O Estado de S. Paulo, 28/3/2010
A reportagem de hoje sobre derrubada das matas na região do Litoral Norte do Estado dá o que pensar, mas não em termos de “oh, meu Deus! A situação está muito ruim! As matas estão desaparecendo no Estado, no País e no mundo, que calamidade”!, e sim de outra forma. Afinal, não é novidade, pelo menos para mim, que isso está acontecendo, e já faz tempo!!!
Dá o que pensar no sentido de que dificilmente isso irá regredir, as matas voltarão a ser o que era antes etc., pois o ser humano, que é o grande devastador, não vai deixar de fazer o que já vem fazendo há pelo menos 500 anos. O fato é que, quanto mais o homem desenvolve o seu conhecimento, quanto mais nós aprendemos a dar conforto aos outros para ganhar dinheiro, quanto mais nós nos convencemos de que vivemos para ganhar dinheiro (claro, existem pessoas que pensam diferente, mas são muito poucas e pouco afetam), mais as matas serão devastadas.
E não adianta fazermos campanha pelo verde, pois ninguém vai abdicar de um conforto já adquirido ou, no mínimo, conhecido, para salvar as matas. Mesmo o sujeito pobre que nunca conseguiu nada na vida e que more em condições miseráveis não vai abdicar de sonhar em melhorar de vida. E, se tiver uma oportunidade, agarrar-se-á a ela com unhas e dentes.
Somos hipócritas nesse sentido. Alguns sabem que são, outros não percebem que são e outros não querem ser, mas são e se sentem mal por sê-lo... e continuam sendo. É falta de opção, mesmo. Ou não: a outra opção é regredir ao tempo das cavernas e esquecer tudo o que aprendemos e vimos durante nossa vida. Quem escapa disso? Os aborígenes, índios, enfim, aqueles que têm pouco ou praticamente nenhum contato com os povos ditos civilizados. E os Amish da Pensilvânia (há também amish em outros locais), claro, que realmente se esforçam para viver sua vida igual a 200 anos atrás. Nada contra, mas deve ser difícil... entretanto, eles vão levando. Mas, notem, não chegam a 200 mil pessoas em todo o mundo.
Fidel Castro pode ser tudo o que nós quisermos: tirano, assassino etc., mas não é nada burro: a frase que ele disse numa entrevista há uns dois anos mostra uma grande verdade — o mundo não aguenta 1 bilhão de chineses vivendo em condições iguais aos quase 300 milhões de americanos vivos. Some-se a isto 1 bilhão de indianos etc. etc. etc.
Uma frase que li hoje, enviada por um amigo, diz que uma determinada pessoa — não me lembro o nome agora nem faz diferença — falou que não se importa de não apagar a luz do quarto que não está usando, ele pouco se importa com o que será o mundo daqui a cem anos. E um professor meu, nos anos 1960, falou uma frase que na época ainda não era condenada pelos “policiadores” que existem hoje: “eu não acho certo que abdiquemos de nosso conforto hoje somente para que nossos descendentes daqui a cem anos as tenham”. É uma frase sincera, mas mostra que, sabendo que não estará vivo daqui a cem anos, pouco se lixa para seus próprios netos. Mas, no fim, não somos todos assim?
A questão é: podemos pensar diferente das pessoas citadas acima, mas adiante, se não desistirmos de nossas confortáveis vidas de hoje e não voltarmos ao século 10 antes de Cristo? Nem digo voltarmos para trezentos anos atrás, pois a população da Terra já cresceu pelo menos seis vezes em relação a essa época. Adianta alguns milhares de ativistas radicais fazerem isso?
Não adianta. Somente uma catástrofe radical faria com que as pessoas voltassem a épocas remotas, não por opção, mas por não ter outra opção. Tudo isto não é motivo para que as pessoas deixem de fazer sacrifícios como são propostos nas propagandas (que já enchem o saco) que infestam a mídia hoje em dia. Nem sou contra. Faço até uma parte e faço há muito tempo, quando, com doze anos de idade no início dos anos 1960, recusava-me a jogar papel escrito de um lado fora, pois achava que tinha de usar o outro lado para não terem de fazer mais papel para mim (o raciocínio era meu e não tirado de alguma propaganda). Mas há vezes em que não dá para fazer isso. E, desgradaçadamente, muito mais vezes do que quando não preciso fazer.
Olhem o mapa acima. A Serra do Mar somente escapa da devastação nesse ponto porque o acesso a vários pontos ali é difícil. Se não fosse, já teria ido para o saco. Não sejamos hipócritas. É só olhar para a faixa clara no eixo da via Dutra e da linha da ex-Central do Brasil que está no mapa, bem clara (nos dois sentidos). Façamos o que pudermos, mas dificilmente reverteremos a situação global... podemos pelo menos tentar manter a situação atual. Mas, acredite, vai ser muito difícil. Queremos manter nosso conforto, certo?
domingo, 28 de março de 2010
A DERRUBADA DAS MATAS
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Pelo que me lembro, Fidel Castro fez o comentário sobre os problemas ecológicos decorrentes da entrada dos chineses numa economia de consumo pelo menos já em 1985, durante uma história entrevista que ele concedeu ao repórter Roberto d'Ávila, da TV Manchete. A "capitalização" da China iniciou-se no final da década de 1970.
ResponderExcluirRalph, gostaria muito de não concordar contigo. Dizer que você está errado. Mas não posso, você foi muito sincero. No fundo, somos hipócritas, tanto os que procuram defender o meio ambiente, quanto os que fingem que nada acontece. Sou um apaixonado pela natureza, coisa rara aqui no cerrado do Brasil Central, dia e noite devastado pela soja, café, cana e usinas hidrelétricas. "Se rende dinheiro, então vale a pena" é o pensamento corrente. Que bom seria se essa devastação pudesse ser eterna. Mas ela não pode e vai chegar o dia em que o homem terá que viver com menos conforto, como você mesmo disse, não por consciência, mas por ser obrigado. Essa catástrofe radical a que você se refere está sendo cavada por todos nós, hipócritas assumidos ou não. Não vejo outra saída: Aprendemos só quando apanhamos.
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