domingo, 21 de março de 2010

LINHAS DO TEMPO

Não é Sorocaba, mas a demolição de um prédio histórico é sempre frustrante. Este foi algo muito pior - o Palácio Monroe, no Rio de Janeiro, em 1976

De Sorocaba vem a notícia (jornal Cruzeiro do Sul, 20 de março) que o Casarão Stilitano, construído em 1936, foi derrubado por seus proprietários. A derrubada só prolonga a polêmica em relação a esta construção. Prolonga para eles, pois eu somente vim a saber da história hoje ao ler a reportagem.

É difícil analisar um caso sem saber detalhes, mas aqui a situação não parece ser muito diferente de várias outras as quais acompanhei nos últimos quarenta anos. A Prefeitura tombou o casarão em 1996 e a família – herdeiros do construtor da casa – não concordava, principalmente porque já tinham acertada a venda do casarão e seu terreno para a construção de seis prédios com um total de 264 apartamentos.

O pagamento seria recebido em forma de apartamentos: 53 deles seriam da família após a sua construção e finalização, o que deveria acontecer em 2000. A família entrou na Justiça. Em 2003, a Justiça destombou os casarões, dando ganhou de causa aos familiares. A Prefeitura recorreu, mas no final o ganho de causa foi mantido.

Ontem, o casarão foi para o chão. Estava abandonado e usuários de crack o invadiam todas as noites. Segundo a família, não há neste momento nenhuma proposta de venda do terreno que esteja sendo estudada. Eles querem que a Prefeitura pague algo como 9 milhões e meio de reais como indenização: este valor é resultante da soma de aluguéis que eles receberiam pelos 53 apartamentos depois de eles ficarem prontos para uso até hoje.

Sem ter ouvido parte nenhuma, sei pelo jornal que o imóvel foi tombado sem consulta aos donos, que já o tinham assinado um compromisso de venda que teve de ser desfeito. Bom motivo para briga. Fica a impressão que as duas partes foram bastante teimosas durante o processo, nenhuma querendo fazer um acordo para arredar o pé. Haveria um acordo factível? O terreno é bastante grande – caberiam os prédios mais a casa?

Seria a casa mesmo um patrimônio a ser tombado? A reportagem mostra o terreno já vazio, mas não uma foto do casarão. A família teria alguma compensação pelo tombamento, na época, como, por exemplo, a cessão de um terreno de valor equivalente em outra parte da cidade? Provavelmente, não. A família precisaria realmente desse negócio? Estariam eles em situação financeira pouco invejável? Enfim: temos o direito de julgar isso?

É um problema difícil de resolver. Embora eu seja a favor da preservação de imóveis e totalmente contra a construção de edifícios de apartamentos pelo mal que eles causam ao ambiente e à cidade, por inúmeros motivos já colocados neste blog inúmeras vezes, como eu reagiria se estivesse no lugar da família?

E se entrarmos pelas linhas de possibilidade que se dirigem para o futuro... como se sabe, qualquer movimento diferente do que pretendemos fazer no segundo seguinte muda a linha do tempo, alterando um futuro para outro no meio de possibilidades infinitas. Enfim – quem garante que o prédio ficaria pronto e que os 53 apartamentos seriam entregues à família?

É por isso que acho que é muito problemática essa ideia de se dar uma indenização que considera que teria sido líquida e certa a entrega dos apartamentos, e, mais ainda, do seu aluguel. Alugar 53 apartamentos ao mesmo tempo? Os donos conseguiriam mesmo isso? Qualquer demora alteraria o valor pretendido para baixo.

6 comentários:

  1. Sei lá, viu...
    Também não conheço nem o casarão e nem a família. Na internet não achei muitas referências sobre o assunto. Mas conhecendo a Justiça brasileira como eu conheço, sei que as leis não são pra gente abastada. Entre os interesses coletivos e os interesses particulares, seria bom se a justiça funcionasse como uma balança. Mas pela quantidade enorme de apartamentos envolvida seria mesmo uma batalha perdida.

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  2. O grande problema é que tombamento, no Brasil, é sinônimo de prejuízo. O dono do imóvel fica com o abacaxi na mão e pagando impostos, etc. Recentemente soube que um imóvel aqui em SP foi para o saco porque a prefeitura triplicou os impostos. A família já não tinha grana e vendeu. Resultado: um dos maiores patrimonios não-tombados da cidade virou predio de apartamento.

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  3. Olá Sr. Ralph, boa noite. Na déc de 90, eu trabalhava num Banco da Paulista, e naqueles anos se arrastava um processo de tombamento acho que da Mansão dos Matarazzo, na Rua Pamplona. Parece que havia liminar impedindo qualquer refoem no imóvel, mas o fato é que, partir das 20h00, entrava gente lá (da construção civil, a mando dos proprietários), e destruia um pouco a cada noite. Víamos isso do 11º andar do Banco em que eu trabalhava. Conseguiram!

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  4. Concordo contigo. Realmente é esse desequilíbrio que piora tudo. Mas sabemos que isso é questão de política (e de cultura). Insisto que apesar do estado de São Paulo ter um corpo técnico excelente, o que define tudo são as políticas públicas, e os interesses da classe governante. Em vários estados (aqui em MG, por exemplo), os proprietários de imóveis tombados recebem alguns incentivos, como deve mesmo ser. A isenção de IPTU (automática aqui em Araguari) e o acesso à linhas especiais de financiamento (que depende que alguém vá atrás) são alguns incentivos. Outros acontecem em vários lugares, como o repasse/venda do direito de construir (o proprietário mantém o imóvel tombado inteiro, mas pode vender ou transferir determinada metragem pra imóveis em outras áreas da cidade onde não seria possível, etc.) Ou seja: jeito tem, só falta interesse e boa vontade das partes.
    Outro problema é a cultura das pessoas: quem é proprietário de um imóvel histórico tombado recai no mesmo caso de um proprietário de uma fazenda com mata ciliar, por exemplo. A mata é do proprietário, mas ele NÃO poderá derrubá-la e deverá mantê-la em perfeitas condições. Hoje todo mundo acha isso mais do que óbvio, mas tempos atrás os proprietários viviam alegando prejuízos. O regime jurídico para os bens naturais é explicitamente o mesmo dos bens culturais (como deve mesmo ser). Tanto no meio ambiente urbano, quanto no rural, já destruímos demais e ainda assim são comuns os proprietários que dão uma de "joão-sem-braço". Não estou dizendo que esse é o caso que estamos debatendo, mas já vi que essa é a tônica da maioria das histórias com esse desfecho que considero trágico.

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  5. Sr. Ralph:

    Onde seria possivel vermos as fotos antigas citadas acima?

    Sou fascinado nesse tipo de comparação de fotos antigas com novas.

    As vezes passo horas olhando o geoportal comparando 1958 com 2008....

    Abs,

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  6. Não fui conferir, Bono, mas é possível que, fuçando no Google, v. as consiga.

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