domingo, 31 de janeiro de 2010

QUE COMAM BRIOCHES!

Maria Antonieta de Áustria, rainha da França (1774-1792). Foto Wikipedia

Há governantes que não percebem a real necessidade do povo que governam. A rainha de França, Maria Antonieta, esposa de Luiz XVI, respondeu aos pedidos do povo por pão com a frase célebre: “Eles não têm pão? Que comam brioches”. Por essa e por mais outras, além de não perceber a gravidade da situação que a cercava, perdeu — literalmente — a cabeça.

Nem isso fez os governantes dos quase 250 anos que se passaram aprender. É verdade que eles hoje não perdem mais as cabeças, mas algumas vezes — infelizmente, somente algumas vezes — perdem o governo. Hoje em dia, parece que pessoas como o Sr. Kassab são cegas. Há outros exemplos, muitos deles. Não vou ficar numerando, mas cito um fato lido no jornal O Estado de S. Paulo de hoje que fala sobre transporte urbano sobre trilhos.

Diversas cidades que falavam em implantar Veículos Leves sobre Trilhos ou “Metrôs Leves” — é tudo basicamente a mesma coisa — agora dizem que, já que não foram escolhidas para sediar a Copa do Mundo de 2014, vão deixar esses planos para trás e construir corredores de ônibus. Campo Grande, Natal, Cuiabá e Porto Alegre são as cidades citadas. Lá, o povo vai comer brioches — e talvez, pois sempre é possível que não construam é coisa alguma.

Para não dizerem que eu só penso em trilhos, vamos acrescentar o que a reportagem escreve:

"Em média, o custo para adotar os VLTs é o dobro do de corredores de ônibus do tipo BRT (Bus Rapid Transit), usado em Curitiba e Bogotá. Um projeto para trens leves exige pelo menos R$ 37 milhões por quilômetro, enquanto um BRT sai por R$ 18,8 milhões/km. Para o consultor Peter Alouche, os investimentos não devem ser analisados somente pela quantia inicial. 'Os custos podem ser maiores a princípio, mas a longo prazo isso se reverte. Uma frota de ônibus precisa ser trocada a cada cinco anos e um trem dura 40 anos'. Alouche também afirma que o VLT vem acompanhado de uma revitalização urbanística da região. 'O fato de ser um projeto mais caro significa que vai haver uma preocupação maior com a área, que será recuperada urbanisticamente. O Transmilênio (elogiado corredor de ônibus de Bogotá) funciona bem como meio de transporte, mas dividiu a cidade em duas'.

Os defensores de corredores no estilo BRT argumentam que, a um custo de operação menor, conseguem transportar praticamente a mesma quantidade de pessoas dos VLTs. Nos ônibus, são entre 10 mil e 20 mil passageiros por hora e sentido, enquanto o modelo sobre trilhos tem capacidade entre 15 mil e 35 mil. ‘Só é preciso elaborar bem os projetos. Mesmo um BRT pode dar errado se for feito no tapa, para ficar pronto a tempo da Copa’, completa Balassiano, que ressalta que os corredores precisam ser um ‘sistema à parte’, não enfrentando cruzamentos e outros tipos de interferência. O investimento, porém, parece ser o diferencial para a escolha entre os dois modelos. A prefeitura de Campo Grande, por exemplo, ficou de fora da Copa e então desistiu de um projeto de 12 quilômetros de VLT. No lugar, o município vai trabalhar na criação de um sistema com 32 quilômetros de corredores, ao custo de R$ 150 milhões. ‘Nossa demanda é baixa para a utilização de um VLT e, por isso, vamos trabalhar em um sistema de terminais e corredores’, diz o diretor da Agência Municipal de Transportes da cidade, Rudel Trindade”.

Tudo é explicação e desculpas — como se não fosse necessário para qualquer cidade desse porte olhar para o crescimento futuro, com Copa ou sem Copa. Enfim, notamos a cegueira habitual. Não vão perder a cabeça, mas vão ser lembrados no futuro pelos seus sucessores da forma “isso é culpa das administrações anteriores”, como costuma dizer a maioria dos governantes neste País de Deus.

O povo? Ora, o povo... que continue respirando a fumaceira dos ônibus desregulados e do enorme ruído decorrente de seu tráfego, em vez do silêncio e limpeza dos bondes (ops, desculpe, VLTs).

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O PROFETA DO CAOS

Ontem conheci o restante de Florianópolis. Fui ao norte da ilha, incluindo a área central onde estão os maiores edifícios de apartamentos, a tal “Agronômica”, com uma muralha de prédios se estendendo ao longo da avenida que costeia o litoral dando frente para o canal da ilha – sem praia, portanto.

Outro lugar muito bem cuidado e que dá acesso para o extremo norte da ilha, onde estão outros bairros-praias, como Jurerê e Jurerê Internacional (ô nome arrogante), Canasvieiras, e mais para leste, os Ingleses, além de outras menores. O curioso da ilha é que você pode chegar aos bairros, mas quase nunca vê as praias: ou elas estão separadas das ruas por dunas ou por matas, ou ainda por casas grandes. Para atingir as praias, há que estacionar o carro e seguir a pé.

Descendo pela costa leste, há ainda as praias Mole, da Joaquina e da Barra da Lagoa.

Depois de ver boa parte da ilha (rapidamente, claro), a conclusão não é difícil: o caos poderá chegar mais rápido do que se imagina. Os prédios altos estão próximos ao centro e as outras praias têm tanto casas (em maior número) do que prédios de apartamentos (com no máximo quatro andares). Porém, há muitos terrenos vazios e as ruas e avenidas são muito estreitas sem possibilidade de alargamento a não ser que se façam enormes e caras desapropriações. Seriam necessários diversos túneis (posso estar enganado, mas somente existem dois, um de ida e outro de volta, próximos ao centro) e até em alguns casos serviços de barcas e lanchas, que já existem, mas mais em termos turísticos, com preços elevados.

Fora isto, na região do mangue do bairro de Rio Tavares, quer-se construir um elevado, mas os ecologistas estão frontalmente contra e, sem essa obra, os enormes congestionamentos que existem todo final de tarde no chamado trevo do Rio Tavares vão somente piorar. A construção de uma ou mais pontes ligando o continente à ilha (seja em que local for) somente facilitará a entrada de carros nela, piorando substancialmente o trânsito, embora melhorando os congestionamentos das duas pontes (uma ao lado da outra). A belíssima e imponente Hercílio Luz continua e deverá continuar interditada.

Finalmente, parece inviável a construção de vias férreas subterrâneas (metrô): estes teriam de ser metrôs de superfície ou VLTs.

O aumento do número de veículos dentro da ilha causado pelo aumento da população através da construção de prédios de apartamentos ou excesso de casas, portanto, poderá trazer o caos viário em pouco tempo.

Vão acabar me chamando de profeta do caos, mas os moradores com os quais conversei concordam comigo. Que estejamos errados.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

PEQUENOS ASSASSINATOS – PARTE II


Casas demolidas em Rio das Antas (topo) e Calmon (logo acima). Fotos de Nilson Rodrigues em 2006
Há cerca de seis meses, escrevi neste blog um artigo sobre a demolição do Hotel Kreling, em Corupá, Santa Catarina. O nome da postagem foi “Pequenos Assassinatos”, nome de um filme do início dos anos 1970 com Donald Sutherland, que na época me impressionou. O nome me pareceu adequado ao que foi feito com o hotel de madeira ao lado da linha, tradicional na cidade e bonito prédio.

Agora, também em Santa Catarina – o que será que ela tem contra prédios antigos e bonitos de madeira? – mais duas casas foram para o chão, junto à linha da antiga São Paulo-Rio Grande no topo do Morro de São João (Calmon) e no vale do rio do Peixe (Rio das Antas). A informação me foi dada por um e-mail recebido ontem, enviado por Nilson Rodrigues:

É incrível a insensibilidade do brasileiro para com sua história, não? Vejam estas duas casas: legítimas testemunhas da história, foram edificadas pela SPRG durante a construção da ferrovia. Uma estava em Rio das Antas, outra em Calmon. Conseguiram se manter de pé até recentemente. A de Rio das Antas, foi derrubada em 2007 e a de Calmon em 2009. A de Calmon é um caso revoltante, pois foi utilizada pela prefeitura da cidade desde os primórdios, sem nunca ter sido reformada. Foi utilizada até acabar, quando a prefeitura simplesmente a desocupou e derrubou... É inacreditável, não acham? Nilson

Eram casas das vilas ferroviárias das estações de Calmon e de Rio das Antas, mesmos nomes dos atuais municípios onde estão. Aliás, ambos municípios relativamente novos. Ambos existem porque um dia ali se estabeleceu uma estação e uma vila ferroviária da hoje extinta Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, depois Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (linha Itararé-Uruguai). Hoje esta é uma ferrovia praticamente abandonada e somente trafegada esporadicamente por trens de capina química para limpeza do mato da concessionária ALL ou por mais raras ainda composições da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), levando e trazendo velhas locomotivas a vapor e carros de madeira de Rio Negrinho a Piratuba.

O que há de tão interessante para ser visto em Calmon ou em Rio das Antas do que casas dos tempos de colonização das duas cidades? O que se passa pela cabeça dos ignorantes prefeitos e secretários dessas cidades, normalmente tão bem pagos pelos contribuintes? Aliás, são apenas 4 mil em Calmon, onde ficam as nascentes do rio do Peixe, e 6 mil em Rio das Antas. Para que colocar abaixo esses lindos edifícios, que podem ser vistos acima. Mesmo que as casas não sejam da Prefeitura, esta deveria ter feito tudo para impedir seu desmanche.

Qual é a maldição que as ferrovias têm sobre elas neste País?

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

DESTERRO

Fui hoje à tarde visitar o centro de Florianópolis: este, sim, é a antiga Desterro. Como sabemos, o nome Florianópolis veio de uma lei baixada pelo Presidente Floriano Peixoto ao final da Revolução de 1894 nos Estados do Sul, para se vingar da resistência que a cidade, já capital do Estado de Santa Catarina, fez às suas forças durante a revolta.

Bom, “Desterro” não era o mais bonito dos nomes, mas certamente Florianópolis era pior. Não pela humilhação de ter de levar o nome do Presidente “inimigo”, mas também porque – convenhamos – Florianópolis??? Enfim, o nome ficou, ninguém o alterou novamente. Recentemente a população e seus visitantes têm chamado a cidade por um nome mais simples e curto, carinhoso: Floripa.

O centro da cidade, que fica onde desembocam a velha ponte Hercílio Luz e a nova, ambas vindas da parte continental da cidade, está bem bonita e bem conservada. À frente, o velho Mercado, já restaurado depois de um incêndio em 2007, e o prédio da Alfândega, com o brasão da República no seu dístico na parte superior da fachada. À frente deles, um aterro, que, sinceramente, não sei quando foi construído. O fato é que, sem aterro, não seria nada fácil construir as avenidas que hoje levam o centro ao sul e ao norte da ilha, visto que a parte central da Ilha de Santa Catarina é ocupada por um grande morro, além de existir também a lagoa da Conceição ocupando boa parte da ilha.

O fato é que a parte da ilha voltada para o canal que a divide do continente não tem praias, e a parte habitável e que permite a construção de casas se aperta entre o morro e o mar. Com o aterro, aumentou-se a área de ocupação, mas não tanto assim. O mercado e o prédio da Alfândega, que recebiam barcos bem à sua frente, hoje têm entre eles e o canal uma avenida, estacionamentos e palmeiras plantadas.

Pelo centro da cidade é que se conhece a cidade e sua história. Fora dele, na maioria das cidades, é tudo igual: a arquitetura urbana dos anos 1950 para cá, quando se começou a grande expansão das áreas urbanas das cidades, principalmente por causa do aumento logarítmico do numero de automóveis, não varia independentemente do local em que se esteja construindo, com as exceções de praxe.

No caso de Floripa, se não houvesse essas avenidas “beira-mar”, seria bastante difícil ligar o centro aos bairros do sul, por exemplo. Os congestionamentos da avenida Costeira — que de Costeira já não tem mais nada, por causa dos aterros — seriam tão grandes, que os habitantes, para vir mais rápido para o centro, precisariam se utilizar de barcos ou balsas.

Enfim, nada de novo no fronte — Florianópolis cresce como as demais cidades e sua frota de automóveis foi a que mais cresceu proporcionalmente no Brasil nos últimos anos, suas casas começam a subir o morro, tornando os riscos de mortes por eventuais desabamentos cada vez maior. Pode ser que as recentes tragédias em Angra dos Reis, Cunha, Paraitinga e Grande São Paulo abram os olhos dos ocupantes das casas, mas em pouco tempo tudo será esquecido, já que, um dia, as chuvas cessam. Até voltarem de novo.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

FLORIANÓPOLIS HOJE

Curiosa placa na praia de Ribeirão da Ilha, em Florianópolis (ler abaixo)

No domingo chegamos a Florianópolis às duas da tarde. Fomos direto para a casa do Marcelo, meu primo que para lá se mudou há quase dez anos, saindo de São Paulo, onde nasceu. Ele, mulher e filho, que hoje tem dez anos, mudaram-se para ter uma vida menos estressante, segundo ele. E ele está aqui até hoje.

Estamos hospedados em sua casa, no bairro do Rio Tavares, na zona sul da ilha. Não falta conversa. Desde que ele se mudou, vimo-nos apenas duas vezes, uma em São Paulo e outra em Caxambu. Deveremos ficar aqui até sábado de manhã, quando faremos a viagem para São Paulo direto, sem paradas.

Estou conhecendo a ilha. Ainda não fui ao centro da cidade, único local onde já estive quando para aqui vim duas vezes, uma em 1963 e outra em 1974. A cidade, pelo menos na região sul, está hoje bem diferente do que era há 35 anos. Embora eu não tenha vindo a esta região antes, é fácil perceber que as ruas e estradas são novas, algumas recém-asfaltadas e a imensa maioria das casas são recentes.

Hoje estivemos em Ribeirão da Ilha e em Armação, povoados antigos pois neles existem casas antigas — poucas. Num deles (Ribeirão), encontrei uma placa que indicava um restaurante que serve ostras e mariscos, indicando da forma escrita na fotografia que tirei, acima.

Depois, fomos conhecer um Shopping Center, o Iguatemi. Detesto shoppings, mas, como este é novidade, sempre dá para ver alguma coisa diferente. Lá jantamos. Ao lado do shopping, uma imensa área de mangue. Na frente, a avenida. E parece, realmente, que a velha rua Iguatemi, de São Paulo, que nomeou o primeiro shopping center paulistano em 1966, está espalhando seu nome por todas as grandes cidades do Brasil.

Na ilha, nem sombra de ferrovias. Nenhuma surpresa para mim quanto a isto. Sei que houve bondes a tração animal em Florianópolis e que acabaram há muitos anos, bem antes dos de São Paulo, que eram elétricos e foram extintos em 1968. Ferrovias nunca passaram por aqui, embora a ponte Hercílio Luz tenha sido inaugurada em 1928 para servir de travessia de um ramal ferroviário para dentro da cidade. Nem o ramal foi construído, nem a ferrovia da qual ele sairia, que ligaria os portos de São Francisco, Itajaí e Imbituba.

Ainda hoje se fala nesta ferrovia, mas só isso: fala-se. E fala-se dela desde 1874, 135 anos atrás.

Enfim, Florianópolis, para mim, por enquanto, é isso.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

CAMBORIÚ – A SAGA DOS MUNICíPIOS BRASILEIROS

Anteontem segui viagem de Joinville para Balneário Camboriú, passando por São Francisco do Sul e Araquari. A chuva acabou e viajamos até Camboriú, que não é tão longe assim.

O hotel que reservamos para o pernoite era bem fubiqueta, mas para passar uma noite dava. Afinal, em Balneário Camboriú não havíamos conseguido a reserva, pois queriam que pagássemos três dias. Ora bolas, eu não precisava ficar três dias lá. Eu havia marcado um encontro com meu primo Alberto, que mora em Blumenau e estava lá no fim de semana. Afinal, não nos víamos havia mais de 30 anos (nossa!!!).

Foi ótimo o papo, depois de jantarmos no restaurante badalado de lá, o Chaplin, andamos por mais de duas horas pela praia, já à noite. Matamos as saudades de infância.

Agora, a história de Camboriú e de Balneário Camboriú é do tipo que escrevi no blog há poucos dias, sobre o problema das separações de municípios sem critérios no País. Balneário Camboriú separou-se do município de Camboriú há anos (não chequei exatamente quantos). A divisa é a rodovia BR-101.

Camboriú é o município original, que perdeu muita renda com o desmembramento do Balneário, e hoje é um município pobre. Praticamente conurbados, estava na cara que a solução não era essa, mas sim a mudança de sede de Camboriú para o Balneário sem separação de nada.

Porém, para que fazer isto, se agora foram criados novos cargos de prefeito, vereadores e secretários e, melhor ainda — para eles — mantidos os cargos antigos no velho município?

Enfim: um critério que interessa a gregos e troianos, no caso dos políticos. No caso do povo que mora nos dois municípios, nada mudou, exceto que agora se paga mais para sustentar os salários de dois municípios e não somente mais um.

Balneário Camboriú parece bastante organizado, muito limpo, como a maioria das cidades catarinenses, mas cheio de edifícios de apartamentos, ruas estreitas e congestionadas em fins de semana e dias de temporada. Uma mini São Paulo.

Não adianta. Nunca vamos aprender. E na hora em que Camboriú tiver estourado de tantos edifícios construídos, simplesmente vão transferir os prédios novos para outra praia ficar coalhada de prédios.

De Camboriú saímos ao meio-dia do domingo e seguimos para Florianópolis.

domingo, 24 de janeiro de 2010

VOLTA A JOINVILLE

Estação de Araquari em 22/1/2010. Foto Ralph Giesbrecht
Depois de muitos anos, visitei novamente a terra natal de minha avó paterna e sua família: Joinville. Cheguei junto com meu filho Filipe lá por volta de cinco da tarde da última sexta-feira, dia 22. Infelizmente chovia sem parar. De qualquer forma, hospedado no centro da cidade num hotel antigo na rua 15 de Novembro, deu para perceber como a cidade mudou.

A quantidade de bons e renomados hotéis me surpreendeu. Para uma cidade de quase 500 mil habitantes (segundo estimativa do IBGE para 2005), é uma concentração bastante grande. Basta comparar com uma cidade como Ribeirão Preto, com pouco mais de 560 mil habitantes, que não tem nem sombra disso, embora seja maior. Eu diria que nesse quesito Joinville suplanta até mesmo a cidade de Campinas, com mais de 1 milhão e 70 mil pessoas. Creio que isso mostra a força do parque industrial da região de Joinville, única cidade no Brasil que é maior do que a capital de seu Estado, no caso Santa Catarina.

Como a maioria das cidades catarinenses que conheço, a limpeza e a conservação dos imóveis, bem como a preponderância das casas em estilo alemão, prevalecem. A cidade continua muito bonita e ainda lembra em grande parte a cidade que conheci nos anos 1950 e 1960, quando ainda era uma criança.

Mas como chove na cidade. Choveu até pelo menos o meio-dia do sábado, quando deixamos a cidade rumo a São Francisco do Sul. No centro histórico, demos uma volta grande, passando por praticamente todas as suas ruas, com casas antigas, algumas ainda do século 19. Muito bonita. A estação ferroviária fica na entrada do porto da cidade. Ainda se conserva basicamente como era em 1906, quando foi inaugurado o prédio e a própria estação. Ainda funciona como uma. Uma pessoa da ALL lá estava acompanhando as manobras das composições, debaixo de uma chuva que não parava. Hoje a estação está cercada por um muro, que ultrapassamos depois de passarmos uma cancela com guarda na guarita.

As fotos que eu possuo do prédio mostram uma estação muito bem conservada externamente. Não está assim hoje, apesar de utilizada: as marcas de infiltração de água devem ter piorado com as últimas pesadas chuvas. Há plantas crescendo nas extremidades do telhado, mostrando que a umidade anda alta. Mas é um belíssimo prédio.

Finalmente, para seguir até Camboriu, passamos por Araquari, pequena cidade, hoje município, e também demos uma entrada para visitar a estação, pequenina e hoje ocupada pelo Corpo de Bombeiros Voluntário da cidade. Cidade muito tranqüila, onde apesar de ter composições passando pela linha principal, tem num de seus velhos desvios uma pequena locomotiva a vapor e um carro de passageiros exposto.

É uma satisfação voltar ao leste de Santa Catarina depois de muitos anos e conhecer cidades que eu jamais havia visitado, como as duas últimas.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

UTOPIA NECESSARIA – OU SOCOOOOORRRRROOOO!!!!!

Prédios, prédios e mais prédios.

Bom, todos os paulistanos souberam e/ou viram ou, pior ainda, e/ou sentiram o que aconteceu na cidade ontem. “Paulistanos”. No caso, pode se estender aos habitantes das 39 cidades em volta do município que formam a área metropolitana de São Paulo ou mesmo se estende ainda mais.

A cidade ficou debaixo d’água, com já ficou várias vezes. Desta vez atingiu mais a zone oeste e sul do que a zona leste, que vinha sido escolhida pela Natureza nas últimas enchentes. Os prejuízos particulares e públicos, além dos empresariais (CEASA) foram imensos. Estes (os valores do prejuízo) podem até ter sido exagerados, mas o fato é que são difíceis de se calcular, e, mais ainda, existem os prejuízos indiretos, que envolvem a dificuldade de se chegar ou sair do trabalho, paralisação de transportes etc.

Fora isto, morreram pelo menos oito pessoas, pelo que se lê nos jornais. Aqui, o valor é incalculável.

Está mais do que claro que cidades com o tamanho de São Paulo não podem mais existir da forma que está. Ainda mais como aqui, sendo uma cidade que teve um crescimento totalmente desordenado sem nenhum planejamento. Quando se começou a fazê-los (vide zoneamento, no início dos anos 1970), não foram seguidos à risca e, em alguns casos, desviaram-se totalmente dos objetivos, sempre para o lado do interesse financeiro e prejudicial ao ambiente.

As enchentes em São Paulo sempre existiram. Só que, até o início do século 20, alagavam áreas onde pouca gente vivia. Com o crescimento da cidade, as áreas alagadiças foram sendo locais de construções, legais ou ilegais. E as prefeituras jamais se importaram com isso.

É preciso urgentemente se proibir novas construções em São Paulo. Passar a permitir somente reformas dos prédios, grandes ou pequenos, transformar galpões velhos em habitáveis ou comerciais — enfim, não aumentar mais a área construída. Da mesma forma, transformar todas as áreas cimentadas em áreas gramadas ou mesmo com terra aparente.

Loucura? Sonho? Utopia? Talvez, mas fisicamente impossível. Ou as catástrofes seguirão aumentando em número e em tamanho, pessoas continuarão morrendo, prejuízos tornar-se-ão cada vez mais altos em valor.

Que se combatam os interesses em contrário. Que as empresas construtoras que hoje constroem prédios e mais prédios, aumentando a concentração de gente e dificultando a infraestrutura, passem a ser empresas que reformam o que está abandonado — sem aumentar a área construída. E, claro, arrumem o que precisa ser arrumado na cidade, como as bombas dos piscinões e túneis, que precisam de manutenção mensal, não sei se vocês sabem. “Ah, mas esse Ralph é um louco! Internem-no num hospício.” Sim, façam isso. Mas, por favor, procurem um hospício que não alague.

E continuem esperando pelas próximas catástrofes. Elas virão cada vez mais vezes e em intervalos mais curtos. E o prefeito continuará dizendo que a culpa é das administrações anteriores e que ele está fazendo obras para impedir que isto não mais ocorra. E vocês continuarão acreditando em Papai Noel.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Foto montagem de um trem da CPTM com sentido (fictício) a Descalvado. Montagem e foto Adriano Martins

O nome acima é de um livro de Saramago e de um filme feito sobre o livro, todos sabem, mas neste caso o nome ilustra a cegueira dos administradores das nossas ferrovias. Cegueira causada por outros interesses e pelo desinteresse total em se manter trens de passageiros que agravavam o prejuízo de suas linhas.

Este desinteresse por estes trens de longa distância começou a partir da hora em que as ferrovias entraram em decadência por uma série de razões. Essa "hora" eu, particularmente, depois de estudar ferrovias brasileiras por catorze anos a fundo, estimo como tendo sido o final da Segunda Guerra Mundial: o divisor de águas entre as ferrovias rentáveis e as mesmas ferrovias deficitárias.

No caso dos trens de passageiros, foi também nesta época que a classe mais abastada passou a deixar de usá-los, em um período muito curto. A industria automobilística voltava a produzir carros em profusão com o final da guerra e, dez anos depois, já construía automóveis mais baratos e acessíveis aos brasileiros aqui mesmo. Os trens começavam a ficar cada vez mais vazios e os passageiros que ainda os usavam tornaram-se pouco exigentes, aceitando qualquer coisa.

As ferrovias perceberam isso e foram relaxando na manutenção e compra de novos carros e locomotivas, além da conservação das estações e da via permanente. Os horários foram diminuindo e os percursos também. Linhas começaram a ser utilizadas somente por cargueiros e algumas nem por estes.

O perfil dos passageiros, portanto, começou a se alterar: eles ainda existiam, eram fiéis, mas já usavam cada vez menos as linhas de ponta a ponta. Exemplo: quem queria ir de Campinas a Araguari pela Mogiana ou de São Paulo a Barretos pela Paulista usava não estes trens, mas os ônibus, mais rápidos e com cada vez mais horários. Com isto, trens de percursos curtos tornavam-se pouco a pouco trens mistos, sem horários e demorados. Mesmo assim, com trens mistos ou trens mal conservados, mesmo que sendo de passageiros unicamente, passaram a ser utilizados como verdadeiros trens metropolitanos, ou seja, passageiros subiam numa estação e desciam duas ou três adiante. Eram locais em que as estradas ainda eram ruins. Isto aconteceu claramente na zona interiorana de todos os Estados. O movimento de passageiros era muito maior no interior do que nos trechos próximos às capitais, as maiores cidades.

Estas, por sua vez, tinham seus trens de subúrbio, tocados mal e porcamente por diversas empresas, mas, a partir dos anos 1960/70, por duas apenas: a FEPASA, em São Paulo, e a RFFSA no resto do Brasil (embora ela também atuasse em São Paulo). Aí, se criou, nos anos 1980 e 1990, a CBTU e a CPTM, como que para informar discretamente aos passageiros do interior que trens fora das grande cidades não interessavam mais, mas os na Capital sim, criando-se por isso novas empresas estatais próprias para isto.

Só que foram cegos em não perceber que houve uma mudança no interior. Tiraram os últimos mistinhos nos anos 1970 e 1980 e acabaram com tudo. Por que não investiram em novos equipamentos, transformando uma composição que já era na prática metropolitana, mas ligando cidades próximas, em verdadeiros trens de subúrbio, com trens unidades elétricas ou a diesel, com portas apropriadas, com aceleração e desaceleração para estações distantes de um a um e meio quilômetro entre elas? No interior de São Paulo, a média entre velhas estações no longo percurso era de uns 10 quilômetros.

No antigo e não mais existente ramal de Descalvado, um trem poderia ligar Araras a Descalvado com a tecnologia de metropolitanos e atender diversas cidades e bairros inclusive com a construção de novas estações ou paradas em Araras, Leme, Pirassununga, Porto Ferreira, Descalvado e Santa Cruz das Palmeiras. Os exemplos são muitos.

Abram os olhos, senhores!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

UM RIO DE LEMBRANÇAS

Meu primo Marcelo, na parte que ligava o quintal lateral com os fundos, tendo a escada que descia da sala de jantar à vista... "o encantador de serpentes", de acordo com o que está escrito por minha tia Lélia, no verso da fotografia, de 1957

Há cerca de uma semana estive na casa que foi de meu avô na Vila Mariana. Fui muito bem atendido pelo atual proprietário, o mesmo que comprou a casa dos herdeiros há mais de 40 anos. Na verdade, eu já havia ido lá duas vezes antes. Uma vez nos anos 1980 e outra nos 1990. Nós já nos conhecíamos.

O fato é que a visita me fez aflorarem memórias e lembranças.

As pombas arrulhando no terraço de cima onde via minha avó costurando em sua máquina Singer com caixa e gavetas de madeira e pés de ferro fundido. Minha tia Abreu sempre em sua cama, doente, no quarto da frente. A família enchendo a casa com seu imenso falatório nas festas de aniversário de minha avó. A despedida da casa, quando foi vendida, que coincidiu com a festa de bodas de ouro de minha tia Angélica.

A televisão em branco e preto no canto da sala de jantar. A mesa pesadíssima de madeira escura na mesma sala onde eram feitos os jantares. O som de Big Ben do carrilhão. As visitas dominicais de minha tia Angélica, de meu tio Flávio e da tia Meiry. Meus primos ainda bebês no quadrado – ou chiqueirinho, como queiram – na sala da frente. As janelas lindas de madeira pintadas de branco. A janela e a porta diferente do escritório. O velho galinheiro abandonado no fundo do quintal. A visão da chácara no imenso terreno de trás vista do alto.

O futebol jogado no quintal que dava acesso do portão à garagem. Os portões de ferro. A sala de brinquedos. As estantes lotadas de livros até o teto, nas quatro paredes do escritório. A escrivaninha de meu avô abandonada que ninguém usava. A cozinha enorme. Minha avó, sempre na cozinha, na copa ou na sala de jantar – ou no andar de cima. O jardim de inverno com vidros em ferros em diagonal.

Os inúmeros fins de semana e “férias”que passei lá. O Austin, sempre quebrado na garagem, com o primo Olindo tentando consertá-lo. Minha avó na cadeira de balanço. Minha tia Mévia tentando fazer com que os outros sussurrassem enquanto seus filhos dormiam à tarde. As gaiolas com os pássaros de meu tio Marcos. A máquina de lavar roupa com rolos para espremer e secar as roupas. Os gatos de nome Cianeto e Potássio – nomes dados pela minha tia Lélia, que era química.

Meus passeios de velocípede. Meu primo quebrando os brinquedos para ver o que tinha dentro. Lembranças, lembranças, lembranças.

Tudo isso fluía pela minha cabeça enquanto estava lá dentro conversando com o atual proprietário, que, na verdade, já viveu mais tempo lá do que minha família. Ele me perguntou dos meus tios e tias. Eu lhes disse que desde a última vez que fui lá, vários morreram. Foram alguns dos que trataram com ele durante a venda da casa.

Muita coisa mudou dentro da casa. Outro dono, outras ideias. Mas muita coisa ainda está igual. Quanta saudade, meu Deus!

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

CAQUINHOS NÃO SÃO PRIORIDADE

Acima: Pedaço de faiança inglesa e caco de garrafa, ambas desenterradas no local das obras da praça e da estação. Fotos UOL

Ontem, Rodrigo Bortolotto, do UOL Notícias, escreveu que a EMURB proibiu a entrada de jornalistas e de câmeras fotográficas no pátio do metrô da estação Faria Lima, no bairro de Pinheiros, da mesma forma que advertiu os arqueólogos que lá estão trabalhando de dar entrevistas. Tudo isto por ter o IPHAN obrigado a empresa a, antes de reurbanizar a praça que ficará junto à entrada da estação da ainda não inaugurada linha 4 do metrô paulistano, fazer a pesquisa arqueológica do local.

Pelo visto, isto pode atrapalhar os planos do prefeito Kassab de inaugurar a praça — na verdade, um prolongamento do pequeno e histórico largo de Pinheiros — antes das eleições de outubro, mas ele não explica por que tentou burlar a portaria federal de oito anos e não ter feito a pesquisa antes, sabendo que a lei existe e, no caso de Pinheiros, de importância relevante, pois o centro do bairro, exatamente o largo, data do século 16. Parece que a EMURB somente começou a fazer sua obrigação depois de uma denúncia anônima feita ao IPHAN.

Desta forma, ele dificulta tudo e, segundo alguns, pessoas da EMURB teriam chamado as descobertas de "caquinhos" — cacos de porcelanas Maastricht e Sarrequemines, europeias, usadas por quem lá viveu durante todos esses mais de quatrocentos anos. Ainda segundo a reportagem, há um aviso que fala sobre a pesquisa, na rua Fernão Dias, semi-encoberto por tábuas.

Além de chamar de caquinhos a descoberta, mentiu, pois teria afirmado que eles "não passavam de pedaços de ossos, ferraduras e utensílios deomésticos dos anos 1950, desgastados pelo tempo e sem valor histórico", fato desmentido imediatamente por arqueólogos: "O sítio de Pinheiros foi revelador, com um depósito de garrafas enterradas que apontam a presença por ali de uma taberna do início do século 19", por exemplo.

Então, começa a discussão: se as descobertas de fatos ligados a pessoas simples não interessam a pessoas hoje abastadas da região (ridículo) ou se o fato é político, pois atrapalharia planos para o governo, que apoia outro partido que não o da situação em Brasília. Poderia até ser, mas o fato é que a portaria existe e tem de ser respeitada. A EMURB não pode alegar que não a conhece.

É sempre assim, as coisas não mudam no nosso Brasil: cultura, prioridade zero. Caquinhos, então, nem pensar. Uma pena, mesmo. Eu, de minha parte, espero que a empresa contratada para as escavações faça o melhor possível e que achem muito mais objetos interessantes. E não digo isto para atrapalhar políticos, mas sim para tentar colocar a cultura e a história nacional em seu devido lugar, ou seja, entre as coisas mais relevantes neste País.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

POSTES E FIAÇÕES


Fiação na esquina da rua Martinico de Carvalho com a rua Santa Madalena, no Paraíso. As duas fotografias mostram o mesmo local. com a diferença de menos de um ano.

É irritante quando queremos fotografar alguma coisa em uma rua qualquer – uma casa, por exemplo – e damos de cara com os fios elétricos da fiação pública. É verdade que existem outras coisas que podem atrapalhar, como as árvores, mas como também gosto das árvores, não as condeno... já os fios, sim.

Embora haja avenidas em São Paulo, além da rua Oscar Freire, que possuem fiação subterrânea — não são muitas, mas lembro-me da Rebouças, Eusébio Matoso, rua da Consolação, rua Xavier de Toledo, avenida Paulista, as ruas do centro velho — a esmagadora maioria não tem essa “mordomia”. Nem a Faria Lima escapa da “floresta de fios”. Já a Oscar Freire, única rua que me lembro agora que tem fiação subterrânea sendo uma via estreita (fora as do centro velho da cidade), tem-nos porque os comerciantes bancaram os gastos do “enterramento” poucos anos atrás.

Não vamos também misturar as coisas: não sou contra a fiação dos ônibus elétricos, assim como não era contra as dos bondes hoje inexistentes. E isto porque eles normalmente não se utilizam de postes de concreto, usando ou os próprios prédios existentes para ancorar os fios de sustentação (como nas ruas do centro) ou pequenos postes de metal ou ferro.

Postes de concreto são outra coisa que realmente polui visualmente de forma cruel, especialmente quando estão com fios demais: telefone, eletricidade, tv a cabo e outros quetais. Antigamente os postes eram de madeira, muitas vezes de troncos de árvore, tortos, mesmo. Depois passaram a ser de ferro, em alguns casos muito bonitos, como os que se vê no centro da cidade, que têm o brasão de armas do Brasil na parte de baixo e com uma, duas ou três luminárias. Estas luminárias antigamente eram de vidro. Hoje, mesmo nas antigas, elas são de plástico, pelo menos quando foram substituídas por terem se quebrado.

Em Santana de Parnaíba, cidade onde moro e vizinha a São Paulo — estou aqui falando do lindíssimo centro histórico que ela possui — os postes de concreto estão lá com sua horrorosa fiação. A cidade quer enterrá-los, mas alega não ter dinheiro para isso. E num tipo de casario como o deles, os fios e postes realmente são desastrosos. A Lapa, no Paraná, que é uma cidade muito bem cuidada e preservada, com um tipo de casario semelhante ao de Parnaíba, já enterrou seus fios há muito tempo — se é que lá um dia houve postes com fiação.

Quando não há fios, os únicos postes necessários são os de aço que hoje se usa para a iluminação pública com lâmpadas de sódio ou de mercúrio. O único problema é que em muitos casos eles são colocados acima da linha das copas das árvores, escurecendo bastante a rua durante a noite. Já os postes de ferro antigos de que falei são baixos e acabam iluminando muito mais.

Enfim, somente com uma forte conscientização cultural é que esse problema será resolvido. E vai demorar muito para que tal aconteça.

domingo, 17 de janeiro de 2010

MUNICÍPIOS NO BRASIL

Mapa do município de Jaboticabal como era em 1931. Notar que era completamente diferente de hoje, com uma conformação comprida e difícil. Notar que são mostradas as estradas de ferro e os grande rios, mas nenhuma estrada de rodagem.

Procurando alguma coisa sobre o antigo e extinto município de Santo Amaro, hoje parte da Capital paulista, achei uma série de artigos e discussões na Internet sobre a autonomia de novos municípios no Brasil.

Entre 1965 e 1988, houve pouquíssimos novos municípios que obtiveram sua autonomia, devido à enorme dificuldade para se conseguir fazer os plebiscitos necessários nessa época e também ao fato de que nos poucos que houve menos ainda foram aprovados pela população.

Com a Constituição de 1988, aquela que estabelece muitos direitos e nenhum dever, houve uma festa nos anos seguintes: inúmeros novos municípios surgiram. Em 1996, porém, alguém no Governo acordou e fechou a porteira: novos municípios, somente quando se regulamentasse o artigo sobre eles na Constituição.

Li até que – eu não sabia disso – existe uma fila de espera de diversos novos aspirantes a municípios novos, alguns até sem nomes (como a chamada “zona continental de São Vicente, por exemplo).

Li também algumas discussões acerca da necessidade ou não de municípios novos ou de alguns específicos, onde as opiniões foram as mais diversas possíveis – mas basicamente “eu não vejo a menor necessidade” ou “sim, eu vejo uma enorme necessidade”.

Acontece que a formação dos municípios no Brasil se tornou, na enorme maioria das vezes, um fato político: não eram os munícipes daquele distrito que o desejavam, mas sim políticos que querem uma nova esfera de poder. Geralmente vereadores ou deputados por aquela região. Com a criação de um município, aparecem automaticamente no mínimo nove (com a nova regulamentação do número de vereadores, pode ser hoje até mais) vereadores, um prefeito, um vice-prefeito e vários secretários, fora os cargos que estes criam e que hoje não existem.

Para mim está mais do que claro que a situação normalmente é esta. Vejo em alguns livros de histórias de cidades – e tenho muitos – expressões como “as esperanças de inúmeros cidadãos (do novo município criado) de uma vida melhor e de independência foram atendidas com a emancipação pela qual tanto lutamos” etc. Mentira. Na enorme maioria das vezes, o povo pouco se importa – o que ele quer é ter melhores condições de vida e isso não passa necessariamente pela autonomia daquela região.

A grande maioria dos municípios que foram criados – sempre, claro, desmembrados de outro que já existia – são em geral, municípios pobres, sem capacidade de suprirem suas próprias necessidades com a arrecadação de impostos ali recolhidos. Tal renda para pagamento dos novos cargos e melhorias tem de ser completada pelo Governo Federal. Existem também casos de distritos ou regiões que querem se emancipar que são tão ricas que o município-sede, sem elas, passa a ser o pobre. Neste caso, seria o caso da mudança de sede, mas a pergunta é: para quê? Principalmente quando as regiões são conurbadas. Se são regiões muito distantes umas das outras mas dentro do mesmo município, aí, teria de se analisar melhor.

O assunto é muito complexo. Já li muito sobre isto, especialmente porque herdei o acervo de meu avô, que trabalhou na Comissão de Redivisão Municipal do Estado que foi instalada em 1931 para fazer essa redivisão em termos econômicos e de disponibilidade de ligação interna intermunicipal. E li inúmeros casos que justificavam ou não a divisão de municípios em outros baseados exclusivamente nestes fatores. Não me parece que hoje haja grandes estudos neste sentido.

De novo: o assunto é complexo, e (já disse esta frase outras vezes) daria um belo livro. E para resumir: sou contra a criação de municípios novos no País, a não ser em casos muito específicos. E também é claro que não conheço a realidade atual da grande maioria dos municípios do País.

sábado, 16 de janeiro de 2010

NEVE NOS TRILHOS


Enquanto lemos nos últimos dias sobre alguns descarrilamentos de trens na Europa, que tem um inverno bastante forte neste ano (o último que vi foi na Polônia), aqui no Brasil é raro, mas acontece.

Meu pai sempre se lembrava da nevasca em Curitiba de 1927. Ele viu, ele morava lá nessa época e tinha 6 anos de idade. Lógico que as linhas foram cobertas de neve. Em 1975, voltou a nevar na cidade – e recentemente vi uma fotografia do pontilhão da rua João Negrão, que dava saída para os trens que partiam da estação velha, coberto também da neve branca.

O que é comum na Europa e nos Estados Unidos é aqui um fato que deixa história. São Joaquim, em Santa Catarina, não tem ferrovia – mas tem neve quase todos os anos. Esta é a mais famosa cidade do Brasil em termos de receber nevascas. Outras, porém, também as têm de vez em quando.

Uma delas foi Ijuí, no norte do Rio Grande do Sul, onde existe uma foto que já vi em diversos lugares, de uma locomotiva a vapor no pátio da estação e a neve caindo sobre ela e o pátio (vejam acima – autor desconhecido). A data correta parece ser 1968. Digo "parece" porque já vi essa mesma foto com outras datas.

Ela dá um ar poético para quem nunca vê neve, ou somente vê quando visita o hemisfério norte, Bariloche ou os Andes.

Por outro lado, ainda bem que no Brasil neva pouco, quase nada – as coisas já são uma bagunça, os motoristas são em geral mal educados, já imaginaram o que aconteceria com o trânsito numa cidade grande coberta de neve? Ou com os telhados de muitas casas construídas com telhados chatos ou até mesmo com inclinação que impossibilitaria o escorregamento da neve acumulada?

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

PRIORIDADES FERROVIÁRIAS

A belíssima estação ferroviária de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, no ano de seu centenário, 2006. Foto J. C. Kuester

As ferrovias são mesmo uma prioridade neste País? Senão, vejamos: o Governo Federal vive dizendo aos quatro cantos que as ferrovias são hoje uma prioridade no Brasil. Porém, parece que os anos de desinteresse, descaso e abandono das mesmas influenciou mal o povo em geral. “O povo” inclui políticos, construtores, imprensa etc.

Hoje dois assuntos diferentes me vieram às mãos. Numa delas, um jornal da região litorânea de Santa Catarina mete o pau na ALL com o título: “O que ontem foi progresso, hoje é um grande atraso para São Francisco do Sul”. Esta cidade do norte catarinense é um porto que recebeu a chamada linha do São Francisco em 1906, ou seja, 104 anos atrás. A notícia reclama que os trens — hoje enormes comboios que transportam grãos que vêm do interior do Estado — cruzam o centro da cidade para descarregá-los no porto da cidade, que, salvo engano, é o maior porto do Estado. Acontece que há mais caminhões descarregando no porto do que trens. Os trens atrapalham e os caminhões não? Ora, este tipo de atitude é típico de um povo que se desacostumou com as ferrovias depois de ver todo o descaso com que ela foi tratada nos últimos (pelo menos) 40 anos. A má vontade com elas é notória.

Além do mais, o jornal acusa a ALL, concessionária das linhas, de “não se importar com o crescimento da cidade”. Ora, com todos os defeitos que a ALL possa ter, ela realmente não tem que se meter nisso. Ela recebeu as linhas em concessão e vai usá-las do jeito que julgar necessário. A ALL não vai gastar dinheiro com isso. Quem teria de fazê-lo seria o governo de forma a atender aos anseios da cidade, pois a ALL nada está fazendo de irregular. E, se a cidade tem problemas, é porque (somente “para variar”) cresceu sem prever o problema que os trilhos poderiam causar. Não é novidade — diversas cidades reclamam da mesma coisa e na maioria das vezes, no meu modo de ver, sem razão alguma.

A pelo menos 3 mil quilômetros dali, no Nordeste, notícias dizem que o presidente Lula está furioso com as obras da Transnordestina, que não acabam nunca —aliás, mal começaram e deveriam tê-lo feito em 2008 (ou antes). O presidente precisa começar a fiscalizar certas obras, principalmente as que ele considera uma prioridade, bem mais de perto, pois parece que as pessoas que para ele trabalham e deveriam estar vendo isso não estão fazendo direito o serviço. Eu me lembro do famigerado Paulo Maluf neste caso. Maluf pode ter todos os defeitos do mundo, já falaram que ele fez muita coisa errada, mas ele também é conhecido por outra: ele fiscalizava as obras que encomendava com mão de ferro. Era o primeiro a estar no canteiro de obras, às 7 da manhã, para ver como as coisas andavam, nas obras de viadutos, avenidas e prédios — e ai do chefe que não estivesse fazendo as coisas no tempo e da forma que ele, Maluf, esperava.

Pelo jeito, o presidente vai ter de atuar como um “gerentão” para tentar avançar o máximo possível com as obras na ferrovia Transnordestina, pois, do contrário, vai deixar o governo no final do ano sem ver nada — ele já reconhece que a linha não estará pronta neste ano.

Estas são as agruras das ferrovias no Brasil. Mesmo sendo consideradas uma prioridade, uma urgência para ficar prontas, tem gente que não acha isso e continua agindo como no tempo das vacas magras. Tem gente querendo arrancar trilhos até com ela funcionando, e tem gente que não quer pô-los mesmo tendo verba para isto. O primeiro tem como motivo a implicância. O segundo precisa ser averiguado.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O MUNICÍPIO DE SANTO AMARO

Neste anúncio de 1932, publicado na revista A Cigarra, a Auto-Estrada de Santo Amaro era nova e dava uma nova opção à Estrada de Santo Amaro (avenida Santo Amaro) e aos bondes, que substituíram o Tramway. Hoje esta auto-estrada é o corredor Moreira Guimarães/Washington Luiz.

E aqui estou falando do antigo município de Santo Amaro que é hoje um distrito do município de São Paulo.

A povoação já existia havia algum tempo quando foi elevada a distrito do município de São Paulo no ano de 1686. A partir dos anos 1820 começou a receber a imigração alemã, que se acentuou no final do século 19. Antes disso, em 1832, o distrito foi separado da Capital e elevado a município. A partir de 1886 passou a ser ligado com o centro de São Paulo pelo Tramway de Santo Amaro. Já o era pela Estrada de Santo Amaro, hoje o corredor rua Santo Amaro-Av. Brigadeiro Luiz Antonio-Avenida Santo Amaro. Em 1935, foi reincorporado a São Paulo. A causa oficial foi uma dívida que a cidade tinha com o Tesouro do Estado, mas, na época, também havia um grande interesse na incorporação de todos os municípios em volta de São Paulo a esta.

O motivo alegado era que seria mais fácil de se administrar uma capital maior, aumentando a qualidade de vida desses municípios-subúrbios. Na verdade, toda a região que hoje é a Grande São Paulo (40 municípios, atualmente) era composta por bem menos municípios e todos eles com baixa arrecadação, ao contrário de hoje, quando há municípios com altíssima arrecadação mesmo em termos nacionais: Santo André, São Bernardo, Barueri, Guarulhos e Osasco são alguns exemplos.

Em 1931, por vontade de Getúlio Vargas, foi instituída em cada Estado uma comissão para se reavaliar o número de municípios que existiam – podendo esta Comissão diminuir o número ou criar novas unidades autônomas. O critério em São Paulo não foi político para esta redivisão; na época, a conformação de cada município existente foi alterada, novos distritos e comarcas foram criados e alguns municípios foram anexados a outros. O critério era geográfico e baseado nas estradas de ferro e também nas vias fluviais e rodoviárias que existissem em bom estado, além da população e da renda de cada um. Algumas decisões, no entanto, não chegaram a ser implantadas: a atual Santana de Parnaíba e o município de Juqueri (hoje Mairiporã) chegaram a ter seus fins decretados, com sua anexação a São Paulo, mas na última hora tal decisão foi revogada – provavelmente por influencia e pressão política dessas cidades, que, mesmo assim, perderam, nessa época, amplos territórios.

Mesmo assim, alguns dos municípios mais pobres do Estado foram extintos – não todos. Muitos tiveram a sede alterada dentro dos seus limites. Acabaram-se os enclaves, ou seja, partes de municípios sem comunicação física com a sede – geralmente fazendas que brigavam com a Prefeitura e entravam com pedido ao Estado para que fossem anexados a um dos municípios vizinhos. Por exemplo: o sanatório do Juqueri, na atual Franco da Rocha, era em 1933 parte do município de São Paulo e não do de Juqueri: era um enclave.

Quanto a Santo Amaro, algumas pessoas hoje podem se recordar que em 1985 houve um plebiscito para a separação do bairro, que já não teria o mesmo tamanho que tinha em 1935, mas sim menor. Afinal, quais eram as divisas de Santo Amaro em 1935 com São Paulo? A mais conhecida era a avenida dos Bandeirantes, na época apenas um córrego, o da Traição. Mas e do outro lado do rio? A oeste do rio Pinheiros, a divisa era uma linha reta que saía um pouco ao sul da ponte da Cidade Jardim – que, nessa época, era mais ao sul do que hoje num rio ainda não retificado e cheio de corcovas – e se dirigia para a divisa com o município de Cotia (não existiam ainda Carapicuíba, Barueri, Jandira e Osasco ainda era parte da Capital). Isto, de tal forma que a ponte estaiada, o Palácio do Governo, o Estádio do Morumbi, o Aeroporto de Congonhas e o novíssimo Shopping Center Cidade Jardim, aquele monstrengo na beira da avenida Marginal de Pinheiros, todas essas construções seriam parte de Santo Amaro.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

PRIVATIZAÇÃO: SERÁ QUE AGORA APRENDEM?

De vez em quando ainda aparecem umas locomotivas novas... esta é a GE AC44i da ALL, em foto de Juliano Zambrota em dezembro de 2009.

A privatização das ferrovias brasileiras começou em 1996 e terminou em 1998. Aliás, nem foi privatização. Toda a malha está nas mãos do Governo, que as tirou da RFFSA quando extinguiu a empresa. O que existe, na verdade, são concessões para operação das linhas. A primeira concessão deu-se no primeiro semestre de 1996 e foi a da antiga Noroeste do Brasil. Começou mal. O consórcio que a arrendou deu-se o nome de Novoeste e nada fez a não ser manter uma ou outra carga que já existia pela RFFSA, eliminar outras e abandonar totalmente o ramal de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. Em dois/três anos mudou de dono, depois passou a ser parte da Brasil Ferrovias, uma junção das estradas de ferro Ferronorte (que já passou a operar a estrada que ela própria construiu desde 1998) e Ferroban, que foi o consórcio que adquiriu a Fepasa, das mãos da RFFSA, para a qual tinha sido entregue de bandeja pelo Governo paulista em abril de 1998. Hoje essas três concessões são parte da ALL, que, no início, havia adquirido a concessão da malha Sul, ou seja, as ferrovias dos três Estados sulinos, com exceção da E. F. Teresa Cristina.

Sem querer fazer grande análise aqui, hoje em dia apenas a Vitória-Minas e a Carajás, que são concessões da Vale do Rio Doce – hoje Vale -, além da MRS, são realmente bem-sucedidas no negócio. A Teresa Cristina, que manteve o nome da malha, também vai bem, mas a sua quilometragem é muito pequena comparada com as outras, então, o faturamento também o é. A ALL cuida de seus trechos do jeito que ela quer: só conserta quando algum trem descarrila – o que acontece muito. As outras concessões são problemáticas.

Em termos de atender as necessidades do País, no entanto, todas as empresas deixam a desejar. Transportando pelo menos 72% de toda a carga como minério, principalmente de ferro e bauxita, o que resta de carga é mal atendida – ou mesmo não atendida. Fora isso, muitíssimos trechos – talvez pelo menos 50% da malha que existe, não é utilizada. Será que não há carga para elas? Ou será que há má vontade por parte das concessionárias? E o que fazer se uma concessionária não quer um trecho? Será que o fato de ela não querer operá-lo significa que certamente ele é um “mico”? Ou ela não tem nenhuma vontade de investir neles?

Fora isso, a privatização não contemplou trens de passageiros regulares. E como o lucro nesse campo é sempre baixo, quando há, as concessionárias pouco ou nada se importaram com o assunto. Mesmo quando algum interessado quer operar um trecho e pede concessão para tal, as concessionárias levantam mil empecilhos para que ele não vingue — caso típico do Trem de Prata, que acabou um ano depois da privatização do trecho Rio–São Paulo.

Agora e tardiamente o Governo Federal fala em rever as privatizações. Quer que outras empresas ganhem a concessão dos trechos pouco ou nada usados. Já devia ter feito isto há muito tempo. As atuais concessionárias não ligam para eles, não limpam, não cuidam e fazem vista grossa para o roubo de trilhos e depredações de ativos.

Esperamos que o Governo faça algo sério desta vez e rearranje as coisas de uma forma que seja do interesse do País. Lógico que ninguém vai querer operar linhas que deem prejuízos, mas pequenas operadoras podem fazer milagres com trechos indesejados – vide Estados Unidos, onde isso existe e funciona.

Quanto tempo, porém, vai demorar até esse “rearranjo” se tornar uma realidade? Esperamos que as atuais concessionárias não boicotem o plano, se é que já há um. Esperamos, também, que se dê condições para a volta de pelo menos alguns trens de passageiros, e que isto também resolva a eterna briga entre a MRS e a CPTM pelas linhas que passam dentro de São Paulo — passageiros x carga, aqui, é o grande problema. Perdem todos.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

CAOS NO LITORAL NORTE

Praia de Santiago, em São Sebastião, vista da estrada, em 2007, sentido Bertioga

O litoral norte de São Paulo vai do município de Bertioga até o de Ubatuba, na divisa com o Estado do Rio. Praias e mais praias, muito bonitas, vão passando enquanto dirigimos do início do trecho da SP-55 na Rodovia Piassaguera-Guarujá até a divisa com o Rio.

O curioso, no entanto, é que esta SP-55, que se confunde com a BR-101, é um trecho em sua maior parte muito antigo que passa por dentro das cidades e bairros que ela serve. A ideia, nos anos 1970, era construir a tal “Rodovia do Sol” para ligar o Rio a Santos – a Rio-Santos, numa distância bem maior da costa e passando pelas encostas da Serra do Mar. Isto evitaria o que ocorre hoje: a estrada estreita passa dentro dos bairros e cidades. A Rodovia do Sol começou a ser construída e em algum momento acabou a verba: viadutos e trechos escavados foram abandonados junto à Serra do Mar, sendo que alguns podem ser vistos de longe ainda hoje.

Até os anos 1970, somente se podia ir de Santos a Maresias, um bairro-praia do município de São Sebastião a cerca de 20 quilômetros da sede deste, pela areia ou por alguns trechos de estradas em péssimas condições. Entre Bertioga e São Sebastião, as praias eram semi-desertas e apenas algumas delas tinham um pequeno núcleo de casas. Bertioga, mesmo, somente alcançada via Ilha de Santo Amaro (município de Guarujá) por balsa – duas, visto que de Santos a Guarujá também somente se podia ir de carro por outra balsa – era um vilarejo pertencente a Santos.

Com a construção da estrada Piassaguera-Guarujá no início dos anos 1970 (tem esse nome, pois a estrada que existia antes somente ligava Santos a Piassaguera, onde o núcleo industrial siderúrgico e petroquímico da COSIPA existia desde 1955 e levava esse nome), Guarujá ganhou acesso por carro, mais longo para quem vinha de Santos, mas bem mais curto para quem vinha de São Paulo e acelerou seu crescimento predatório. A deserta praia da Enseada dos anos 1960 tornou-se rapidamente um dos bairros mais populosos do município.

Nos anos 1980, a prefeitura de São Sebastião ligou a sede do município a Maresias com uma estrada decente e asfaltada, mas perigosa e com muitas curvas, estrada essa que existe até hoje. Logo depois, o Estado ligou também a Piassaguera-Guarujá com Bertioga e todo o litoral norte, asfaltando e construindo trechos até encontrar a estrada que São Sebastião construiu.

Com isso, todas aquelas praias começaram a se encher de casas e até um ou outro prédio baixo (3-4 andares, de acordo com a regulamentação que ainda hoje sobrevive apesar das pressões). Algumas construções antigas ainda sobraram em pé, muito poucas, uma em Boiçucanga e outra em Boracéa, casas com aparência de terem sido construídas nos anos 1920 ou 1930 e que nos dois casos estão no centro de um terreno grande aberto, mas sem uso algum, já meio abandonadas. Também sobraram igrejas das vilas de pescadores em Maresias e Boiçucanga. Curioso que isto tudo está à beira da estrada improvisada. Na maioria desses bairros-praia é o único asfalto que o local tem. A falta de uma estrada como tal (a Rio-Santos abandonada) faz com que o passeio a pé pelas estreitas calçadas ou acostamentos da estrada atual seja realmente um negócio de alto risco. A Praia Preta, perto de Camburi, somente pode ser frequentada pelos usuários com os carros sendo estacionados no estreito acostamento, pois a praia está do lado da estrada e não há casas ou estacionamentos para as pessoas se hospedarem ou pararem seus carros.

Infra-estrutura, portanto, no litoral norte de São Paulo é algo muito pobre. Ao norte de São Sebastião, em Caraguatatuba e Ubatuba, a situação é a mesma, mas a densidade populacional ali é maior, complicando o trânsito de veículos dos municípios como um todo. Alguém se habilita a consertar tudo isto?

domingo, 10 de janeiro de 2010

AQUI EM TOQUE-TOQUE

A praia de Toque-Toque Pequeno. Foto: Melissa Giesbrecht

Depois de um bom tempo, retornei a Toque-Toque Pequeno a convite de um grande amigo meu para ficar uns dias em sua casa. Um calor enorme por aqui, com chuvas esporádicas – bem chuvas de verão, mesmo.

Caminhar na praia é sempre uma delícia. Foi o que fiz hoje no final da tarde. Na ponta de cada lado da pequena praia, há um córrego com água gelada, pois vêm das montanhas: estas encostam na estrada que liga Santos a São Sebastião e, claro, têm nascentes. Morros com matas nativas e sem nenhuma ocupação humana.

Segundo o que se diz aqui, a ilha de Toque-Toque Pequeno é que nomeia a praia, bem como a de Toque-Toque Grande nomeia a praia seguinte. Ou será que o nome viria de Toc-Toc, onomatopeia que representa o som das pessoas tentando entrar nos vários condomínios fechados que existem nesta praia? (apenas um comentário maldoso).

Daqui à praia de Maresias, que fica antes de quem vem de São Paulo, são cerca de 5 quilômetros. E para o centro de São Sebastião, devem ser uns vinte. É um local muito sossegado por aqui, belíssimo, onde o sol se põe no mar, como se aqui fosse uma praia na costa oeste da América do Sul. Consequência das curvas e mais curvas do litoral neste ponto de São Paulo.

A viagem levou na tarde de sábado apenas 3 horas e meia, de Santana de Parnaíba até aqui. Sem paradas, a não ser para pôr gasolina. A estrada está boa, apenas tem uma sequência de curvas entre as diversas praias do caminho. Um acidente entre dois dos três túneis da rodovia dos Imigrantes também ajudou a deixar o trânsito mais lento ali.

Para sair do tumulto de São Paulo, nada como uma arejada por aqui de vez em quando. Na noite de ontem, uma rodada de pizza com os amigos sem dúvida foi muito salutar, especialmente quando se reúnem amizades de quase cinquenta anos.

O curioso, mesmo, é ver que quem gosta de praia gosta mesmo: quando passamos por Maresias no caminho, vimos saindo de uma das servidões que ligam a rua principal (que é a rodovia) uma família carregando esteiras, guarda-sóis e cadeiras, de volta para a casa ou hotel. Eram 7:50 da tarde e a noite já era praticamente uma realidade. Nem os borrachudos afastam esse pessoal fanático!

sábado, 9 de janeiro de 2010

ABUSO DE PODER

O povo só apanha...

Realmente, estamos em um País em que o Governo faz o que quer. Basta ler jornais. Há uma infinidade de coisas ilegais sendo feitas e o mais curioso – fora os jornais, ninguém reclama.

Em outros países, vejo pessoas indo às ruas e mesmo enfiando o dedo na cara dos governantes – quando não jogando objetos contra eles. Aqui, o máximo que se faz é ir à justiça, que dá pareceres contrários mesmo quando o fato é ilegal. Vejam, por exemplo, o caso da censura ao Jornal O Estado de S. Paulo no episódio de um dos filhos do ex-presidente (péssimo presidente, por sinal) maranhense, cujo nome prefiro não declinar aqui, para não dar a ele mais publicidade do que ele merece (se é que merece alguma). Aliás, no caso dele, fiquei feliz em saber que um viaduto urbano em Ribeirão Preto que tinha o seu nome (quem foi o incauto que o deu?) foi substituído por outro nome.

Um caso que dá muito pano para manga aqui em São Paulo refere-se aos pedágios. Neste Estado são altos. Altos demais. Não sou contra pedágios, mas esses preços sao fora da realidade. As estradas são boas? São, mas poderiam sê-las com preço menor e a concessionária ainda estaria muito bem remunerada.

E os pedágios ilegais? Há uma lei que diz que não pode haver pedágios sendo cobrados a menos de 30 quilômetros do marco zero da Praça da Sé. Mesmo assim, na rodovia Castelo Branco e agora no rodoanel eles existem há anos. Varias liminares já foram concedidas a usuários, mas são sempre derrubadas com a alegação de que o prejuízo ao Governo seria muito grande. Ué, o Governo não é, teoricamente, o povo? O povo pode pagar algo ilegal e o Governo não pode ter prejuízo? Não faz sentido. E se o problema é esse, que se revogue a lei. Ninguém revoga a lei, mas também não a segue.

Agora estamos às portas de outro absurdo — não que seja ilegal, mas é um típico abuso de poder. Na Castelo Branco, hoje, as saídas para o Rodoanel são colocadas antes do pedágio — para quem vem do interior e para quem vem de São Paulo. Foram construídos novos acessos recentemente e que devem entrar em operação durante este mês de janeiro (já estão prontos). Com isso, já se anunciou que vão ser fechados os anteriores. Porém, os novos obrigam quem for usar estas saídas a passar pelo pedágio antes — vindo do interior ou saindo da Capital.

Não entendo por que temos de pagar o pedágio antes para usar a saída, se já existe outra há anos. Isso é obrigar o motorista a pagar — na marra. Em nenhum país do mundo isto seria aceito. Aqui, todo mundo só reclama e fica tudo por isso mesmo. Aliás, como eu. Em vez de ir lá e pôr fogo na nova saída, não, fico aqui, choramingando. Se fosse somente eu — mas são todos. Em compensação, hoje vi uma fotografia no jornal que mostra uma moradora do Jardim Romano enfiando o dedo na cara (ok, estou exagerando um pouco, mas foi quase) do Prefeiro Kassab — aquele, que cada dia que passa pisa mais no tomate, transformando um bom governo inicial numa má gestão. Ela dizia: "venha pôr o pé na lama." Ela teve coragem, mas também ficou só nisso. O Kassab já aprendeu a ser político. Vai sair de lá e esquecer o assunto.

Até quando vamos aguentar todos os absurdos feitos pelo Governo sem reclamar?

A partir de amanhã, estarei uns dias em férias num local de má conexão por computador. Portanto, não estranhem se meus leitores também ficarem obrigados a ganhar merecidas férias de mim...

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

OS RUMOS DE CHIADOR

As ruínas da estação de Chiador. Foto Jorge Alves Ferreira Jr.

No final dos anos 1860, quando a Estrada de Ferro Dom Pedro II já havia subido a serra com seus trilhos e já acompanhava o rio Paraíba do Sul junto à fronteira do Rio de Janeiro com Minas Gerais, a direção se decidiu por construir um ramal, também em bitola larga (1,60 m) para, saindo da estação de Entre Rios (a atual Três Rios), chegasse a uma localidade denominada Porto Novo do Cunha. Ali era um excelente ponto para se receber cargas pelo rio, posto que ele era navegável até aquele ponto e, por outro lado, em Entre Rios a ferrovia deveria seguir para o norte, cruzando definitivamente a fronteira mineira e seguindo em demanda de Juiz de Fora.

O ramal foi construído e ficou pronto em 1871, tendo sido inaugurado no mês de agosto com a sua chegada àquela localidade. (Por que Porto Novo do Cunha? Bom, não sei realmente quem foi o Cunha, não sei mesmo se ele foi uma pessoa, mas o fato é que existia também o Porto Velho do Cunha, a jusante do novo).

Parte do ramal, no entanto, foi entregue antes, até a localidade de Chiador, já em Minas e também às margens (norte) do rio Paraíba. Ali se construiu uma estação que lembra outras do mesmo ramal no estilo arquitetônico, como a de Simplício, de Sapucaia e de Porto Novo, por exemplo, Lembra também a enorme estação de Cachoeira Paulista, aberta no atual ramal de São Paulo pela mesma ferrovia, mas em 1876, portanto sete anos depois.

Por isso, Chiador ficou com a fama e a glória de ter sido a primeira estação ferroviária da Província de Minas Gerais, já que, até aquele ponto, não havia ferrovia nenhuma no atual Estado mineiro. Curiosamente, depois de Chiador, a ferrovia cruzava o rio novamente, voltava (na verdade, podemos pôr estes verbos no presente, pois a ferrovia ali ainda existe e funciona) passava pelas cidades de Anta e de Sapucaia no lado fluminense, para depois voltar a cruzar o rio entrando em Minas novamente.

Em 1869, poucas Províncias tinham estradas de ferro em funcionamento: Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e São Paulo - apenas estas quatro ouviam o apito do trem. Minas era a que tinha menos quilômetros de trilhos, os do ramal de Porto Novo do Cunha.

A ferrovia cresceu no Brasil e chegou a diversos – não todos – os Estados da Federação. Sem um planejamento decente, porém, o Norte e o Sul somente se ligaram em 1950, e de uma forma bastante precária, pelos Estados de Minas e da Bahia. A Dom Pedro II virou Central do Brasil em 1890, com a queda da monarquia; já o ramal em 1913 teve a bitola reduzida para métrica e Chiador continuava lá, firme. Um prédio muito bonito, como costumeiramente se fazia, especialmente em se tratando da Pedro II/Central. E por causa do mau planejamento na construção e diversos outros fatores, a ferrovia foi sendo relegada a segundo plano até que, com imensos prejuízos, os trens de passageiros, que rodavam por mais de 37 mil quilômetros de trilhos em 1960, no seu pico, foram sendo desativados. A quilometragem máxima já fora atingida no período de decadência. Em 1984, já eram apenas 10 mil quilômetros. Hoje, mal passam de 2 mil, incluídos os trens metropolitanos. A quilometragem de trilhos, que chegou a esses 37 mil em 1960 (todas as linhas tinham trens de passageiros), hoje não passa de 28 mil.

As estações ferroviárias, outrora fervilhantes de gente, principalmente as das cidades – mesmo das pequenas, como Chiador – foram sendo abandonadas, sem uso. Em Chiador, o último trem de passageiros passou na primeira metade dos anos 1980. Depois disso, o abandono total para um prédio muito grande e sem serventia. Chegou às ruínas, assim como inúmeras outras estações dentro das quase 5 mil que existem ou existiram pelas linhas do País.

Chiador não teve a mesma sorte que muitas tiveram: de renascer das cinzas, de ser recuperada, restaurada e usada para outras necessidades. Já se anunciou pelo menos em duas oportunidades – provavelmente foram mais – sua recuperação. Não passou das intenções. Agora, nestes dias, anuncia-se pela terceira vez. Será que “desta vez vamos”?

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

PORÉM, NEM TUDO É O INFERNO...

Automotriz Budd em Juiz de Fora em 27 de dezembro de 2009. Foto Arthur Bilheri

Ontem o senhor de meia-idade rabugento (eu) desceu o porrete na velocidade e falta de seriedade com que as coisas são feitas quando se trata de ferrovias no Brasil. Mas nem tudo são espinhos nem o inferno tomou conta de tudo que se relacione a elas.

Por exemplo, eu não citei as obras da Trensurb, que depois de mais de vinte anos de operação finalmente conseguiu desencantar e está seguindo com seus trilhos no sentido de Novo Hamburgo. Ou seja, os gaúchos vão voltar a ter o que tiveram durante cento e dez anos, um trem para levá-los de Porto Alegre para Novo Hamburgo. Aliás, este era o nome da ferrovia original em 1872, a primeira daquela Província.

Enquanto isso, paranaenses, catarinenses, gaúchos e sul-matogrossenses se unem para ver se conseguem desencantar os prolongamentos da Ferroeste e sua junção com a Norte-Sul (que, aliás, está longe deles ainda, mas segue avançando). A notícia saiu ontem e diz que a ferrovia deverá facilitar o envio dos grãos provenientes das cidades de Maracaju e Dourado, ambas no MS, para o porto de Paranaguá.

A ferrovia resultante de tudo isso seria chamada de Ferrosul e esticaria os trilhos por um ou mais ramais que chegariam a SC e ao RS. Resta saber se isso vai sair mesmo ou vai ficar no “vai fazer”. Fora isso, há que se destravar o gargalo da linha existente entre Guarapuava e Irati, velha e cheia de curvas, e a retificação dos trilhos entre Irati e Engenheiro Bley, que reduziria distância e tempo entre Cascavel e Paranaguá, ligação, aliás, prevista há mais de oitenta anos.

O interessante é que, na verdade, as duas cidades já têm essa ligação há muito tempo com o porto de Santos, através de um ramal abandonado há catorze anos (Ponta Porã) e de uma linha pouquíssimo utilizada, ou seja, o trecho Campo Grande–Três Lagoas, da antiga Noroeste. Sim, são linhas antigas, mas mostram que a ligação existe e somente não se as usa porque não se quer. Não seria o caso de pelo menos por enquanto usar isso e aguardar a linha nova ser aberta, mais curta e rápida e com um porto mais eficiente como é Paranaguá (pelo menos isto é o que se lê)? É por aí que se vê que as notícias não espelham toda a verdade.

Finalmente, o Expresso Pai da Aviação. Estranha-me muito ser dada a alcunha de um aviador, aliás, o mais famoso deles, a uma composição ferroviária. Sei que Santos Dumont é a terra dele, por isso leva seu nome, mas, mesmo assim, o que ele realmente tem a ver com trens? (A não ser o fato que, diz a lenda, teria pilotado as locomotivas a vapor das fazendas de seu pai e de seu irmão, respectivamente em Ribeirão Preto e Amália, em São Paulo, e aí aprendido mecânica.) Bom, para quem não sabe, é um trem turístico — ou melhor, uma automotriz de aço inox Budd recuperada, fazendo o percurso de Santos Dumont a Juiz de Fora em finais de semana. O teste foi feito há dez dias em Santos Dumont. É sempre uma boa notícia ver um novo trem andando pelos trilhos brasileiros.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

NAS BRUMAS DO TEMPO

A "avenida Osasco", foto tirada em 4/1/2010, no sentido da portaria do Instituto Butantan. No século 19 e início do 20, por aí passava quem se dirigia de São Paulo e Pinheiros a Itu

Alguns fatos caem nas “brumas do tempo” e somente são “reencontrados” depois por acaso. Alguns são, acharão muitos, irrelevantes. Pode ser, mas para mim são sempre interessantes. Olhando mapas e notícias antigas encontram-se coisas que eu, pelo menos, não sabia, e que hoje, certamente, muita gente não sabe – e provavelmente não se importa.

Bem, para os curiosos de plantão, nos últimos dias, por diversos meios e motivos, eu soube que: Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, se chamava Villa Platina no início do século 20. Na mesma época, o bairro do Botequim era o nome do atual bairro da Previdência, ao longo da avenida Francisco Morato, em São Paulo. Esta, por sua vez, teve uma série de nomes – vários diferentes são achados em um mapa de 1913 – e um deles foi a Estrada do Botequim. O local onde fica a praça da Paineira, ali no início da mesma avenida, hoje, final da Eusébio Matoso (aliás, Paineira que já foi retirada há 35 anos dali) era um local chamado Barreira.

Ainda por ali: a atual avenida dos Três Poderes era uma estrada para Cotia. A Estrada de Itu, ou de Osasco, ela tinha diversos nomes, era a Corifeu de Azevedo Marques. E o seu primeiro trecho, exatamente entre a Vital Brasil e a rua Santanésia, não ficava onde fica hoje (um retão). Ficava à direita, cheia de curvas, não muito longe: fui verificar, e esse trecho ainda existe quase inteiro: no mapa de hoje, chama-se “Avenida Osasco”, mas, na prática, somente pode ser alcançada depois de passar a portaria do Instituto Butantan e é uma rua sem movimento algum e péssimo asfalto. Placas com o nome, nem pensar.

Houve pelo menos mais uma retificação feita na antiga Estrada de Itu, e esta fica já logo depois que a Corifeu cruza a divisa do município de Osasco e passa a se chamar avenida dos Autonomistas: é a rua Deputado Emílio Carlos o trecho antigo e original da estrada. Quem conhece esta rua sabe de onde falo. Andei de carro nessa rua e não consigo imaginar por que a estrada mudou seu curso ali. Essas mudanças na Estrada de Itu ocorreram provavelmente em 1922, quando a estrada foi alargada e, depois de Barueri, passou a correr por Parnaíba, Pirapora e Cabreúva e não mais pela esquerda da linha da Sorocabana até Jandira, onde a cruzava e seguia para Itu via Cururuquara e Araçariguama. O fato é que em 1930 o traçado já era como o é hoje e em 1913 não.

Outras “descobertas” levaram-me a saber que a “Chácara da Vila Mariana”, que ficava atrás da casa de meu avô, nas nascentes do córrego do Sapateiro, chamava-se na verdade “Chácara Conceição", vizinha da "Chácara Flora”. Nada a ver com a atual Chácara Flora, o primeiro dos loteamentos fechados de São Paulo e que fica próxima ao centro do hoje bairro de Santo Amaro.

Há alguns mistérios. Uma fotografia de uma revista nos anos 1920, que mostra “um trem da Rede Sul-Mineira acidentado junto à estação de Monte Alegre, em Minas Gerais”. Tento há anos saber que estação é essa. Jamais consegui nada. Também vi em algum texto do final do século 19 o nome Sapucaí nomeando a cidade de Batatais. Procurei em várias fontes saber se por algum tempo a cidade havia se chamado Sapucaí (afinal, ela fica próxima ao rio Sapucaí-Mirim, a nordeste do Estado de São Paulo). Nunca encontrei nada. Mas, sem dúvida, no texto, ele falava de Batatais, que, aliás, é um nome antigo, já existia desde o início do século 19, pelo menos.

E por aí vai. Fatos como estes muitas vezes dificultam bastante a pesquisa histórica. É muito difícil saber todas estas mudanças, que às vezes eram feitas de modo oficial e às vezes apenas pelo uso da população. Já houve artigos por aqui onde eu critiquei essa constante troca de nomes nas cidades e logradouros brasileiros, perdendo-se as tradições.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

COMO É DIFÍCIL!!!


Como são difíceis as coisas para as ferrovias no Brasil. As notícias dos últimos dias não são nada animadoras.

A Transnordestina não anda, mesmo. As linhas que darão origem à ferrovia não saem nem com reza braba. As obras feitas até agora são poucas, muito poucas e uma ferrovia que era para ser entregue em 2008, depois 2010, agora deverá (será?) ser entregue em 2012. O Presidente Lula está brabo, dona Dilma também. Se nem eles conseguem fazer com que as obras andem, então é porque as coisas por ali vão muito mal.

Em São José dos Campos, a Prefeitura passou à ação: está retirando mesmo os trilhos da antiga linha da Central do Brasil que passava pelo Banhado e chegava, vinda de Jacareí, até a estação ferroviária central da cidade. Não adiantaram os apelos para se fazer passar por ali um VLT. Vão mesmo fazer uma avenida – como prefeitos gostam de avenidas. São José precisa dela? Não, não precisa, posso garantir. Mesmo assim, ela deverá ser feita e, para avenidas, no Brasil, aí sim, as coisas sempre andam. Ô coisa para degradar uma cidade como uma avenida. Ainda mais essa, no Banhado, lugar curiosamente tombado pela própria Prefeitura, pois é, sem dúvida, um lugar muito bonito, uma joia da natureza e que agora vai perder vários de seus brilhantes com a nova obra.

Notícias frescas dão conta que a ALL perdeu a concessão das linhas Bauru-Panorama (larga, ex-Companhia Paulista) e Santos-Juquiá (métrica, ex-Sorocabana), que deverão ser licitadas para outros interessados. Será verdade? Verdade ou não, o fato é que essas duas linhas estavam operacionais e ativas até o último dia de operação da FEPASA em 1998 e foram logo depois abandonadas. A de Panorama chegou a levar trens de passageiros até o início de 2001.

A ferrovia que desce de Recife para a divisa Alagoas-Sergipe e dali para Laranjeiras (antigas RFN e VFFLB) estão abandonadas desde 2000. Começaram a ser limpas novamente em 2007 e prometidas para ser reativadas. Não foram, e agora se promete isto para este ano.

Em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, as promessas de prolongamentos e novas linhas de metrô se perpetuam e nunca saem. Há poucos dias dois pedaços de linhas foram entregues no Rio, mas é pouquíssimo se olharmos o tempo que isso levou. A tal linha 3, que será construída sobre o leito da velha Leopoldina, linha Niterói-Itaboraí, fica no papo e não sai mesmo.

A continuação da Ferronorte não engrena, bem como a da Ferroeste no Paraná. As únicas frentes de trabalho que avançam são as linhas do metrô em São Paulo e a Ferrovia Norte-Sul em Tocantins e Goiás.

Em São Paulo, o escândalo da ALL levando locomotivas elétricas, diesel e carros Budd e ACF para juntar no vulnerabilíssimo pátio de Triagem como se fossem sucata não tem jeito. A previsão é das mais pessimistas possíveis, apesar de que existe muita associação de preservação que quer o material e algumas têm até uso imediato para eles (depois de uma boa reforma, claro). Elétricas seriam para museus, pois acabaram-se os trens eletrificados no Brasil, com exceção dos metropolitanos da CPTM, Demetrô (BH) Supervia (Rio) e Salvador.

Enquanto isso, que os grandes empresários se curvem aos voluntários que estão, com pouquíssimo dinheiro e pessoas, reativando as velhas Perus-Pirapora, em São Paulo, e a E. F. Santa Catarina, na região de Rio do Sul. E estão mesmo, cada dia os trilhos avançam mais e o material rodante antes abandonado vai sendo recuperado.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

RIOS (D)E LÁGRIMAS

Estarão estes belíssimos casarões ainda em pé hoje? Foto Adriano Martins em 2006.

O assunto dos dois últimos dias foram os rios. Hoje não deveria ser, mas falando de São Luiz do Paraitinga e sua tragédia de ano novo não dá para não se falar de um rio. O rio que dá parte do nome à cidade, o Paraitinga, um dos formadores do Paraíba do Sul. Foi ele o causador de uma tragédia.

Quem construiu Paraitinga nos anos 1700 certamente sabia o que estava fazendo. Usando como material a taipa de pilão, enfim, barro batido, os seus construtores sabiam que o material tem problemas com as águas. Então, jamais construiriam essa cidade em lugar propício a alagamentos. Muito menos a alagamentos com esse que ocorreu na cidade dois dias atrás. Não eram bobos. E se por acaso eles se enganassem, simplesmente mudavam a cidade de local, abandonando a anterior.

Demorou 241 anos para seus fundadores percebessem, se estivessem vivos, que ali alagava também. Porem, jamais a cidade havia presenciado uma corrente d’água desse tamanho. O casario — não todo de 1769, claro, mas feito aos poucos; a igreja de São Luiz de Tolosa, que desabou, era do século 19 — permaneceu mais de uma centena de anos em média em seu lugar. Enfim: eles não estavam errados.

Foi o excesso de chuvas que causou a enxurrada. Mas já choveu dessa forma nessa região várias e várias vezes. Talvez mais ainda do que no último dia do ano passado. Por que desta vez o rio encheu? Não li nada acerca disto até agora — teria havido alguma barragem sido aberta ali próximo? Ou alguma barragem, voluntária ou involuntariamente, teria sido feita a jusante do rio? Não conheço, realmente, o sistema por ali. Mas que não se culpe o vilão de plantão, o aquecimento global.

O fato é que oitenta por cento dos bens tombados na cidade tombaram (sem trocadilho, e segundo informação de um jornal de hoje) com a enchente. Haviam sido localizadas rachaduras na igreja há alguns meses, sim — mas, sem essa água, provavelmente nada aconteceria até que fossem reparadas. A cidade tem, segundo o arquiteto e restaurador Julio Dias de Moraes, orgulho de suas tradições, do seu casario, de sua religiosidade — então, já se fala em restauração, que, na verdade, será uma reconstrução, pois muita coisa desapareceu totalmente.

Eu, particularmente (sempre lembrando que não sou arquiteto nem entendo de construções), acho que o que caiu caiu. Uma reconstrução nos mesmos moldes e não nos mesmos materiais, que é o que se propõe neste instante de perda, para mim é uma heresia. Julio Moraes, no entanto, acha que não, que em Goiás Velho isso foi feito e que na Europa é muito comum — citando o exemplo do Palácio Real de Varsóvia, destruído na Segunda Guerra e reconstruído depois: “Ali a dizer que não conseguiram destruir a Polônia — todos sabem o que aconteceu na Polônia física, não se engana ninguém, e a reconstrução só aumentou o orgulho nacional.”

Uma entrevista telefônica de uma rádio com Percival Tirapelli realizada hoje dá uma opinião similar à de Julio, com Tirapelli citando que a cidade é um dos símbolos da recuperação do Estado no final do século 18 — época do Morgado de Mateus, colocado no posto de Governador exatamente para fazer o Estado crescer e sair da miséria de então.

Para mim, reles mortal, as ruínas (não o entulho, mas as paredes que sobraram das casas) deveriam ser mantidas e o que não caiu deveria ficar ali e ser recuperado sem riscos de nova ruína – se é que isto é possível nesse caso. Claro, tudo cuidado. Enfim, quem sou eu para ir contra as duas autoridades, uma delas grande amigo meu? Que seja feito o melhor para Paraitinga. E um novo começo para eles.