quinta-feira, 23 de abril de 2009

MEMÓRIA EM CHAMAS (PARTE II)

Em 1912, a pequena cidade de Dois Córregos, então importante entroncamento de linhas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, ganhava uma nova estação. O velho prédio da Companhia Rio Clarense, construído em 1886, não era mais suficiente para abrigar os serviços, cargas e passageiros que crescia ano a ano para embarque e desembarque numa região em que o café era plantado em grande quantidade. O prédio era grande e bonito. Grande até demais para a cidade, mas o tamanho da estação era um dos parâmetros que a Paulista usava para mostrar que aquela estação, independente da localidade, era mais ou menos importante para ela. Na época, os trens procedentes de Rio Claro – onde havia baldeação devido à quebra de bitola – dividiam-se ali, parte indo para Jaú e parte indo para Piratininga, esta puxada por outra locomotiva (é o que se supõe devido ao fato de a cidade mais rica então ser Jaú). Destas duas cidades as linhas ainda não passavam.

Mais tarde, com a expansão e modificação dessas linhas, a estação passou a ser parte da linha-tronco oeste da Paulista (1941), mantendo-se a bifurcação ali com um trem de bitola métrica saindo para um curto ramal, chamado de Campos Salles e que ia até o simpático vilarejo de Iguatemi, na zona rural de Jaú. Por sua vez, a linha principal seguia, a partir de 1961, quando foi completada em toda a sua extensão, até a cidade de Panorama, na barranca do rio Paraná. Nesse mesmo ano, a Paulista foi estatizada pelo Governo paulista, o que causou uma queda quase que imediata nos serviços prestados a seus clientes. Em 1966, o ramal de Campos Salles fechou. Mais cinco anos e a Fepasa surgiu, juntando as ferrovias estaduais, entre as quais a carismática Paulista.

Os serviços foram piorando. Estações foram sendo fechadas e no inicio da década de 1990 apenas sobreviviam as linhas-tronco da antiga Paulista: São Paulo-Barretos e São Paulo-Panorama. Foi a vez do fechamento da estação de Dois Córregos, já mal cuidada e parcialmente abandonada, às vésperas da entrega da Fepasa à malfadada e falida RFFSA. Um ano antes disso (1997), surge nas telas o filme “Dois Córregos”, de Carlos Reichenbach, rodado na cidade em 1992 tendo a estação como pano de fundo, tendo recebido ali algum trato para parecer que ainda estava no início dos anos 1970. Foi a última “reforma”, ela, que havia recebido uma maior em 1985, escolhida entre poucas na Fepasa para ser conservada dada a sua beleza. Alguns na cidade dizem que ela seria cópia da estação ferroviária de Marselha, na França. Não é verdade, mas é assim que os moradores da cidade vendem o peixe. Fechada, estava ainda relativamente em bom estado em 2000. A deterioração, entretanto, foi rápida: quando começaram no ano seguinte os projetos de restauro do prédio, já havia portas arrancadas e queimadas e vidros partidos. Só que, alguns dias depois, a estação, num dia de semana em 12 de julho, ardeu em chamas. Pouco se pôde fazer.

Sonhos destruídos, avaliou-se logo depois do incêndio o restauro em cerca de 8oo mil reais. Até hoje, ninguém se apresentou para pagar a conta. A estação de “Marselha” agora se parece com a maioria das estações que sobraram: jogada às traças. Muito triste. Enquanto isso, os trens continuam a passar por ali, vagarosos, sem ligar para os fantasmas do passado esperando o trem puxado pela máquina a vapor com a inscrição: “Jaú”. Ah, e por que parte 2? Porque a parte 1 foi escrita por mim, logo depois do incêndio, lamentando o acidente, mas ainda confiante que a estação seria logo recuperada. Infelizmente, eu estava errado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário