A Segunda Guerra Mundial chegou em território brasileiro? Chegou, sim. Navios de nações inimigas que estavam em portos brasileiros quando da declaração de guerra ao Eixo foram confiscados e sua tripulação levada para “campos de concentração” no interior do País. Está entre aspas porque, segundo o Governo, esse nome não poderia ser aplicado e, segundo o povo conta, era tudo uma avacalhação. Onde está a verdade? Com a palavra os historiadores e pesquisadores, que pouquíssimo falam sobre o assunto.
Segundo relatório oficial do governo paulista para o ano de 1943 (A Vida Administrativa de São Paulo em 1943, relatório do interventor Fernando Costa ao Presidente Getúlio Vargas), “por ocasião do rompimento de relações diplomáticas entre o Brasil e as nações do Eixo, foram detidas as tripulações dos navios daqueles países, que se achavam surtos no porto de Santos, em número de 567 e recolhidos ao Presídio. Não se tratando de prisioneiros de guerra (...) resolveu esta Interventoria distribuí-los pelos municípios do Interior, sob a vigilância das respectivas autoridades em localidade onde pudessem encontrar trabalho na lavoura, no comércio ou na indústria, cooperando na produção e provendo, ao mesmo tempo, a própria subsistência. Entre esses tripulantes, havia numerosos engenheiros mecânicos, maquinistas, eletricistas, foguistas, etc., que foram aproveitados nas diversas indústrias do interior do Estado”. Isso, fora o fato de que cerca de 7 mil estrangeiros “súditos do Eixo” foram carregados em “trens especiais” do litoral para a Capital, dos quais a maior parte seguiu para o interior “de acordo com suas preferências”e 2.063 ficaram na Capital “por terem amigos, parentes ou interesses a zelar”. Além disso, “organizou-se o controle e fiscalização das residências dos súditos do ‘Eixo’ e países a ele aliados”.
Parece tudo muito bonito, humano e organizado. Terá sido assim mesmo? Já ouvi pelo menos duas histórias – e, verdadeiras ou não, são apenas duas porque jamais me aprofundei na pesquisa do assunto – que mostram que não era bem assim. Ao mesmo tempo, mostram a liberalização dos “súditos do Eixo” em ambos os casos. O primeiro que ouvi foi sobre um tio meu por afinidade, de nome Marino, veneziano e que estava num dos navios aprisionados, foi levado a um campo em Pirassununga e ali, por amizade com um dos guardas, conseguiu um emprego num bar da cidade. Pouco tempo depois, ele e minha tia se enamoraram, terminando por casar. Ficou por aqui com a família até falecer, creio que nos anos 1970. Lembro-me dele, mas quem me contou a história foi seu filho, meu primo. O segundo caso foi-me contado por um amigo que é filho de alemães: conta que um parente afastado seu foi também recolhido num desses navios e levado a um campo no Vale do Paraíba. Ali, ele e amigos tocavam música nos campo. Como tocavam bem e eram muito alegres, começaram a dar festas para a população da cidade dentro do campo e depois passaram a ser convidados para tocar nas festas que eram realizadas fora do campo, na cidade. E todos se divertiam, regados a cerveja.
Será tudo verdade nos detalhes? Pelo menos no primeiro caso, parece que sim. Notar que nos dois casos, fala-se em “campos com guardas”. Existiram, então, esses campos? As histórias que o povo conta podem não ser sempre verdadeiras, mas têm sempre um fundo de verdade. O que realmente terá ocorrido? Por que este assunto é tão pouco estudado e sobre ele quase nada se escreve? Seria ótimo, para que todos nós pudéssemos saber o que realmente ocorreu. Na verdade, o único lugar em que achei uma pequena nota sobre este assunto foi numa revista sobre História, há cerca de 3 ou 4 anos, e que infelizmente não consegui encontrar (falta muito para eu ser uma pessoa organizada) desta feita. Mas era algo pequeno e que também se ressentia do fato de não existir praticamente estudos sobre o assunto. Portanto, por enquanto, tudo vai ficar no imaginário popular e nos relatórios do Governo paulista da época – que têm contra si o fato de reportarem de forma quase que ufanista que tudo estava sempre muito bem no Estado. Como é fácil saber que isso não era realmente verdade, como podemos acreditar piamente que todos esses “súditos” foram tratados bem como dizem, sem ser presos simplesmente porque eram estrangeiros?
Para terminar, basta citar que, em Joinville, Santa Catarina, cidade onde até essa época o alemão era praticamente língua oficial, meu bisavô Nicolau, na época com seus 60 anos, foi preso porque estava falando alemão dentro de sua casa e um policial passou do lado de fora e ouviu. Como era proibido falar alemão depois da declaração de guerra, levaram-no para a Delegacia. Lá ele explicou que: primeiro, era brasileiro, neto de alemães; segundo, não falava português e, portanto, iria ficar preso pelo resto da vida; terceiro, pediu para que prendessem a cidade inteira, não somente ele. O bom senso (sim, existia isso na era Vargas) fez com que o mandassem de volta para casa. Isto não é imaginário popular, e que fazia achar que as ações durante a Guerra em Santa Catarina fossem tão diferentes das ações e condições em São Paulo? (Foto: Arquivo do Estado, São Paulo, SP)
sábado, 18 de abril de 2009
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