sexta-feira, 5 de março de 2010

VELHAS ESQUINAS DE SÃO PAULO


Houve um tempo em que as casas de esquina foram bonitas. De anos para cá, as esquinas são aproveitadas em casas ou prédios recuados em relação à rua, deixando que jardins - ou, mais provavelmente, estacionamentos - fiquem juntos à calçada.

Porém, como grande parte das casas e mesmo prédios mais altos de apartamentos ou de escritórios ficavam encostados às calçadas, propiciando aos moradores espiar pelas janelas, elas se tornavam mais bonitas com seus adornos, seus enfeites, inciais dos donos ou construtores, o ano de entrega da obra, as pequenas estátuas no topo, pequenas carrancas, calhas. Não havia pichadores, que tanto enfeiam as cidades, mesmo havendo hipócritas que dizem que pichação é arte.

Fotografei ontem duas esquinas na rua Domingos de Moraes, bem como uma hoje na avenida Brigadeiro Luiz Antonio. São casas com dois ou três andares — não exatamente casas, pois a parte de baixo foi projetada para serem lojas ou escritórios, enquanto geralmente seus donos moravam no andar ou dois andares acima. Hoje na maioria dos casos, as casas desse tipo que sobraram, construções dos anos 1910, 20 e 30, não têm mais funções residenciais.

Uma das que fotografei fica na esquina das ruas Domingos de Moraes e França Pinto. Quando eu era moleque, ali era o cinema Phenix, com a placa que nomeava o cinema bem no topo na curva da esquina. Hoje há pequenas lojas em baixo e sei lá o quê nos andares de cima. Se não se soubesse que era um cinema, dificilmente se perceberia. Mas era. E já era o chamado "pulgueiro" nos anos 1960. Parece que ele existia desde os anos 1920, e devia ser um cinema de bairro melhor àquele tempo.

Creio que até os anos 1980 ainda era cinema. De qualquer forma, o prédio nao está tão mal conservado externamente e ainda é bonito, tem sua imponência. A foto está acima, tirada por mim ontem. Nunca cheguei a frequentá-lo, haja vista sua fama já naquela época, anos 1960.

O passado de São Paulo continua sendo derrubado pela especulação imobiliária. Porém, a rua Domingos de Moraes não é uma rua em que os imóveis estejam tão valorizados, por causa de sua frequência, seu barulho, excesso de ônibus e carros. Os silenciosos bondes foram-se há muito tempo. O metrô passa por baixo dela, e mesmo assim somente no trecho com pista dupla, mais para a frente em relação ao cinema.

Ontem mesmo desabaram três casas em São Paulo. Duas no Bixiga e uma, parcialmente, na alameda Barão de Piracicaba, o Solar do Barão de Serra Negra, construído em 1883, em ruínas há anos e sem telhado há algum tempo. Com o excesso de chuvas, a queda de três imóveis não é coincidência. É fruto do descaso de seus donos e dos órgãos de preservação. Neste caso, foram-se sem ser pelas imobiliárias. O cine Phenix, por sua vez, deve aguentar ainda um bom tempo, já que está ocupado, apesar de suas pichações no andar superior e sua razoável conservação. Que assim continue, embelezando aquela esquina.

3 comentários:

  1. E ponha hipócritas nessa lista. Outro domingo parei para falar com um dêsses pixadores que se consideram artistas. Êle retocava uma "obra"
    sua no tunel que liga a Paulista com a Dr. Arnaldo e me disse ser patrocinado pela Suvinil. Com ares de Van Gogh incompreendido
    tentou me convencer do extraordinario valor do pixo/grafite. O fato é que a cidade nunca
    esteve tão emporcalhada.A autoridade da PMSP é nenhuma. A Tate Gallery de Londres recebeu um dêsses expoentes brasileiros recentemente para
    mostra mas isso não significa que êle vai sair pixando Londres. Quanto aos velhos casarões fiquei triste de saber que a velha casa dos Barões de Serra Negra foi pro saco.

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  2. É, Londres e Paria deveriam levar todos esses "artistas" de quem eles tanto gostam e vêm aqui prestigiar. Mas eles não são bobos. Só elogiam os de fora. Se forem lá pichar, levam chumbo (aliás, é pichação ou pixação?)

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  3. É bem interessante como a cidade é um organismo complexo: na época em que era agradável morar nessas regiões, com comércio embaixo e moradia em cima, então havia vida e movimento de dia e de noite. Por causa de algum motivo talvez menor (no caso, talvez o barulho dos ônibus), ninguém quer morar e as partes residenciais passam a ser comerciais. O resultado é que começa a ter muito movimento de dia e pouquíssimo de noite. A necrose da cidade aumenta. Sobre o cinema, dá pra ver uma placa onde se lê "Dança do Ventre", então talvez seja essa a atividade que há lá.
    Quanto às pichações (que eu tive que olhar no Aurélio pra descobrir que é mesmo com ch), acho que foi o maior impacto negativo de alguém de cidade de interior que vai conhecer uma cidade grande. E, das capitais que eu já conheci, a mais pichada de todas é, de longe, o Rio de Janeiro. E a segunda, São Paulo.
    Eu entendo que se é sem o consentimento do proprietário (além de outros fatores), então, pelo menos pra mim é sim vandalismo. Os caras que detonam os cemitérios também devem ter os motivos e argumentos de "desempenhar sua arte". Mas ainda assim, vejo como vandalismo.

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