sexta-feira, 15 de maio de 2009

OS TRILHOS DO MAL

Hoje recebi fotografias da estação de Anápolis, em Goiás. São fotos antigas, quando o prédio ainda funcionava e não estava escondido atrás de um terminal de ônibus. A desativação da linha e da estação se deu no final dos anos 1970. Era ponta de ramal – que, na verdade, deveria ser estendido até outros pontos do Estado, fato que jamais ocorreu – e, ramal curto, tornou-se rapidamente deficitário e foi extinto. Não durou muito: foi entregue nos anos 1930 e já era sucata em 1980.

Uma das fotografias (acima) mostra um dia de festa, onde o Prefeito da época (provavelmente no início dos anos 1980) comemorava com a população o dia do início da retirada dos trilhos da cidade. Ou seja: a população perdia um meio de transporte, teria que andar de ônibus, mais caros, em estradas de péssima qualidade e estava aderindo aos festejos. Explicações para tamanho descalabro? Posso imaginar duas: o serviço dos trens de passageiros para Anápolis já estava tão ruim que a população não se importava em perdê-lo (não é tão provável), ou ela não concordava com o fim dos trens, mas, como havia festa, resolveram aproveitá-la (mais provável). Autoridades com mentalidade tacanha como essas existiram diversas no Brasil. Em vez de trabalhar para convencer a ferrovia a melhorar os trens e com isso dar uma opção para os habitantes da cidade, de forma a não ficarem presos a um tipo de transporte somente – os ônibus – eles simplesmente chutam o trem e fazem com que as pessoas tenham apenas a opção de comprar um automóvel ou ser transportados pelos ônibus. E a população não reage.

Houve outra festa desse tipo em Jacareí, em 2004. A retirada dos trilhos da cidade foi também comemorada com festas. A diferença aqui era que o trem de passageiros já não passava pela cidade havia mais de vinte anos. Os cargueiros já não existiam havia pelo menos nove anos. Os trilhos eram um enfeite apenas. Retiraram os trilhos para fazer uma avenida. Outra vez, não pensaram em colocar trens ou VLTs de volta para dar uma outra alternativa aos habitantes da cidade. Construíram a avenida. Infelizmente, avenidas já são de há muito fator de deterioração de cidades, ao contrario do que eram há cerca de 60 anos. Hoje em dia, as avenidas são locais de adensamento de tráfego urbano e de poluição sonora e ambiental. As construções nas avenidas raramente são de casas residenciais, mas sim de lojas e oficinas, enfeiando mais ainda o local.

Por outro lado, a passagem de um trem ou de um VLT (os bondes modernos), além de propiciarem transporte ao povo, ainda podem ser ajardinados em suas margens. Não há necessidade de desapropriações, pois o leito da linha já está lá. Enfim, passaram-se 20 anos entre os eventos em Anápolis e Jacareí e a atitude dos prefeitos e da população não se alterou. Aliás, em Jacareí, o prefeito fez questão de arrancar o primeiro cravo de ferro que segurava os trilhos no leito e guardar no museu, para comemorar este belo dia. O futuro o julgará.

Atualmente em Araraquara estão também pensando em tirar os trilhos quando completarem o contorno da cidade – o que não deve ocorrer tão cedo, embora as obras estejam em andamento. Se os retirarem, mais um erro terá sido feito pelo mesmo motivo dos casos citados acima. Também retiraram recentemente em Barretos. No fim dos anos 1990, retiraram os trilhos em Porto Ferreira, Pirassununga, Descalvado, Leme e, mais recentemente, em Araras. O ramal já estava desativado desde o final dos anos 1980, mas VLT, nem pensar. E não foi por falta de alguns iluminados que alertaram as prefeituras na época.

Paradoxalmente, nunca se falou tanto hoje de VLTs no Brasil. Parece que tem trilhos não os quer; e quem não tem quer ter trens de volta. Vá entender.

4 comentários:

  1. Rio Claro também está na lista Ralph. No momento, quer erradicar o que já foi erradicado, ou seja, quer fazer uma avenida ligando o Centro a Batovi, em cima do antigo tronco desativado na inauguração da Santa Gertrudes-Itirapina. Mas, tenta de toda forma mover as lendárias oficinas da Paulista (hoje sucateadas e com uma pequena porção em uso pela ALL) para o Jardim Guanabara (Rio Claro-Nova), fora da cidade, para erradicar também o trecho Rio Claro-Velha - Santa Gertrudes, que deve receber por dia, na mais otimista das previsões, três locomotivas por dia.

    Lembrando que no caminho entre Rio Claro-Velha e Batovi, está o mais populoso bairro da cidade, iluminados já pensaram em um VLT, mas infelizmente os iluminados nunca são ouvidos, afinal, um ônibus "cabrito" com motor dianteiro, além de favorecer o consórcio de transportes da cidade, também sai muito mais barato, o famoso "curto-prazo", tão amado por nossos políticos.

    Vai entender. Araçatuba também fez o mesmo.

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  2. Thiago - muitas cidades fizeram o mesmo, impossível relacionar todas. A falta de visão é comum; os políticos não têm projeto algum quando se candidatam, a não ser, em muitos casos, projetos pessoais. E o pessoal vai sempre para as obras a curto prazo. Claro que "governar não é (só) abrir VLTs", mas falamos do que entendemos, não é mesmo?

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  3. Excelente texto. Realmente visão estratégica é algo bem complicado tanto aos políticos, quanto à população de onde eles saíram. Concordo com o Ralph que é impossível enumerar todas as cidades que fizeram tamanho absurdo achando ser vantagem, mas gostaria de incluir Goiânia e Uberlândia. Esta última comemorou fervorosamente a retirada dos trilhos e a demolição da velha estação foi marcada como um evento. Um espetáculo, com autoridades e banda, quando correntes puxadas por dois tratores (um de cada lado) esganavam o prédio antigo, símbolo do "monstro do atraso".
    Outra que entra tristemente nessa semana é Araguari, cidade onde moro e que gosto tanto. Apesar de ser uma pacata cidade do Triângulo Mineiro, com seus 100.000 habitantes, possui largas avenidas, com vastos canteiros centrais, planejadas há mais de 70 anos. Mesmo assim, tanto o governo local quanto a população consideram vantagem remover os trilhos e trocar por avenidas. Há 30 anos arrancaram os trilhos da Mogiana, e agora parece que chegou a vez dos da "Goyaz" (EFG). Rádios e jornais fazem campanha a favor da retirada. Mesmo sendo tombados pelo Patrimônio local e estadual, o crime continua. A intenção não divulgada da prefeitura é lotear a área (o que parece ser habilmente encorajado pela CGU): http://www.panoramio.com/photo/32029233
    Escrevi para a Promotoria de MG, mas ainda não sei se alguma medida será tomada. Como você bem disse "o futuro os julgará".

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  4. Na verdade, esta festa ocorreu em maio de 1976, quando a estação final foi retirada da região central e transferida para a estação do bairro Jundiaí.

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