sábado, 16 de maio de 2009

OS ESQUECIDOS PASSAGEIROS DOS TRENS BRASILEIROS

Ao centro da fotografia, tomada em Santa Cruz das Palmeiras, SP, nos anos 1940, com a cabeça encoberta na janela, aparece Dudízio, que mais tarde foi goleiro do Jabaquara, de Santos, nos anos 1960. Faleceu no ano de 2004. Acervo Ralph M. Giesbrecht por cessão do próprio Dudízio, ou Luiz Affonso Mendes.

Quem mora em São Paulo vê todos os dias trens de passageiros. São os trens da CPTM, que herdou e (graças a Deus) melhorou (muito) os antigos trens de subúrbio da Sorocabana, Santos-Jundiaí e Central do Brasil há cerca de 15 anos. Vê também os trens do metrô, que teima em chamar de metrô e dizer que não é trem, mas é, sim. Tanto que a imprensa usa o nome “os trens do metrô” e “os trens da CPTM”. São empresas diferentes, embora ambas pertençam ao Governo do Estado. Aliás, está mais do que na cara que, quando a Prefeitura de São Paulo criou o metrô (depois o Governo Estadual encampou) nos anos 1960, forçou este nome por causa do descalabro das linhas suburbanas que então eram operadas pelas empresas citadas acima. Se chamasse de “trem”, ninguém ia usar, dado o preconceito existente contra os trens de subúrbio de tão ruins que eram. Preconceito que segue existindo até hoje, embora os trens metropolitanos da CPTM de hoje sejam infinitamente superiores em termos de operação, horário e limpeza. Quem critica hoje a CPTM não tem ideia ou não se lembra realmente de como funcionavam estas linhas até a primeira metade dos anos 1990.

Porém, os trens de longo percurso — aqueles em que se tinha de viajar sentado, em carros de primeira e de segunda classe, saindo da Luz ou da Júlio Prestes para o interior do Estado e até (pasmem, leitores de hoje!) para outros estados longínquos como o Mato Grosso, Paraná, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (e, pasmem mais ainda, até outros!) —, estes não existem mais.

O curioso é que, em palestras que faço no Instituto Histórico e Geográfico e em faculdades, e mesmo em conversa com pessoas que não têm o mesmo interesse que eu tenho na história ferroviária do País, há sempre uma imensa surpresa quando cito que “os trens não foram implantados para servir aos passageiros, e sim para transportar cargas”. E faz sentido esse raciocínio, quando lembramos que o que o trem representava para os seus usuários era exatamente o transporte deles próprios – os trens cargueiros estavam sempre escondidos lá no cantinho e quando passavam pelas cidades pouca gente notava.

Pois é, era isso mesmo. Quem trazia o lucro para as empresas sempre foram as mercadorias. No Brasil, mais especificamente, em grande parte do País, o café e o açúcar. Claro que havia outras cargas: gado, algodão, grãos em geral. Aos poucos os minérios e os derivados de petróleo foram desbancando o café. Hoje em dia o café não é mais transportado por eles e quem lidera a carga ferroviária brasileira é o minério (mais de 70% da carga nacional), seguido do transporte de grãos em geral.

Enquanto a carga podia subsidiar os trens de passageiros, eles existiram. E eram estes últimos que, embora fossem uma parte ínfima do lucro das ferrovias (quando não davam prejuízo individualmente) que eram os melhores “garotos-propaganda” das ferrovias: afinal, era-lhes dado um transporte rápido, relativamente barato e decente que, antes do advento das ferrovias no Brasil – a primeira é de 1854 –, não existia efetivamente. Por que negar-lhes esta dádiva?

Aos poucos, no entanto, os trens passaram a ter fortíssima concorrência de outros modais, principalmente o rodoviário, e a perder os favores de financiamento do Governo, e com isso foram sendo abandonados pelas empresas ferroviárias. Da Segunda Guerra Mundial para a frente, quando as ferrovias foram exauridas pela falta de transporte de cabotagem no País por causa dos submarinos alemães que às vezes apareciam em nossa costa, o transporte de passageiros foi sendo largado. A classe média, mais exigente, foi aos poucos largando de andar de trem, e eles foram piorando, as estações se deteriorando. No início dos anos 1980, só andava de trem quem era aventureiro. Nos anos 1990, somente quem era fanático ou mendigo. E, em 14 de março de 2001, quando os dois últimos trens de passageiros rodaram no Estado (São José do Rio Preto a Itirapina e Bauru a Campinas), o trem de passageiros já era uma pálida e ridícula imagem do que havia sido no passado, quando trens com 12 carros ou mais andavam pelo interior afora.

Sempre é bom lembrar que, em 1961, quando Carvalho Pinto desapropriou à força a Companhia Paulista, o discurso foi (está lá, no relatório anual da ferrovia) que “era preciso preservar-se a função social da ferrovia, pois esta, em mãos de particulares (a Paulista foi a última ferrovia privada do País), não tem condição hoje em dia de arcar com seus altos custos”. A “função social” nas mãos do Governo teve como providências fechar todos os ramais de passageiros da empresa nos dez anos seguintes, acabando com seus trens de passageiros.

Foram os trens de 2001 também os dois últimos trens de passageiros de longa distancia a rodar no Brasil. Excluem-se desta afirmação os três trens de passageiros que seguem rodando (o Vitória-Minas, o trem de Carajás e o trem do Amapá), os trens metropolitanos das cidades e os trens turísticos diários (Curitiba-Paranaguá e Pindamonhangaba-Campos do Jordão).

9 comentários:

  1. Ralph, acabei de ver uma indicação de sua página no Estadão digital e fui ver como é. Gostei muito! Lembro-me com saudade de viagem que fiz, em 1987, de Campinas a Brasília de trem; e, com muito mais saudade ainda, dos trens que passavam pela estação de Lorena, que ficava ao lado da casa de uma tia, aonde ia com frequência, em minha infância.
    Continue sua luta e tenha em mim um admirador e um apoio, no que for possível.

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  2. Obrigado, Alckmar (Este é seu nome?). Gosto de escrever, e é bom que as pessoas leiam e gostem. Abraços - Ralph

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Olá caro Ralph,

    Já faz um tempo que não comento aqui, mas a leitura é diária. Moro no município de Mauá - SP e o trem faz parte da vida diária do operariado - como é o meu caso. Me impressionou muito ter sido um fato político-propagandístico da época do início da circulação dos trens do Metrô (será que vale a maiúscula alegorizante?) serem denominados apenas como "Metrô". Estranho pensar que os trens do Metrô, ainda que tenham lá sua qualidade excepcional (sobretudo no intervalo dum trem para outro), serem propagandeados como uma "remissão dos pecados" quanto ao que acontecia com os trens de subúrbio, da antiga EFSJ, hoje CPTM. É bem verdade mesmo que hoje os trens melhoraram muito depois da criação da CPTM e ao longo dos meus 29 anos não é preciso voltar muito atrás no tempo pra perceber que há acordo nisto.

    Mas queria atentar para algumas coisas que volta e meia escuto aqui e ali assim como algumas delas me irritam e outras não.

    Percebo aqui no ABC Paulista que as pessoas falam muito duma tal qualidade dos serviços do Metrô, mas que qualidade é essa? É bem provável que elas tenham esses pensamentos por conta de que conhecem de maneira bem espontânea dois sistemas distintos, administrados pelo mesmo Estado de São Paulo. Mas quando penso nisso tudo e levo em conta até o que a CPTM por si própria já disse de seu sistema, me ponho ainda mais em dúvida do que realmente seja a tal qualidade de Metrô nas linhas da CPTM.

    Quanto a isso há todos os tipos de preconceitos. Acredito que um dos mais bizarros seja a ideia de que o Metrô é mais veloz que os trens da CPTM que, para mim que não entende quase nada do assunto parece um absurdo, haja vista que os trens do Metrô percorrem umas dezenas de metros duma estação para outra enquanto os trens da CPTM percorrem centenas. Já tive uma única e inesquecível oportunidade de andar na cabine desses trens da linha Rio Grande da Serra - Luz e pude constatar que a velocidade é algo em torno de 90Km/h. Ora, será o trem da CPTM tão lento assim em comparação ao trem do Metrô? Acredito que a arrancada breve, a reverberação vertiginosa que o trem do Metrô produz dentro dos túneis e sua breve chegada duma estação à outra dê conta de criar essa impressão: de que ele seja melhor e mais rápido.

    Outro fator que não entendo muito bem como algo verdadeiro é o que as pessoas vivem dizendo aqui [no ABC]: "…ah, ouvi dizer que o Metrô vai "chegar" até Santo André…". Não me parece o escopo do Metrô ter esse caráter intermunicipal, pois pelo que já pude ler por ai que os "metrôs" das grandes capitais de outros países servem à própria cidade e ponto.

    Voltando à questão da qualidade, espero que esta qualidade militada pela CPTM e pelo plano de expansão chamado EXPANSÃOSP não seja nunca aquela organização da ultralotação de pessoas no embarque da linha vermelha do Metrô nos horários de pico ou mesmo a falta de condicionadores de ar nos trens desta mesma linha bem como em alguns trens da linha verde.

    Até mais e seria muito bom ver um texto seu sobre esse tema específico.

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  5. Realmente, existe preconceito Metrô x CPTM. Quem pouco se utiliza de um deles, ou nunca utiliza, pensa coisas que não são verdade. Hoje em dia a pior linha da CPTM é a linha Julio Prestes-Itapevi (sem contar a linha até Amador Bueno, bem pior mas que deverá ser reformada). Porém, o metrô em geral é melhor que as duas linhas da ex-Santos-Jundiaí; porém, não é melhor que as linhas da CPTM que margeiam o rio Pinheiros e a do Expresso Leste (Luz-Mogi). A da variante de Poá está muito boa hoje, mas até 2007 era a pior de todas. Enfim, é tudo dinâmico. Mas é verdade que "melhor" ou "pior" pode significar uma série de coisas: aspecto, por exemplo. Velocidade? Não, o metrô não é mais rápido. Mas tem mais trens, o que faz com que se espere muito menos por ele. Os intervalos de alguns trens da CPTM podem chegar até 30 minutos, o que é demais. A grande diferença é que o metrô construiu suas linhas para ser metrô e a CPTM ainda usa linhas mais antigas das ferrovias paulistas, e para acetar o sistema de controle não é tão simples assim, daí o motivo pelo qual os trens dela têm intervalos muito maiores que os do metrô.

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  6. Boa noite Ralph, é com imensa alegria que encontro este teu site, é maravilhoso, me tras grandes alegrias de infância, pois o que mais me chamou atenção foi o site http://www.estacoesferroviarias.com.br/s/sapucai.htm , digo isso com orgulho, pois passei minha infância lá, meu pai foi o ultimo chefe de estação em Sapucai, até te digo que poucos sabem, mas quando começaram a desativar, meu pai chegou a ser chefe de estação tanto da Mogiana, como da RFFSA, te digo mais, temos em casa outras fotos dos bons tempos de grande movimento que ocorria lá pelo fato de ser o entroncamento entre Minas Gerais e São Paulo, meu pai começou a trabalhar lá com 14 anos no restaurante que lá existia, conseguindo entrar como funcionário lá pelos seus 16 anos como telegrafista, e posteriormente vindo a ser chefe de estação até se aposentar. Mas esta história eu deixo para que meu pai conte se vocês desejarem, posso garantir que terão uma histário de vida e todo o conhecimento daquela estação, meu pai se fez lá, e crio sete filhos sendo funcionário da RFFSA lá.
    aH ! No link http://www.panoramio.com/map/#lt=-22.320158&ln=-46.696419&z=-2&k=1&a=1&tab=1 a marcação de onde está a estação está um pouco fora, a estação em si, é o galpão que aparece logo a direita de onde está marcado com a foto. Gostaria se possível, se desejarem, fazerem um documentário, pois meu pai tem uma ótima memória, e poderá contar grandes histórias que ocorreram nesta linha férrea. Meu nome é Rodney de Oliveira, meu pai se chama Ramiro Mamede de Oliveira, meu celular 19 97885367 ou rodney.perugini@gmail.com rodney_perugini@hotmail.com . Parabens, grande abraço, e fico no aguardo, caso resolvam conhecer de forma bem mais profunda tudo que ocorreu por lá num período de mais ade 30 anos até a desativação completa daquele trecho.

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  7. caro ralph!
    como sabe sou de certa forma um colaborador, ja que no site das estações existem comentarios e fotos minhas.
    eu fui morador de japurá, sei que ali foi uma bela cidade, uma vez que quando cheguei ali em 1966, com tres anos de idade, ainda tinha muitas casas, cresci vendo aqueles casarões, hoje dá pena ver como está!
    mas, o assunto é ferrovia, ali encontrei pequenas coisas, botõesdeuniformes com o logotipo da efa, pequenas peças de trens, era meu divertimento quando criança encontrar esta spequenas coisas!
    hoje japurá, vive mal, dizem que é assombrado e que o sino da igreja toca noite, que se houve um apito de guarda na estação, historias, mas a verdadeira historia de japurá, quando havia fabricas, hotel,casas comerciais...nunca saberemos, não há imagens dessa epoca, o maxdimo que consegui saber foi que devido a maleita, japurá caiou em desgraça, foi riscado do mapa, tanto que pouco se acha na internet sobre esta cidade, que em sua epoca deve ter sido importante entreposto comercial, eu costumava encontrar capsulas de balas, ggarrfas de bebidas importadas, cada uma pequena coisa representando um pouco da historia de japurá, a arquitetura dos casarões que haviam ali era bela, cheguei a conhecer o hotel, ainda de pé, depois demolido para se aproveitar os tijolos.
    nada se encontra em nenhum arquivo, japurá deixou de existir depois que o trem mudou o traçado, mas pessoas idosas com quem conversei dizem que japurá foi uma bela cidade!
    sei que aqui só devia falar de trens, de estações, no entanto japurá fez parte da historia das ferrovias, mas nunca encontrei nada, como por exemplo como foi a inauguração, se foram tiradas fotos e se tem alguma imagem de japurá antes dos anos 50, que foi quando a cidade começou a cair no esquecimento, como sei que também é um historiador, se souber ou tiver algo, me envie, ainda quero um dia contar mais da historia de japurá!
    um grande abraço!

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  8. Olá Ralph. Vou lhe fazer uma pergunta meio "impossível", mas se eu não fizer não vamos saber se é ou não, certo? Gostaria de saber se no seu acervo seria possível encontrar informações sobre uma expedição de pesquisadores húngaros que nos anos 1930 (pode ter sido 1929, ou um pouco depois) visitaram essa região de TEJIPIÓ e coletaram espécies de pássaros e insetos que depois foram para o Museu de Budapeste. O nome deles era Molnár Gábor, Horváth Elemér e Pusztay Lajos, isto é, leia-se Gábor Molnár (ele depois foi para a Amazônia, durante a expedição ficou cego, voltou para a Hungria e escreveu grandes obras sobre suas aventuras na Amazônia e foi nesses livros que se localizou a referência a Tejipió e Curro [? nome pode estar errado]), Elemér Horváth e Lajos Pusztay. Pelo que me disseram, parece que a expedição deles começou nessa região. Será que você teria jornais ou algo que tivesse registrado esta expedição? Tem um pesquisador húngaro atual, que está pesquisando o trabalho e a vida de Gábor Molnár, e me pediu ajuda, já que ele não fala nem lê português. Agradeço qualquer informação. Zsuzsanna (zsspiry@gmail.com)

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  9. Olá Ralph. Vou lhe fazer uma pergunta meio "impossível", mas se eu não fizer não vamos saber se é ou não, certo? Gostaria de saber se no seu acervo seria possível encontrar informações sobre uma expedição de pesquisadores húngaros que nos anos 1930 (pode ter sido 1929, ou um pouco depois) visitaram essa região de TEJIPIÓ e coletaram espécies de pássaros e insetos que depois foram para o Museu de Budapeste. O nome deles era Molnár Gábor, Horváth Elemér e Pusztay Lajos, isto é, leia-se Gábor Molnár (ele depois foi para a Amazônia, durante a expedição ficou cego, voltou para a Hungria e escreveu grandes obras sobre suas aventuras na Amazônia e foi nesses livros que se localizou a referência a Tejipió e Curro [? nome pode estar errado]), Elemér Horváth e Lajos Pusztay. Pelo que me disseram, parece que a expedição deles começou nessa região. Será que você teria jornais ou algo que tivesse registrado esta expedição? Tem um pesquisador húngaro atual, que está pesquisando o trabalho e a vida de Gábor Molnár, e me pediu ajuda, já que ele não fala nem lê português. Agradeço qualquer informação. Zsuzsanna (zsspiry@gmail.com)

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