segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

CHIADOR: UM MONUMENTO EM RUÍNAS

 A estação em ruínas (Foto Gutierrez L. Coelho)
Para a estação de Chiador, em Minas Gerais, o fim chegou há muito tempo.

Chiador é uma pequena cidade mineira na divisa desse estado com a cidade de Três Rios, no Rio de Janeiro. Quando digo pequena, é pequena mesmo: sua população não chegava a 3 mil habitantes em 2010. Por acaso, foi essa cidade que recebeu a primeira estação ferroviária construída no estado, estação que hoje fica a cerca de 4 1/2 quilômetros da pequenina sede do município.
 A distância entre a estação e a cidade. A estação está perto do rio Paraíba, na curva da estrada (Google Maps)
A estação está à beira da antiga Linha Auxiliar da também extinta Central do Brasil; quando construída, no entanto, ficava no ramal de Porto Novo, de bitola larga e que ligava a cidade de Três Rios a Além Paraíba, em Minas. Mais tarde teve a bitola reduzida para a métrica para poder ser utilizado pelos trens da Leopoldina, que assim poderiam alimentar cargas e passageiros em Além Paraíba. Os tempos mudaram, a situação das ferrovias também, e hoje essa linha somente serve para trazer o minério bauxita de Cataguases para o porto do Rio de Janeiro. Os trens passam por Chiador cheios e voltam vazios para buscar mais minérios. E só.
A estação ainda inteira e o casarão (sem data)
Os trens de passageiros que passavam por ali e iam para a cidade de Leopoldina, Cataguazes e até Nova Friburgo de há muito deixaram de passar por ali. Mais precisamente, em 1984-85. Porém, a orgulhosa estação de Chiador, a primeira de Minas Gerais, já neste longínquo 1985 estava abandonada, já sem telhado. Hoje, vinte e cinco anos depois, está pior: somente as paredes estão em pé. Não há mais telhas nem madeirame. Nem pisos. Tudo a sol e chuva abertos.

A triste verdade é que a estação funcionou ali com pessoal para receber passageiros e cargas até a época em que eles existiam. Na verdade, deixaram de existir por dois motivos: a falta de interesse das pessoas de embarcarem a si próprias ou suas cargas ali e a falta de vontade da ferrovia em se modernizar e ir atrás deles para recuperá-los ou deixar de perdê-los. Tais fatos ocorreram pelo Brasil inteiro, sabemos disso.

No entanto, a situação ali era pior: a estação, como já dito acima, ficava a quase cinco quilômetros da cidade por estrada não asfaltada; o laticínio que ali existia fechou; o casarão ainda existe e hoje é moradia; as outras pouquíssimas pessoas que por ali viviam foram embora - quase não havia casas ali. Em algum ponto, provavelmente ainda durante os anos 1970, com falta de cargas e com pouca gente tomando o trem ali ou ali descendo, a decisão da RFFSA foi certamente "eles que se danem, que desçam ou peguem o trem na plataforma, só precisam que o trem pare, o pessoal de apoio não é mais necessário" - e a estação foi fechada.

Por isto, mesmo ainda com trens passando, ela foi totalmente abandonada. Como a sua manutenção já deveria ser precária, um dia o teto caiu - pode até ter havido algum incêndio, criminoso ou não - e aí, virou um monte de ruínas.
Ruínas da estação e plataforma à sua frente (Foto Gutierrez L. Coelho)
Alguns se lamentaram, a maioria certamente não ligou, como sempre - até que, um dia, alguém pensou que "era uma pena um prédio tão bonito e grande ali assim, abandonado" - e algum político local resolveu que a estação deveria ser recuperada. Pelo que sei, há cerca de três ou quatro anos, a RFFSA cedeu o prédio à Prefeitura e eles agora poderiam fazer o que quisessem com ele. Fizeram até uma festa nas ruínas, com a presença do Imperador Pedro I (um ator, claro), que era o pai do Imperador que a inaugurou em pessoa no impensável ano de 1869 - época que nem pode ser bem assimilada em nossas limitadas mentes de hoje, cento e quarenta anos depois.

Porém, a enorme distância para se chegar em local tão isolado e abandonado, próximo ao rio Paraíba do Sul, que somente tem a tranquilidade cortada por um comboio de bauxita que passa por ali seis a oito vezes por dia, essa enorme lonjura continua ali, pois a cidadezinha-sede não cresceu. E continua sendo um município que não tem dinheiro para nada, vivendo de produção agrícola e de leite. Não tem dinheiro para uma restauração caríssima num prédio tão grande, talvez o maior do município.
Ruínas da estação (Foto Gutierrez L. Coelho)
Recentemente, o Ministério Público foi atrás dos construtores da Usina de Simplício, ainda não pronta, mas que está sendo construída ali pertinho, afirmando que eles seriam obrigados a restaurar o prédio (não sei realmente por que, visto não terem sido eles os responsáveis pelo abandono da velha estação). E eles não estão, realmente, nem um pouco a fim de fazer a obra. Sabem que, num futuro próximo, tudo o que for feito ali vai ser abandonado de novo. A prefeitura fala, como sempre, em "centro cultural". Mas como? Isolado ali, ele não tem futuro algum. Quem vai se abalar de Três Rios ou de Chiador para ir ver um centro cultural tão distante?

Políticos e ao MP falam que "a estação ferroviária de Chiador constitui um exemplar arquitetônico do século 19 e um espaço considerado lugar de memória, de significativo valor cultural para a comunidade local e para a sociedade mineira" e -->afinal, restaurar significa manter e isto posso garantir que não acontecerá em um local tão distante.

Já eu, blogueiro e pobre mortal, que resido a quatrocentos quilômetros da estação e da cidade e que, apesar de ter muita vontade, jamais até agora consegui arranjar um tempinho para conhecer ambas, sugiro algo que deveria ser feito e que possivelmente teria mais impacto que uma restauração - que, na realidade, se houvesse, seria mesmo era uma reconstrução, dado o estado atual do prédio mais que centenário.
Local da estação. O telhado ao norte da linha é o casarão. Na sua frente, a estação mal pode ser vista, pois não tem telhado mais (Google Maps)
Proponho que a prefeitura, se realmente estiver interessada em fazer algo com a estação (desde que não seja derrubá-la ou deixar que caia), deveria ir atrás de um projeto de escoramento decente do prédio, por dentro e não por fora (digo isso porque hoje há lá um escoramento feito nas coxas, por fora, e que não resolveria nada em caso de forte ventania, ou mesmo sem ela), o menos aparente possível (creio que isto é possível) e que, depois de limpa a estrutura, passe-se um tipo de resina que impediria a infiltração de água e, portanto, manteria a estrutura sólida e também, pelo menos por algum tempo, livre da sujeira que sempre se fixa nas construções por causa da rugosidade. A partir daí, que se mantivesse gramado o seu entorno, talvez iluminado com a luz de holofotes durante parte da noite.

Ou seja, seria ali mantida como uma espécie de monumento ao descaso nacional, reconhecendo, no entanto, o valor e a beleza de uma estrutura que, mesmo destruída como está hoje,continua a ser belíssima.

Isto seria feito a custo baixo - talvez próximo de zero, se fosse possível à Prefeitura ou a quem quer que seja apresentar um projeto de estrutura gratuito, como gratuitos seriam feitos o (bom) escoramento e o tratamento da superfície. Fora isso, haveria de se pagar um ou mais guardas para manter a estrutura longe de vândalos e um jardineiro para manter a grama cortada.

Afinal, a cidade e a prefeitura não podem ser considerados os culpados pelo abandono dos últimos quarenta anos, mas têm, sim, a responsabilidade de se fazer algo por uma das poucas atrações turísticas - senão a única - que Chiador deve ter. Afinal, o laticínio ao lado da estação voltou a ser usado para o fim a que se destina, após alguns anos de abandono e o casarão tem pessoas morando. O local voltou a ter alguma vida.

Que tal seguir o conselho do palpiteiro aqui e pôr mãos à obra? E não adianta esperar que o trem de passageiros volte. É mais fácil o rio Paraíba secar. 

domingo, 30 de dezembro de 2012

UM RAMAL FERROVIÁRIO INTEIRO SUBMERSO

Ponte ferroviária próxima à estação do Areado
Bom, não foi realmente, o ramal inteiro. Mas uma boa parte dele ficou sobra as águas do rio Grande na represa de Furnas.
Restos do piso interno da estação de Fama

A antiga linha que partia de Cruzeiro, SP, e seguia até Tuiuti (depois Juréia), onde se unia com um ramal da Mogiana que vinha de Guaxupé, na região de Muzambinho, MG, era originalmente parte da E.F. Muzambinho, que iniciou as atividades em 1887, entre Três Corações e Muzambinho, e parte da E. F. Minas e Rio, que operava o trecho Cruzeiro-Três Corações desde 1884 e que em 1908 incorporou a Muzambinho. Em 1910, esta foi uma das formadoras da Rede Sul-Mineira, que por sua vez foi uma das formadoras da Rede Mineira de Viação, em 1931. Em 1965 esta formou a Viação Férrea Centro Oeste e foi finalmente transformada em divisão da RFFSA em 1975. 
Mapa do trecho do ramal entre Varginha e Jureia nos anos 1940
Hoje, na linha que unia a estação de Cruzeiro, no ramal de São Paulo da EFCB, a Juréia, terminal do ramal de Jureia, da Mogiana, o trecho final entre esta estação e Varginha já não tem mais seus trilhos. E o resto, com exceção de pequenos trechos operados pela ABPF, está tudo abandonado (2002). Os trens de passageiros foram suprimidos em 1964 entre Varginha e Juréia, em 1978 entre Varginha e Três Corações e em 1991 de Cruzeiro a Três Corações. Hoje, há tráfego de trens turísticos da ABPF entre o túnel na divisa SP-MG e a estação de Passa-Quatro. Também há tráfego operado pela ABPF entre Soledade de Minas e São Lourenço. Na ponta do que sobrou do ramal, há trens cargueiros entre as estações de Três Corações e Varginha.
Restos das fundações da estação do Areado
Histórico feito, vamos à história do título: todo o trecho Varginha-Jureia foi arrancado já em 1966, justamente na região mais pobre e deficiente em transporte da região antes atendida pela linha. O motivo alegado foi o fato de que a região seria em grande parte alagada pela usina de Furnas. Realmente, diversas estações estavam situadas próximas ao rio. 
Restos da estação de Fama
Feito em nome do progresso, muita gente não concordou com isso, como a escritora Isa Musa de Noronha, em seu livro Uma Vida na Linha, de 2005. Ela vive em Fama, uma das estações engolidas pelas águas, e suas palavras são tristes: "Ah, represa de Furnas... Não foram por água abaixo apenas algumas cidades do sul de Minas. Afogaram com ela todas as tardes, todas as lembranças, nossas saudades, os risos, vozes queridas. Quem não conheceu a Fama antiga acha lindo este mundo de água. Nós não. Para nós este lago é só uma imensa lápide de uma cidade que amávamos. Lápide escura, sem nome, data, inscrição e flores".
Cabeceiras da ponte ferroviária sobre o rio Machado
Dois dias atrás, três pessoas que conhecem meu site sobre estações ferroviárias do Brasil foram até o lago e, com a seca que está passando a região, aproveitaram a grande baixa das águas da represa e fotografaram duas das estações alagadas, cujas ruínas estão hoje fora d'água: Fama e Areado. São eles
Rômulo Fávero, Kilder Márcio e Valter Moraes. Eles tiveram a gentileza de me enviar algumas fotos, das quais uma poequena amostra coloco neste site. Houve outras que também foram inundadas; algumas cidades também.

sábado, 29 de dezembro de 2012

TRENS DE PASSAGEIROS SEGUEM NA ESPERA

Trem de passageiros da FEPASA deixa a gare de Campinas no sentido de Araguari, MG. Anos 1970

Como os trens de passageiros de antigamente - esse "antigamente" está cada vez mais longe, os últimos (fora os dois clássicos da Vale, Vitoria-Minas e Carajás) rodaram em março de 2001 em São Paulo -, os trens aguardam licença para partir. Só que, agora, não é da plataforma da estação, mas da gaveta dos projetos.

Pelo que é divulgado na imprensa do país, os que têm mais aparecido são o "Pé-Vermelho", como o governo o está chamando, trem que liga Londrina a Paisanadu, no norte do Paraná. Na verdade, uma repetição mais curta do velho trem Ourinhos-Maringá e sua continuação, o Maringá-Cianorte, extintos em 1982. Sairá?

Outro é o trem para Campinas, partindo de São Paulo, que vira e mexe se "mistura" com anúncios do trem Jundiaí-Sumaré. Sairá?

O célebre TAV Rio-São Paulo-Campinas, com licitação adiada pela n-ésima vez, agora para o segundo semestre de 2013. Sairá?

Temos ainda o Ouro Preto-Brumadinho-BH-Sete Lagoas, também aguardando aproveção, recurso, essas coisas. Sairá?

Há também VLTs esperados para Santos, Sobral, Cuiabá, Macaé... sairão? Essas coisas de "verbas do PAC" me assustam.

Enfim, a espera e indecisão de sempre. E como as notícias chegam via imprensa, não é tão fácil assim de se saber o grau de seriedade no momento para cada um desses.

No fim das contas, somente acreditarei neles após o primeiro dia de operações. Sou pessimista, mas ainda assim, torço para que eu esteja errado e tudo isso um dia saia... de preferência enquanto eu ainda estiver vivo.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

JARDINS E JARDINS

 O Jardim das Bandeiras no anúncio da Folha em 1/6/1952
No mesmo dia do mês de junho de 1952, o jornal Folha da Manhã (e provavelmente outros também) publicou dois anúncios sobre loteamentos residenciais: o Jardim das Bandeiras, no bairro do Sumaré, e o Jardim Rochedale, no então bairro de Osasco.

O primeiro tinha como acesso principal a avenida Doutor Arnaldo e a Estrada do Araçá - hoje, rua Heitor Penteado. Ficava a cerca de dez minutos do centro da cidade, referência então obrigatória. Para chegar lá, só de carro mesmo
O Rochdale (hoje Jardim Rochedale) no anúncio da Folha em 1/6/1952
Já o segundo tinha na época um acesso muito mais difícil. O acesso mais normal seria pela estrada de Itu - hoje avenida Corifeu de Azevedo Marques. O anúncio dizia que ele ficava "a dez minutos do largo de Pinheiros por estrada asfaltada e condução rápida e barata por ônibus, carros-lotação e trens elétricos (os trens suburbanos da Sorocabana que iam até Itapevi)". Nessa época, embora tivesse pouco movimento, dava mais de dez minutos do largo de Pinheiros até o loteamento. Os ônibus para a região eram poucos. Os trens de subúrbio eram uma droga e da estação de Osasco para o Rochedale realmente não era longe, mas havia o rio Tietê no meio.
O bairro do Jardim das Bandeiras hoje - a avenida que corcoveia ao norte é a rua Heitor Penteado. A aue aparece no canto inferior direito é a avenida Paulo VI, hoje limite do bairro, não existente em 1952
Resultado de hoje: quem comprou no Jardim das Bandeiras realmente deu-se bem. O bairro até hoje é um dos poucos realmente residenciais de bom nível de São Paulo. Em 1966, quando um amigo meu de escola mudou-se para lá em casa recém-construída na rua Abegoaria, lembro-me de que ainda havia muitos terrenos vazios, mas era um bonito local, como ainda é - cheio de automóveis, claro. Mas não há muito tráfego nas ruas internas.
O Jardim Rochedale hoje. É fácil reconhecê-lo, por causa do formato da "ilha". Abaixo, a Castelo Branco, que o cortou em dois
Já o Rochedale encheu-se de tudo: residências, prédios, pequenas fébticas, bares, pequenas lojas e teve, ainda por cima, a rodovia Castelo Branco a cruzar sua parte sul. O rio que molda o loteamento original era o leito original do Tietê, que, com a construção do "atalho" que uniria os dois cotovelos fazendo a água fluir com facilidade no sentido do interior - que, aliás, já existia no mapa original de 1952 - transformou o leito antigo num filete de água parado, foco de mosquitos e mato. Embora o bairro esteja formalmente numa ilha, na prática não é. Há vários pontilhões que cortam o filete de água, hoje. E há mais ruas do que o mapa do jornal publicava. O local não pertence mais a São Paulo, mas, desde 1961, ao município de Osasco - o que, sinceramente, não sei se foi bom ou mal para o bairro.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O INCÊNDIO NO SEMINÁRIO EPISCOPAL DE SÃO PAULO

Foto: O Estado de S. Paulo

O texto abaixo foi escrito por Julio Moraes e enviado a mim (e a algumas outras pessoas) por e-mail no dia 13 de novembro último. Julio estava revoltado com o descaso no imóvel. Com algum atraso e com autorização do autor, transcrevo-o logo abaixo.


No último sábado, 11 de novembro de 2012, o antigo Seminário Episcopal de São Paulo sofreu o maior e mais devastador dentre os vários incêndios que já o atingiram.

A quem interessar e tiver paciência, meu depoimento abaixo conta algumas preliminares deste desastre.

Entre 1998 e 2000 conheci este edifício, trabalhando na restauração da contígua Igreja de São Cristóvão, que primitivamente fora a capela do Seminário concluído em 1856 com grande orgulho da pequena cidade, e hoje é um dos raros da sua época e tipo remanescentes em São Paulo. O antigo Seminário já estava internamente isolado da igreja, sub-dividido e alugado a lojas que ocupavam as alas defronte à via pública; confecções de vestidos de noivas ocupavam a grande ala interna e o pavimento superior. Estes estabelecimentos se ampliavam descontroladamente pelo antigo pátio, invadindo-o com "puxados" e improvisando instalações elétricas que por várias vezes haviam originado incêndios, alguns mais graves, outros menos.

Em 2000 colaborei com o saudoso arquiteto Paulo Bastos numa proposta de restauro do edifício, que compatibilizava o resgate da estabilidade física e das características arquitetônicas primitivas com o uso que ele já tinha - e que está incorporado à tradição do bairro - dotando-o de condições de segurança e conforto modernos. A proposta foi recusada pelos responsáveis pela administração do antigo seminário, por motivos que não cheguei a conhecer.

Entre 2000 e 2008 sugeri e auxiliei a direção do Museu de Arte Sacra de São Paulo numa proposta de restauro completo e adaptação do pavimento superior para acomodar algumas instalações suas, deixando o térreo para as lojas e confecções. Tampouco esta proposta foi adiante, novamente por motivos que desconheço.

Em 2008, participando na formação do Curso de Graduação em Conservação e Restauro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, mais uma vez propus uma parceria com a entidade proprietária do antigo seminário, retomando a proposta básica de restauro de Paulo Bastos, mas instalando ateliês e salas de aula no pavimento superior, deixando as lojas e confecções no térreo, e enfim provendo o restauro arquitetônico. Desta vez, os arquitetos da PUC fizeram vários levantamentos, constatando goteiras, as eternas instalações elétricas improvisadas e a intensa re-infestação da igreja pelos cupins; Paulo Bastos chegou a preparar um anteprojeto, a PUC conseguiu um grande galpão próximo para acomodar as confecções, e a reitora até anunciou oficialmente a abertura do curso com um coquetel no prédio. Pouco mais tarde, um lacônico telefonema da igreja me informou que estava tudo cancelado por ordem superior.

Como milhões de outros paulistanos, continuei a passar diante do prédio, sem ver as ampliações ilegais e instalações perigosas por trás da fachada que apenas decaía. Só me diferenciava o fato de saber do risco e preocupar-me com isso, sem nada poder fazer.

Ontem, enfim a televisão mostrou ao vivo o incêndio de grandes proporções que, sem ter bola de cristal, eu e outros tantas vezes anunciamos. Perdemos mais um patrimônio, nesta cidade tão carente deles.

No domingo, o "Estadão" noticiou que uma primeira fase de restauro estava em conclusão. Infelizmente chegou tarde demais, resta-me juntar minha solidariedade aos colegas que ali trabalhavam.

Aos 35 anos de exercício da profissão de conservador-restaurador, canso-me e quase desanimo ao ver repetirem-se estas histórias, e reincidirem as mesmas situações de risco. Apenas como exemplo, e numa provavelmente inútil tentativa de aviso, recordo ao menos outras duas edificações religiosas tombadas e restauradas no centro de São Paulo, em que até agora a história tem-se repetido de forma semelhante: a igreja de Santo Antônio (que já sofreu dois grandes incêndios), em que, contra todas as nossas recomendações, instalações elétricas improvisadas foram teimosamente refeitas logo depois que terminamos o restauro dos altares e forro; e a igreja da Ordem Terceira do Carmo, em que nem a ampla intervenção de restauro de centenas de metros quadrados de pinturas sacras, integralmente paga pelo IPHAN, pareceu suficiente para ajudar os responsáveis pela igreja a enfim fazerem algo de efetivo pelas goteiras e instalações precárias do edifício.

Sem mais comentários,

Julio Moraes
Conservador-restaurador de bens culturais

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

NATAL EM JURAMENTO – 1923


Guilherme Giesbrecht e um dos netos, José, em 1937. Guilherme já tinha 71 anos então.
Na espécie de “Curriculum Vitae” que meu bisavô Guilherme Giesbrecht, o “engenheiro alemão”, escreveu em 1947, consta nos escritos: “1923 – Chefe dos estudos preliminares do prolongamento da estrada de ferro Bahia-Minas, entre Montes Claros, Bocaiúva e Arassuahy”.

Tal prolongamento jamais foi feito, embora tenha havido estudos para isso, feitos por Guilherme, nesse final de ano de 1923. Qual não foi minha surpresa ao ver que existe um relatório escrito por ele mesmo e publicado no jornal “A Manhã”, de 1926, jornal em pdf que me foi enviado ontem por meu amigo Daniel Gentili, morador em Lins, SP.

Por ele, sabemos que... “dia 11 (de dezembro de 1923): partida de Belo Horizonte e chegada a Buenopolis”. Na época, era a última estação em cidade na linha do Centro da Central do Brasil. Além dela, havia linha funcionando até a estação de Jequetaí, hoje Granjas Reunidas, que era a ponta da linha. Por que Guilherme desceu em Buenopolis, sessenta quilômetros antes? Possivelmente porque ali seria possível negociar um trem de lastro para seguir até além de Jequetaí. Foi o que ocorreu: um engenheiro residente da construção da linha até Montes Claros conseguiu um deles para Guilherme e sua comitiva até Malhada do Meio, oitenta e cinco quilômetros à frente.
Bocaiuva, Engenheiro Navarro (Malhada do Meio), Granjas Reunidas (Jequetaí)... percurso de trem pela linha provisória da Central que seria somente aberta em 1926. O mapa é dos anos 1950.
Eles pernoitaram nesta estação – que hoje tem o nome de Engenheiro Navarro – e fizeram preparativos para chegar até Bocaiúva. No dia seguinte, 13, “às 6:30 da manhã, partida para Bocayuva, onde chegamos às 11 horas e hospedamos no hotel de D. Duca Versiani”. E ele já deveria saber que essa senhora tinha um hotel ali – afinal, Guilherme havia trabalhado com Pedro Versiani na Bahia-Minas, anos antes. Deviam ser parentes. Mas como chegaram a Bocaiúva? De trem de lastro? Demoraria um trem de lastro cinco horas para fazer apenas cinquenta e seis quilômetros numa linha provisória? Ou foram de carroça, automóvel, tilburi, cavalo?

Ficaram na cidade por seis dias aguardando a chegada de animais para transporte na jornada até Montes Claros e dali além. E foram colhendo o máximo de informações possíveis para a continuação da viagem. Guilherme tinha, na época, cinquenta e cinquenta e sete anos de idade. E continuava a se aventurar elo desconhecido da mesma forma como em Paracatu (1890), Jaguariúna (1891), Aquidauana (1908), quando era bem mais jovem.

No fim, chegaram “cinco animais de carga”. No dia 20 de dezembro, partiram Às 9:30 da manhã. “A nossa comitiva constava de um animal de carga, dois camaradas montados e do autor desta narrativa”. Depois de uma viagem num “dia horrivelmente quente”, chegaram em Montes Claros, no hotel da D. Duruta, “as 20 e 45. “Gastamos, sem as paradas, 9 horas e 20 minutos de viagem”. Ficaram quatro dias na cidade colhendo informações, “muito escassas”.

De Montes Claros a Riacho do Fogo (ribeirão do Fogo). O mapa é dos anos 1950, a ferrovia não existia em 1923 ali, ainda. O ribeirão do Fogo deve ser o que está sem denominação junto à localidade de "Riacho do Fogo" que aparece no mapa. O nome "GRANDE" refere-se ao rio Verde, no mapa como "rio VerDe Grande".
Deixaram a cidade no dia 24 a cavalo (jegues?) às 7:50 da manhã e chegaram ao Ribeirão do Fogo às 13:00, onde pararam para descansar. Dali seguiram até a barra do ribeirão no rio Verde. Durante todas as viagens, Guilherme ia fazendo anitações: tipos de solo, vegetação, subidas e descidas. Atravessaram o Verde e subiram pelo divisor de águas do ribeirão do Juramento e, “às 16 horas, entramos no próprio vale do Juramento, que é bem povoado”. “Às 17:30, chegamos à fazenda do Dr. Daniel Chrispim de Macedo, situada a curta distância da margem esquerda do ribeirão; pernoitamos, com alguma relutância da família, pois o dono da casa estava assistindo à festa de Natal em Juramento”. Nessa época, ainda era costume dar hospedagem a viajantes nas fazendas isoladas.
 
“Tivemos um calor de 39º durante o dia; nesta noite, ouvimos a primeira trovoada, mas com pouca chuva, festejada pelos lavradores”. Na manhã do dia 25 de dezembro, deixaram a fazenda agradecendo o Dr. Daniel, que havia retornado durante a noite, seguindo sempre pela margem esquerda do ribeirão Juramento. “Fizemos uma pequena parada na fazenda Maquiné, de propriedade do Sr. Luiz Maia, (...) atravessamos duas vezes o ribeirão e chegamos às 10:30 na povoação do mesmo nome, hospedando-se em casa do Sr. José Leão, demorarmos ahi para fazer a nossa provisão nossa provisão e, por ser dia de Natal, celebrado com religioso respeito e muita alegria. No dia 26, partimos de Juramento às 7:30”.
 Na época (1923), Juramento não era município. O mapa é dos anos 1950. Guilherme entrou nele atravessando o rio Verde Grande (à esquerda) e seguindo o vale do ribeirão do Juramento até o então povoado que hoje é a sede do município.

Quantos natais em seus 91 anos de vida Guilherme não terá deixado de passar com sua família por causa destas viagens hoje sensacionais?

Continua...

domingo, 23 de dezembro de 2012

NOMES QUE MUDAM

Acima, casarão que em 1999 ainda restava na região da estação da hoje chamada Banharão-velho. Foto minha.
Abaixo, transcrevo um anúncio publicado no jornal A Provincia de S. Paulo em janeiro de 1890. Quantas pessoas hoje poderão entendê-lo?

"BANHARÃO - Vende-se por vinte contos uma situação no Banharão, com 40 alqueires de terra roxa da primeira qualidade, terra alta e garantida, medida e demarcada e com plantas com 20 mil pés de café de um e dois anos, metade das terras mata, casa principiada, e muitas casas para colonos.

Está marginada por dois córregos com grande abundância de água. Dista duas léguas da estação de Pedro Segundo e uma e meia do portp de Araquá e outro tanto da Barra Bonita.

Um dos fazendeiros importantes colheu o ano passado dez mil arrobas de café em cafezal de 30 mil pés.

Informação no hotel da estação Pedro Segundo."

Bem, onde seria isto? Para começar, o Banharão: nessa época, era uma fazenda, aliás de propriedade do então futuro presidente da República Campos Salles, em cujas terras existia uma estação ferroviária da Cia. Rioclarense, com o mesmo nome da fazenda. Ficava entre as vilas de Mineiros, hoje Mineiros do Tietê, e Jaú.

E a estação de Pedro Segundo? Ora, este era o nome da estação da Vila de Mineiros, que, depois da proclamação da República, ocorrida um mês e meio antes, ainda conservava o nome do Imperador, que em pouquíssimo tempo seria alterado para o mesmo da cidade.

Barra Bonita era o local em que um pequeno córrego desaguava no rio Tietê, numa foz bonita para merecer o nome - que, em 1890, estava dando o nome a um povoado que ali começava a se destacar: a atual sede do município de Barra Bonita.

Já Araquá: tratar-se ia da mesma fazenda Araquá, por onde já nessa época passavam os trilhos do ramal da Ytuana que levava a Lençóis, do outro lado (esquerdo) do Tietê? É possível.

O Banharão mudou de local. Se ainda existe uma fazenda com este nome, não sei; o que mudou de local foi a estação, que, em 1941, foi para a linha que passou a ligar Dois Córregos diretamente com Jaú. E foi demolida já há mais de vinte anos. Ficava esta em local ermo, sem povoado a lhe sustentar.

Mineiros do Tietê é hoje uma cidade pequena e decadente, mas ainda é município. Realmente, não é fácil ler jornais de 120 anos atrás: a geografia de hoje não é necessariamente a geografia de ontem.

sábado, 22 de dezembro de 2012

OS TRILHOS DO MAL (XI): ANDRADINA, SP

A estação de Ilha Seca não era um local tão seco assim. Constantemente o leito da linha era inudado pelo Tietê. A foto é de 1929. Era neste local que desembarcaram os fundadores e construtores da cidade de Andradina de 1935 a 1937.
Mais uma cidade do interior de São Paulo aderiu, ou tenta aderir, à série "Os trilhos do mal". Mais uma que acha que ferrovia é coisa do passado e que somente serve para atrapalhar. Acho que o prefeito daquela cidade é mais um dos desinformados que jamais soube que nos países desenvolvidos do mundo as ferrovias continuam "vivas e saltando", uma tradução literal do termo "alive and kicking".
Não somente no Brasil, mas também nos Estados Unidos, Canadá e países da Europa (e diversos outros países do mundo, quase todos), as ferrovias continuam não somente trabalhando como também passando dentro das cidades e convivendo com automóveis, ônibus e caminhões passando ao seu lado nas ruas. Aliás, no Estado de São Paulo, nenhuma ferrovia jamais dividiu ruas com esses veículos, embora praticamente todos os outros estados tenham-no feito. A cidade de Além Paraíba, em Minas, divisa com Rio de Janeiro, que visitei há cerca de dois meses, é um dos exemplos mais vivos disto.

Mas em Andradina o prefeito parece querer aparecer. Ele se queixa do barulho e da sujeira deixada pela ALL ao longo de sua faixa de domínio ao longo dos trilhos, e quer uma indenização de 50 milhões de reais pelo inconveniente. Quer também que a linha seja retirada da cidade e colocada em algum ligar fora dela, como um anel ferroviário. Reclama e age como se a linha não tivesse importância, sem considerar que, se a linha não estivesse ali, a cidade não existiria. Afinal, diz a história de Andradina que o seu fundador. Antonio Carlos de Moura Andrade, construiu-a a li em 1937 exatamente por causa dos trilhos da variante da Noroeste estarem alcançando-a nesse momento.

Os materiais e pessoas que construíram e povoaram a cidade desembarcavam em Ilha Seca, estação que ficava no tronco original da Noroeste, e dali seguiam por estradas em péssimas condições para alcançar a fazenda Guanabara, que era o local onde nasceria a nova cidade. Quando ela já estava pronta, a linha da variante chegou até ela e a nova estação. Pela conclusão de seu pífio prefeito, a cidade que nasceu dos trilhos não tem condições para conviver com ele.

Barulhos é algo que os trens fazem. Todos eles. Sujeira é lixo são algo que não são causados pela linha e pelo trem, mas pela população sem noção de educação que ali joga seus resíduos. É verdade que a ALL tem de limpar e não o faz - o que é lamentável -, mas é verdade também quem em terra de gente educada, a sujeira não existe. O prefeito também alega que a linha está em más condições e que isso pode ocasionar acidentes com os trens de combustível que cruzam a cidade. É verdade. Só que ele não se lembra dos caminhões-tanque que também cruzam a cidade e que também podem causar acidentes, e que também fazem muito barulho.

Está na hora de os políticos do interior brasileiro pararem de cismar com a ferrovia, e mesmo de ter educação. Atitudes como essa não geram nenhum bem. só atrapalham a infraestrutura do Brasil, já tão mal administrada.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

FERROVIAS VS. RODOVIAS

Foto aérea do pátio de Videira da ferrovia Itararé-Uruguai, em SC. O rio do Peixe, a ferrovia na sua margem esquerda, o triângulo de reversão que não existe mais, a ponte que liga os dois lados da cidade. A ferrovia está abandonada há mais de quinze anos.
Um artigo publicado na Internet no último dia 30 de novembro pelo redator Paulo Costa, blogueiro da revista Exame, chamou-me a atenção. Abaixo, transcrevo-o (entre aspas):

"Em momento mais que oportuno, ABAG e ABIOVE organizaram o Fórum “Safra Recorde de Grãos: Os Desafios da Logística em 2013″, com a participação de representantes de associações de classe ligadas ao
agronegócio, ao setor de transporte rodoviário e autoridades do Ministério dos Transportes. A conclusão é extremamente preocupante em relação aos desafios e problemas que o País vai enfrentar  na área de
logística no ano que entra. O fato claro é que não temos estrutura de armazenagem, de transporte e capacidade logística para escoar sem grandes danos a grande safra de grãos e cana-de-açúcar que se
aproxima.

Há uma enorme dependência na matriz logística brasileira do transporte rodoviário, como que bem se sabe. Estima-se que o crescimento da produção brasileira de grãos na temporada 2012/13 demande um aumento
de cerca de 20 mil caminhões para escoamento da safra. Aliado ao fato de que o licenciamento de caminhões novos em 2012 foi reduzido em 30% ante 2011, existem dois grandes empecilhos para complicar o que mais do que complicado já está:

 1. há uma falta de aproximadamente 50 mil motoristas profissionais qualificados para dirigir os modernos caminhões pesados e semi pesados, hoje veículos bastante automatizados e que exigem treinamento
específico; 2. a necessidade de se cumprir as exigências da chamada “Lei dos Caminhoneiros” (Lei 12.619 de 30 de abril de 2012), que dispõe sobre a jornada de trabalho dos caminhoneiros, com dificuldades
instransponíveis para ser aplicada integralmente, acarretando aumento nos valores de frete e disponibilidade de veículos.

A preocupação faz todo o sentido. Neste ano de 2012 tivemos uma acomodação que ainda permitiu que as coisas andassem, aos “trancos e barrancos” (apesar de algumas greves nos portos que ajudaram a
atrapalhar o processo). A safra de soja foi exportada bem cedo e a de açúcar foi retardada por condições climáticas que afetaram o setor canavieiro. Com isto elas não se acumularam. Em 2013 a safra de soja
está atrasada em vários Estados e tudo leva a crer que a produção de cana-de-açúcar volte a um ritmo mais próximo de seu potencial. Ocorrendo isto, podemos estar infelizmente certos de que nos meses do
segundo trimestre de 2013 o conjunto logístico campo/indústria+armazenagem+transporte+ portos vai “travar”.

Tratando do assunto a agência Reuters resumiu em uma frase o sentimento que prevaleceu no Fórum da ABAG/ABIOVE: ” Começam a crescer as dúvidas de que o Brasil consiga escoar até 20 por cento a mais de soja através de uma rede de transporte carente de caminhões, estocagem e capacidade portuária, deixando importadores e traders vulneráveis.” Os planos apresentados pelo Governo contemplam medidas para aprimoramento das malhas rodoviárias e ferroviárias, dentro de planos de 5 a 20 anos. No momento a prioridade é ver como vai ser movida o que resta da safra de milho do Mato Grosso para o Nordeste – problema de bombeiro apagando incêndio".

O monopólio rodoviário brasileiro, pelo artigo acima, está causando cada vez mais prejuízos à economia brasileira. Onde estão as ferrovias, que continuam estagnadas e mal conservadas e com muita quilometragem praticamente abandonada? Sem contar, claro, as ferrovias que demoram "séculos" para ficarem prontas...

Outro Paulo, o Paulo Roberto Stradiotto, acompanha direto dos estados do Paraná e de Santa Catarina a situação das ferrovias de lá, especialmente da chamada "Ferrovia do Contestado", ou seja, o trecho catarinense da antiga E. F. São Paulo-Rio Grande, que acompanha i rio do Peixe em toda a sua extensão até o desague deste no rio Uruguai, em Marcelino Ramos. Este trecho de linha está abandonado desde 1996 - ou seja, da privatização - e tem sido mantido por eventuais viagens ou de comboios de manutenção da ALL ou de raríssimas passagens de trens da ABPF para trocar material rodante entre a localidade de Piratuba, onde circula um trem turístico de fim de semana, e Rio Negrinho, que se situa na linha de São Francisco, na serra do Mar catarinense.

Paulo Stradiotto acredita que "apesar de todo o problema continuam muitos e muitos quilômetros de linhas
férreas literalmente abandonadas pelas atuais cencessionárias. Mesmo sendo linhas de menor densidade de transporte e características por uma rica região da agro-indústria do mais antigas, dando como exemplo prático a Ferrovia do Contestado que passa meio-oeste Catarinense. A turma lá está arrancando os cabelos para alimentar todo o plantel de suínos e aves".

O que ele quer dizer é que essa região do rio do Peixe tem muita carga para ser transportada e que a ferrovia deveria estar sendo utilizada e que isto daria lucro para a concessionária - que, no entanto, até hoje não se interessou por carga alguma da região. Como sabemos, a ALL transporta grãos, constituindo este material praticamentetodo o seu volume na áres do sul do Brasil.

Eu, por outro lado, acho que a posição geográfica da linha Mafra-União da Vitória-Marcelino Ramos (e dali até Passo Fundo e Santa Maria, no RS) é realmente excelente e que as estradas da região são estreitas e tortuosas, passando muitas delas pelo centro das cidades que margeiam o rio, confundindo-se com ruas urbanas. Isto leva motoristas a fazer grandes voltas por trás das montanhas, principalmente na margem esquerda do rio.

O problema é que a ferrovia também é tortuosa e muito possivelmente não comporte os comboios cargueiros que são utilizados hoje, com quantidade de vagões muito maior do que na época da RFFSA. O que fazer? Na verdade, refazer a ferrovia, retificando-a e permitindo velocidades compatíveis com o que é necessário nos dias de hoje - o que demandaria com certeza uma quantidade de obras de arte, como túneis e viadutos, muito grandes, além de ser tudo isto atrapalhado pelo adensamento populacional da região.

Por outro lado, um trem regional de passageiros pela linha demandaria uma modificação de via bem menor - pequenos ajustes. E o fato de ser regional dar-lhe-ia características de trem metropolitano, que normalmente carrega mais gente em distâncias mais curtas do que pessoas que usem-nos para ir de uma extremidade a outra da linha.

Enfim, vemos que apesar da riqueza da região, sua topografia dificulta o transporte, tanto rodoviário quanto ferroviário. E percebemos também que o monopólio do modal rodoviário ali, que já existe desde os anos 1990 não favorece em nada o desenvolvimento regional.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A CIDADE NÃO É MAIS GENTIL


O Martin Jayo tem um blog que se chama "Quando a cidade era mais gentil". São Paulo, claro. E ele tem razão. A cidade era mais gentil. Hoje, na selva de pedra em que se tornou, gentileza não é uma das coisas mais comum na capital paulista.

Repare: você cruza com as pessoas e fala "bom dia". A maioria não responde. Parece que tem medo de você. Vá visitar alguém em um prédiod e apartamentos. Eles são sempre cercados de grades, portões com campainhas eletrônicas, com guaritas dentro das quais você não consegue enxergar, pois os vidros são fumê. Aí, diga aonde você quer ir, ou peça para chamar a pessoa que lá mora. Você vai esperar na calçada, do lado de fora da grade, debaixo de sol ou chuva.

A maioria dos porteiros são malcriados, ou, nas melhores hipóteses, mal humorados. Como se nós tivéssemos culpa de que o emprego dele é um saco. Porém, muitos são mesmo ignorantes, sem treinamento algum para o cargo. Mal sabem falar: basta termos um nome diferente dos da maioria que eles não entendem. Veja o meu nome - Ralph Mennucci Giesbrecht. Eles geralmente não entendem nenhum dos três.

Muitos não procuram ajudar, se acaso o nome que você tem está errado, ou mesmo o número do apartamento. Já pensam, provavelmente, que estamos dando um golpe para tentar entrar de qualquer jeito. Se são aqueles homens de preto que ficam debaixo de um guarda-sol na calçada, esses são desconfiadíssimos. Parecem mais treinados que os porteiros de guarita, mas sempre desviam tudo para o lado perverso da situação. Partem do princípio que todos nós somos desonestos, até prova em contrário.

Saidno dos prédios, andando pela calçada em ruas que só têm casas residenciais, foi-se o tempo em que podíamos admirar as casas. Se elas são recuadas e não do tipo mais antigo que ficavam na beira da calçada, têm muros ou grades que impedem a visão nossa da fachada e do jardim. E, claro, impedem que de dentro da janela se veja a rua.

Repare que as casas, prédios, lojas, escritórios e prédios em geral não têm mais o número (do endereço) tão fáceis de se ver. Em muitos, o número já nem existe mais, dificultando a identificação do endereço. À noite, então, nem se fala. É dificílimo localizar um número para localizar o edifício que você quer visitar. Ou assaltar, se você for do ramo.

A cidade se tornou feia. Muros e muros contínuos fazem as pessoas se sentir em jaulas quando estão em casa e quem anda pelas ruas não tem nada mais a admirar. Até jardins públicos e praças são em muitos casos gradeados e murados. Afinal, mendigos e drogados são os primeiros a se apossar dos locais à noite, quando não durante o dia. E uma lei estúpida não permite que a polícia os arrebate de lá. E assim vamos estragando a cidade, entregue cada vez mais aos homens de mal em vez dos homens de bem.

Definitivamente, a cidade não é mais gentil. Foi-o, um dia, hoje já distante.

domingo, 16 de dezembro de 2012

TRANQUILIDADE EM CAMBUQUIRA


A fotografia acima tem cerca de cem anos. Talvez até um pouco mais. Na estação de Cambuquira, Minas, ramalzinho que (só para variar) não existe mais hoje, alguns homens de terno, alguns de guarda-chuva, um menino com roupinha de marinheiro (típica naquela época) devem supostamente estar esperando pelo trem.

Ou será que somente haviam se reunido na plataforma para jogar conversa fora? Não, creio que não. Não havia cadeiras ou bancos, pelo visto, suficiente para todos. Para onde iriam todos esses senhores?

Não dá para saber para que sentido eles pegariam o trem, mas, para um dos lados, eram apenas mais duas estações em cidades pequenas e o fim do ramal. Para o outro, várias estações de água: Lambari, Caxambu, São Lourenço, Nova Baden. Todas próximas, embora algumas somente com baldeação - uma e até duas.

Já se quisessem ir para mais longe, a opção era Cruzeiro, em São Paulo, ou Barra do Piraí, já no Rio de Janeiro. Quanto mais longe, mais baldeações. E mais: a quantidade de trens por dia era mínima. Dois por dia, quando muito, pelo menos nesse ramal. No entanto, eles, pela foto, não pareciam muito preocupados por isso. Afinal, a vida era calma. Muito calma, comparando com os dias de hoje. Ainda mais em cidades do interior.

O que poderiam esperar estes senhores se pudessem ver nesse dia fotografias do futuro das ferrovias brasileiras? Uma foto tomada no mesmo local da foto antiga, hoje, não mostraria linha alguma e nem a mesma estação - que foi substituída por outra pouco antes da desativação da linha em 1966.

Poderíamos ainda fazer uma comparação safada, ou seja, mostrando a eles trens de subúrbio de São Paulo, cidade que naquela época era já bem maior do que Cambuquira e que hoje é pelo menos mil vezes maior do que ela, dos anos 1970 para cima. Como as três fotos abaixo, tomadas respectivamente em 1975, 1980 e 1996:
Que será que eles achariam? A calma havia acabado, então, nesse futuro apocalíptico.

Porém, é interessante ver que, pelo menos em São Paulo, apesar da imensa lotação das estações nos dias de hoje, principalmente nos famosos horários de pico, a situação melhorou, pois os horários são muitos e os trens são bons. O que sumiu, no entanto, foram os trens de passageiros intermunicipais... O mundo dá voltas.


sábado, 15 de dezembro de 2012

FERROVIAS: O QUE FOMOS E O QUE SOMOS


O mapa acima foi publicado pela Revista da Semana, numa edição comemorativa do centenário das ferrovias brasileiras, no ano de 1954. Esse mapa mostra as ferrovias paulistas nesse ano, há quase sessenta anos atrás.

Nessa época, já de decadência, ainda existiam dez ferrovias diferentes no Estado (além de pequenos trechos da RMV, em Cruzeiro, e da RVPSC, em Ourinhos e em Itararé): Companhia Paulista, Sorocabana, Mogiana, E. F. Araraquara, São Paulo-Minas - estas cinco, as que formariam a FEPASA dezessete anos mais tarde - , Bragantina - que foi extinta antes de 1971 - , E. F. Campos de Jordão - que sobrevive até hoje em operação e é a única ferrovia do Estado além da CPTM, esta surgida em 1992 - , Noroeste, Central do Brasil e E. F. Santos a Jundiaí - estas as três que formariam a RFFSA juntamente com diversas outras três anos depois.

Dessas todas, apenas a Companhia Paulista era uma empresa privada. O resto já havia caído nas garras dos governos estadual e federal para salvá-las da falência. Por ironia, a Paulista, última ferrovia a ser estatizada sete anos depois, se-lo-ia por vontade do governo. Este não salvaria nada: pelo contrário, seria ele o causador de sua rápida derrocada.

Conferi o mapa e tenho poucas correções a ele: não encontrei o curto ramal de Tietê, nem a linha da Rede Mineira (RMV) saindo de Cruzeiro para Três Corações e nem a linha de Bananal, no extremo oeste. Também notei que neste mapa não aparece o ramal de Guaxupé que saía do de Mococa, em São José do Rio Pardo e seguia para Minas. São erros pequenos, mas todas essas linhas citadas estavem em plena operação nesse ano e assim entrariam na década de 1960.

Ao mapa deveríamos acrescentar nos anos seguintes a chegada do tronco oeste da Paulista à cidade de Panorama, no rio Paraná (1961) e a construção do ramal de Dourados, da Sorocabana,a partir de Presidente Prudente, que chegaria ao seu ponto extremo em Euclides da Cunha Paulista (1965).

No entanto, a partir de 1960, começaram as erradicações de diversos ramais, de forma que, em 1980, esse mapa já teria diversas linha erradicadas e, já no ano 2000, existiriam apenas as linhas-tronco das nove ferrovias que em 1954 ainda estavam vivas. Repetindo, Paulista, Mogiana, Sorocabana, São Paulo-Minas, Araraquara, Santos a Jundiaí, Noroeste, Central do Brasil e Campos do Jordão. A Bragantina havia sido extinta já em 1967, era a décima.

Mesmo assim, essas linhas "sobreviventes" não estão sendo utilizadas em diversos pontos. Trechos grandes da Paulista e da Sorocabana estão vendo o mato crescer sobre seus trilhos. O antigo tronco da Mogiana segue totalmente operacional, bem como o ramal de Poços de Caldas, o único dos pequenos ramais paulistas que foi mantido. Isto também vale para a E. F. Araraquara, para a Santos a Jundiaí, Noroeste e Central do Brasil e até para a Campos do Jordão. Já da São Paulo-Minas, apenas um trecho muito curto segue operando na região de Ribeirão Preto - dezessete quilômetros apenas de seus cento de dez originais.

Conseguiram destruir em menos de trinta anos o que foi construído com o esforço de paulistas em noventa anos. Hoje os governos correm atrás dos milhares de quilômetros que um dia existiram e foram destruídos por motivos em sua maioria imbecis. Esta é a palavra - imbecis.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A FALTA DE VISÃO E AS PERDAS

 Bonde em Piracicaba. Esta linha caminhava por um leito entre a rua e a calçada.
Hoje eu estava vendo um site sobre bondes em Piracicaba. Sim, a cidade paulista teve também seus bondes, que, como em quase todas elas, durou uns cinquenta anos, tendo atravessado principalmente a primeira metade do século XX. O site não é o famoso do Allen Morrison, mas é um outro site que copiou com autorização seu texto e fotos.

Bondes foram exterminados no Brasil, com as honrosas exceções das cidades do Rio de Janeiro, onde a linha de Santa Tereza seguiu funcionando, o que ocorreu também em Campos do Jordão e em Santos. Todas têm caráter turístico, e a de Santos, na verdade, voltou no final dos anos 1990 ao centro da cidade - as linhas da cidade que funcionavam regularmente foram todas fechadas em 1971, contra a vontade dos seus usuários - com a simples intenção então de dar o prazer de se poder delas usufruir, para lembrar o passado. Saudosismo?

É sempre bom um pouco de saudosismo. E, convenhamos, todas as cidades progridem. As diversas vidades europeias que mantêm seus bondes funcionando regularmente até hoje usam-no não somente para transporte como também como atração turística. Mesmo cidades pequenas que parece que não mudaram em nada com os séculos, de fato, mudaram: dentro de suas casas há eletricidade, computadores, telefones, etc. Épocas que se misturam e tornam tudo mais bonito.

Voltando aos bondes de Piracicaba, eu sempre considerei inacreditável que nossos governantes não tenham percebido, principalmente em cidades que não são realmente pequenas, mas que estão longe de serem megalópoles, como são, por exemplo, os casos de Piracicaba e São Carlos, tenham eliminado seus bondes nos anos 1960, quando estava mais do que claro que o apego de seu povo pelos simpáticos veículos elétricos queria que eles continuassem rodando por ali.

Havia bondes andando em trilhos no centro das ruas. Nas suas extremidades esquerda e direita. Ao lado das ruas em um leito de terra. Bondes cruzando lado a lado em linhas paralelas. Bondes cruzando rios. Bondes cheios de passageiros pendurados em seus estribos. Bondes no canteiro central de avenidas em leito exclusivo. Bondes abertos e fechados. Bondes de todos os tipos, formas e leitos.

Eu vivi essa época. A eliminação dos bondes foi sofrida, muita gente se lamentava. A convivência deles com os ônibus, ônibus elétricos, automóveis e caminhões era perfeitamente possível. Porém, os governantes inventaram de tudo para eliminá-los, semeando motivos falsos para fazê-lo: "anacrônicos" (exatamente por que, mesmo?), "estragam o asfalto e a pavimentação com paralelepípedos", "automóveis escorregam nos trilhos quando chove", "atrapalha o fluxo dos demais veículos com sua lentidão (esta última é curiosa: com os congestionamentos constantes de hoje, veículos mal andam a velocidades maiores do que dez ou vinte quilômetros por hora).

Era fácil de se perceber que a manutenção dos bondinhos funcionando regularmente teria faria com que se sobrevivesse aos anos - seriam poucos - em que isso seria visto não mais somente como transporte como de forma a ser uma peculariadade. Afinal, comparado com o número de ônibus que hoje existem nas cidades, os bondes seriam responsáveis por uma parcela bem menor do transporte público.

Já imaginaram o que seriam as ruas centrais de Piracicaba e de São Carlos hoje com seus velhos bondes bem conservados rodando por onde sempre andaram até sua eliminação? Para os seus cidadãos deveria ser um orgulho. Para visitantes eventuais ou não, seria uma maravilha. Algo que poderia aparecer e deixar transparecer as duas cidades, tão pouco conhecidas fora de São Paulo e do Brasil.

Como foram e como são cegos nossos governantes. Espero que mudem suas cabeças no futuro. Um futuro que, para mim, não será talvez uma realidade.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

ECOS DA GRANDE GUERRA

No ano de 1942, um grupo de pessoas comunicou à redação do jornal Folha da Manhã, em março, que resolveram mudar os nomes das ruas Italia e Alemanha, ambas no Jardim Europa. Era um protesto contra o bombardeio e afundamento de navios na costa brasileira, ocorridos então recentemente.

O comunicado também assinalava que as novas placas já estavam nas ruas, que a Prefeitura já havia sido notificada e que esperava-se que esta apoiasse a iniciativa desse grupo.

Haviam essas pessoas alterado não somente o nome dessas duas ruas, respectivamente para "Navio Olinda" e "Arabutã", como o da rua dos Alemães, para "rua Buarque". Esta última não ficava nos Jardins, mas no bairro dos Ingleses, junto ao Bexiga. "A rua dos Italianos será a próxima" - disseram.

A reportagem do jornal foi às três ruas citadas e comprovou: as placas estavam lá. Nada disse acerca da rua dos Italianos, esta no Bom Retiro.

Porém, todos os antigos nomes sobrevivem até hoje. Não creio que tenham sido jamais oficialmente mudados - pelo menos, nunca vi um mapa da cidade com estas ruas com outros nomes. Estranho, pois, durante os quatro últimos anos da Guerra, o Brasil mudou diversos nomes referentes a esses países, como escolas, nomes nessas línguas, e por lei.

De qualquer forma, salvou-se a memória paulistana nesses casos. Já pensaram o hoje nonagenário Jardim Europa com duas ruas sem serem nomes de países europeus?

domingo, 9 de dezembro de 2012

2012, CENTENÁRIO DE FATOS QUE HOJE SÃO COMO NUNCA TIVESSEM EXISTIDO

Na foto de 1912, muita festa e alegria na inauguração da estação de Cajuru: hoje, cem anos depois, tudo é  indiferença.

Neste ano da graça de 2012, deveriam ser comemorados os centenários de diversas estações ferroviárias pelo Brasil. Diga o que disser sobre as ferrovias brasileiras, elas e suas estações trouxeram o progresso durante pelo menos cem anos e transformaram este país no que ele é hoje. No entanto, muitas destas estações, como as que descrevo abaixo, são hoje nada: uma delas demolida, outra tão descaracterizada que não lembra em quase nada sua arquitetura original e três em semi-abandono, não estão nenhuma delas à margem de linha férrea alguma: linhas que foram retiradas sem nenhum motivo claro para terem seu tráfego transferido para estradas próximas - algumas nem isso - hoje perigosas e repletas de acidentes por excesso de tráfego e falta de manutenção, fora o fato que priorizam o transporte individual e não mais o coletivo.

Abaixo, cito algumas dessas estações centenárias - cinco, ao todo, quatro da Mogiana, uma da Paulista, nomes também que vão desaparecendo com o tempo. Os textos foram adaptados das páginas sobre essas estações de meu site www.estacoesferroviarias.com.br.

Esta primeira estação relacionada faria centenário exatamente no dia de ontem, 8 de dezembro; as uotrsa quatro já o teriam completado no decorrer deste ano. Trata-se da de Cajuru: O jornal O Estado de S. Paulo de 25/9/1911 escrevia que "já estão iniciados os trabalhos do nivelamento do terreno em que será construída a estação da Companhia Mogyana nesta cidade (de Cajuru)". Realmente, a estação foi inaugurada em 8 de dezembro de 1912, como ponta do ramal. Durou cinquenta anos funcionando: foi fechada em 16/9/66, com o fim do trecho do ramal entre Amália e Cajuru. Depois disso, foi totalmente descaracterizada, numa reforma que a transformou na estação rodoviária da cidade.

A estação de Frigorífico foi aberta como um posto telegráfico em 1912 e transformada em estação em 10/3/1921. Da estação saía um ramal de bitola larga, pertencente ao Frigorífico Anglo, com 4 km divididos em sub-ramais para o transporte de gado e de carne. Este ramal deu o nome para a estação. Em 1957, esse frigorífico abatia "a quase totalidade do gado produzido em um raio de mais ou menos 500 km, o que tornou necessário o desenvolvimento de invernadas de engorda para o gado levado a pé para o mercado de Barretos (por toda essa distância)". Os trilhos dos desvios ainda  existiam em fins de 1999, em pequena parte de seu percurso, cobertos pelo mato. Nesse dia em que estive lá e fotografei, somente sobravam a plataforma e as fundações da estação, já tomadas pelo mato. Ao lado, um trator recolhia entulho e tijolos deixados pela provável demolição recente de alguma casa remanescente da antiga vila. Em 2004, a variante construída fora de Barretos, em 2003, eliminando os trilhos da área urbana da cidade, tirou o velho pátio da linha.

A estação de Guaranésia era a primeira do ramal de Passos, distando 15 quilômetros da estação inicial do ramal de Guaxupé. Foi inaugurada em junho de 1912, permanecendo por dois ou três meses como ponta do ramal, até ele ser prolongado até Catitó. Maurício Torres, em 2001, contava que "Guaranésia é a cidade onde meu pai nasceu. Embarquei e desembarquei nessa estação muitas vezes. Minha familia é original de Três Pontas, MG. Meus bisavôs Andre Torres (português) e Elisa Becker (alemã) tiveram 5 ou 6 filhos, entre eles meu avô, Pedro. Quando meu avô ainda era pequeno, a família foi tentar a vida em Ipaussu, SP. Meu bisavô, alarmado com a alta incidência do que eles chamavam de "maleita" (malária), resolveu retornar para Minas, mas não para Três Pontas e sim para Guaranésia, que na ocasião ainda se chamava Santa Bárbara das Canoas (antes de 1901, portanto). Meu pai Dorivaldo, o último de uma fila de 10 irmãos, nasceu em 3/10/1930, dia da eclosão da revolução que acabou com a República Velha e instaurou o governo de Getulio Vargas. Como Guaranésia está a poucos quilômetros da divisa com São Paulo, a cidade foi rapidamente tomada por tropas revolucionárias mineiras; a população em pânico se escondeu onde era possível e minha avó deu a luz a meu pai no porão da casa. Houve correrias e tiros foram trocados entre os revolucio-nários e a incipiente guarnição policial local. Um dos tiros passou pela janela do porão onde minha família se escondia e quase acertou minha tia Alice, ainda bem pequena, abrindo um rombo na parede, logo atrás dela. Segundo meu avô, a Mogiana chegou em Guaranésia no mesmo ano em foi inaugurada a energia elétrica, fornecida pela usina hidrelétrica de Caconde, SP. Na inauguração da estação houve os festejos de praxe e o primeiro trem, procedente de Guaxupé, trazia o Eng. André Reboucas à frente da locomotiva, em pé sobre o parachoques. A rua que liga o centro da cidade à estação tem, por isso o nome de Avenida Rebouças. Meu avô era proprietário de uma mercearia ("venda", como são chamados estes estabelecimentos no interior) e sempre mencionava o fato de que grande parte dos produtos manufa-turados que ele vendia vinham de trem. Era comum ir de carroça até a estação para receber as mercadorias despachadas pelos fornecedores, cujos pedidos eram tirados pelos vendedores ("viajantes"), que passavam por lá uma vez por mês, também com o trem. Interessante notar que na época as garrafas de cervejas e refrigerantes (já da Antarctica) vinham embaladas em caixas de madeira, protegidas individualmente por folhas de palha de milho. Estas bebidas eram vendidas a temperatura ambiente, pois eram raros os estabelecimentos que possuíam algum tipo de refrigeração. Como Guaranésia sempre foi uma cidade muito pequena, as escolas locais somente proporcionavam ensino ate o nível ginasial. Um irmão menor de meu pai, o único de todos que conseguiu freqüentar a universidade onde se tornaria médico teve que cursar o colegial na cidade vizinha de Guaxupé. Ele diariamen-te tomava o trem pela manha e retornava à tarde, utilizando os passes mensais que a Mogiana vendia. Como as perspectivas de melhoria de vida eram muitíssimo limitadas em Guaranésia, era muito comum os mais jovens deixarem a cidade para tentar a vida em São Paulo, Campinas ou Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo. Isso acontecia com freqüência, a exemplo de minha família, onde somente um de meus tios permaneceu por lá. Assim, alguns matutos ao virem para São Paulo, muitas vezes viajavam de trem pela primeira vez na vida. Houve casos de passageiros que na  hora de fazer a baldeação em Casa Branca se equivocavam e tomavam o trem que voltava para Passos (ao invés do trem para Campinas), e após muitas horas de viagem estavam de volta em Guaranésia... De um bando de primas que meu pai tinha, a única que conseguiu se casar morreu logo depois juntamente com o marido, quando o carro em que estavam foi colhido por um cargueiro da Mogiana, numa passagem de nível perto da cidade. A primeira vez em que fui à estação foi em 1971, ainda como Mogiana. Depois de muito insistir, meu tio me levou ate lá para ver a chegada do trem da tarde, que vinha de Casa Branca, Campinas e São Paulo. Era uma composição de três carros de madeira (primeira, com buffet, segunda e carro-bagagem) rebocados por uma GL8. Nada impressionante em termos ferro-viários, mas, enfim, era a Mogiana, ao vivo e em cores. A viagem de São Paulo a Guaranésia tinha cerca de 350 km e durava aproximadamente oito horas. Circulavam pelo ramal de Passos quatro trens de passageiros por dia, um diurno e um noturno em cada sentido. Também havia duas litorinas, mas estas somente iam até Guaxupé. Nos trens diurnos, havia baldeações em Campinas (da Mogiana para a Paulista) e Casa Branca-nova, do tronco para o ramal. Nos trens noturnos havia baldeação somente em Campinas, uma vez que o trem do ramal de Passos (NP1) já saía de lá ligado na cauda do N1, que era o noturno que corria no tronco, de Campinas a Araguari. Em Casa Branca-nova as composições eram separadas. Também corria um carro dormitório de Campinas a Guaxupé, que foi suprimido logo apos a criação da Fepasa, em fins de 1971. Originariamente as composições do ramal eram compostas de carros de madeira, sendo posteriormente substituídos por carros de aço pintados de azul e branco, da Fepasa. Estes carros de aço eram aqueles construídos pela Mogiana, embora tenham circulado por lá alguns "Ouro Verde" ex-Sorocabana, igualmente pintados de azul e branco. É interessante mencionar que havia um carro Ouro Verde, ex-restaurante, transformado pela Fepasa em carro de primeira com buffet, especialmente para circular nesse ramal. A tração ficava sempre a cargo das GL8, já que as G12 eram muito pesadas para aquela linha. Em 1976 a Fepasa suprimiu boa parte dos trens de passageiros dos ramais, e ali passaram a circular somente os noturnos. Em 1977, uma pequena ponte próxima a São José do Rio Pardo foi destruída pelas chuvas e este fato foi usado como pretexto para interromper de uma vez o tráfego no ramal. Desde então, o ramal ficou praticamente abandonado, circulando apenas os trens de cimento entre S.Sebastião do Paraíso e Itaú de Minas, procedentes de Ribeirão Preto, pela linha da antiga São Paulo-Minas. Em 1985, na última vez que estive na cidade, a estação de Guaranésia estava totalmente abandonada, porém ainda com os trilhos. Todas as passagens de nível dentro da cidade já haviam sido asfaltadas pela prefeitura local. Nessa mesma época, a estação de Guaxupé ainda estava ativa, porém despachando cargas via rodoviária, já que a mesma estava isolada pela via ferroviária. O pátio estava abandonado, assim como o depósito de locomotivas que lá havia" (Maurício Torres, 12/2001). Os trilhos foram retirados por volta de 1990. "A estação hoje está abando-nada. uma senhora que mora na vizinhança me disse que lá funciona uma creche, um tipo de centro de recreação para tirar as crianças das ruas; isso explica as traves de futebol improvi-sadas. mas um ex- telegrafista da fepasa, hoje aposentado, que mora em frente à estação, disse que não é bem assim ­ a casa é ocupada por andarilhos ocasionalmente, mas está abandonada; o centro de recreação quase não funciona, é mais uma desculpa, uma tentativa da comunidade de preservar o local como seu patrimônio. está em mau estado de conservação, com portas e janelas quebradas, e está sem trilhos" (Rossana Romualdo, 07/2001).

A estação de Catitó foi inaugurada em 1912 recebeu o nome da fazenda dentro da qual se situa até hoje. A estação foi desativada em 1976, quando por ali passou o último trem de passageiros do ramal, porém sempre esteve bem conservada. Ali fica hoje o escritório da fazenda, um depósito e também serve de moradia para uma família. Embora a estação ainda tenha trilhos à sua frente, eles são apenas decoração; todo o restante foi retirado. Como estará o prédio hoje?

A estação de Itiguassu foi inaugurada em 1912, permanecendo como ponta de ramal por alguns meses, até que se inaugurasse a estação de Monte Santo, quatorze quilômetros à frente. Em 4/5/1968, a Mogiana fechou a estação e a transformou em parada. Em 1986, a estação já estava em péssimas condições. Hoje, serve de moradia; em 2003, o mato que cresce em volta quase tomava conta da velha plataforma, mas o prédio continuava firme, apesar de um pouco descaracterizado. Maria Tereza Paulino Costa contava em 2004 que "meu avô, e depois meu pai, tinham uma serraria bem em frente à estação de Monte Santo e eu tinha um prazer enorme em ver os trens chegando. Quando tinha uns 12 anos, minha prima e eu comprávamos um bilhete até a estação Itiguaçu, que era na fazenda do pai dela, lá desciamos e caminhávamos até a sede para passar o dia".