Ontem, sábado, fui de novo ver a ferrovia Perus-Pirapora, única ferrovia que sobrou com bitola de 60 centímetros (a menor de todas, pelo menos no Brasil, que teve cerca de 35 bitolas diferentes em suas ferrovias e tramways). Relativamente perto aqui de casa, estive no pátio do Corredor, que para ser alcançado deve-se passar por uma estradinha (ruim) dentro do Parque Anhanguera, na zona norte de São Paulo. A foto acima mostra uma pequena composição restaurada, em foto de 2006, no Corredor. O autor é desconhecido.
O fato de ser a “única que sobrou” não quer dizer que ela esteja funcionando. Construída e aberta em 1914, parou em janeiro de 1983. Anos de abandono se seguiram, mas um pessoal de Perus, bairro situado na zona norte de São Paulo, praticamente rural até uns 30-40 anos atrás, conseguiu o tombamento pelo Condephaat da linha e de seu material rodante: trilhos, locomotivas, vagões e carros de passageiros. Cerca de 25 locomotivas, na verdade, todas a vapor. Uma preciosidade, em termos históricos. Muitas, porém, são irrecuperáveis, tanto o tempo expostas à intempérie.
O próprio nome é curioso: embora ela realmente comece em Perus, na estação que hoje é da CPTM, ela nunca chegou a Pirapora de Bom Jesus, seu objetivo inicial: parou mesmo na estação do Entroncamento, no meio do nada (um local onde tudo que sobrou do pátio original foi um poço no meio do mato) e hoje próximo, cerca de 1 quilômetro, para um lado, do bairro do Guaturinho (no atual município de Cajamar) e do outro, do Polvilho (também Cajamar).
Do Entroncamento, construiu-se em 1925 um ramal industrial para o bairro do Gato Preto, onde havia um forno de cal, e do qual, uns 2 quilômetros antes do seu final, jogava um ramal para duas pedreiras de cal, uma na Água Fria (atual centro de Cajamar) e outra para o Pires.
Seguir para Pirapora foi mantido como objetivo por uns dez anos, nunca cumprido.
É fato que havia uma série de pedreiras e de caieiras ao longo do rio Juqueri, por onde passa e passaria também o prolongamento da ferrovia, Porém, o Gato Preto e a Água Fria foram mais do que suficientes para remunerar o investimento feito, principalmente quando, na segunda metade dos anos 1920, montou-se a primeira fábrica de cimento Portland no Brasil, alimentada justamente pelo material que vinha pela ferrovia. A ferrovia serviu a essa fábrica até pouco antes do fechamento definitivo desta, em 1983. Da mesma forma, a ferrovia e a fábrica têm juntas uma história toda: quatro donos durante sua existência (família Beneduce, uma empresa canadense, a família Abdala e durante um intervalo de oito anos o Governo Federal) e uma história de greves pesadas, além do fato de a ferrovia ter sido a razão da fundação da cidade de Cajamar e o sindicato, por sua vez, responsável pela fundação do município, em 1959.
À medida que as outras ferrovias existentes no País com a mesma bitola que a Perus-Pirapora fechavam, iam vendendo parte de seu material rodante para esta última, tanto que hoje esta é um verdadeiro museu de diversas locomotivas, carros e vagões que pertenceram a diversas ferrovias nacionais, hoje todas extintas: Paulista, Cantareira, São Paulo-Minas, Douradense, além de usinas por todo o Brasil com linhas particulares da mesma bitola. Daí o interesse nacional e até internacional pelo acervo da mesma, interesse que infelizmente não conseguiu se traduzir na recuperação e manutenção do patrimônio da ferrovia.
Após várias tentativas frustradas pelas mais variadas razões, foi somente nos três anos entre 2007 e 2009) que se conseguiu recuperar parte de seus 16 quilômetros de linha – cerca de 6 quilômetros, entre Perus e a via Anhanguera, num leito que corre espremido entre os limites do Parque Anhanguera e as curvas do rio Juqueri. Os abnegados seguem trabalhando e aos poucos limpando e conseguindo que duas locomotivas funcionem e que alguns carros já possam ser eventualmente usados, além de um trólei – basicamente, uma chapa de madeira com um motor e dois bancos para quatro pessoas, usado para inspeção dos cerca de 6 quilômetros de linha já recuperados.
Andei no trólei, a 15 fantásticos quilômetros por hora, que parece mais rápido quando estamos nele. O percurso é todo feito no meio do mato, com flores, borboletas e, se tivermos sorte, pequenas jaguatiricas. Quatro passageiros. No final de cada investida, giramos o trólei na mão, levantando-o com o auxilio de uma gambiarra feita por um dos passageiros para podermos retornar.
Muito bonito e agradável para quem gosta de trens, a não ser pelos incontáveis pernilongos. O maior trabalho para quem vai todos os finais de semana é capinar a linha, principalmente no verão. A estação do Corredor, que nem prédio tem, é um pátio com três linhas, incluindo a principal, e um triângulo de reversão. Parece um trenzinho de brinquedo, um “férreo-modelismo escala 1 para 1”. Só falta ter de dar corda nas locomotivas e no trólei.
O pessoal que se mata de trabalhar toda semana – e com imenso prazer de fazê-lo – faz muito, mas muito mesmo, pela memória nacional.
domingo, 26 de abril de 2009
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Adorei a histórria, linda se não fosse tragica, porque não existe atual interesse na renovação dessa linha, sou morador de Santana de Parnaiba, e seria um benificio imenso pra que nós deixassemos de depender de onius, passassemos a nos locomover de trem como fora em outra hora....
ResponderExcluirConheco Polvilho. Nao sabia da existencia desta estrada de ferro. Lidamente dissertado por voces. Parabens amigos.
ResponderExcluirA Perus-Pirapora aparece no mapa da Sara (fl.5-6) desde a estação até Perus:
ResponderExcluirhttp://arquiamigos.org.br/info/info37/img/mosaico/f05-06maxi.jpg
e continua na fl.3-5 até a divisa com Santana de Parnaíba:
http://arquiamigos.org.br/info/info37/img/mosaico/f03-05maxi.jpg