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“Está muito quente hoje. Não tanto quanto nos três últimos dias, mas ainda passa dos 30 graus. O vento às vezes é quente, às vezes fresco. Lá fora, a varanda de piso de tijolos de cerâmica, cobertura de telhas com o madeiramento branco aparente. As colunas que o sustentam são cor de tijolo. São quadradas, mas eram originalmente redondas. Com o peso da cobertura, há alguns anos afundaram e tiveram de ser engrossadas. A varanda costeia a fachada da casa e parte das laterais. A casa, construída nos anos 1960, tem pouco mais de quarenta anos, mas ainda lembra as casas antigas de fazenda: quatro quartos dão portas para o fundo da sala comprida. A cozinha, no canto direito, também tem saída para a varanda.
A vista da varanda, para qualquer lugar que se olhe, é maravilhosa. Para as laterais, o pomar e a fieira de árvores na entrada onde está o portão. Para a frente, o pequeno vale de um pequeno córrego. São dois riachos, na verdade, que se juntam antes de desaguar no Jacaré-Pepira, depois de passar sob o asfalto. Vêem-se, muito próximas, duas casas e três cobertos. Uma das casas é do caseiro, o Manoel. Entre elas, uma árvore floresce com flores vermelhas alaranjadas. Do outro lado do vale, o morro alto e próximo. Na fralda, o canavial dos Tavolaros. No alto, mais íngreme, a mata fria, linda, cheia de macacos, veados e até raras onças. É o esconderijo das maritacas, sabiás e bem-te-vis. Algumas árvores estão florindo em amarelo. Mais à direita, ao fundo, nem mais longe, um morro em forma de mesa. E mais ao fundo, mais à direita, um morro com um pico, como um monte de açúcar despejado de um mesmo ponto sobre uma mesa.
Do lado de cá, o jardim da casa, com duas canelas-de-frango e diversos arbustos junto ao pé da varanda. Um antúrio enorme cresce enrolado numa das “canelas”. Maritacas voam, fazendo um verdadeiro escândalo, de uma árvore para outra. O silêncio nos deixa ouvir, mas não ver, o pica-pau martelando alguma árvore. Raras macaúbas assistem a tudo, retas e robustas. Há alguns anos uma delas morreu, atingida por um raio. Isoladas, são um bom alvo.
Ontem à noite, escura como breu, somente se via até um certo horário a janela com a luz acesa do caseiro e as luzes do pedágio da rodovia. Atrás do grande morro, às vezes víamos a luz intensa de um relâmpago, mas, a partir da meia-noite, já se enxergava a luminosidade de fogos espocados no sentido de Jaú, atrás da grande montanha à frente, ou de Dourado e Ribeirão Bonito, mais à direita. Uma fraca luminosidade vinda dessas cidades permitem-nos ver o contorno do morro. Não havia estrelas ontem, embora fosse noite de lua minguante. Muitas nuvens fechavam o tempo.
O progresso somente se faz notar no ruído ao longe dos carros, que, a este dia e hora, não são muitos na SP-225, seguindo de Itirapina para Jaú, ou ao contrário. O som do rio, apesar dos Três Saltos, não se faz ouvir, mas é possível, descendo no vale à noite, ouvir o correr das águas dos pequeninos córregos. As vacas pastam aqui e ali. Começa a chover. São quase três horas. O cheiro de grama e mato molhado se faz notar quase instantaneamente. Inúmeros mosquitos, mutucas e abelhas parecem desaparecer com o tempo mais úmido”.
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