segunda-feira, 20 de abril de 2009

DEZEMBRO DE 1931

“Maria – Acabo de sair do Theatro Municipal. Organizaram uma festa lindíssima, tão linda e tão optimamente organizada que minha vaidade não podia pedir mais, por mais exigente que ella fosse. Só faltou o interventor, que estava no Rio. Appareceu o Dr. Linhares, que como Secretario da Justiça, era o substituto do Interventor. Esteve o Cel. Mendonça Lima, como Secretario da Viação e como promotor da homenagem. Os outros Secretarios todos mandaram representantes. O General presidiu, fardado em grande gala. Theatro cheio, até nas torrinhas. Rara a friza vazia. Muita alegria. A Banda da Força Publica tocou no saguão do Municipal, como nos dias de grande gala. Um amigo meu me perguntou se aquillo era parada de 15 de Novembro. (...) O meu (discurso), estrondosamente applaudido, commoveu innumeras pessoas, que não tiveram duvidas em confessar que choravam. O Cleomenes achou admiravel o fecho: 'É daquellas cousas que a gente furta na primeira esquina que encontra...' (...) No fundo, eu estava triste. Nenhum dos meus, presente: minha sogra de cama, minha mãe, adoentada, minha mulher e meus filhos longe, meus irmãos, se estiveram não os pude descobrir no theatro... os que teriam ido, na certa, ouvir e ver a consagração do filho, estavam ambos no cemiterio. Não ha prazer completo. O amargo junto com a doçura. E até mais amargo do que doce, sob a capa de tanto brilho... Offereceram-me, em nome do Centro, uma lindíssima estatueta de bronze, com o pedestal de marmore e cartão de prata. Trouxe commigo no automovel... E que desolação ao chegar, não t’a poder mostrar. Como vae D. Constancia? Tem-se accentuado as melhoras? Escreve-me dando noticias, porque a ultima que tenho, com a chegada do Maneco, é a de que estava um bocado peor. Alias, essa noticia é de segunda mão e eu tenho muito medo disso. Abraça o pessoal todo por mim, beija os nossos filhos e abraça – do teu Sud”.

A data da carta é 28 de dezembro de 1931. O português é o da época. A carta era de meu avô Sud, que adorava homenagens, a sua esposa Maria, que estava de viagem a Porto Ferreira, sua terra, onde sua mãe (a dona Constancia, minha bisavó portuguesa) estava doente – morreria 24 dias depois. O evento foi organizado pelo Centro do Professorado Paulista a Sud, seu Presidente, que acabava de ser empossado como Diretor-Geral do Ensino do Estado, cargo hoje equivalente ao de Secretário da Educação. Numa época em que homenagens eram concorridas, pois, apesar dos discursos longos e entediantes, como não havia nada melhor para fazer (nem rádio, nem televisão, cinemas caros, computadores eram sonhos futuristas), ia-se a eles. E olhem que meu avô era um excelente orador. “Os que teriam ido para ver a consagração do filho” e que estavam no cemitério eram o pai de Sud, Ammedeo, morto um ano antes, e seu sogro, a quem chamava de pai, o português Daniel, falecido 3 anos antes, ambos meus bisavôs. A casa vazia ainda existe, bastante modificada, na Vila Mariana, na rua Capitão Cavalcanti.

Já a estatueta de bronze foi o único dos personagens citados em todas as cartas que ainda existe. Está acima, com seu pedestal de mármore e seu cartão de prata, indiferente ao fato de estar na casa de uma filha de Sud, minha tia, servindo apenas para ter um penduricalho em sua mão estendida.

Um comentário:

  1. Apenas um fato curioso, minha avó materna nasceu exatamente um dia depois...

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