sábado, 23 de maio de 2009

ÀS MARGENS DO JUQUERI-MIRIM

O Gato Preto é um pequeno bairro localizado às margens do quilômetro 36 da rodovia Anhanguera, hoje situado no município de Cajamar. Hoje um bairro decadentíssimo, nem sempre foi assim. A referência mais antiga que encontrei em documentos sobre o Gato Preto remonta a 1914, quando foi aberta ao tráfego a Estrada de Ferro Perus-Pirapora. Vinda do bairro de Perus, a ferrovia percorria cerca de 14 quilômetros acompanhando a margem sul do rio Juqueri-Guaçu por quase todo o percurso, em bitola de 60 cm (uma das menores bitolas ferroviárias do mundo, talvez a menor), até atingir o povoado do Entroncamento, hoje no bairro do Guaturinho. Dali partia um ramal que seguia (um desvio industrial, oficialmente) por cerca de 6 quilômetros acompanhando o rio Juqueri-Mirim (afluente do outro) até chegar ao Gato Preto. Em 1914, tudo isso pertencia (exceto o bairro de Perus) ao município de Parnahyba, hoje Santana de Parnaíba. Em 1959, com a emancipação do município de Cajamar, tudo passou a ser território deste último.

A origem deste nome não sei. O fato é que em 1914 já era conhecido pelo curioso nome de Gato Preto e foi ali que se instalou um forno de cal e uma pedreira, além de um pátio ferroviário. Dali partia a cal exportada para Perus e dali pela Santos-Jundiaí para São Paulo. Somente em 1925 instalou-se em Perus a empresa canadense Companhia Brasileira de Cimento Portland, uma das primeiras fábricas de cimento brasileiras e a maior produtora por muitos anos. Ela então comprou a ferrovia e as instalações do Gato Preto para que estas fornecessem a cal e o calcário. Em 1951, o grupo Abdalla comprou tudo isso e passou a operar todo o complexo.

A fotografia acima, do acervo de Nilson Rodrigues, mostra parte do Gato Preto, provavelmente nos anos 1920. O viaduto de ferro que tem sobre ele a pequena locomotiva puxando vagonetes provavelmente cheios de calcário vindo da pedreira para os fornos de cal já não existe mais. Foi demolido por volta de 1947 por causa do final das obras da via Anhanguera (que passa hoje embaixo de onde ele ficava e estaria na fotografia ao lado direito, atrás do morro) e, segundo velhos moradores do bairro que trabalharam na empresa, seu material foi utilizado na montagem do aumento de capacidade das caieiras. A linha em primeiro plano vinha do Entroncamento e foi arrancada em 2004, depois de muitos anos abandonada debaixo do matagal. O rio que se vê à direita, passando debaixo de um pontilhão ao fundo, é o Juqueri-Mirim. À direita do rio, atualmente fica a Estrada do Limoeiro, asfaltada há pouco tempo. Ela passa por onde ficava a torre metálica de sustentação do viaduto que aparece no lado direito da fotografia. Ao fundo, à esquerda, as casinhas estão lá até hoje, assim como o casarão à direita, este encoberto por árvores. Ao fundo, as montanhas não aparecem tão nitidamente, pois existe uma grande quantidade de vegetação que as cobre, assim como um morro mais próximo que a serra ao fundo e que pode ser visto também à direita (não em primeiro plano) foi parcialmente nivelado por obras posteriores.

Para quem já foi ao Gato Preto, o forno de cal sobrevivente (e o mais antigo) e o depósito de locomotivas (ainda com diversas delas aguardando remoção) estão à esquerda e não podem ser vistos na fotografia, bem como a antiga estação e almoxarifado da ferrovia, hoje moradia.

Hoje pela manhã fui ao local e tentei tirar uma fotografia no mesmo ponto. Como eu já desconfiava, foi impossível fazê-lo. Eu teria de me meter no verdadeiro bosque em que se transformou o leito da linha, agravado pelo fato de que eu teria de cruzar o rio a partir da estrada, impossível sem um pontilhão. Portanto, não se vê nas fotografias que tirei as mesmas paisagens de fundo. Claro, conforme falei, não se vê o viaduto, demolido há mais de sessenta anos, mas de outro ponto ainda podem ser vistos os restos arruinados das bases da primeira torre metálica à esquerda.

A ferrovia fechou em 1983 e a fábrica de cimento em 1987. O Gato Preto, que chegou a ter dois clubes nos anos 1960, caiu quase que no esquecimento e jamais se recuperou, com o agravante de ter sido dividido pela rodovia, que o cortou em dois. O lado da direita, justamente o que não pode ser visto na fotografia, é o que hoje tem mais movimento. Há dois ou três conjuntos de casas que pertenceram à ferrovia que ainda são habitadas pelo pessoal do bairro.

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