A estação da Cia. Paulista nos anos 1940.
A cidade de Piracicaba, SP, teve linhas férreas e trens de passageiros por exatos noventa e nove anos. Para uma cidade que já era relativamente grande quando da chegada dos trens da Companhia Ytuana em 1877, estes, assim como para várias outras cidades do interior paulista que lutavam contra o isolamento de sua população e pelo transporte de sua produção agrícola - neste caso, cana-de açúcar - significaram a chegada de uma nova era.
Desde a proclamação da Independência, a cidade se chamava Constituição, e foi com uma placa portando este nome que a estação foi aberta no dia 20 de fevereiro de 1877, onde, "como
parte dos festejos, constava a iluminação da fachada dos prédios públicos
e particulares, nas noites de 20 e 21. Para uma cidade com três ou
quatro quarteirões iluminados por lampiões a querosene, imagine-se
o espetáculo de todas as casas a ostentar, nas janelas e portas, lampiões,
lamparinas, velas ou fogueiras nas praças centrais". A cidade voltou a ter seu nome original - Piracicaba - apenas dois meses depois.
Localizção da estação da Cia. Paulista em mapa dos anos 1940.
A Ytuana chegou om festas, mas o serviço deixava a desejar. Na década de 1880, a Ytuana passou por crises financeiras bastante grandes. O trem para a cidade veio como consequência da ligação entre as cidades entre Jundiaí e Itu. A cidade de Piracicaba era outro objetivo bastante interessante, mas, como Itu estava localizada um pouco fora do caminho, a solução foi abrir um ramal a partir de Indaiatuba (saía de uma estação de nome Itaici) e seguir até, pelo menos, São Pedro.
Para completar: a cidade teve quatro estações da Sorocabana/Ytuana (Piracicaba, Barão de Rezende, Montana (ex-Chave) e Costa Pinto, além da estação de Artemis (ex-João Alfredo), no sub-ramal); e três da Companhia Paulista (Piracicaba Paulista, Taquaral e Tupi). Destas oito estações, apenas cinco estão em pé: as duas centrais e as de Costa Pinto, de Artemis e de Tupi. O restante foi demolido, sendo que de Chave e de Barão de Rezende não se tem registros fotográficos.
Este prolongamento do ramal, de Piracicaba a São Pedro, somente seria concluído em 1892. Antes, em 1886, abriu-se uma linha - um sub-ramal - que ligava a cidade (saindo da estação de Chave, depois Montana) ao porto de João Alfredo (hoje Artemis), no rio Piracicaba, de forma que isto permitisse a ligação por via fluvial até o Porto Martins, em Botucatu. Dali a linha férrea continuava até as imediações de Lencóis (hoje Lençóis Paulista).
Foram estas as linhas que se tornaram um mau negócio para a Ytuana. Por causa dela, a Sorocabana, com uma empurradinha do governo, acabou incorporando a ferrovia para "salvá-la", em 1892, ano em que a linha chegava a São Pedro. A operação formou a CUSY - Companhia União Sorocaba e Ytuana, que acabou juntando duas ferrovias que já tinham problemas, até falir, em 1903. A Sorocabana ficou com a União, que acabou vendendo-a ao governo paulista em 1905, que, por sua vez, a arrendou para a Sorocabana Railway, de Percival Farquhar. Em 1919 voltou para o governo do Estado.
O nome Ytuana desapareceu, embora a "linha Ytuana"- ou seja, os ramais Jundiaí-Itu-Campinas-Mairinque e o de Sao Pedro foram chamados por esse nome até o seu fim.
A estação da Sorocabana, reformada em 1944. Hoje serve como terminal de ônibus.
Toda esta história de trinta anos foi contada brevemente para mostrar por que a linha nunca teve um bom serviço na região de Piracicaba. Por causa disto, já em 1901, a cidade tentava convencer a Companhia Paulista, historicamente conhecida como a ferrovia mais eficiente do Estado, a "puxar", a partir de Limeira, um ramal para lá. Na época, apesar das promessas, o ramal não foi construído, mas, quinze anos depois, a empresa realmente o fez, chegando em 1917 a Santa Barbara (hoje Santa Barbara d`Oeste) e em 1922 a Piracicaba, em uma nova estação construída mais afastada do centro da cidade, no final da rua Boa Morte.
Mais uma vez a ferrovia foi recebida com festas. Até um arco do triunfo foi construído. A linha saía de Nova Odessa, da estação de Recanto, e tinha bitola larga (1,60 m), o que possibiitava ter trens diretos da capital paulista. O da Ytuana, agora Sorocabana, continuava com uma baldeação forçada em Jundiaí, fora o fato de ter um trajeto mais longo.
Era raro o caso de um a cidade do interior paulista ter duas linhas de duas companhias diferentes. Para Piracicaba, elas eram de características tão diferentes - bitola, tecnologia de construção (um ramal era mais de quarenta anos mais recente do que outro), distância, qualidade de serviços - que nem eram consideradas concorrentes, realmente. Enquanto a linha da Paulista servia realmente como transporte para a Capital e a Campinas, o da Sorocabana era mais um trem regional, que servia mesmo era para atender ao transporte regional de cidades como Indaiatuba, Capivari, Elias Fausto e Rafard - entre elas ou com Piracicaba. Poucos tomavam o trem para seguir para a São Paulo. Por sua vez, o tráfego entre Piracicaba e São Pedro era muito menor do que o do resto da linha da Sorocabana.
Localização da estação da Sorocabana nos anos 1940.
No final, já com a FEPASA, a cidade acabou perdendo as duas linhas de passageiros ao mesmo tempo: entre meados de 1976 (Sorocabana - jamais consegui saber a data e o mês exatos da supressão dos trens de passageiros, o que mostra a pouca importância que o piracicabano dava a esta linha nessa época) e fevereiro de 1977 (Paulista), a cidade ficou sem trens. Como cargueiros, eles continuaram cada vez menos frequentes até acabar por volta de 1990.
Os trilhos da linha mais velha foram retirados em 1969 (Piracicaba a São Pedro). Já a linha da Paulista foi totalmente abandonada após 1998. Hoje, se se encontrar trilhos desta linha na cidade, é simplesmente por acaso. Oficialmente, parece que a linha jamais foi suprimida e chegou a estar na concessão dada à Ferroban a partir de 1999.
A história dos trens em Piracicaba não é muito diferente da de outras cidades paulistas e mesmo brasileiras. A peculiaridade é a cidade ter tido duas linhas de companhias diferentes, que jamais foram unidas: elas se cruzavam na cidade com o auxílio de um pequeno viaduto. Na verdade, houve esta união, nos anos 1980, quando a estação da Sorocabana foi desativada. Os poucos cargueiros que chegavam à cidade foram desviados por uma linha métrica à estação da Paulista, com bitola larga. Mas pouco tempo mais sobreviveram esses poucos cargueiros. Os trens de passageiros já não existiam mais.
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sexta-feira, 3 de julho de 2015
sexta-feira, 20 de março de 2015
ESCOLAS DE PIRACICABA, SP
Crianças em terras do Grupo Escolar Rural Dr. Kok, em Piracicaba - 1946. Acervo Sud Mennucci
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Meu avô Sud Mennucci interessava-se por todas as notícias sobre escolas em São Paulo. Principalmente as de Piracicaba, cidade em que nasceu e onde foi Delegado Regional do Ensino por quatro anos, de 1921 a 1925, ano em que veio para São Paulo a convite de Julio de Mesquita Filho para ser redator no jornal O Estado de S. Paulo.
Sud era professor primário formado e nada mais. O resto, aprendeu sozinho. Tanto que era jornalista desde pelo menos 1910, quando tinha apenas dezoito anos de idade e mandava, das cidades do Interior onde morou - Cravinhos, Piracaia. Dourado, Belém do Pará, Porto Ferreira e Campinas artigos que eram publicados em jornais das próprias cidades, em Piracicaba e em São Paulo - além de outras cidades, eventualmente.
Basta dizer que assumiu o cargo de Delegado Regional em Campinas, onde ficou do final de 1920 ao final de 1921, tendo apenas vinte e nove anos e nenhum curso universitário.
Mapa do município de Piracicaba em 1934. Notem a área urbana à direita e a área rural à esquerda, em mapas separados e em diferentes escalas. Todos esses bairros rurais ainda existirão? Os grupos, que não são mais "rurais", existirão ainda? A cidade englobava ainda Xarqueada, hoje município (Charqueada). Em ambos pode-se ver as linhas da Sorocabana, que entrava na cidade do sul para o norte, passando pelo centro urbano, enquanto a linha da Cia. Paulista entrava pelo oeste e não chegava ao centro, mas à sua própria estação, situada ao sul da cidade
.
Nos anos 1910, 1920 e 1930, Piracicaba tinha uma importância relativa muito maior para o Estado do que tem hoje. Diversos escritores viveram lá nessa época - além de Sud, também Thales de Andrade, Leo Vaz, Lourenço Filho e outros. E Sud ainda teve como "padrinho" nada mais, nada menos, do que Monteiro Lobato.
Até o fim de sua vida (1948), ele queria saber tudo o que podia sobre as escolas, principalmente na área rural. Vejam, por exemplo, o mapa do município de Piracicaba datado de 1934 e que está no seu acervo, herdado por mim. É difícil acreditar que hoje em dia ainda existam homens como Sud. Hoje, vemos políticos como Cid Gomes como ministro da Educação e ficamos assombrados. Será que Cid guarda também reportagens, artigos e tudo o que deveria lhe interessar sobre o assunto? Terá ele tido a experiência que meu avô teve, de dar aula em cidades pequenas e vilas rurais por anos e anos? Chega, pois senão meu avô não vai parar de se revirar no caixão.
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Meu avô Sud Mennucci interessava-se por todas as notícias sobre escolas em São Paulo. Principalmente as de Piracicaba, cidade em que nasceu e onde foi Delegado Regional do Ensino por quatro anos, de 1921 a 1925, ano em que veio para São Paulo a convite de Julio de Mesquita Filho para ser redator no jornal O Estado de S. Paulo.
Sud era professor primário formado e nada mais. O resto, aprendeu sozinho. Tanto que era jornalista desde pelo menos 1910, quando tinha apenas dezoito anos de idade e mandava, das cidades do Interior onde morou - Cravinhos, Piracaia. Dourado, Belém do Pará, Porto Ferreira e Campinas artigos que eram publicados em jornais das próprias cidades, em Piracicaba e em São Paulo - além de outras cidades, eventualmente.
Basta dizer que assumiu o cargo de Delegado Regional em Campinas, onde ficou do final de 1920 ao final de 1921, tendo apenas vinte e nove anos e nenhum curso universitário.
Mapa do município de Piracicaba em 1934. Notem a área urbana à direita e a área rural à esquerda, em mapas separados e em diferentes escalas. Todos esses bairros rurais ainda existirão? Os grupos, que não são mais "rurais", existirão ainda? A cidade englobava ainda Xarqueada, hoje município (Charqueada). Em ambos pode-se ver as linhas da Sorocabana, que entrava na cidade do sul para o norte, passando pelo centro urbano, enquanto a linha da Cia. Paulista entrava pelo oeste e não chegava ao centro, mas à sua própria estação, situada ao sul da cidade
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Nos anos 1910, 1920 e 1930, Piracicaba tinha uma importância relativa muito maior para o Estado do que tem hoje. Diversos escritores viveram lá nessa época - além de Sud, também Thales de Andrade, Leo Vaz, Lourenço Filho e outros. E Sud ainda teve como "padrinho" nada mais, nada menos, do que Monteiro Lobato.
Até o fim de sua vida (1948), ele queria saber tudo o que podia sobre as escolas, principalmente na área rural. Vejam, por exemplo, o mapa do município de Piracicaba datado de 1934 e que está no seu acervo, herdado por mim. É difícil acreditar que hoje em dia ainda existam homens como Sud. Hoje, vemos políticos como Cid Gomes como ministro da Educação e ficamos assombrados. Será que Cid guarda também reportagens, artigos e tudo o que deveria lhe interessar sobre o assunto? Terá ele tido a experiência que meu avô teve, de dar aula em cidades pequenas e vilas rurais por anos e anos? Chega, pois senão meu avô não vai parar de se revirar no caixão.
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terça-feira, 18 de novembro de 2014
EFS: RAMAL DE SÃO PEDRO E SEU CHORADO FIM
Uma das raras fotos da estação de São Pedro, demolida logo após o fechamento da linha
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O ramal de São Pedro da Sorocabana, quase todo ele construído pela Companhia Ytuana entre 1874 e 1892, sempre foi um dos piores ramais em termos de manutenção.
Especialmente depois que a Paulista anunciou que iria construir o seu próprio ramal até Piracicaba partindo de Limeira em 1901 (mas acabou não o fazendo) e principalmente depois que ela acabou fazendo-o, mas a partir de Nova Odessa entre 1917 e 1922 (Nova Odessa-Piracicaba, com apenas 42 quilômetro e em bitola larga), a Sorocabana parece ter "largado a m"ao",
Porém, o ramal desta vinha de Jundiaí, e em Itaici bifurcava-se para Itu e Mairinque de um lado e Piracicaba e São Pedro em outro, mais longo que o da Paulista, mas por um trecho bem diferente, e isto a ajudava a manter o ramal, digamos, de forma satisfatória (para ela, enquanto os clientes reclamavam).
O ramal ligando Itaici a Piracicaba ficou pronto em 1877. O trecho seguinte, até São Pedro, somente em 1892. Isto fez com que o último trecho fosse o menos lucrativo, pois São Pedro não era o que se podia chamar de boca de sertão. Então, o que predominava ali era cana de açúcar e... passageiros.
A linha era cheia de curvas e de aclives, o que dificultava o transporte. A Sorocabana estava louca para se livrar dele, depois de um certo tempo. E fê-lo no final de 1966, apesar de, nos anos 1940, o ramal para São Pedro ter apresentado alguns sinais de recuperação. Que, aliás, não duraram muito: as reportagens sobre viagens a São Pedro e Águas de São Pedro (Este, o menor município do Brasil, incrustado no meio do município de São Pedro, mas sem um metro de linha férrea) já nem falavam da linha férrea depois de um certo tempo, com o trem ainda em funcionamento. Mesmo uma estrada ruim e sem asfalto era mais interessante - atualmente a SP-191. O ramal até Piracicaba manteve-se para passageiros até 1976 e para cargas até os anos 1980.
O prefeito de São Pedro em 1966 e 1967 não se conformou com o fechamento, que teria sido decidido cinco anos antes, por decreto, mas postergado, "empurrado com a barriga". E as alegações dele junto ao governador Laudo Natel podiam ser consideradas, digamos, bastante razoáveis. Edições do jornal O Estado de S. Paulo do final de 1966 e início de 1967 mostram isto:
Em outubro de 1966, o prefeito da cidade enviou um telegrama a Laudo Natel, perguntando por que ele havia desativado o ramal (quando, exatamente? - nota deste autor) por um decreto de cinco anos antes (1961) sob a alegação de deficit., afirmando que "deficit, se não levarmos em conta o bem coletivo, também dá a polícia, dão as escolas e todas as repartições mantidas pelo Estado. O deficit do ramal é muito relativo, pois, não levando em conta o movimento das estações de Barão de Rezende, Costa Pinto, Recreio e Paraisolandia, a estação de São Pedro despachou este ano mais de 40.000 toneladas de cana. Finalizando, aqui deixo minha desilusão por tudo e por todos". (O Estado de São Paulo, 30/10/1966). A resposta do governador demorou dois meses e foi dura: no início do ano de 1967, o governador, que deixaria o cargo pouco tempo depois para ser substituído por Abreu Sodré, enviou ordem para o prefeito de São Pedro, comunicando "a demolição urgente de barracões, casas e linha telegráfica (da ferrovia)". O prefeito, indignado, respondeu ao governador que "isto isolaria São Pedro das demais cidades do Estado e que tal pressa evidenciava o desejo de prejudicar a região, pedindo a Laudo Natel que reconsiderasse a decisão de eliminar o ramal de mais de setenta anos de idade e que ele, prefeito, não acreditava fosse deficitário". Desafiou ele o governador: "por que v. exa. não adapta os barracões para escolas primárias? Por que v. exa. não os atribui à Sociedade São Vicente de Paula a fim de abrigar a pobreza? O nosso Grupo Escolar está caindo aos pedaços e a pobreza (sic) São Vicente está desabrigada". E finalmente, pedia provas de que na Ituana existisse trechos mais movimentados do que o Piracicaba-São Pedro.
Não parece ter adiantado. Acabou mesmo. Mais detalhes podem ser vistos aqui.
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O ramal de São Pedro da Sorocabana, quase todo ele construído pela Companhia Ytuana entre 1874 e 1892, sempre foi um dos piores ramais em termos de manutenção.
Especialmente depois que a Paulista anunciou que iria construir o seu próprio ramal até Piracicaba partindo de Limeira em 1901 (mas acabou não o fazendo) e principalmente depois que ela acabou fazendo-o, mas a partir de Nova Odessa entre 1917 e 1922 (Nova Odessa-Piracicaba, com apenas 42 quilômetro e em bitola larga), a Sorocabana parece ter "largado a m"ao",
Porém, o ramal desta vinha de Jundiaí, e em Itaici bifurcava-se para Itu e Mairinque de um lado e Piracicaba e São Pedro em outro, mais longo que o da Paulista, mas por um trecho bem diferente, e isto a ajudava a manter o ramal, digamos, de forma satisfatória (para ela, enquanto os clientes reclamavam).
O ramal ligando Itaici a Piracicaba ficou pronto em 1877. O trecho seguinte, até São Pedro, somente em 1892. Isto fez com que o último trecho fosse o menos lucrativo, pois São Pedro não era o que se podia chamar de boca de sertão. Então, o que predominava ali era cana de açúcar e... passageiros.
A linha era cheia de curvas e de aclives, o que dificultava o transporte. A Sorocabana estava louca para se livrar dele, depois de um certo tempo. E fê-lo no final de 1966, apesar de, nos anos 1940, o ramal para São Pedro ter apresentado alguns sinais de recuperação. Que, aliás, não duraram muito: as reportagens sobre viagens a São Pedro e Águas de São Pedro (Este, o menor município do Brasil, incrustado no meio do município de São Pedro, mas sem um metro de linha férrea) já nem falavam da linha férrea depois de um certo tempo, com o trem ainda em funcionamento. Mesmo uma estrada ruim e sem asfalto era mais interessante - atualmente a SP-191. O ramal até Piracicaba manteve-se para passageiros até 1976 e para cargas até os anos 1980.
O prefeito de São Pedro em 1966 e 1967 não se conformou com o fechamento, que teria sido decidido cinco anos antes, por decreto, mas postergado, "empurrado com a barriga". E as alegações dele junto ao governador Laudo Natel podiam ser consideradas, digamos, bastante razoáveis. Edições do jornal O Estado de S. Paulo do final de 1966 e início de 1967 mostram isto:
Em outubro de 1966, o prefeito da cidade enviou um telegrama a Laudo Natel, perguntando por que ele havia desativado o ramal (quando, exatamente? - nota deste autor) por um decreto de cinco anos antes (1961) sob a alegação de deficit., afirmando que "deficit, se não levarmos em conta o bem coletivo, também dá a polícia, dão as escolas e todas as repartições mantidas pelo Estado. O deficit do ramal é muito relativo, pois, não levando em conta o movimento das estações de Barão de Rezende, Costa Pinto, Recreio e Paraisolandia, a estação de São Pedro despachou este ano mais de 40.000 toneladas de cana. Finalizando, aqui deixo minha desilusão por tudo e por todos". (O Estado de São Paulo, 30/10/1966). A resposta do governador demorou dois meses e foi dura: no início do ano de 1967, o governador, que deixaria o cargo pouco tempo depois para ser substituído por Abreu Sodré, enviou ordem para o prefeito de São Pedro, comunicando "a demolição urgente de barracões, casas e linha telegráfica (da ferrovia)". O prefeito, indignado, respondeu ao governador que "isto isolaria São Pedro das demais cidades do Estado e que tal pressa evidenciava o desejo de prejudicar a região, pedindo a Laudo Natel que reconsiderasse a decisão de eliminar o ramal de mais de setenta anos de idade e que ele, prefeito, não acreditava fosse deficitário". Desafiou ele o governador: "por que v. exa. não adapta os barracões para escolas primárias? Por que v. exa. não os atribui à Sociedade São Vicente de Paula a fim de abrigar a pobreza? O nosso Grupo Escolar está caindo aos pedaços e a pobreza (sic) São Vicente está desabrigada". E finalmente, pedia provas de que na Ituana existisse trechos mais movimentados do que o Piracicaba-São Pedro.
Não parece ter adiantado. Acabou mesmo. Mais detalhes podem ser vistos aqui.
domingo, 12 de agosto de 2012
O DESCASO CENTENÁRIO DE UM RAMAL DA SOROCABANA

Provavelmente a grande maioria dos paulistas que hoje estão vivos jamais ouviram falar do ramal de Piracicaba, da Sorocabana... e originalmente da Ytuana. Nem, provavelmente, querem nem saber se ele existiu ou não. Mas a verdade é que existiu e durante mais de cem anos transportou o progresso para a região de Indaiatuba, Capivari, Piraciaba e São Pedro.
Neste ano da graça de 2012 ele estaria, se estivesse "vivo", completando 139 anos que seus trilhos chegaram a Indaiatuba, 135 anos em Piracicaba e 120 anos a São Pedro. A linha foi construída pela Ytuana a partir da estação de Itaici (esta, na linha que ligava Jundiaí a Itu e aberta em 1872/3) para, quando completada, chegasse à cidade de São Pedro, hoje uma das cidades turísticas do Estado.
Porém, desde o início, o ramal recebia reclamações de seus usuários, tanto como passageiros ou como empresas e fazendas que se utilizavam de seus cargueiros. A Ytuana, que sobreviveu até 1892, ano em que foi encampada pela Sorocabana formando a também deficitária CUSY (Cia. União Sorocabana e Ytuana) - e em 1905 desapareceu como nome, tendo se constituído a "nova" E. F. Sorocabana agora em mãos do governo paulista - já vivia em problemas financeiros e cuidava mal de suas linhas, o que refletia na manutenção da linha e do patrimônio imobiliário do ramal.
Já se acham inúmeras reclamações, por exemplo, provindas da Piracicaba do início dos anos 1880, com relação à estação de Piracicaba, que não ficava onde hoje se situa (o prédio é terminal de ônibus urbanos da cidade, e que se não a confunda com a estação de Piracicaba da Cia. Paulista, noutro local), mas sim no Bairro Alto. A estação era mal cuidada, com péssima iluminação e maus serviços. Disso resultou, já em 1885, a sua mudança para o que é hoje a avenida Armando de Salles Oliveira, via que substituiu os trilhos do ramal dentro da cidade, às margens do córrego Itapeva, hoje canalizado.
Com o correr do tempo, as reclamações, facilmente encontradas na imprensa da época, foram se sucedendo, de forma a que, já em 1901, a Cia. Paulista anunciasse a imediata construção de um ramal que, saindo de Limeira, deveria alcançar a cidade, linha esta que seria financiada pela prefeitura de Piracicaba. Por motivos que não vêm ao caso, a linha não foi construída.
Nos anos 1910, meu avô, que era piracicabano e que nessa época ia muito à cidade para visitar os pais, recusava-se a usar o ramal, recorrendo ele aos trens da Paulista, descendo em Limeira e tomando troleis para ir e voltar da cidade até a estação. Em 1917, no entanto, o acordo com a prefeitura de Piracicaba foi retomado e um ramal saindo agora de Nova Odessa (do posto telegráfico de Recanto) chegou a Santa Bárbara (d'Oeste, hoje). Em 1922, os seus trilhos chegaram a Piracicaba. Ramal de bitola larga, construído com o "padrão Paulista", tinha também uma estação moderna e somente sua, embora mais longe do centro, no final da rua da Boa Morte.
Uma queixa de 1945 mostra como um ramal com problemas de descaso causava prejuízos à própria Sorocabana: a cidade de Rio das Pedras reclamava que as cargas da região não eram embarcadas na sua estação por falta de vagões. Em vez disso, acabavam sendo embarcadas na estação de Taquaral, no ramal da Paulista, sete quilômetros mais longe.
Em 1976, acabou o transporte de passageiros no ramal e, em fevereiro de 1977, no do ramal da Paulista. As cargas transportadas foram se reduzindo cada vez mais, com a ineficiência da FEPASA, já dona dos dois e também pelo fato de serem ramais relativamente curtos, especialmente o melhor deles, da Paulista.
No final dos anos 1980, a FEPASA resolveu unir os dois ramais em Piracicaba, provavelmente para usar somente uns. O pátio da antiga Sorocabana foi ligado ao da Paulista por uma linha de bitola larga (os dois ramais tinham bitolas diferentes, como vimos) para liberar e desativar de vez o ramal da Sorocabana. Dinheiro jogado fora: o ramal mais antigo foi erradicado em 1991 e os dois ramais praticamente já não transportavam mais coisa alguma.
Piracicaba, que já possuiu duas estações de duas ferrovias diferentes, hoje têm apenas os prédios com outros usos. Quando estive na cidade em 1996 (portanto, 16 anos atrás) procurando fotografar as duas - e eu não sabia onde eram, realmente - perguntei a uma guarda de trânsito onde era a estação. Sua reposta foi a seguinte: mas já houve trens aqui na cidade?
Apesar de todas as deficiências, o ramal tinha algumas estações bastante significativas em termos de arquitetura. Os três maiores exemplos, ainda em pé, são as de Piracicaba, hoje terminal (art-noveau finalizada em 1944), a de Indaiatuba (no estilo das dez estações construídas em 1911 pela Sorocabana em diferentes linhas, muito bonita) e a de Capivari, de 1918, certamente a mais bonita de todas.
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segunda-feira, 30 de julho de 2012
O RAMAL DE PIRACICABA, O VÔ SUD E A TIA ZIZINHA

Pois é, ontem, 29 de julho, foi o octagésimo aniversário do ramal de Piracicaba, construído pela Companhia Paulista de 1917 a 1922, hoje morto, mas não enterrado (pelo menos não totalmente). Ontem, eu li um escrito que o Leandro me mandou e pensei: "puxa, eu sabia disso, mas não me lembrei"! Grande coisa, né? Mas resolvi, com um dia de atraso, escrever algumas linhas sobre ele.
Acontece que Piracicaba foi uma das cidades do interior paulista que conheci ainda pequeno. O Tio Homero e a Tia Zizinha moravam lá e a gente - eu e meus pais - visitamo-los em 1962. Além disso, era a terra natal do vovô Sud, aquele que sempre falo nos meus escritos. Seus pais vieram de Lucca, Toscana, e foram direto para lá, onde meu bisavô Amedeo era marmorista. Dizem que o cemitério tem vários túmulos feitos por ele. Ele, que morreu em São Paulo e foi enterrado no Araçá, em 1930.
Nas minhas pesquisas sobre ferrovias Piracicaba foi uma das primeiras cidades que eu descobri ter tido estrada de ferro. Não somente uma, mas duas. A Ytuana chegou lá em 1877. Comprada pela Sorocabana, sempre foi considerado uma das piores linhas desta ferrovia. Foi por isso que a população da cidade - Piracicaba ocupava uma posição de destaque relativo muito maior do que ocupa hoje no Estado, no final do século XIX e início do XX - cortejava as ideias da Paulista para construir outro ramal para lá. Meu avô, que morou na cidade desde o nascimento em 1892 até 1910, quando saiu para ser professor (voltou a morar lá depois de 1921 a 1925), contava em suas cartas que, para visitar a cidade lá pelos idos de 1915, 1916, ia pela Paulista até Limeira e depois tomava ali um trolei para a cidade, pois não aguentava os trens da Soroca.
A primeira investida da Paulista para construir um novo ramal para lá foi em 1901. Não saiu, mas, em 1917, construíram uma linha que partia de Nova Odessa , da estação de Recanto, até a cidade de Santa Bárbara. E em 1922, chegaram, a 29 de julho, a Piracicaba, com bitola larga. Junto com o ramal de Descalvado, foi um dos dois ramais da Paulista com bitola larga de 1 metro e sessenta. A cidade teria bancado boa parte do investimento da empresa, assim como, anos mais tarde (1941), Jaú pagou para a Paulista para ter a linha-tronco oeste passando pela cidade, em vez de continuar sendo ponta de ramal de bitola métrica.
Meu avô guardou um exemplar da revista "Sala de Espera", editada na cidade, que trazia não somente as fotos da inauguração da estação e do primeiro trem de passageiros a chegar na cidade nessa data de oitenta anos atrás, como também publicou na revista o editorial desse número, onde falava sobre a abertura do ramal de 42 quilômetros. Esperançoso, ele falava dos planos futuros da Paulista, que incluíam chegar a Bauru com o ramal e comisso diminuir a distância de São Paulo e também dar uma alternativa para o tronco da Companhia. Mostrava mapas e tentava provar que havia sido um excelente investimento e que a cidade somente teria a ganhar com a nova linha.
Setenta anos depois, uma revista me pediu para escrever sobre a história das ferrovias e, no final, perguntou-me se eu teria algum artigo antigo que falasse sobre a abertura de alguma linha brasileira, Mas não aquelas que descreviam os convidados da festa e qual as bandinhas que tocaram na inauguração, mas mais do que isso - falasse sobre as vantagens de uma linha recém-aberta para a região. Não era fácil, mas aí, lembrei-me do ramal de Piracicaba, daquele editorial de meu avô: minha esposa Ana Maria comentouq eu "talvez ele tivesse escrito aquilo setenta anos antes para um dia resolver o problema de seu neto e da revista". Será?
Uma vez, conversando com tia Zizinha, que foi a última tia-avó minha a falecer - e olhe que eu tive mais de vinte - perguntei das suas lembranças de viagens pelo ramal. Como era morou algum tempo em São Paulo, era óbvio que ela foi e voltou a Piracicaba diversas vezes de trem. Ela não falou nada de muito interessante sobre a viagem em si, que descrevia como "muito bonita" e que se lembrava das paradas nas estações - Cillos, Santa Barbara, Caiubi, Tupi, Taquaral e Piracicaba - mas o relato valeu, pela enorme saudade que se esparramava de suas palavras. Pouco depois, ela faleceu.
Os oitenta anos do ramal de Piracicaba foram, na realidade, apenas cinquenta e dois - em 1976, os trens de passageiros foram desativados com protestos inúteis de seus usuários. As cargas pouco duraram. Os trilhos foram sendo cobertos com terra a partir do momento em que a FEPASA, sucessora da Paulista, deixou de (pelo menos) andar com seus carros de linha para o mato não crescer muito. Isto foi em 1998. A Ferroban, sua sucessora, jamais quis saber dos trilhos da linha. Hoje, parte enterrados, parte roubados, parte retirados sem autorização dos donos da malha (hoje, a chamada "inventariança da RFFSA"), estão ali como um monumento ao desperdício de dinheiro no Brasil. De suas seis estações, duas (Caiubi e Taquaral) foram demolidas. Uma está abandonada (Cillos) e as outras três têm diferentes funções. Todos belos prédios que mereceram sua preservação. Cillos não tem jeito. Longe de tudo, só lhe resta esperar desabar.
domingo, 18 de dezembro de 2011
BELAS ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS DE SÃO PAULO

Nos tempos em que a construção de estações ferroviárias eram feitas com algum critério, houve em todas as empresas uma preocupação de seguir determinados parâmetros para diferenciar as suas construções das de outras categorias de estações e de empresas concorrentes.
Geralmente estações com mesmas tipologias caracterizam um período de construções. Uma das tipologias mais marcantes foi a da Sorocabana, que edificou determinadas estações com uma tipologia característica dos anos 1910. Todas as estações que são mostradas neste artigo - sete, ao todo - foram construídas por volta do ano de 1911.
Não sou arquiteto e portanto não sei descrever o tipo de construção. Mas também não sou cego e posso ver que todas elas tinham determinadas características que as tornaram bastante semelhantes - ou "iguais", para facilitar. Não são iguais, mas são muito parecidas. Um das coisas que varia em todas é o tamanho (comprimento e altura dos torreões). Uma a uma, são as seguintes, lembrando que eventualmente posso ter deixado de relacionar alguma que exista ou tenha existido.







Notem a semelhança entre as construções e admirem belos prédios - que continuam belos mesmo mal cuidados.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
MAIS CIDADES FICAM SEM TRILHOS

Na postagem de ontem, noticiamos (eita!! Parece jornal!!) que a antiga estação de Anta, no Estado do Rio de Janeiro, ficou sem os trens cargueiros que por ela passavam há anos, dando um "ar ferroviário" a uma cidade que desde os anos 1980 não tinha mais trens de passageiros. Hoje, saiu a notícia que a ANTT "desativou" o ramal ferroviário de Piracicaba, ou melhor, o trecho do ramal que fica dentro do município, entre a Rodovia do Açúcar e a estação terminal da antiga Companhia Paulista.

A palavra "desativou" está entre aspas porque, na prática, o ramal já está sem tráfego pelo menos desde 1996, pelo menos dois anos antes da entrega da então moribunda FEPASA para a então mais-que-moribunda RFFSA. Eu me lembro de ter estado em Recanto, a estaçãozinha de onde saem os trilhos do ramal, em Nova Odessa, e um ferroviário que estava por ali me dizer que "já havia meses não passava nem auto de linha pelo ramal" e que, quando entrava, seguia no máximo até a estação de Santa Bárbara do Oeste.

Muitos trilhos foram arrancados, grande parte por roubo; com dormentes de aço por todos os seus 40 km, quem não iria tentar arrancá-los também para vender como sucata? Em Santa Bárbara, os trilhos foram arrancados ilicitamente pela Prefeitura e o aterro aberto em dois para a passagem de uma avenida (como prefeito adora avenida!) já faz alguns anos. Portanto, o tráfego era impossível já há tempos.

Então, a nota da ANTT dizendo que "desativou" o trecho soa como palhaçada, como brincadeira. Sem trens de passageiros desde fevereiro de 1977, com pouquíssimas cargas depois disso num ramal por demais curto, ele foi colocado na concessão dada à Ferroban em 1998. Hoje, em teoria, a concessão está nas mãos da ALL. Ambas as ferrovias já manifestaram por várias vezes a intenção de utilizar o ramal para o transporte de cargas proveniente do rio Piracicaba que chegariam no antigo porto de Ártemis por via fluvial, porém, para isso, nem usariam o trecho agora desativado, que corta trechos bastante urbanizados de Piracicaba.

Para chegar a Àrtemis, uma linha haveria de ser construída de algum ponto na zona rural de Piracicaba, pois, da estação, seria inviável por vários motivos. Por isso, o não uso do trecho urbano e sua desativação teórica - pois na prática ele já o estava por 14 anos - em nada afetaria o possível uso do resto do ramal.

E adivinhem os senhores o que a Prefeitura disse que vai construir naquele trecho que perderá agora os trilhos que lhe resta? Já sabem? Pois é isso mesmo: uma avenida!!!! Já tem até nome! É "Nova Higienópolis" e já foi até licitada! Agora, os alunos do câmpus da Universidade que fica ao longo do antigo leito que se danem: sem transporte ferroviário (um veeletezinho) para eles. Que comprem carros, poluam bem, usem a avenida nova e se metam em consgestionamentos. E que não se esqueçam de procurarem locais para estacionar, em fila dupla, tripla...
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terça-feira, 17 de agosto de 2010
ESTÁ TUDO UMA BAGUNÇA
Hoje estive em Santa Barbara d'Oeste. Fazia, na verdade, já 14 anos que eu não ia para lá. Quando fui, estava atrás da estação ferroviária. No ano anterior, 1995, havia passado por ali o último trem do ramal de Piracicaba, com uma carga de açúcar - já o de passageiros, o último passara 19 anos antes. Descobri que o prédio, em estado de conservação apenas regular, era a rodoviária da cidade.
Soube, depois, que o prédio foi abandonado e a rodoviária transferida de local. Assim ficou até cerca de 2005, quando a Fundação Romi conseguiu autorização da Prefeitura, já dona do prédio, para instalar ali parte da sua fundação. No armazém, ao lado, instalaram um auditório. Isso tudo hoje está muito bem conservado. Do outro lado da linha, entre o espaço entre os dois prédios, um terceiro foi construído, e ali está um bar e mais algumas instalações. Para se o atingir, fizeram uma pequena passarela metálica sobre os ains existentes três linhas do pátio, que ainda estão lá - afinal, o ramal foi concessionado em 1998 para a Ferroban e, depois, para a ALL.
Concessionado foi, mas uso que é bom, nada. O ramal está abandonado há mais de dez anos. Vários trechos já foram roubados no percurso. Mais não foi por milagre: os dormentes desse ramal são todos de ferro, com valor de sucata razoável por seu peso. Um dos dormentes que vi hoje foi fundido em 1896. A linha é de 1917, construída pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro em bitola larga de 1m60 e com 42 km.
A cerca de um quilômetro da estação, no sentido Americana, a linha corre sobre um aterro até um ponto em que ele foi destruído para se fazer uma avenida: a linha ali foi eliminada. Depois, continua do outro lado. Curioso, essa linha ainda está dada em concessão para a ALL. Quem teria autorizado o corte? Provavelmente, ninguém. A Prefeitura foi lá e arrancou todo o aterro e a linha. A avenida está feita, asfaltada, canteiro central, etc. Ficou tudo por isso mesmo. A ALL tem a obrigação de cuidar do ramal, mesmo não o usando. Nada fez. A Prefeitura não podia cortar, mas cortou. Isso significa que ninguém se importa, nem fiscaliza.
Este tipo de coisas: falta de fiscalização das agências, o fato de se fazer o que não se pode fazer com as ferrovias, o descalabro e desleixo com a infraestrutura pública (tanto das concessionárias quanto do poder público) estão cada vez mais constantes no país. Pelo visto, quando as malhas foram devolvidas ao seu dono, a União, nada mais sobrará para contar a história.
Acorda, governo! Acordem, brasileiros!
segunda-feira, 19 de julho de 2010
DÁ PARA ACEITAR ISTO?

Ontem, domingo, mais um acidente ocorreu nos trilhos da ALL. Desta vez, foi em São Carlos, junto à plataforma da estação ferroviária. Um vagão descarrilado foi passando e arrancando diversas lajotas e pedaços da (antiga) plataforma de embarque.
Segundo alguns relatos sobre o que aconteceu, "um vagão carregado de farelo, sentido Araraquara - Santos, descarrilou bem antes da passagem de nível próxima da estação. A composição continuou rodando e só parou depois de uns 1500m, quando passou sobre o pontilhão da Travessa 8. O vagão descarrilado atingiu a testa da mureta da plataforma em todo seu comprimento e destruiu todos os dormentes por onde passou. Os pedaços grandes e pequenos de tijolos, de cimento e de dormentes saltaram para dentro da plataforma (...) O vagão descarrilado pendeu para o lado da plataforma: caso tivesse sido para o outro lado, pegaria todos os pés-direitos de ferro que sustentam a cobertura e talvez não tivéssemos mais estação para ver, já que o telhado que cairia puxaria consigo boa parte das suas paredes internas".
Se fosse um problema isolado, vá lá - se bem que o problema é grave, pois destrói parte de um bem que é público (pertence à União, como qualquer bem da extinta RFFSA, que por sua vez ficou com o acervo da FEPASA em 1998), de valor histórico e somente não fez vítimas porque a plataforma está costumeiramente vazia - ou quase vazia - pois, trens de passageiros, sabemos, não existem mais ali há pelo menos nove anos. Sem trens de passageiros, sem ninguém para esperar por ele.
Não é um problema isolado. Acidentes na ALL são corriqueiros hoje em dia. Não fiz qualquer estimativa de número, mas imagino que a Central do Brasil, que tinha muito mais trens rodando do que a ALL, já está perdendo para esta no número de acidentes. (Por que a Central tinha mais trens? Ora, porque na época os trens de carga eram menores, ao mesmo tempo havia mais carga para um número bem maior de clientes sendo transportada e portanto mais trens, além do grande número de trens de passageiros que então existiam)
É claro que existe a tal falha humana, mas a maior parte desses acidentes é, sem dúvida, causada por falta de manutenção, ou, pelo menos, por manutenção insuficiente. Não, eu não trabalho na ALL e nem sou expert no assunto, mas não é preciso ser um profissional da área para ver como estão os trilhos e o leito da via permanente da maior parte das linhas da ALL para ver que os trens têm de andar devagar, com muito cuidado, para não descarrilar. E às vezes descarrilam.
A ALL está em São Paulo há 4 anos nas linhas da ex-Paulista e Noroeste. E há 10 anos nas linhas da ex-Sorocabana. Já era tempo de ter feito uma boa revisão nas linhas, que já estavam em mau estado quando foram deixadas pela FEPASA/RFFSA em 1999. No Paraná, há pelo menos um movimento que acusa a empresa de não dar manutenção adequada à via e à frota, causando lá também uma série de acidentes.
Realmente, não dá para entender o que se passa pela cabeça desse pessoal. Com a via em bom estado, a velocidade dos trens poderia aumentar e, portanto, baratear os fretes. Com isso, arranjar mais clientes e mais cargas. A impressão que se tem, no entanto, é que a filosofia da empresa é ter o maior lucro possível com um mínimo de investimentos.
Além do mais, o fechamento de inúmeras linhas que estavam ativas no tempo em que não havia concessão (exemplos? Ramal do Paranapanema, trecho Presidente Prudente-Presidente Epitácio, ramal de Piracicaba, linha Mafra-Porto União-Marcelino Ramos e outras), onde poderiam ser conseguidos novos transportes, acaba por aumentar a impressão de satisfação com o lucro atual.
Há que se lembrar que a concessão de transportes é fundamental para o escoamento da safra e produção industrial do país, e isso vem sendo tratado como secundário... terciário, talvez. O número de ações judiciais que aparecem na mídia contra a empresa - muitos com ganhos contra ela - também impressiona quem acompanha o assunto.
Nesta semana, recebi a cópia de um artigo que fala sobre a conclusão de uma CPI estadual sobre a concessão da empresa: os deputados chegam à conclusão de que a ALL deveria perder essa concessão imediatamente, entre outras decisões. Seja qual foi a decisão, nada acontecerá, pois a concessão é federal - o que os deputados fizeram foi pura e simplesmente demagogia e perda de tempo.
Não seria o caso de o governo federal, pelo menos, questionar a empresa para saber o que está acontecendo? Quem está perdendo mais nisto, no final das contas, é o Estado de São Paulo.
Segundo alguns relatos sobre o que aconteceu, "um vagão carregado de farelo, sentido Araraquara - Santos, descarrilou bem antes da passagem de nível próxima da estação. A composição continuou rodando e só parou depois de uns 1500m, quando passou sobre o pontilhão da Travessa 8. O vagão descarrilado atingiu a testa da mureta da plataforma em todo seu comprimento e destruiu todos os dormentes por onde passou. Os pedaços grandes e pequenos de tijolos, de cimento e de dormentes saltaram para dentro da plataforma (...) O vagão descarrilado pendeu para o lado da plataforma: caso tivesse sido para o outro lado, pegaria todos os pés-direitos de ferro que sustentam a cobertura e talvez não tivéssemos mais estação para ver, já que o telhado que cairia puxaria consigo boa parte das suas paredes internas".
Se fosse um problema isolado, vá lá - se bem que o problema é grave, pois destrói parte de um bem que é público (pertence à União, como qualquer bem da extinta RFFSA, que por sua vez ficou com o acervo da FEPASA em 1998), de valor histórico e somente não fez vítimas porque a plataforma está costumeiramente vazia - ou quase vazia - pois, trens de passageiros, sabemos, não existem mais ali há pelo menos nove anos. Sem trens de passageiros, sem ninguém para esperar por ele.
Não é um problema isolado. Acidentes na ALL são corriqueiros hoje em dia. Não fiz qualquer estimativa de número, mas imagino que a Central do Brasil, que tinha muito mais trens rodando do que a ALL, já está perdendo para esta no número de acidentes. (Por que a Central tinha mais trens? Ora, porque na época os trens de carga eram menores, ao mesmo tempo havia mais carga para um número bem maior de clientes sendo transportada e portanto mais trens, além do grande número de trens de passageiros que então existiam)
É claro que existe a tal falha humana, mas a maior parte desses acidentes é, sem dúvida, causada por falta de manutenção, ou, pelo menos, por manutenção insuficiente. Não, eu não trabalho na ALL e nem sou expert no assunto, mas não é preciso ser um profissional da área para ver como estão os trilhos e o leito da via permanente da maior parte das linhas da ALL para ver que os trens têm de andar devagar, com muito cuidado, para não descarrilar. E às vezes descarrilam.
A ALL está em São Paulo há 4 anos nas linhas da ex-Paulista e Noroeste. E há 10 anos nas linhas da ex-Sorocabana. Já era tempo de ter feito uma boa revisão nas linhas, que já estavam em mau estado quando foram deixadas pela FEPASA/RFFSA em 1999. No Paraná, há pelo menos um movimento que acusa a empresa de não dar manutenção adequada à via e à frota, causando lá também uma série de acidentes.
Realmente, não dá para entender o que se passa pela cabeça desse pessoal. Com a via em bom estado, a velocidade dos trens poderia aumentar e, portanto, baratear os fretes. Com isso, arranjar mais clientes e mais cargas. A impressão que se tem, no entanto, é que a filosofia da empresa é ter o maior lucro possível com um mínimo de investimentos.
Além do mais, o fechamento de inúmeras linhas que estavam ativas no tempo em que não havia concessão (exemplos? Ramal do Paranapanema, trecho Presidente Prudente-Presidente Epitácio, ramal de Piracicaba, linha Mafra-Porto União-Marcelino Ramos e outras), onde poderiam ser conseguidos novos transportes, acaba por aumentar a impressão de satisfação com o lucro atual.
Há que se lembrar que a concessão de transportes é fundamental para o escoamento da safra e produção industrial do país, e isso vem sendo tratado como secundário... terciário, talvez. O número de ações judiciais que aparecem na mídia contra a empresa - muitos com ganhos contra ela - também impressiona quem acompanha o assunto.
Nesta semana, recebi a cópia de um artigo que fala sobre a conclusão de uma CPI estadual sobre a concessão da empresa: os deputados chegam à conclusão de que a ALL deveria perder essa concessão imediatamente, entre outras decisões. Seja qual foi a decisão, nada acontecerá, pois a concessão é federal - o que os deputados fizeram foi pura e simplesmente demagogia e perda de tempo.
Não seria o caso de o governo federal, pelo menos, questionar a empresa para saber o que está acontecendo? Quem está perdendo mais nisto, no final das contas, é o Estado de São Paulo.
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