
É notória em alguns aspectos a segregação contra os paulistas. Calma, não-paulistas, não fiquem irados ou exaltados contra este que vos escreve. Estou apenas refletindo sobre a revista História da Biblioteca Nacional, que compro desde o seu primeiro número.
Para quem não conhece, não se trata da “História da Biblioteca Nacional”, mas sim de uma revista sobre História brasileira que é produzida pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A revista é muito boa sobre vários aspectos, assim como o acervo da Biblioteca em si, que conheço parcialmente.
O problema é que os artigos que ela escreve bem raramente versam sobre a história paulista. A preferência é, de longe, para o Rio de Janeiro e para quem está ao norte em relação a esse Estado. Dirão vocês que, afinal, a revista é produzida por uma entidade carioca, ou fluminense — na verdade, a Biblioteca é supostamente nacional (daí o nome): é apenas sediada na capital do Estado do Rio de Janeiro.
Ela já publicou artigos sobre São Paulo, sim. Poucos, mas publicou. Muito poucos em relação a outros artigos: estou contando todas as matérias, grandes e pequenas, publicadas na revista até agora. Na edição deste mês de fevereiro, onde foi publicado um artigo sobre ferrovias brasileiras, falaram até da Central do Piauí, uma das piores ferrovias que já operaram no País. Escreveram bastante sobre a Leopoldina e a Central do Brasil. Falaram da Curitiba-Paranaguá. Mas não citaram uma palavra sequer sobre a Paulista, a Sorocabana e a Mogiana, as três maiores ferrovias de São Paulo em extensão, pertencentes a particulares ou ao governo paulista (dependendo da época). A Paulista foi considerada uma das cinco melhores ferrovias do mundo em sua época áurea. Não foi a mais lucrativa do País, pois foi superada pela São Paulo Railway dos ingleses, que, com seus meros 140 quilômetros de extensão, pelo fato de ser a única ferrovia que descia a serra para alcançar o porto de Santos, o maior do Brasil, tinha um lucro astronômico.
Para piorar mais ainda as coisas, publicou uma fotografia de um trem da CPTM em São Paulo com portas abertas e passageiros pendurados do lado de fora – fato que não acontece em São Paulo desde o final dos anos 1990. A foto deve ter sido tirada recentemente, quando devido à inundação da cidade, alguns trens tiveram de trafegar por alguns quilômetros a baixíssima velocidade e transportar, contra as regras de segurança, mas sem alternativa no momento, quem pulou da linha para os carros. Ou seja, uma imagem irreal e atípica classificando de ruins os trens da segunda melhor empresa de transporte metropolitano sobre trilhos do Brasil — a melhor é a Cia. do Metrô de São Paulo. Ao lado da foto (mostrada acima), escrito: "o calvário cotidiano dos trens metropolitanos como os de São Paulo". Mentira. O cotidiano é muito diferente.
Esse tipo de “boicote” a São Paulo, premeditado ou não, aumentou significativamente desde a época de Getúlio Vargas. Paulistas em geral têm Vargas atravessado na garganta. Outro dia comentei na lista de discussão sobre trens na Internet que os paulistas devem ter ficado contentíssimos com o alagamento da estação Presidente Vargas, da E. F. Araraquara, no início dos anos 1970, devido à represa ali construída — ao que um colega ainda adicionou que “deve ter havido gente que transportou água em baldes para jogar no lago para ver se a estação alagava mais depressa”. Realmente, há pouquíssimos locais com o nome do Presidente Vargas no Estado, ao contrário do resto do Brasil.
A Revista Brasileira de Geografia, publicada pelo IBGE desde 1938, época em que Vargas era o ditador do Estado Novo, era também uma excelente publicação (foi publicada até pelo menos os anos 1960, li recentemente todas que saíram desde o início até essa época), mas matérias sobre São Paulo eram extremamente raras. Havia inúmeras matérias sobre o Rio de Janeiro e sobre a “fronteira do desenvolvimento”, na época, Amazônia e Centro-Oeste. Portanto, o “problema” vem de longe.
Não quero com este artigo criar polêmica, somente relatar um fato da forma como eu o vejo e interpreto. Vou voltar ao tema no futuro.