, Durei pouco nos cursos e gostava mesmo era de ler revistas em quadrinhos. Acabei, depois de fuçar muito, tendo a coleção completa de O Pato Donald e passei também a ler as revistas do Super-Homem (hoje, DC Comics - compro até hoje, desde 1959).

Hoje em dia, posso dizer que há muito não sou mais um fanático por futebol. Sem saudosismo, posso garantir, o futebol valeu a pena acompanhar mais até a Copa de 1970. Depois disso, foi mudando muito e para pior, em minha opinião. Ainda assisto os jogos de meu time, o São Paulo, mas a Seleção Brasileira é apenas uma sombra de seu passado já faz muitas décadas. Para isso, muito contribuiu a falta de ligação afetiva dos jogadores com os times em que jogavam. Na Seleção, então, os convocados hoje em dia são praticamente desconhecidos, jogando na Europa e outros continentes. Acabou a magia, para mim.

Enfim, quando escrevi três livros, entre 1997 e 2003, um a biografia de meu avô Sud e os outros dois sobre ferrovias paulistas, minha mãe se espantou com o fato - como poderia eu, péssimo em redação e leitor de histórias em quadrinhos poderia estar escrevendo livros de história?

Terminei o Porto Seguro em 1969, no ano seguinte comecei a estudar Biologia na USP, fiquei apenas seis meses e larguei, para cursar química nos quatro anos seguintes na mesma universidade. Ali conheci, no primeiro ano, a mulher de minha vida - Ana Maria, linda, charmosa, inteligente e carinhosa. Casamo-nos em julho de 1974.

Trabalhei três meses no final de 1974 e início de 1975 na GTE Sylvania, para mudar para a Shell Química entre 1975 e 1980, passando para a DuPont em 1980, onde fiquei até 1995 e, depois, um ano na De Nora, em 1995 e 1996. Foi a época em que descobri parte do mundo: Estados Unidos e pequena parte da Europa.

Minha avó Maria morreu em 1987. Meu pai em 1996. Nesta época, comecei a ficar fanático pela história das ferrovias brasileiras, depois de uma viagem a Porto Ferreira, onde encontrei uma estação que já não funcionava como tal e trilhos enferrujados e não utilizados desde 1989. Quis saber por que isso havia acontecido.

Também em 1996 comecei a trabalhar com minha esposa, na firma que ela fundou para trabalhar com realocação de estrangeiros para empresas multinacionais. Estamos nisto até hoje.

Mamãe ainda vive, lúcida com 91 anos, mas a enorme família dela que conheci hoje se resume a meia dúzia de idosos, nos quais eu ainda não me incluo.

O que quis dizer com isto é que minha vida não daria um livro como o que fiz de meu avô Sud e como poderia fazer, se hoje tivesse tempo, sobre meu bisavô Wilhelm Giesbrecht, que viajou o Brasil inteiro projetando e construindo ferrovias e rodovias.

Meus três filhos me dão orgulho, sendo que a menina Veronica casou-se e hoje vive na Toscana com seu italiano. Ganhei um neto, Guilherme (filho de meu primeiro filho, Alexandre), hoje com seis anos - nome de seu tetravô, que fundou a "dinastia" Giesbrecht em terras brasileiras. Ganharei outro, soube hoje que será um menino, lá por março ou abril. Filipe continua solteiro, mas com uma namorada muito bonita, inteligente, culta e simpática.

Mas foi uma vida boa até agora. Conheci boa parte do Brasil justamente estudando as ferrovias nos últimos 18 anos. Tive meus bons e maus momentos, mas valeu a pena. Espero que continue valendo por mais muitos anos.

sábado, 1 de novembro de 2014

A HISTÓRIA SECRETA DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS - PARTE VIII (ALÉM SERPA DO MIRANTE)

Região do Além Serpa. A cidade mais falada, abaixo, nem aparece no mapa do Google Maps nessa escala, mas ainda existe e é município. Fica longe das estradas principais (em amarelo) e ao sul de Ubirajara e a leste de Campos Novos
.

Pois é, alguém já ouviu falar de Além Serpa do Mirante? Pois é, a oitava parte do tema segue a mesma lista de pareceres das partes V, VI e VII, publicadas por mim nas últimas duas semanas - e leva a uma série de dúvidas que precisarão ser melhor pesquisadas.

Mirante, nessa época, era um districto de paz do município de Piratininga, cuja estação se chamava Cabrália. Mais tarde, a estação e a cidade mudaram de nome para Pirajaí e finalmente Cabrália Paulista, tudo isto nos anos 1940. Já o Além Serpa... que nome estranho, mas abaixo, se explica alguma coisa sobre ele.

Repito aqui abaixo o mapa publicado na sétima parte deste assunto, pois algumas das povoações e cidades ali mostradas, bem como rios, aparecem nesse belo mapa de 1929.
O Estado de S. Paulo, 4/4/1929
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Este parecer dividido em diversos, três dos quais já transcrevi, também, claro, foi escrito em 1 de fevereiro de 1935 por meu avô Sud. Parece que neste dia ele teve muito trabalho... Ele começa:

"A ZONA DE ALÉM SERPA DO MIRANTE - Afora o problema da modificação administrativa quanto á zona da margem esquerda do rio do Peixe, que as novas divisas de Pompéa e Marilia resolvem definitivamente, a contento das populações , ainda existe a questão da zona de Alem Serpa do Mirante e que affecta o municipio de São Pedro do Turvo.

O processo, que se junta a este parecer, está cheio de pedidos e de solicitações e supplicas dos moradores das chamadas cabeceiras do ribeirão de Santo Ignacio, do rio São João, Rio das Antas, e Vermelho,  clamando pela transferencia de suas propriedades para os municipios que ficam á margem da linha ferrea da Companhia Paulista. Basta folhear ligeiramente as paginas deste volumoso processo para verificar que o clamor é continuo e insistente e que a tecla é sempre a mesma; os moradores querem pertencer administrativamente ás mesmas entidades a que estão ligados economicamente.

Os proprios moradores do districto de paz de Caçador (nota deste autor: é o atual municipio de Ubirajara), contra cuja anexação ao municipio de Gallia ou Duartina o directorio de São Pedro do Turvo contesta, até estes moradores, em officio de dias atraz, dirigido a esta Comissão rogam os salvem do desastre certo, que é a sua permanencia no municipio em que se acham. Mostram o descaso da séde do povoado: a falta de meio de transporte, de qualquer especie de serviços publicos, a ponto de não dedicar a séde nem 10% da renda do districto em obras e serviços para o proprio districto, que ha mais de quatro annos está sem sub-prefeito e que não tem nem mesmo um supplente de sub-delegado de policia nomeado para tomar conta da segurança publica.

E toda essa argumentação não seria, se a razão não estivesse do lado dos moradores de Caçador, que só tem vantagens em pertencer a Duartina pelas maiores facilidades que esta lhes offerece não só em qualidade de estrada de rodagem, como em viação ferrea.

Examinadas as cousas, sem isenção de animo e sem parti-pris, a Commissão entendeu que devia propor a linha lindeira dos varios municipios situados na linha da Companhia Paulista da seguinte maneira:

Vera Cruz attingindo o corrego do Estevão, affluente do ribeirão de Santo Ignacio; Garça até o corrego Agua Branca, abrangendo a séde do districto do Caçador e a parte da area deste districto.

Para Garça entendemos ainda o pedido de uma inportante (sic) empresa agricola, levando as divisas até as nascentes do rio Feio, do lado norte, pois as razões do pedido nos pareceram solidas e boas."

(Continua...)