quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Foto montagem de um trem da CPTM com sentido (fictício) a Descalvado. Montagem e foto Adriano Martins

O nome acima é de um livro de Saramago e de um filme feito sobre o livro, todos sabem, mas neste caso o nome ilustra a cegueira dos administradores das nossas ferrovias. Cegueira causada por outros interesses e pelo desinteresse total em se manter trens de passageiros que agravavam o prejuízo de suas linhas.

Este desinteresse por estes trens de longa distância começou a partir da hora em que as ferrovias entraram em decadência por uma série de razões. Essa "hora" eu, particularmente, depois de estudar ferrovias brasileiras por catorze anos a fundo, estimo como tendo sido o final da Segunda Guerra Mundial: o divisor de águas entre as ferrovias rentáveis e as mesmas ferrovias deficitárias.

No caso dos trens de passageiros, foi também nesta época que a classe mais abastada passou a deixar de usá-los, em um período muito curto. A industria automobilística voltava a produzir carros em profusão com o final da guerra e, dez anos depois, já construía automóveis mais baratos e acessíveis aos brasileiros aqui mesmo. Os trens começavam a ficar cada vez mais vazios e os passageiros que ainda os usavam tornaram-se pouco exigentes, aceitando qualquer coisa.

As ferrovias perceberam isso e foram relaxando na manutenção e compra de novos carros e locomotivas, além da conservação das estações e da via permanente. Os horários foram diminuindo e os percursos também. Linhas começaram a ser utilizadas somente por cargueiros e algumas nem por estes.

O perfil dos passageiros, portanto, começou a se alterar: eles ainda existiam, eram fiéis, mas já usavam cada vez menos as linhas de ponta a ponta. Exemplo: quem queria ir de Campinas a Araguari pela Mogiana ou de São Paulo a Barretos pela Paulista usava não estes trens, mas os ônibus, mais rápidos e com cada vez mais horários. Com isto, trens de percursos curtos tornavam-se pouco a pouco trens mistos, sem horários e demorados. Mesmo assim, com trens mistos ou trens mal conservados, mesmo que sendo de passageiros unicamente, passaram a ser utilizados como verdadeiros trens metropolitanos, ou seja, passageiros subiam numa estação e desciam duas ou três adiante. Eram locais em que as estradas ainda eram ruins. Isto aconteceu claramente na zona interiorana de todos os Estados. O movimento de passageiros era muito maior no interior do que nos trechos próximos às capitais, as maiores cidades.

Estas, por sua vez, tinham seus trens de subúrbio, tocados mal e porcamente por diversas empresas, mas, a partir dos anos 1960/70, por duas apenas: a FEPASA, em São Paulo, e a RFFSA no resto do Brasil (embora ela também atuasse em São Paulo). Aí, se criou, nos anos 1980 e 1990, a CBTU e a CPTM, como que para informar discretamente aos passageiros do interior que trens fora das grande cidades não interessavam mais, mas os na Capital sim, criando-se por isso novas empresas estatais próprias para isto.

Só que foram cegos em não perceber que houve uma mudança no interior. Tiraram os últimos mistinhos nos anos 1970 e 1980 e acabaram com tudo. Por que não investiram em novos equipamentos, transformando uma composição que já era na prática metropolitana, mas ligando cidades próximas, em verdadeiros trens de subúrbio, com trens unidades elétricas ou a diesel, com portas apropriadas, com aceleração e desaceleração para estações distantes de um a um e meio quilômetro entre elas? No interior de São Paulo, a média entre velhas estações no longo percurso era de uns 10 quilômetros.

No antigo e não mais existente ramal de Descalvado, um trem poderia ligar Araras a Descalvado com a tecnologia de metropolitanos e atender diversas cidades e bairros inclusive com a construção de novas estações ou paradas em Araras, Leme, Pirassununga, Porto Ferreira, Descalvado e Santa Cruz das Palmeiras. Os exemplos são muitos.

Abram os olhos, senhores!

7 comentários:

  1. Olá Sr. Ralph, boa noite.

    Na minha singela opinião, a volta de trens de passageiros esbarra na falta de coragem dos governantes, em desafiar grandes grupos do setor de transporte terrestre. Sabemos que no Estado de SP, po exemplo, grandes grupos retalharam setores: Assim, no Vale do Paraíba, domina um grupo, na Regiao de Campinas, outro, e assim sucessivamente até no Brasil. Há um grupo maior, por exemplo, que controla 26 empresas de ônibus e 13 empresas de coleta de lixo, no Brasil, senod que ainda detém uma comoanhia aérea. Tudo com o aopoio de sindicatos de classe dos trabalhadores que ali se empregam. Tenho um cliente que é proprietário de uma pequena empresa de onibus, que sobrevice basicamente de viagens até Aparecida, Paraguai, além de poucas linhas fretadas entre a Zona Leste até a região da Berrini e/ou Alphaville. Pois bem, empresários como ele, pequenos, vêem a proibição dos fretados como conseqüência da pressão desses grupos grandes sobre a prefeitura. Abçs.

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  2. Olhe, na minha opinião, isso contribui e bastante, mas não é a única razão. Foi um moto contínuo. As pessoas usam menos, a qualidade cai, por isso usam menos e no fim se extingue o serviço. Se os diretores tivessem visto a oportunidade que tinham nas mãos, teriam feito sim, mesmo com pressões. Mas eles nem quiseram ver uma evidência pois estaavam preocupados com coisas ben diferentes. Sua própria incompetência, por exemplo. Seu despreparo para perceber a mudança dos fatos. Seu desleixo com relação ao que faziam.

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  3. O AZUL´70 disse tudo: "Na minha singela opinião, a volta de trens de passageiros esbarra na falta de coragem dos governantes, em desafiar grandes grupos do setor de transporte terrestre."

    No Rio, diante dos últimos acontecimentos ocorridos com a Supervia o Governador disse que não é o caso de se intervir na Supervia.

    Como assim?? Parecem que estão fazendo de tudo para que uma tragédia aconteca e ponha-se a culpa no trem e possam passar a imagem de um transporte ultrapassado e sem viabilidade técnica e econômica.

    Não se faz nada porque a Supervia - assim como os grandes grupos rodoviários - financiam os "caixinhas" dos políticos (que andam em luxuosos e modernos carros e não dependem do transporte coletivo).

    Lastimável!

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  4. O caso da Supervia é o mesmo caso das concessionárias que não cumprem o contrato: o governo não quer se meter em algo que não tem dinheiro para manter e melhorar. Então engole tudo. V. sabe como eram os trens metropolitanos do Rio antes da Supervia. A Supervia acaba sendo excelente na comparação com a velha CBTU. Já em SP o governo não privatiza porque aparentemente aprendeu a fazer a coisa direitinho. Mesmo assim a linha 4 do metrô será operada por empresa privada.

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  5. É verdade.

    Apesar dos apesares, melhor uma Supervia do que uma CBTU desleixada.

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  6. No inicio da gestão Serra no Estado, êle prometeu que até 2010 as linhas da CPTM seriam transformadas em o equivalente a Metro.
    Frequencia de partidas, vagões , sinalização ,
    equipamentos de segurança , estações ,assim SP
    saltaria de 65 para 267 km.em curto espaço de tempo. Alguem pode me informar se isso está ocorrendo. Nada mau para um sonho ,não ?

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  7. Ralph,
    Eu sou usuário, ou melhor refén, dos trens de subúrbio do rio e sou obrigado a descordar do comentário feito sobre a supervia.
    A CBTU/stu-rj, estatal, tinha no seu auge o mesmo nível de serviço que a supervia tem atualmente, porém com uma tarifa ridiculamente inferior, além de várias estações operando e regime de gratuidade.
    No caso do estado do rio de Janeiro, é explícito que foi forçado um sucateamento do sistema para permitir a privatização, houve uma degradação total do sitema a partir de 1994 com a entrga da CBTU para a Flumitrens, e congelamento do preço das passsgens.
    Hoje a supervia cobra mais de 4 vezes o valor cobrado pela flumitrens e transposta a metade dos passageiros transpostados pela CBTU, com o mesmo nível de serviço.
    Pergunto se a CBTU cobrasse o que cobra a supervia como seria o serviço?
    O estado tem condições plenas de reassumir a malha e dinheiro sobrando para melhorar a mesma, não faz faz por motivos corruptos.
    A mais recente prova disso, foi votado na ALERJ um empréstimo de 600 milhões para a supervia, bancado pelo estado, enquanto a empresa ferroviária do estado, central logística, não receberá nem 1% desse valor para executar o seu plano de melhorias.

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