sexta-feira, 8 de maio de 2009

EU NASCI EM SANTA VERIDIANA


Anos atrás encontrei um senhor muito simpático de nome José Costa. Ele havia sido convidado a participar de uma solenidade no Museu da Cia. Paulista em Jundiaí, e estava ali, antes da festa, a andar pela sala quase vazia do museu, quando começamos a conversar. Por que estaria ele ali? Ele então me respondeu que ele foi por muitos anos o chefe da estação de Jundiaí-Paulista, pequena estação que dista uns setecentos metros da estação da Santos-Jundiaí. Tinha o “Paulista” no nome porque era uma estação dessa companhia, colocada ali para manobras e eventuais embarques e desembarques de passageiros em dias de muito movimento na estação principal.

Ele se aposentou em 1978, mas continuava a morar na cidade. Ele contou a seguir: “Eu nasci em Santa Veridiana. Na estação, mesmo, não na fazenda”. E aí, perguntou se ela ainda existiria. Eu lhe disse que sim, que apesar de ter sido desativada em 1968, ela foi salva do abandono por um cidadão de Santa Cruz das Palmeiras que a comprou e restaurou, usando-a hoje como residência de fins de semana. E que eu conhecia o local e tinha muitas fotos, velhas e atuais de lá, além de ter conhecido também seu atual dono. Seus olhos brilharam. Aí ele começou a contar que ali ele viveu até os quatro anos de idade, nos anos 1930, e que, apesar de ter-se mudado com o pai para a estação de Araraquara ainda tão menino, tinha lembranças muito vivas da época. Tempos em que sua avó, que também morava ali, caçava rolinhas com arapucas feitas de peneiras, e que ele constantemente soltava os pássaros antes que sua avó os pegasse, o que lhe custava boas broncas. Disse ainda que moravam na parte baixa, onde ficavam os empregados mais simples, enquanto junto ao prédio da estação ficavam os mais graduados.

Nunca mais voltou para lá. De Araraquara, onde começou também a trabalhar na Paulista, foi transferido em 1961 para Jundiaí-Paulista, onde se tornou telegrafista e depois chefe da estação.

Dá para se ver que eram mesmo outros tempos. Avô, pai e filho trabalhando na estação, morando ali com seus familiares. Tempos em que se caçavam rolinhas com arapucas. Tempos em que havia gente na estação e na fazenda ali ao lado. Tempos em que o trem por ali passava e manobrava. Por que serão as lembranças tão vivas? Certamente porque era uma vida mais simples e calma. Os problemas certamente existiam, mas eram diferentes. O intenso movimento de trens manobrando para cima e para baixo dentro do pátio da estação, que até girador tinha, certamente impressionava uma criança quase ainda um bebê. Afinal, impressiona até hoje os adultos. Tente se impressionar assim numa garagem de ônibus ou de caminhões, e morra de sono bocejando. São mundos diferentes, no tempo e no espaço.

O que existe hoje em Santa Veridiana e ao seu redor? A estação (acima em foto de 1904), o armazém, uma das oito casas de turma apenas e a escolinha. A cerca de um quilômetro dali ladeira abaixo está ainda a casa da fazenda (acima), bem conservada, mas sempre deserta; e também a capela de 1894 (linda e abandonada – ver foto acima) entre os dois locais. Todo o resto desapareceu. É tudo um deserto, verde quando há cana crescida. Eu me lembro das vezes que por ali passei, nos últimos anos, procurando os trechos e prédios da ferrovia para fotografar, e não havia ninguém para dar uma informação.
Hoje, em vez de caçarmos rolinhas na arapuca, somos nós que estamos dentro dela, sem nenhum José para nos soltar, lutando para sobreviver num mundo bem mais pesado do que a velha Santa Veridiana de 1930.

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