quinta-feira, 18 de março de 2010
O CENTENÁRIO DA E. F. SÃO PAULO-RIO GRANDE
A medalha acima, mostrada com verso e reverso, mostra o ano de 1906, quando se abriu o primeiro e curto trecho da linha do São Francisco e o trecho Jaguariaíva-União da Vitória. Foi lançada ainda por Roxo Roiz (Roxo de Rodrigues), Presidente e dono de 97% das ações da ferrovia. De 1900 a 1906 ele pagou seus funcionários com arroz e milho, alegando não ter dinheiro. Mas teve para lançar a medalha de prata, pouco antes de vender a estrada para Farquhar nesse ano.
De Porto União e outras cidades catarinenses, vem a notícia: a linha do Contestado faz cem anos e nenhuma comemoração está prevista para a efeméride. Como se sabe, esse é o nome que se dá na região ao trecho da linha Itararé-Uruguai (ou, mais explicitamente, a cidade de Itararé ao rio Uruguai) em solo catarinense, aproximadamente metade de seu percurso. Se for somada a ela a linha do São Francisco, que ligava Porto União ao porto de São Francisco, toda em Santa Catarina, o trecho era maior ainda.
Bem, o trecho de Presidente Pena (uma pequena estação perdida na nascente do rio do Peixe, no atual município de Calmon, SC) à cidade gaúcha de Marcelino Ramos, na margem oposta do rio Uruguai, foi realmente inaugurado em 1910, às pressas, com pontes de madeira mesmo – inclusive a sobre o Uruguai – para cumprir o prazo previsto em contrato. Diz-se que foi no último dia dele. Essa linha também é chamada de linha do rio do Peixe, já que acompanha rigorosamente o rio da sua nascente até sua foz. Mas é parte da Itararé-Uruguai, nome oficial dado pela São Paulo-Rio Grande a ela.
É, portanto, o centenário do seu término e da abertura ao tráfego. Nenhuma cidade existia ao longo dessa linha, apenas estações, todas de madeira, na margem esquerda do rio. É 1910 o ano em que as atuais cidades ali existentes passam a contar sua história. Algumas com diferentes nomes nesse princípio, cidades como Caçador, Videira, Herval do Oeste, Pinheiro Preto e outras começam nesse ano a surgir numa área praticamente virgem. Dizem que a linha corria pelo lado esquerdo porque desse lado do rio a Brazil Railway, desde 1906 dona da EFSPRG, sabia em que Estado estava: Santa Catarina – baseando-se do acordo de 1910 que tentou (e não conseguiu) fixar o rio do Peixe e o rio Caçador como limites entre Paraná e Santa Catarina.
Dois anos depois estouraria a Guerra do Contestado, uma guerra civil que nada teve a ver com a região contestada, mas estourou basicamente dentro dela e dentro dela continuou. A única coisa que atrapalhava era exatamente que os dois Estados não sabiam exatamente se mandavam tropas ou não – e se essas tropas não iam brigar entre si – para combater os revoltosos. Os revoltosos, jagunços ou pelados, como eram chamados entre outros nomes, eram camponeses, ex-trabalhadores da São Paulo-Rio Grande despedidos depois do término da linha principal em 1910, gatunos e até um mercenário alemão desertor de um navio em São Francisco: Henrique Wolland, o “Alemãozinho”. Os legalistas foram, no começo, a polícia do Estado do Paraná e de Santa Catarina e depois tropas do Exército. O motivo principal: fanatismo religioso e a vingança de alguns pela falta de trabalho na ferrovia.
Enfim, a ferrovia foi inaugurada já com o nome de São Paulo-Rio Grande em 1900 em Ponta Grossa, e aí por partes até 1905, quando a sua parte norte chegou a Jaguariaíva e a sul em Porto União da Vitória, cidade na época ainda não dividida entre os dois Estados. Em 1906 foi comprada por Percival Farquhar, que com ela fundou a Brazil Railway e começou a expandi´la para dentro do atual Estado catarinense; em 1908, chegou a Presidente Pena, logo após Calmon. O ritmo de trabalho seguia lento, tendo sido apressado por um problema diplomático com a então poderosa Argentina e por um acordo feito por Farquhar com o Governo Federal no início de 1910.
A linha do São Francisco, por sua vez, foi aberta na baixada de Joinville em 1906, continuada serra acima em 1913 e terminada até Porto União – cidade na época já catarinense, com o acordo do final de 1916 – somente em 1917.
A essa época, a Brazil Railway já estava quebrada; reformulada, continuou a operar a ferrovia até 1930, quando sofreu intervenção pelas tropas de Vargas já vencedor da Revolução de 1930. Em 1942, foi estatizada de vez e recebeu o nome de Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, nome, aliás, que já existia desde 1910: antes de ser uma empresa operadora como se tornou em 1942, ele definia o conjunto de ferrovias que tinham a concessão nas mãos da São Paulo-Rio Grande, o que incluía a E. F. Paraná (Ponta Grossa-Curitiba-Paranaguá e ramal de Rio Negro) e a E. F. Norte do Paraná (ramal de Rio Branco do Sul).
Esses nomes então desapareceram. Em 1975, desapareceu também a RVPSC, encampada de vez pela RFFSA. Em 1997, tudo passou para as mãos da América Latina Logística (ALL), como está até hoje.
O que ainda opera na linha Itararé-Uruguai? Apenas o trecho entre as estações de Piraí do Sul e Engenheiro Gutierrez. Da segunda até Porto União a linha foi arrancada. De Piraí para Jaguariaíva, tráfego zero. Até Itararé, linha também arrancada. De Porto União a Marcelino Ramos, linha existente mas sem tráfego, a não ser em pequeníssimos trechos com trens turísticos de fins de semana. Na linha do São Francisco, somente o trecho Mafra-São Francisco está operando. De Porto União a Mafra, sem tráfego.
De resto, estações abandonadas e demolidas, muito mato nos trilhos, etc. Não há muito o que se comemorar.
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A CENTENÁRIA ESTAÇÃO DE PIQUET CARNEIRO-CE (1)
ResponderExcluirEvocar o passado glorioso de nossas estações ferroviárias constitui, indubitavelmente, uma tarefa fascinante, e, ao mesmo tempo, dolorosa, por constatarmos o "descasso" com que, não raro, estes verdadeiros monumentos históricos, espelhos de um tempo pretérito, são tratados por aqueles que, uma vez no poder, tem a incumbência de os preservar, e. entretanto, não o fazem...
De minha parte, há muito tempo, venho lutando, junto às autoridades locais, a fim de que a estação ferroviária de Piquet Carneiro, município encravado na Região Sertão Central do Ceará, possa ser restaurada e, assim, continui, pelo tempo afora, a ostentar sua importância histórica aos de nossa terra e região.
Data vênia, Sr. Raplh, neste espaço consagrado a temas de capital importância, reparto, com nossos leitores, trechos de um artigo, escrito por mim, e veiculado em dois dos principais jornais que circulam em nossa cidade e nos municípios adjacentes, a saber: o Informe Geração e o Folha do Sertão.
O ASSUNTO? A CENTENÁRIA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE PIQUET CARNEIRO, como se observará na sequência desta postagem, dividida, como vai, em duas partes.
Osmar Lucena Filho
Piquet Carneiro-CE
A CENTENÁRIA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE PIQUET CARNEIRO - CE (PARTE 2)
ResponderExcluirO surgimento da povoação de Jirau (nome com que Piquet Carneiro ficou reconhecido até fins de 1938) tem a ver, diretamente, com a construção da antiga Estrada de Ferro de Baturiré - EFB.
Com efeito, quando os trabalhos de assentamento da malha ferroviária em tela alcançaram Piquet Carneiro, a contagem do tempo registrava o ano de 1907, e, na data simbólica de 15 de novembro (Dia da Proclamação da República) era, então, inaugurada, nossa estação ferroviária.
Eis, pois, um prédio, que faz parte do patrimônio histórico-cultural de nossa terra, e que, precisa ser "observado de perto", por parte das autoridades locais, no que diz respeito à sua preservação e consequente conservação, visto desfrutar, no curso do tempo, de uma longa vida já: mais de um século de existência!
Aliás, o centenário de nossa vetusta estação (marco, ela, como já o falamos, do aparecimento de Piquet Carneiro no mapa da geografia sertaneja) só não passou, de todo, despercebido, no ano de 2007, graças, modéstia à parte, a um artigo meu, que veio à luz nas páginas do Folha do Sertão. Do contrário...
Ao ler este meu artigo, sei, muito bem, que muitos podem estar se perguntando: e qual a razão para uma preocupação tal, isto é, com um prédio que, a falar a verdade, nem pertence, diretamente, à municipalidade, mas a uma empresa já extinta: a Rede Ferroviária Federal S/A!?
Respondo: para os que têm o sentido da História, essa preocupação tem, sim, sua razão de ser, porque o prédio de nossa estação esconde, nas suas paredes mais que centenárias, nem tanto um traçado arquitetônico digno de nota, mas, sim, todo um conjunto de ações, que, de resto, é reflexo da expressão de vida de um povo, do nosso povo, de todos nós: o momento do embarque e do desembarque de tantos parentes e amigos (talvez, até, quiçá, num gesto de derradeiro "adeus"!); o toque do sino; o apito do trem; a maria-fumaça (depois, paulatinamente, substituída por máquinas mais potentes e sofisticadas, movidas à diesel); a venda de cafés, bolos e tapiocas; o intercâmbio cultural (através da compra de revistas e jornais); o toc-toc do telégrafo (primeiro instrumento de comunicação usado em Piquet Carneiro), etc.
Tudo isso se passava, claro, à beira da linha do trem, à sombra da velha estação, e "está gravado na nossa memória", como diz o saudoso Prof. José Augusto Tôrres na letra, que compôs, do Hino do nosso Município.
Verdade é que a comumente chamada "passagem do trem" era um dos grandes entretenimentos de toda uma geração de pessoas, e assim o foi, desde aquele longínquo 15 de novembro de 1907, no exato momento em que a estação daqui foi, festiva e solenemente inaugurada, até o dia 12 de dezembro de 1988, quando, sob o prefixo SGF 0123, conduzido pela locomotiva GE-U-10B nº 2210-4B, saiu, às 17:05h, da Estação Prof. João Felipe (Central - em Fortaleza), o "último" trem de passageiros com destino ao Crato.
Mister, portanto, faz-se, que a Prefeitura Municipal de Piquet Carneiro retome, e apresse, o diálogo com os responsáveis pela venda da antiga estação ferroviária (diálogo esse iniciado na gestão precedente, mas sem resultados práticos!), e busque, uma vez adquirido o edifício, transformá-lo, quanto antes, num digno espaço de preservação da nossa identidade cultural. É possível? Certamente que sim!
Colocando o "ponto final" desta crônica, sugeriria aos "apaixonados" por trens, como o autor deste texto, a leitura de, ao menos, dois livros, sobre eles, cujos títulos passo a elencar: "ESTRADAS DE FERRO NO CEARÁ", de Francisco de Assis Silva de Lima e José Hamilton Ferreira, Fortaleza, 2007; e HISTÓRIAS DA MARIA-FUMAÇA, inspirada seleção de crônicas, de minha amiga e escritora, Profa. Perpétua Moreira, residente em nossa cidade.
Osmar Lucena Filho
Professor e Historiador
A passagem de um trem de passageiros sempre foi uma festa em todas as estações do Brasil, posso lhe garantir. Eu mesmo presenciei este fato, que era mais notável em pequenas estações em vilarejos no interior.
ResponderExcluirExiste um "zum zum zum" que vão reativar a Ferrovia do Contestado, em um dos seus trechos.
ResponderExcluirTem mais informações no link abaixo.
http://www.santacatarina24horas.com/Ferrovia-da-Integracao-e-reativacao-da-Ferrovia-do-Contestado.html
Em “História do Trem no Contestado”, livro de 250 páginas, fartamente ilustrado com mais de 150 imagens de mapas e fotografias, Nilson Thomé narra a construção e os primeiros anos da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (SPRG) no Espaço Livre do Contestado, Vale do Rio do Peixe, entre Itararé (SP) e o Rio Uruguai (no RS), mais a construção do ramal Linha São Francisco.
ResponderExcluirEsta produção em História será lançada em Curitiba antes de outubro terminar, pela organização MTé Gestão em Comunicação, em comemoração ao centenário da Ferrovia do Contestado, que transcorre em 17 de dezembro de 2010. O livro, à disposição do público, constará no catálogo das livrarias virtuais da AGBook e do Clube de Autores.
Eu tive uma reportagem em VHS intitulado: "A linha do trem, caminho esquecido", por fim VHS saiu fora de linha e eu perdi a reportagem. Mas, digo-lhe: a mim não está caminho esquecido e a passagem da composição ainda continua sendo colírio p,ros olhos, como era p,ras multidões antes da chegada do asfalto e do mundo do carro igual a formiga de roça, dessas formigas vermelhadas q é praga as plantações. Eu acho q o mundo de carros é mais.
ResponderExcluirolá tudo bem, estou aqui em Pouso Alegre - mg., e quando eu fazer o que o?
ResponderExcluirPelo o que eu saiba o tal de Henrique Wolland nunca foi desertor de navio nenhum. Era um fotografo da região que acabou por lutar no contestado entre 1914 a 1915, até se render as forças republicanas e se tornar informante. Agora, qual foi o seu desfecho? Vale a pergunta...
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