sábado, 29 de setembro de 2012

SANTA RITA DE JACUTINGA, CIDADE SEM ESPERANÇA

Antiga ponte ferroviária que ligava Santa Rita de Jacutinga ao Estado do Rio, em fotografia de Eliane Batagli tomada em 2010
 
Hoje fui pela primeira vez à cidade mineira de Santa Rita de Jacutinga. Situada na fronteira mineira com o município fluminense de Valença, para atingi-la cruzamos o rio Preto, depois de sair de Santa Isabel do Rio Preto, um distrito dessa cidade. Assim que passamos a ponte, acaba o asfalto. Para se chegar a Jacutinga, há que se andar por 3 quilômetros em uma estrada de terra batida.

É possível chegar à cidade por asfalto, desde que se venha de Bom Jardim, outra cidade mineira mais ao norte, desde que se chegue a ela por Juiz de Fora ou por Baependi, mas, para quem vem do Rio ou de São Paulo, a volta é grande. Aliás, a cidade não tinha acesso por asfalto até poucos anos atrás. Isto é vergonhoso, principalmente quando se sabe que o acesso a Jacutinga por trens foi suspenso já desde 1970 e que, na época, a eliminação dos trens de passageiros (e da linha em si) foi feito trocando-se pela promessa de se fornecer acesso por rodovias asfaltadas. Demoraram quase 40 anos para cumprir a promessa e em parte apenas.

E mais: a cidade tinha duas ferrovias que a serviam, não apenas uma. A Viação Sapucaí chegou a Santa Rita de Jacutinga em 1893, enquanto a Central do Brasil, apenas em 1918. No entanto, cada uma construiu sua própria estação, o que fazia com que passageiros que chegavam, por exemplo, de Barra do Piraí tinham de andar com malas por quase um quarteirão para embarcar nos trens da Sapucaí, mais tarde RMV, para seguir para Soledade ou para Barra do Piraí. Porém, a cidade não estava isolada, tendo bom transporte durante pelo menos 70 anos.

Quando tudo isso acabou, a cidade, sem ferrovias e sem asfalto, ficou semi-isolada: não é difícil, conhecendo-se a cidade, perceber que ela praticamente não cresceu. Pode ter, inclusive, diminuído, pelo menos em população e certamente em renda. A população do município, no censo de 2010, não chega a 5 mil habitantes.

A estação da Central, a maior, serve hoje como estação rodoviária, depois de mudar de função diversas vezes. Já a menor, que era da Rede Mineira, serve hoje à polícia e está mal cuidada. Almocei num restaurante na mesma praça onde se situa a ex-estação da Central. A comida era simples e muito boa. No entanto, nota-se claramente que, ali, o século XXI ainda vai demorar a chegar. Tudo ali lembra a primeira metade do século XX. Não que isso seja propriamente ruim, mas dá para notar que o rosto das poucas pessoas com quem conversei não mostram grande ânimo. Afinal, qual perspective de vida têm essas pessoas ali hoje em dia? Ou deixam a cidade, ou vivem ali algo sem grande ambições.

Tristeza, bem brasileira - frase, que, aliás, já repeti outras vezes.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A SOLIDÃO DO ABANDONO


 A fotografia acima me impressionou bastante. Ela foi tirada em 2001, quando trens já não passavam mais pelo local, abandonados pela concessionária CFN - hoje chamada de Transnordestina.

Como a placa mostra, ali é a divisa entre os estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Se quem escreveu a placa e colocou ali respeitou a convenção existente, o fotógrafo estava no Rio Grande do Norte e as estruturas ao fundo estão na Paraíba. Ou seja, o sentido da linha é sul.

Dá uma impressão de pobreza enorme. A própria estrutura, claramente abandonada, deve ter sido algum tipo de armazém, talvez utilizado anteriormente pela ferrovia. O mato ralo, a linha mal cuidada, o jegue pastando (na Paraíba, pois está atrás da placa), uma pequena construção que parece ser ou ter sido uma capelinha (oratório, como falam), mas, como não se pode ver a tradicional cruz que estaria (ou não) atrás da placa, pode ser apenas algum pequeno depósito abandonado.

Parece tudo muito seco, como é mais comum naquelas paragens de sertão. A linha férrea liga Recife a Natal, passando pela Paraíba. Para ir a João Pessoa, havia que se tomar um ramal. Com exceção dos trecho metropolitanos de João Pessoa e de Natal, que têm linhas com trens metropolitanos operados pela CBTU, o resto está largado, sem uso. Ainda há composições cargueiras que ligam Recife a pouco além de Campina Grande, na Paraíba. Mais para a frente, esse ramal, que liga Campina Grande a Souza, na Paraíba ocidental, está desativado.

A ferrovia no nordeste, nunca muito utilizada no passado, está hoje quase totalmente abandonada. A imagem mostrada, volto a dizer, caracteriza muito bem esse abandono absurdo e inexplicável, exceto pelo desleixo dos governos atuais em relação às estradas de ferro.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

COISAS PRA FAZER EM JOINVILLE QUANDO SE É UM FLAGELADO DA GOL


Texto - todo ele - enviado por Antonio Augusto Gorni em 24/9/2012 às 00:52, em plena madrugada.

Fim de tarde ensolarada de sexta-feira no aeroporto de Joinville,
check-in feito, só esperando o pouso do avião da Gol que me levaria
para SP. Falando francamente, não gosto da Gol e sempre prefiro viajar
pela TAM – não é aquela maravilha, mas me parece uma empresa mais
séria. Só a Gol oferecia um horário mais cedo para SP, e caí em
tentação para começar mais cedo o fim de semana. De repente, o aviso
da Gol nos alto-falantes, informando que o avião não havia conseguido
pousar devido a um tal de “vento de cauda” e que ele iria tentar
novamente em alguns instantes. “Bom”, pensei, “vamos pensar positivo.
Daqui a pouco ele desce”. Curiosamente, durante minha otimista espera,
aviões da TAM e da Azul pousavam e decolavam alegremente. Fiquei
intrigado – por que eles eram imunes ao tal “vento de cauda”? Enquanto
isso, o avião da Gol arremetia pela segunda vez. Aí vem o golpe final:
“Vôo Gol para SP cancelado”...

A empresa não dá maiores detalhes sobre o problema. Um dos flagelados,
veterano da batalha que é viajar de avião no Brasil, informa que o
aeroporto de Joinville, entre o mar e a serra, às vezes é afetado por
um vento de cauda meio traiçoeiro. Os aviões da TAM e da Azul,
respectivamente feitos pela Airbus e Embraer, seriam mais
automatizados e permitiriam um pouso seguro sob tais circunstâncias,
ao contrário dos Boeings da TAM, que não possuiriam tal nível de
automação. Seja por essa razão ou outra, o fato é que as perspectivas
agora são soturnas: o início do fim de semana foi perdido, agora é ir
para o hotel, pegar um ônibus às 3:30 para Curitiba e, de lá, o avião
para SP – se é que o aeroporto de Curitiba, líder nacional em
fechamento por falta de teto, estiver operacional no momento da
decolagem. A coisa promete...

Uma vez acomodado no hotel, desço ao lobby e acabo integrando um grupo
de flagelados que decide renunciar à eventual gororoba oferecida pela
Gol e prefere jantar melhor num bom restaurante. Meno male, o incômodo
causado pelo atraso é amenizado pelo papo divertido, boa comida e pela
beleza das garotas de Joinville. De repente, quase no final da
refeição, absorto na conversa, sou abordado por uma linda catarinense
que me pede para soprar em seu bafômetro. Hã? Cuma?? Pra que
bafômetro? Estou a pé e, depois do quarto chope, não há dúvidas sobre
os resultados do teste. Mas trata-se de uma campanha educativa e, OK,
vamos gastar inutilmente um bafômetro. O resultado já esperado
valeu-me o adesivo mostrado na foto, que me foi pregado no peito.
Bizarramente, talvez influenciado pelo jeitão alemão da cidade,
lembrei-me dos distintivos amarelos que os judeus eram obrigados a
usar na Alemanha nazista. Então é isso? Primeiro os bêbados, depois os
fumantes, a seguir os torcedores do Grêmio São-Carlense?? Bem que meu
pai criticava minha mania pela II Guerra Mundial. E não, não rolou
nenhuma caroninha, fui a pé para o hotel.

Às 3:30, pontualmente, seguimos para Curitiba e, após os clássicos
problemas com uma fila de check-in que não andava por falta de
atendentes, finalmente embarcamos e segui para SP sem maiores
problemas. Será que aprendi a lição?

domingo, 23 de setembro de 2012

TRANSPORTE PÚBLICO EM SÃO PAULO

Bondes em São Paulo - Folha da Manhã - 8/8/1947

Nos jornais de hoje (no caso, O Estado de S. Paulo), a manchete no caderno Metrópole: "Velocidade média do metrô é 4 vezes maior do que a dos carros em São Paulo". Surpreso? Não devia estar, basta ver o movimento de automóveis à sua volta.

Embora um automóvel possa andar mais rápido do que qualquer metrô ou trem da CPTM, que trafegam no máximo a 90 km/hora, a média de velocidade dos primeiros em São Paulo é logicamente muito menor, já que não há mais espaço para todos eles nas ruas. Essa comparação foi feita durante os horários de pico de trânsito: 32,4 km/hora do metrô contra 7,6 km/hora dos carros. Lembre-se que o metrô anda e para em estações distantes umas das outras a aproximadamente um quilômetro... o que baixa, claro, sua velocidade média (e vá se saber se, nesta reportagem, os repórteres consideraram somente linhas de metrô ou se somaram também as linhas de trens da CPTM - o eterno erro a que me referia numa postagem que publiquei há alguns dias somente).

E por que, então, os nossos habitantes não usam mais o transporte sobre trilhos? O artigo também tenta explicar isso, afirmando que as pessoas se acostumaram aos carros e preferem realmente usá-los, em vez de tomar trens. Porém, não é somente esse o problema. Mesmo gente que quer usar o trem não o faz, na maioria das vezes porque a estação está longe e o percurso até ela tem de ser feito por outro transporte: ônibus ou o próprio carro, que muitas vezes ou não tem local para estacionar ou o preço para isto é muito caro e não compensa. De ônibus, como acontece comigo, este leva, da minha casa até a estação, um tempo absurdo, onde, em vez de fazer um trajeto o mais curto possível, faz, na verdade, um trajeto cheio de vais e vens somente para "catar passageiros".

Mesmo assim, eu uso trens e metrôs em muitas ocasiões: quando vou ao centro de São Paulo ou quando vou a qualquer bairro que possua corredores de ônibus, trens ou metrôs. Agora, por exemplo: para ir de Pinheiros - onde tenho escritório - a Moema, vou de carro mesmo. É muito longe para ir a pé, não há trajetos decentes de ônibus (para enfrentar a Faria Lima inteira, de carro ou de ônibus, a demora é a mesma) e linhas férreas, nem pensar.

Porém, uma coisa a reportagem de "O Estado" não fala: se o número de usuários de automóveis deixarem de usar seus carros hoje for igual ao número hoje de pessoas que já usam o trem e, por consequência, tenham de usá-los, não haverá condições. As linhas "explodem". Portanto, para se fazer uma campanha para mais uso de trens, há de se fazê-la à medida que se expandirem as linhas e quando uma dessas entrar em operação. Colocar mais ônibus nas ruas vai melhorar muito pouco a situação, pois - lógico - eles também ocupam espaço, e um deles ocupa o lugar de pelo menos dois automóveis, embora possa carregar mais usuários.

O problema do transporte público na cidade de São Paulo vem de anos e anos. Em 1872, implantou-se a primeira linha de bondes - a burro. Em 1900, entraram os bondes elétricos da Light, mas foram-se os bondes a burro, que trafegaram cada vez menos até 1905. Antes disso, o transporte alternativo era de troleis ou carroças - que mal transportavam duas pessoas além do seu condutor. Claro, com a chegada dos automóveis, foram aparecendo os "carros de praça", ou táxis.Em 1911, a cidade possuía cerca de 200 automóveis, que rodavam ainda com carroças, troleis e bondes ao lado em ruas que, em sua maioria, não eram pavimentadas, com exceção das do centro velho e uma ou outra.

Porém, já havia bairros mais afastados. A cidade ainda não tinha a ela anexado o então município de Santo Amaro, cuja fronteira dava-se na região da Cidade Jardim e do km 2 da estrada de Itapecerica, hoje avenida Francisco Morato, e, do lado de cá do Pinheiros, o córrego da Traição. Em volta dessas divisas, terras virgens de cada lado. Em 1913, os limites da área mais populosa seguiam mais ou menos pela alameda Iguape (rua Oscar Freire), avenida Municipal (Doutor Arnaldo), a rua Cardoso de Almeira, a Barra Funda, o Canindé, o Pari, o Belenzinho, o Hipodromo (na época, junto à rua Taquari), a estação da Mooca (na época, da SPR, hoje CPTM), o Cambuci e o que viria a ser a região do Parque Ibirapuera.

Fora desse anel, bairros como o Ipiranga, Santana, Penha, Pinheiros e Lapa estavam mais afastados. Já existiam antes do transporte público, mas num grande isolamento que diminuiria à medida que estes fossem implantados. O Ipiranga, a Penha e a Lapa desenvolveram-se com a chega daa ferrovias: São Paulo Railway e Central do Brasil, ainda no século XIX. Pinheiros era ligada ao centro com a estrada de Sorocaba (hoje, eixo rua da Consolação-av. Rebouças-rua de Pinheiros), a Estrada da Boiada (que vinha da estação da Lapa) e barcos que saíam do Tietê entrando pelo Pinheiros, raros. Enfim, "quebrava-se o galho".

Porém, a população ia aumentando e o transporte deveria acompanhar isto. Bondes foram estendidos até Santana ainda no tempo dos burricos. Isto não aconteceu com Pinheiros, que os viu chegar somente em 1908 com o aterramento da rua Teodoro Sampaio. Penha, Lapa e Ipiranga também receberam seus bondes, mesmo com os trens. Claro, não citei todos os bairros afastados, mas não eram tantos assim que existiam além dos que citei.

A Light, no entanto, à medida que São Paulo crescia - e todos sabemos que isso se deu extremamente rápido, de 200 mil habitantes para 2 milhões em 1960 e para 12 milhões hoje -, passou a interessar-se mais pelo fornecimento de energia elétrica para a cidade do que em tocar bondes, que logo viu que seriam suplantados em número pelos ônibus: era impossível acompanhar o estabelecimento das linhas sobre rodas com a implantação de trilhos. Em 1927, a Light propôs a sua grande cartada: o metrô, que, basicamente, eram bondes elétricos subterrâneos. Ele não foi implantado.

Resultado: a Light se desinteressou de vez pelos bondes, que deveria devolver em 1939, fim da concessão. Para piorar as coisas, entre 1936 e 1944, quando Fabio Prado e Prestes Maia tornaram-se prefeitos, os dois queriam acabar com os bondes o mais rápido possível, pois já consideram-nos prejudiciais ao enorme tráfego da época de veículos sobre rodas. E já havia muitos ônibus, que, na maioria das vezes, trafegavam sobre estradas e ruas não calçadas. O calçamento "em massa", mesmo, começou no final dos anos 1930.

A guerra mundial obrigou os prefeitos ao prolongamento da concessão até tempos melhores voltarem. Em 1942, foi decretado o racionamento de gasolina e quem quisesse rodar com carros particulares deveria usar o gasogênio - combustível originado de queima de carvão, que enfeiava e dava mais peso aos carros, além de corroer o motor. Ônibus e caminhões usavam a pouca gasolina distribuída e bondes usavam eletricidade.

Já nos anos 1930 e depois, nos anos 1940, havia inúmeras linhas de bondes que vivam lotadas de passageiros, pendurados nos estribos dos bondes abertos e na sua traseira. Acabando a guerra, a Prefeitura aceitou os bondes da Light e criou a CMTC, que agora teria tanto ônibus quanto bondes. Havia, também, linhas de ônibus particulares. Embora a CMTC tenha, no início, anunciado que revigoraria o transporte por bondes, poucas modificações foram feitas e aos poucos as linhas foram sendo fechadas. Nos anos 1960, acabaram de forma cada vez mais rápida, até que, em 1968, o último bonde correu entre o centro e Santo Amaro. Era a última linha.

As obras do metrô começaram em seguida e a primeira linha foi inaugurada entre a Sé e o Jabaquara em 1974. No ano seguinte, de Jabaquara a Santana. Novas expansões foram anunciadas, mas, até 1991, poucas foram realmente concluídas. No fim dos anos 1990, foram entregues mais linhas, mas até hoje, referindo-me somente ao metrô, há pouco mais de 70 km. Jornais gostam de fazer assim. Citam o metrô, mas não as linhas da CPTM.

Esta, por sua vez, é uma sucessora das linhas de subúrbio da Central do Brasil, da Santos a Jundiaí (ex-SPR) e da Sorocabana. Surgiu em 1992, uniu-as e melhorou drasticamente as linhas horrorosas, sujas, sobrecarregadas e cheias de pingentes que existiram até a segunda metade dos anos 1990. Hoje, comparam-se às do metrô. Ou seja, o que jornalistas teimam em não ver é que tudo hoje é a mesma coisa: CPTM e Cia. do Metrô são apenas duas empresas distintas, mas do mesmo dono, que fazem exatamente a mesma coisa: transporte público sobre trilhos.

Lendo-se jornais dos anos 1900, pode-se facilmente verificar que o transporte público em São Paulo foi sempre um caos, embora congestionamentos de veículos nas ruas paulistanas existam desde 1930, pelo menos. Claro que os carros foram aumentando em escala logarítmica.

Nos últimos dez anos, com a melhora do poder aquisitivo da população, a quantidade de novos carros que entram em circulação é absurda, chegando a algumas dezenas por dia dentro do município. As ruas, por sua vez, não têm nem para onde se expandir, seja em comprimento, seja em largura. Por outro lado, o Governo Federal incentiva a indústria automobilística a produzir e vender veículos com incentivos fiscais. Enquanto isso, dificulta a construção de linhas férreas com a sua enorme burocracia e com a imposição de licenças ambientais - sempre demoradas. Ou seja, para ela, carro não polui, mas a construção de linhas sim. E todos sabemos que carros poluem - e muito - e muito mais do que ferrovias metropolitanas, que se movem por eletricidade.

Chega por ora, tirem suas conclusões.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

JANELAS

São Paulo - e outras cidades - teve, entre os anos 1910 e os anos 1940, enorme predominância de simples e belas janelas de madeira que pareciam sair todas de uma mesma marcenaria.

Quando escrevo aqui o termo "janelas", estou me referindo a um conjunto de esquadria, a janela em si, com sua armação que levava os vidros e a persiana - o que dava a característica do conjunto. Eram, geralmente, pintadas de verde ou eventualmente de marron claro.

Não sei porque estas janelas se tornaram maioria durante essa época, mas é possível que tal fato tenha acontecido por vários motivos. Será que eram tão raras e/ou caras janelas mais

Baratas, bonitas e resistentes. Baratas é uma presunção minha, mas é fato que elas existiam em praticamente todos os tipos de residências construídas neste período. Pode ser, claro, que o preço variasse dependendo de quem as fazia e, claro, do material que era utilizada. Muitas eram do famoso pinho-de-Riga, que, diz a lenda, era madeira reaproveitada de caixotes que traziam materiais importados da Europa. Deveria haver outras madeiras, principalmente nos anos mais tardios.

Bonitas é uma questão de gosto. Eu as acho muito bonitas, tão bonitas quanto as janelas mais comuns que as antecederam, aquelas altas, saindo quase do chão, e com bandeiras em arco no topo, que tinham, em grande parte das vezes (ou sempre, talvez), as persianas saindo para dentro da casa, permitindo que em dias frios entrasse o sol, mas não o ar frio, sem que se precisasse abrir a janela para se as fechar ou abrir em caso de chuva ou mudança rápida de temperatura.

Resistentes? Certamente, pois há ainda muitas delas por aí, resistindo a quase cem anos de duração com uso contínuo. Ainda se vêem algumas em casas abandonadas (ou semi), meio que caindo aos pedaços, mas isto certamente por falta absoluta de manutenção ou repintura.

 
Nos anos 1940, mais para o final da década, chegaram as janelas de aço com persianas no mesmo material, do tipo que se abria ou fechava com uma corda. A beleza não era uma de suas virtudes.

Recentemente, chegaram as de alumínio. Hoje, quase tudo é assim. No interior do Estado, o alumínio foi menos utilizado e muitas das janelas de madeira foram trocadas por janelas de aço escuro, horríveis, mas mais resistentes. Motivo da troca? Falta de manutenção das de madeira e também, com certeza, melhor isolamento de som.

Porém, se as janelas de madeira tinham a desvantagem de isolar mal o som e até a passagem de raios de luz, ou de chuva, ou mesmo do ar frio, por que inúmeras delas permanecem em todos os tipos de casa até hoje?

É pela sua simplicidade e beleza, com certeza.

As fotografias aqui mostradas, de minha autoria, com diversos tipos dessas janelas foram tomadas em duas ruas de um dos bairros mais desejados de se morar em São Paulo: o Jardim Paulistano. Mais precisamente, em trechos da rua Sampaio Vidal e rua Mariana Corrêa.

Uma das fotografias - a que têm as janelas brancas com adornos de alvenaria acima e debaixo delas - é da casa que é possivelmente a mais antiga de todo o bairro, na rua Sampaio Vidal, quase esquina com a rua Maria Carolina. Casa pequena, linda e simples, foi construída em 1923.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A FERROVIA DO NADA

Estação de Engenheiro Enzo Pinto. Foto Jonas Chanan Vichinheski.
 

Nos anos 1970, resolveu-se construir uma ferrovia para diminuir o trajeto entre o norte do Rio Grande do Sul, na região de Passo Fundo, e o porto do Rio Grande. Porém, esta era supostamente uma parte do projeto.

A linha começava em Passo Fundo e seguia até o Tronco Sul, encontrando este na estação de Rocca Salles. A intenção era trazer trigo e grãos para exportação. De Roca Salles o trigo descia até General Luz e, dali, seguia para Porto Alegre ou, pelo outro lado, para o centro do Estado. Para descer até o porto, deveria avançar além de Santa Maria e aí descer por Cacequi e São Gabriel até chegar a Rio Grande.

Precisar-se-ia de uma nova linha que unisse General Luz a Pelotas e Rio Grande, ferrovia projetada havia anos e anos e jamais construída. Que vantagem levava, então, sobre a antiga linha que já ligava Passo Fundo a Santa Cruz desde o final do século XIX, cheia de curva, mas ainda ativa até hoje?
Estação de Major Marques. Foto Jonas Chanan Vichinheski.

Não muitos anos depois, o trecho antigo da linha entre Marcelino Ramos, ponta norte do Estado gaúcho, foi desativado por ter pouco uso ou, mais provavelmente, pela RFFSA ter abandonado o trecho, por ineficiência. A linha era antiga, cheia de curvas, mas atendia toda a região e também a Santa Catarina, seguindo pelo vale do rio do Peixe.

A nova linha ligando Passo Fundo a Roca Salles foi finalmente aberta em 1982. Hoje, serve de passagem para trens da ALL que a usam para transporte para o Tronco Sul e, de lá, para o norte do país, via Lajes e Mafra, SC, até o porto de São Francisco ou de Paranaguá. Seguir para o sul, como vimos, não compensa, dada a enorme volta que se tem de dar para seguir para Rio Grande, o mais meridional dos portos brasileiros.

A Ferrovia do Trigo, como foi chamada, jamais teve tráfego de passageiros e passa, com seus enormes e altos viadutos, por uma região de poucas e pequenas cidades. Suas estações, que nunca viram qualquer trem de passageiros, eram: Engenheiro Enzo Pinto, Major Marques, Casca, Serafina Correa, Guaporé, Dois Lageados, Muçum e chega a Rocca Salles.

Todas as estações hoje não têm função alguma para a ferrovia e estão abandonadas. Apesar disso, apenas uma, Serafina Correa, foi demolida. Como no caso de diversas ferrovias construídas depois dos anos 1960, têm pátios com imóveis demais que por boa parte do tempo de sua existência não tiveram função real. É assim que se desperdiçava dinheiro nos anos 1960, 70 e 80. Construir casas que viravam ruínas muito rapidamente, mesmo estando próximas a sedes de municípios, sendo este o caso de cinco das oito estações citadas.

Um colaborador de meu site visitou várias dessas estações nos últimos anos, mandando-me informações e fotografias. Ontem mandou-me ele fotos das duas últimas às quais ainda não havia chegado. São elas que estão representadas nesta postagem.

domingo, 16 de setembro de 2012

A VELHA SOROCABANA EM PIRACICABA

Escola Normal Sud Mennucci - anos 1940

Texto enviado por Celso Dias de Moraes:


Acordo às vezes matutando se foi em outro país, ou em outro mundo, que cresci e passei os anos formadores da juventude, apesar de me encontrar hoje nos mesmos lugares. Nossa falta de tradição e de preservação dos bens culturais chega a ser agressiva às pessoas à medida que vão envelhecendo.


Perambulo por Piracicaba, minha terra natal, procurando reconhecer lugares, uma casa, um muro, como se procurasse os traços de alguém numa fotografia de infância, pequenos pormenores que nos acendam alguma recordação, pormenores aparentemente sem importância para muitos mas que compõem a memória individual e coletiva.


O Itapeva. Quantos piracicabanos hoje sabem o que significa essa palavra? Córrego lodoso que serpenteava no meio da cidade, barrancos sempre cheios de mato, leito de pedras escorregadias onde fluíam águas ora tranqüilas, que permitiam que se pegassem peixinhos com peneira, ora bravias com as chuvas de verão, às vezes arrastando para a morte algum moleque desprevenido com suas cheias súbitas. Deixou há muito de ver a luz do dia, coberto pelo cimento de uma frenética avenida central.


A seu lado, corriam os trilhos da Sorocabana com seus trens que enchiam de vida o centro de Piracicaba. Quando voltávamos do ginásio no “Sud Mennucci”, éramos frequentemente bloqueados pela cancela do trem e ficávamos a observar a locomotiva negra, com seus detalhes verdes e a chaminé encimada pelo capitel brilhante de latão, indo e vindo a manobrar vagões de madeira. Na praça da estação recoberta de paralelepípedos, um bebedouro central para os animais, e carroças, carrinhos de mão e caminhões encostados carregando sacaria no armazém ao lado.


Desde muito pequeno levavam-me para um passeio, só para diversão: tomávamos o bonde no centro da cidade, descendo a rua do Rosário e atravessando a ponte velha até a parada na estação da Vila Rezende. Esperávamos lá o trem da Sorocabana e retornávamos ao ritmo da maria-fumaça à estação central, onde descíamos com os demais passageiros, como se estivéssemos chegando de longa viagem. Como isso parece civilizado, europeu, nos dias de hoje...


Como todo menino da época, vibrei com o acesso do E. C. XV de Novembro à primeira divisão do futebol paulista. Tanto que não perdia jogo no estádio da rua Regente Feijó, a dois quarteirões de minha casa, onde tinha ainda o privilégio de uma cadeira cativa no alto da arquibancada. De lá se divisava um bom trecho dos trilhos da Sorocabana. Vinham sinuosos da direção da Vila Rezende, entre casas e descampados, até desaparecerem à minha direita. Nas tardes de sofrimento, quando para as emoções infantis o XV travava batalhas de vida ou morte no gramado, meu olhar se perdia ao longe onde surgia o leito da estrada de ferro. É que, num dado momento, sempre se ouvia o apito lá para aquelas bandas e dali a pouco surgia a locomotiva negra a lançar fumaça. Crescia à medida que se aproximava, balançando como se fosse saltar dos trilhos estreitos. Na curva que fazia atrás do estádio apitava e eu tinha tempo de observar as características e a numeração da locomotiva, o número de carros do comboio, as cabecinhas nas janelas, até que tudo desaparecesse atrás das casas á direita.


Dizia-se que o trem dava sorte. Ao ouvir o apito, ao sentir tremer a terra à sua passagem, a torcida e os jogadores do XV criavam novo ânimo. Se era verdade não sei, mas era uma esperança que a gente tinha de virar o jogo naquele momento. O que eu sei com certeza ainda hoje é que, naquele instante, eu não via jogo nenhum: a Sorocabana me fascinava.

sábado, 15 de setembro de 2012

NO TEMPO DAS FERROVIAS

Próximo a esta estação diversos trens ficaram retidos em 1947. A foto é de 2009, Certamente, o prédio estava em muito melhor condição naquela época. Hoje está abandonado.

No tempo em que os animais falavem, quando existiam ferrovias em boas condições que transportavam passageiros, além de cargas nas mesmas linhas, havia centenas de trens de passageiros pelo país.

Não eram esses ridículos "trens turísticos" que diversos governos tentam impingir 'as populações de suas cidades como uma espécie de consolo pela falta de bons transportes intermunicipais e até mesmo intramunicipais. E mesmo assim, não conseguem... basta ver os anúncios que cada prefeitura faz e que nunca dá em nada. Bom que não, mesmo. Dinheiro público não pode ser aplicado em trem de brinquedo, mas sim em trens decentes e sérios, que levem passageiros de um lado para outro com um objetivo.

Vendo aqui minhas anotações, dá para servir de exemplo o ano de 1947. Nem precisa ter guias de horários. Basta ver o que acontecia nas notícias de enchentes e inundações que ocorriam no verão. As mesmas que existem hoje, só que hoje todos põem a culpa no "El Niño", no aquecimento global e outras coisas.

Em março de 1947, por exemplo, a enxurrada na serra do Mar fechou o túnel número 7 da Central do Brasil, próximo à estação de Juruaba (que hoje se chama Palmeira da Serra) e travou o tráfego ferroviário entre o Rio e São Paulo, feito na época por essa ferrovia. Vejam isto: na tarde do dia 20, "a administração da Central do Brasil decidiu suprimir de modo completo os trens destinados (do Rio) a Minas e São Paulo. Nem mesmo amanhã haverá trens para as capitais paulista e mineira".

Enquanto isso, notícias que chegavam de Cabangu (em Santos Dumont, Minas) davam conta que ali a linha também estava paralisada pela queda de uma barreira. Do Rio a Minas, portanto, havia dois pontos onde o tráfego estava interrompido. O trem da Leopoldina, que saíra de Barão de Mauá e seguia para Petrópolis e Minas, teve de parar próximo à estação de Areias, não muito longe já de Três Rios. A ferrovia preparou um comboio especial que buscou os passageiros lá presos e trouxe-os de volta ao Rio.

Na estação de Serra (depois Engenheiro Gurgel), na serra do Mar, linha da Central, estavam retidos o Trem das Águas, DP-6, o Expresso de Três Rios, S-4, o Rápido Paulista, RP-2, o Rápido Mineiro, RM-2 e o Expresso Paulista, SP-2. Então, a Central suprimiu em São Paulo e Rio os trens: Noturno Paulista, RP-3; Segundo Noturno Paulista, NP-1; SP-5, Expresso; Noturno Mineiro e o famoso Cruzeiro do Sul, DP-1; o Primeiro Noturno, RP-4; o Segundo Noturno, NP-2 e o Cruzeiro do Sul de SP para o Rio, DP-2. Para Belo Horizonte, não saiu o Noturno Mineiro, N-2. Houve trens que seguiam de Rio para São Paulo também retido em Barra do Piraí. A Leopoldina conseguiu, apesar da queda de mais barreiras, manter o tráfego ferroviário entre o Rio e Petrópolis.

Com possíveis erros de siglas, de nomes e de locais de retenção de trens informados pela reportagem, é possível aqui percebermos a enorme variedade de trens diários que corriam por essas linhas. Isto, fora outros, que tinham diferentes horários, mas menos importância.

A interrupção das linhas gerou problemas para os passageiros e também para as cargas, principalmente para o Rio de Janeiro, que seguiu desabastecida de alguns alimentos por alguns dias.

Tempos em que os trens eram realmente importantes, o povo se importava com eles e o governo também.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O VALE DO PARAÍBA DOS ANOS 1940

Lendo jornais de sessenta e cinco atrás, podemos notar algumas coisas interessantes.

Muita coisa mudou; já a política... as manchetes não eram muito diferentes das de hoje. A roubalheira comia solta, apesar de os noticiados serem sempre apresentados como "Sr.".

Interessante. Mas o que me chamou a atenção na edição do dia 17 de abril desse longínquo ano de 1947 - nem eu era nascido ainda - foi um mapa do Vale do Paraíba ali publicado. É o que está no topo deste artigo.

As ferrovias ainda tinham o mesmo destaque das rodovias. Vejam São Paulo ligada a Pindamonhangaba (onde o mapa termina) pela Central do Brasil, e até Santos pela E. F. Santos a Jundiaí. A via Anchieta ainda não estava pronta; a estrada oficial da época para o litoral, o Caminho do Mar, nem aparece.

Não aparece também a Estrada Rio-São Paulo; ainda não era a Dutra, que surgiria pronta cinco anos depois. Porém , como ela acompanhava a ferrovia de perto, assim como também o fazia a Santos-Jundiaí, as estradas não são mostradas. A ferrovia ainda era mais importante.

Na verdade, aparecem apenas três rodovias: a Taubaté-Ubatuba, a São José-Caraguatatuba e uma outra, metade dela em projeto, ligando Mogi das Cruzes ao lugarejo de Varginha. Existirá lá hoje alguma estrada?

A importância das cidades também era algo interessante. São José começava a crescer diante das outras cidades da região: até pouco tempo antes, era uma pequena cidade, enquanto Taubaté e Jacareí sobressaiam-se muito mais. Mogy das Cruzes ainda estava junto à estrada Rio-São Paulo e hoje não está mais. A cidade hoje é mais cidade-dormitório do que outra coisa, apesar de ter uma quantidade razoável de indústrias. Mas não tem a mesma importância do passado, assim como Jacareí.

O porto de São Sebastião continua pequeno e alimentado apenas pelos oleodutos da Petrobrás. Carece de muita coisa ainda, tanto o porto quanto a cidade. Vila Bela, a Ilhabela de hoje, continua o que sempre foi: uma ilha ligada apenas por balsas e com zona urbana espremida entre a montanha e a praia, lugar sossegado.

Outras cidades que aparecem são decadentes: Salesópolis, Cunha, São Luiz do Paraitinga... Enquanto isso, a ferrovia tornou-se apenas cargueira, com exceção dos trechos dentro da área metropolitana de São Paulo, que ainda abriga os trens metropolitanos da CPTM. A via Dutra cruza a região e, da Capital a Taubaté, há ainda a Ayrton Senna, rodovia estadual que acompanha a Dutra até lá.

Para Santos, a Anchieta já é a estrada "velha", o Caminho do Mar não funciona mais e a Imigrantes domina o maior trânsito, sempre infernal. É o ciclo da vida. Como será daqui a sessenta e cinco anos?

domingo, 9 de setembro de 2012

SENHORES, APRESENTO-LHES... O INCOMPARÁVEL DNIT!

Rio Claro, carros de passageiros

As visitas às estações ferroviárias, oficinas e armazéns brasileiros são sempre uma volta ao passado, mas também são uma visão da incompetência, desleixo e péssima ou nenhuma administração governamental em cima do patrimônio público brasileiro.

Nos últimos sessenta dias, posso aqui apresentar o resultado de três visitas que fiz a diferentes pátios e de uma reportagem, publicada no jornal O GLOBO do dia 5 de setembro e enviada a mim pelo Eliezer.
Rio Claro, carro de VLT

A estação de Cordeirópolis (mostrada aqui neste blog nesta semana), as oficinas de Rio Claro (a parte que pertence à Prefeitura e é alugada pelo DNIT para depósito de material ferroviário), onde, também nesta semana, mostramos os carros do VLT de Campinas), as oficinas de Três Corações (mostrada aqui em julho) e o museu rodoviário federal da cidade fluminense de Levy Gasparian (mostrada dia 5 deste mês pelo jornal O GLOBO) são apenas pouquíssimos locais de despejo (esqueçam a palavra armazenagem) que, sob a responsabilidade do DNIT (Departamento Nacional de - sei lá, realmente - será Infraestrutura e Transportes?, que faria sentido se o órgão funcionasse, ou será Departamento Nacional de Incompetência e Tortura de materiais?), órgão do governo federal.
Levy Gasparian, RJ: interior de ônibus do museu do transporte rodoviário

Estava mais do que na hora de o Ministério dos Transportes ou da Presidência da República definirem o que querem com esse material e esses "depósitos": se é pôr fogo de uma vez, vender como sucata ou para transformarem todas essas áreas em unidades do Museu da Incompetência e do Descaso Nacional. Ou, ainda, preferencialmente, em unidades do Museu do Transporte Nacional (probabilidade esta zero à esquerda).
Levy Gasparian, RJ: jipe do Exército da 2a Guerra Mundial

Há ainda uma quinta alternativa, impensável para gente do nível dos que dirigem este órgão, este ministério ou este governo nacional: mandarem gente séria verificar a viabilidade de recuperação deste material ou de parte dele para usarem em trens de longa distância, linhas metropolitanas ou outra coisa a fim de voltarem com trens de longa distância em locais que realmente necessitam deles.
Levy Gasparian, RJ: ônibus abandonados ao lado da sede do museu, uma antiga estação (maos do que centenária) da antiga Estrada União e Indústria, dos anos 1870

Ora, exemplos há sim: que tal colocarem esses trens para rodar em linhas que hoje ainda existem, mas estão em abandono praticamente total pelas concessionárias que as têm? Posso lembrar-me de quatro exemplos neste exato momento (existem mais, basta eu esforçar um pouco mais minha combalida mente).
Rio Claro: carro de passageiros

São eles: trecho Marília a Panorama, no oeste paulista: linha Santos a Juquiá, no litoral paulista; linha Campina Grande a Souzas, ou mesmo mais além, no oeste paraibano; linha Soledade de Minas-Varginha, no sul mineiro.
Rio Claro: carro de passageiros

Ah, mas dirão os leitores que acompanham o desmanche das ferrovias nacionais, mas esses carros aí existentes são muito antigos, já, é necessária a compra de carros modernos e novos! Ah, mas essas linhas já tiveram seus desvios arrancados de seus pátios das estações, dificultando o cruzamento de trens! Ah, mas as próprias linhas e leitos necessitam de reformas! Ah, mas diversas estações estão abandonadas, em péssimo estado ou já foram demolidas!
Rio Claro: interior de carro de passageiros

Tudo isso é verdade. Porém, a retomada dos transportes com a reforma desses carros - boa reforma, não passar tinta e limpar, só, troca de via permanente onde necessário, restauro ou reconstrução de estações e paradas e recolocação dos desvios - e, claro, além de outras providências necessárias - seguida de um anúncio de intenções de compra de material novo e reforma mais profunda, inclusive eventualmente eletrificação de linhas, já seria uma demonstração do governo que algo irá realmente mudar e mudar rápido.
Rio Claro: carro de passageiros

Mas não. Os senhores encavalados no inútil Ministério dos Transportes e no também inútil DNIT não se mexem para nada, e não se mexem faz anos. Muitos anos. Enquanto isso, tudo apodrece, é pichado, quebrado, queimado, desmontado, roubado nos narizes dos guardas (há guardas?) dos pátios e prédios, levando, cada vez mais, o prejuízo para cima - como se estivessem em foguetes.


Estação de Cordeirópolis: interior do prédio de 1876, que pertence ao DNIT e a Prefeitura quer, mas ninguém decide nada

Nem para ligarem o computador e entrarem nas listas de Facebook, Orkut, Google+ e mesmo listas de discussões da Internet para verem facilmente os locais e momentos dessa destruição sem fim, onde elas estão, para parar com isso imediatamente. Só se limitam a, de vez em quando, como o têm feito nestas últimas duas semanas, anunciar por notícias em jornais que "desta vez, vão acabar com a sucata". Se o fizerem, vão apenas jogar a preço de banana tudo na mão de sucateiros amigos.


Enquanto isso, CPTM e associações sérias de preservação ferroviária e rodoviária são colocadas à margem dos pedidos por elas feitos de materiais jogados nos cantos. Como eu disse acima, há muitos outros pátios por aí, pelo Brasil inteiro, com material aproveitável mofando ao relento há mais de quinze anos por falta de gente séria que pegue tudo isso e dê um jeito. Ninguém quer nada com nada. É incrível!!!
Três Corações: carro de passageiros da RFFSA

Algumas fotografias bastante recentes desse material nos quatro locais por mim citados seguem aqui. São todas fotos minhas, com exceção das fotos do museu em Levy Gasparian, estas do jornal O Globo.

sábado, 8 de setembro de 2012

VOTAE! MAS... (PELO AMOR DE DEUS) VOTAE CORRETAMENTE!


De dois em dois anos, eleições. Lá vamos nós de novo votar, na maioria das vezes, em gente que não conhecemos. Dentro dessas, também em sua maior parte são gente que sabidamente não são pessoas confiáveis e que têm um histórico bastante, digamos, complicado. Acabamos muitas vezes votando no tipo "rouba-mas faz" e tendo a consciência culpada. E há os ingênuos, que votam porque acham o candidato "o máximo", "um bom homem", "não acreditam nos jornais mentirosos", "ele dá comida para os pobres" e por aí vai.

Ouvindo no rádio e na televisão pequenas partes de horários políticos - e sempre por acaso, quando somos "pegos desprevenidos" pela televisão ou pelo rádio já ligados, eu pessoalmente ouço e vejo propaganda de seis cidades: São Paulo, Barueri, Santana de Parnaíba, Joinville (porque estive quatro dias ali), Arujá e Itanhaém (porque, sabe Deus o motivo, duas rádios que costumo ouvir em São Paulo passam propaganda política delas).

Nada muda. As mesmas músicas comoventes de fundo. As mesmas cenas de sempre. Candidatos abraçando o povo (sempre pobres). Candidatos com bebês no colo. Candidatos comendo no barzinho da esquina. Candidatos visitando a mãe, que obviamente fala que ele sempre foi um bom rapaz. Promessas mil, algumas inexequíveis pelas próprias atribuições do cargo.

É fantástico ver atuais ocupantes dos cargos tentando a reeleição afirmando que vão fazer coisas que já estão pendentes há anos e anos. Por que ele não fez no primeiro mandato? Se não fez, por que votar nele novamente?

Papos como: "a cidade já pode voltar a sorrir". Por que? A cidade só chorava? "Para a cidade voltar a crescer" ou "continuar crescendo". Pergunta-se: crescer para que? Qual a vantagem de crescer? Oferecer empregos? E destruir outras riquezas com isso? É realmente, em todos os casos, necessário que uma cidade cresça? E, se é, n]ao seria o caso de, neste instante, parar de crescer para arrumar o que está incompleto, insuficiente ou funcionando mal? Ou colocar o que não existe?

Fazer a saúde, educação e segurança (esta limitada, pois segurança pública é atribuição do Estado e, quando há guarda civil, ela vive às turras com a Polícia do Estado, a PM) funcionarem bem é muito mais urgente do que qualquer outra coisa que se pense. Fazer a manutenção e resolver problema de infraestrutura (água e esgotos, por exemplo) é muito mais urgente do que, por exemplo, asfaltar ruas que muitas vezes são construídas em locais proibidos (e que agora se quer regulamentar).

Parar de autorizar novas construções é fundamental em cidades saturadas ou mais do que saturadas. Resolver o problema de hospitais e postos de saúde municipais é fundamental. Qual cidade pode dizer que tem tudo isso em ordem? São Paulo, por exemplo, tem problemas de todos os tipos nessa área, inclusive higiene, o mais básico de todos! Educação, nem se fala. Professores que ganham mal e são despreparados trabalham em escolas sem material, sem limpeza e sem poder ter autoridade sobre alunos quando isto se faz necessário.

Sem resolver isto, prometer o que? Obras e leis para minorias? Esqueça as minorias, eles que se virem! Afinal, em teoria, minorias não existem, pois todos os habitantes são iguais perante a lei, pela Constituição. Porém, para os governos municipais, estaduais e federal, isto não ocorre - cada minoria tem leis específicas. Por que? Agredir um membro de uma minoria específica é mais grave que agredir um membro que não é minoria?

Passem para o que é importante! Resolvam o básico primeiro, para atacar o resto em outra hora. Há muito trabalho para fazer. E isto, ninguém fala, ou, se fala, o faz em termos genéricos, sem um programa de trabalho, sem nada. E, obviamente, não vai fazer. Vai empurrar com a barriga.

Enfim, pelo menos, NÃO VOTE EM QUEM NÃO ESTÁ FAZENDO O QUE DEVIA. MUDE! MAS MUDE PARA ALGUÉM QUE SEJA SÉRIO COM SEUS PROGRAMAS. O problema, porém, será: existem essas pessoas?

LEIA, MAS NÃO SE EMPOLGUE MUITO...

Leia e empolgue-se! Porém, não se esqueça que ela omite a verdade toda, ou seja: que as coisas neste país não saem. Param na incompetência da administração governamental, nos MPs, na Justiça e nas licenças ambientais. Já estou de saco cheio disso:
http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news-miriam-leitao/t/todos-os-videos/v/programa-de-investimentos-em-logistica-deve-ter-grande-impacto-na-economia-brasileira/2093702/

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

BONDES EM SANTANA



Hoje recebi duas fotografias: uma, de 1957, tirada por William Jansenn, americano que fotografou muito São Paulo nos anos 1950 e 1960. A fotografia foi enviada por Wanderley Duck e pertence ao acervo de Allen Morrison, este americano e um dos maiores especialistas em bondes paulistanos e mundiais.

A outra foi "retirada" do Google Maps pelo Wanderley Duck, mostrando o mesmo ponto da outra fotografia, mas hoje.

Comparem as duas. A de 1957 mostra a linha de bonde de Santana, dando a volta no quarteirão, na pista bairro-centro da avenida Cruzeiro do Sul de então. Era o balão de retorno do bonde da linha da rua Voluntários da Pátria.

Wanderley esclarece que o local da fotografia é na avenida e os trilhos de trem (bitola mista) que aparecem são os do trem da Cantareira e o exato trajeto deles hoje é ocupado pela linha do metrô, Norte-Sul. Fica, no entanto, a dúvida se a foto é mesmo de 1957 ou entre 1959 e 1964, pois a bitola mista da Cantareira naquele trecho teria sido implantada somente em 1959 (para ser arrancada em 1964). Mas, no caso, este é o menor problema.

No canto inferior direito hoje é a estação Santana do metrô. A rua que cruza, a rua onde o bonde está entrando, é a Rua Dr. Gabriel Piza e o prédio amarelo da esquerda ainda existe, é a Escola Estadual Padre Antonio Vieira. As árvores cresceram desde então no pátio da escola.

Ao fundo, a rampa onde termina a avenida. Onde havia casas, hoje há prédios e mais prédios.

E eu digo que, daqui a 50 anos, quando não estivermos mais aqui, as listas de discussão da Internet (ou, obviamente, suas equivalentes, já que duvido que ainda existirão como as conhecemos hoje), não haverá mais ninguém vivo que tenha conhecido os bondes de São Paulo.

E as memórias acabarão, ficarão só as lendas.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

RIO CLARO: O TRISTE FIM DOS CARROS DO VLT CAMPINEIRO


Já falamos do VLT de Campinas neste blog. Foi apenas eventualmente, citando-o em outros artigos sobre o assunto.

O VLT de Campinas, operado pela FEPASA e pela Mendes Junior de 1990 a 1994, foi desastroso em termos de resultados. Embora sua operação tenha sido relativamente normal para a época, não se trouxe a suas estações a integração com ônibus, exceto por curto tempo no final das operações. Como seu trajeto ainda passava por área não tão populosa, seguindo pelo leito da antiga linha da Sorocabana que ia de Campinas a Mairinque, suas estações foram construídas quase todas em locais ermos.

Outros dizem que o fato de este VLT utilizar-se de bitola larga (1,60m), que por sua vez foi construída sobre um leito que abrigava uma linha métrica, deveriam ter sido feitas adaptações em alguns trechos para evitar curvas muito acentuadas, como é comum nas bitolas menores. Isso afetava a velocidade do trem.


Além do mais, o trem foi gratuito durante os três primeiros anos; quando passou a ser cobrado com o mesmo preço dos ônibus e sem nenhuma nova melhoria, o seu movimento diminuiu drasticamente.

No final, o que já se esperava: sem apoio do público, que tinha dificuldades de acesso às estações, e do governo, tímido em termos de melhorias na linha, ele foi desativado no final de 1994. Seus carros, novos em 1990, foram abandonados, bem como linhas e estações. Os trens hoje jazem imundos, pichados e depredados nas oficinas de Rio Claro, num galpão que pertence ao DNIT, seu proprietário atual.


Como sempre, não se pensou em alterações, mudança do material rodante para outras linhas novas, nem compra de material e melhorias para o que já existia. São já dezesseis anos mofando num depósito e com dinheiro do povo, claro. O Brasil não muda, mesmo. As fotos foram tiradas por este autor em 3 de dezembro de 2011.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

QUAL É A VERDADE SOBRE CORDEIRÓPOLIS?

A estação e o trem da MRS à sua frente (Foto Ralph M. Giesbrecht, 3/9/2012)

A estação mais antiga ainda em pé da extinta Companhia Paulista de Estradas de Ferro continua ameaçada de desabar.

Construída em 1876 e reformada algumas vezes, a estação ferroviária de Cordeirópolis, antiga Cordeiro, está já sem telhado e sem boa parte do piso do andar superior. A velha escadaria de madeira também já se foi há muito, bem como as portas e janelas de madeira.
Janelas da cabine de comando (Foto Ralph M. Giesbrecht, 3/9/2012)

O estilo arquitetônico deste prédio não encontra igual em nenhuma outra da mesma ferrovia. Nem por isto, no entanto, alguém cuida dela. A Prefeitura alega que a Inventariança da RFFSA não se manifesta sobre o pedido da cidade e portanto o prédio continua abandonado. Só que, cercado por uma tela de arame, mas com portões escanacarados, entra lá quem quer.
A fachada da estação e as ruínas da cobertura da plataforma (Foto Ralph M. Giesbrecht, 3/9/2012)

A chuva e as intempéries, aos poucos, vão levando o que resta. Aparentemente, o reboco exterior e interior das paredes foram raspados e também foram cortados alguns pontos nas paredes para colocação de fiação. Ficou nisto.
Armazém de café (Foto Ralph M. Giesbrecht, 3/9/2012)

Seja qual for a verdade, ou seja, seria a RFFSA que age com total descaso ou a Prefeitura que apenas diz da boca para fora que quer o prédio, ou as duas hipóteses, o fato é usado como desculpa para ninguém proteger o que ainda está lá. O prédio é muito bonito.
Casa de turma ao lado do leito do antigo ramal de Descalvado (Foto Ralph M. Giesbrecht, 3/9/2012)

Ali ficava a bifurcação da linha-tronco da Paulista que seguia para Barretos e Colômbia, no rio Grande, e a linha do ramal de Descalvado, já ali retirada há cerca de dez anos. Hoje seu leito é uma rua não oficial. Em volta da estação, a cabina de comando, uma outra casa menor e o armazém de café estão também em ruínas. Ao longo da antiga linha do ramal, casas de turma e de funcionários da ferrovia estão ocupados por invasores. A droga corre solta por ali.

No pátio, ainda com duas linhas, a principal e uma de desvio, é utilizado de quando em vez por trens que ali param para cruzamento ou para espera de autorização para movimentação. Como ontem, quando ali estive, onde a um determinado momenro, por volta de uma hora da tarde, parou um comboio cargueiro da MRS vindo de Pederneiras.
O interior da estação (Foto Ralph M. Giesbrecht, 3/9/2012)

Estas composições são os últimos resquícios de movimentação de trens por ali. Os passageiros acabaram por ali em março de 2001, já muito mal atendidos.

Que Deus preserve a nossa história, porque o bom-senso falta a nossos governantes, que preferem esperar que a história caia a entregar um bem para preservação histórica.

domingo, 2 de setembro de 2012

DEMOLIR POR DEMOLIR

Estação de Ribeirão Preto, SP (1885-1968): demolida por capricho dos comerciantes do centro que queriam que ali fosse construída a rodoviária, pois temiam perder o movimento com a transferencia da linha para o outro lado da cidade

Embora isto já tenha acontecido no Brasil em diversos lugares e por diversas vezes em sua história, demolir apenas por demolir é um defeito que parece insanável na cabeça de pessoas, tanto de governantes quanto de simples observadores.
Estação de Pacaembu, SP (1959-2006): Demolida por ser "depósito de drogados"

Nas antigas estações ferroviárias isto já ocorreu inúmeras vezes.
Estação de General Carneiro, MG (1895-1960): demolida por cisma da Central do Brasil, que queria ali uma estação "mais funcional"

É verdade que muitas delas o foram para que em seu lugar fossem construídas outras mais novas e mais eficientes, numa época em que nossa cultura ainda não tinha a menor preocupação com a conservação da memória brasileira.
Castelinho (1910-69), em Porto Alegre, ponto de partida para os trens para o interior do Estado: demolida por causa de um viaduto

Porém, esta cultura começou a mudar a partir dos anos 1930, com a criação do IPHAN e, mais recentemente, no decorrer dos anos 1970, quando o excesso de demolições para construção de edifícios residenciais ou comerciais e mesmo para a passagem de avenidas ou linhas de metrô já se dirigia para o absurdo.

Nos anos 1970, lembro-me dessa época, houve discussões quanto à demolição do prédio do Caetano de Campos e da residência de René Thioliier, em São Paulo, e do Palácio Monroe, no Rio de Janeiro. Destes, apenas o primeiro foi poupado. Os outros caíram apesar dos protestos. E não precisavam ter caído: no caso do Monroe, as escavações do metrô já haviam sido desviadas dele. Já no palacete da Paulista, junto à Rocha Azevedo, o herdeiro cismou que precisava vender o terreno vazio. E demoliu-o. Até hoje, o terreno segue vazio, tendo sido transformado em um pequeno parque, com os jardins da velha casa tendo sido mantidos. Quem pagou o mico foi o BANERJ, que havia comprado o terreno para ali construir um prédio para ele próprio.
Estação de Ibitiúva, SP (1929-2002): Demolida porque "estava abandonada", mesmo depois de ter sido estação rodoviária também

Voltando ao caso das estações, sempre me vêm à cabeça belos prédios como os da estações de Ribeirão Preto, Ibitiúva (em Pitangueiras, SP) e o de General Carneiro, em Minas. O caso da de Ribeirão é bem conhecido e estudado e pode ser visto no link sobre esta estação.
Estação de Tranqueira, em Almirante Tamandaré, PR (1909-2009): incendiada pela população por que estava sendo abrigo de drogados

São Manuel ainda está de pé, na região de Bauru, em São Paulo, mas sem apoio nenhum da comunidade. Idem Cordeirópolis e Cachoeira Paulista. São Francisco, em Alagoinhas, na Bahia, e Barão de Mauá, no Rio de Janeiro, estão em pé, mas seriamente ameaçadas. A velha estação de Porto Alegre, o Castelinho, caiu em 1969. Sapucaí e Jaguara, em áreas rurais de Minas Gerais, estão também sem apoio nenhum. A de Chiador, também mineira, foi a primeira estação a ser construída nesse Estado e está em ruínas.

sábado, 1 de setembro de 2012

VELHAS RIXAS FERROVIÁRIAS

Estação de Cruzeiro, em 2010 - foto Thiago Henrique Teixeira

Quando neste país as ferrovias eram respeitadas e tinham todas elas seus trens de passageiros circulando noite e dia, surgiam as velhas rixas entre cidades, causadas pelo orgulho de cada uma delas tinha de sua cidade, sua estação, seus trens.

Até os anos 1950/60, quando começou a era do "automóvel mais barato para todos", ruas pavimentadas e ônibus circulando para as áreas mais afastadas, as cidades brasileiras eram pequenas em geral e com um povo que delas gostava. Aquela área que se chamava de área urbana e que muitas vezes terminava bruscamente num portão de fazenda, numa grande fábrica ou depósito ou mesmo na linha do trem e sua estação era a cidade realmente.

Até hoje, não é muito difícil, mesmo para quem não conheceu essa época, delimitar a "cidade velha", cujos limites pouco se alteraram entre a fundação e os anos 50 do século 20. Basta olhar as casas, a saída de ruas tortuosas, velhas estradas rurais, o limite da linha do trem ou da área rural que em muitos casos ainda sobrevive.

Nos anos 1910 e 1920, a Cia. Paulista de Estradas de Ferro começou a expandir sua linha-tronco para o rio Grande, primeiro colocando a bitola larga entre Rio Claro e São Carlos no ligar da bitola métrica oriunda ainda da Rioclarense. Em 1928, a linha estava alargada até Rincão, próxima ao rio Mogi-Guaçu.

Desta estação, saíam duas linhas métricas: uma, que seguia para Guatapará, onde cruzava o rio e dali para Pitangueiras, onde começava a São Paulo-Goiaz. Também saía outra que se mantinha à margem esquerda do mesmo rio e seguia para Bebedouro e Barretos. Durante os anos 1920 a Paulista recebeu inúmeros apelos da prefeitura da cidade de Jaboticabal, que pertencia à linha-tronco métrica que seguia de Rincão para Barretos a oeste do Mogi-Guaçu, para que a linha fosse alargada por ali. Era o que parecia lógico e o que se esperaria.

Porém, no final, alegando motivos de melhor localização da linha e de topografia mais favorável, a Paulista acabou por decidir-se por seguir pela margem leste do rio, comprando para isso o trecho da São Paulo-Goiaz entre Passagem e Bebedouro e alargando a linha de forma a cruzar duas vezes o rio Mogi: uma vez em Guatapará e outra em Passagem, o que a fez reconstruir essas duas pontes. O alargamento seguiu até o rio Grande, em Porto Cemitério, hoje Colombia.

A cidade de Jaboticabal não se conformou com isso. Alegou que a linha somente passou pelo outro lado por causa das terras dos Prado, na época os maiores acionistas da ferrovia. A cidade de Bebedouro, que no final teria bitola larga qualquer que fosse o caminho escolhido, lançava inúmeras provocações caçoando de Jaboticabal. A Paulista foi praticamente excomungada e amaldiçoada nesta cidade.

Até meados dos anos 1940, a cidade tentou ter a sua linha alargada, pois, depois de 1930, essa linha métrica passou a ser o "ramal de Jaboticabal", ligando Rincão a Bebedouro, desvalorizando os terrenos e investimentos na cidade. Em 1946, a cidade pediu à Paulista o alargamento, também não concedido. No final, em 1969, o ramal foi eliminado.

Também em Cruzeiro, linha da Central do Brasil, neste mesmo ano de 1946, havia um trem de passageiros chamado de "Expressinho" (ou, oficialmente, o trem SP-5), que ligava a cidade a São Paulo, saindo de lá às 5 da manhã e chegando de volta à meia-noite. Este trem era parados, ao contrário do Cruzeiro do Sul, na época o trem Rio-São Paulo de luxo da Central.

Veio então a ferrovia e mudou o ponto inicial da linha para Valparaíba (que era como se chamou a cidade de Cachoeira Paulista por um curto espaço de tempo nos anos 1940), 15 km além, sentido Rio. A cidade se revoltou, dizendo que não havia motivo para isso, que era um absurdo o trem chegar mais tarde em Cruzeiro, que o movimento na outra cidade era muito menor etc. A Central dizia que tal alteração havia sido consequência de seus estudos, ao que a cidade retrucava que eles estariam loucos.

Enfim, há mais exemplos. Tempos em que o orgulho de ser cidadão de uma ou outra cidade era forte e gerava rixas e conflitos.

Hoje, não temos mais nem trens de passageiros nem o velho orgulho. As cidades se parecem cada vez mais umas com as outras. As áreas fora das velhas zonas urbanas são cada vez mais iguais umas às outras e as próprias áreas urbanas sofreram inúmeras descaracterizações. O Brasil da primeira metade do século XX definitivamente está agonizante e vivendo com instrumentos, se já não morreu.