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“Maria – Acabo de sair do Theatro Municipal. Organizaram uma festa lindíssima, tão linda e tão optimamente organizada que minha vaidade não podia pedir mais, por mais exigente que ella fosse. Só faltou o interventor, que estava no Rio. Appareceu o Dr. Linhares, que como Secretario da Justiça, era o substituto do Interventor. Esteve o Cel. Mendonça Lima, como Secretario da Viação e como promotor da homenagem. Os outros Secretarios todos mandaram representantes. O General presidiu, fardado em grande gala. Theatro cheio, até nas torrinhas. Rara a friza vazia. Muita alegria. A Banda da Força Publica tocou no saguão do Municipal, como nos dias de grande gala. Um amigo meu me perguntou se aquillo era parada de 15 de Novembro. (...) O meu (discurso), estrondosamente applaudido, commoveu innumeras pessoas, que não tiveram duvidas em confessar que choravam. O Cleomenes achou admiravel o fecho: 'É daquellas cousas que a gente furta na primeira esquina que encontra...' (...) No fundo, eu estava triste. Nenhum dos meus, presente: minha sogra de cama, minha mãe, adoentada, minha mulher e meus filhos longe, meus irmãos, se estiveram não os pude descobrir no theatro... os que teriam ido, na certa, ouvir e ver a consagração do filho, estavam ambos no cemiterio. Não ha prazer completo. O amargo junto com a doçura. E até mais amargo do que doce, sob a capa de tanto brilho... Offereceram-me, em nome do Centro, uma lindíssima estatueta de bronze, com o pedestal de marmore e cartão de prata. Trouxe commigo no automovel... E que desolação ao chegar, não t’a poder mostrar. Como vae D. Constancia? Tem-se accentuado as melhoras? Escreve-me dando noticias, porque a ultima que tenho, com a chegada do Maneco, é a de que estava um bocado peor. Alias, essa noticia é de segunda mão e eu tenho muito medo disso. Abraça o pessoal todo por mim, beija os nossos filhos e abraça – do teu Sud”.
A data da carta é 28 de dezembro de 1931. O português é o da época. A carta era de meu avô Sud, que adorava homenagens, a sua esposa Maria, que estava de viagem a Porto Ferreira, sua terra, onde sua mãe (a dona Constancia, minha bisavó portuguesa) estava doente – morreria 24 dias depois. O evento foi organizado pelo Centro do Professorado Paulista a Sud, seu Presidente, que acabava de ser empossado como Diretor-Geral do Ensino do Estado, cargo hoje equivalente ao de Secretário da Educação. Numa época em que homenagens eram concorridas, pois, apesar dos discursos longos e entediantes, como não havia nada melhor para fazer (nem rádio, nem televisão, cinemas caros, computadores eram sonhos futuristas), ia-se a eles. E olhem que meu avô era um excelente orador. “Os que teriam ido para ver a consagração do filho” e que estavam no cemitério eram o pai de Sud, Ammedeo, morto um ano antes, e seu sogro, a quem chamava de pai, o português Daniel, falecido 3 anos antes, ambos meus bisavôs. A casa vazia ainda existe, bastante modificada, na Vila Mariana, na rua Capitão Cavalcanti.
Já a estatueta de bronze foi o único dos personagens citados em todas as cartas que ainda existe. Está acima, com seu pedestal de mármore e seu cartão de prata, indiferente ao fato de estar na casa de uma filha de Sud, minha tia, servindo apenas para ter um penduricalho em sua mão estendida.
Apenas um fato curioso, minha avó materna nasceu exatamente um dia depois...
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