quarta-feira, 8 de setembro de 2010

VERGONHA EM JUNDIAÍ

A locomotiva número 1 da Companhia Paulista nos galpóes de Jundiaí, em foto de 2003, de autor desconhecido. Toda enferrujada então, hoje, sete anos depois, a ferrugem só se alastrou. As últimas notícias dão conta de que a caldeira já está vazando

A cidade de Jundiaí teve, durante mais de um século, uma posição muito importante no mundo ferroviário de São Paulo. Primeiro, porque eram ali que ficavam as principais oficinas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro - era ali que se iniciava essa ferrovia. Ao mesmo tempo, era ali o ponto terminal da ferrovia Santos-Jundiaí. Por algum tempo, no século XIX, chegou a ser "boca-de-sertão" para o café e outras cargas que se dirigiam a Santos. Em cinco anos em que isso aconteceu (1867-72), a cidade cresceu como nunca.

Mesmo depois do início de operações da Cia. Paulista, em 1872, seguindo inicialmente até Campinas e depois em duas linhas principais para o norte e oeste do Estado, a cidade teve uma importância fundamental para a Paulista. No início dos anos 1980, quando a Fepasa já imperava e a decadência ferroviária já era uma realidade, o pátio de Jundiaí já não tinha mais a administração da empresa ali, mas uma das alas foi reservada para que a Fepasa ali construísse um museu ferroviário.

Boa parte dos arquivos e da biblioteca que estavam na Barra Funda migraram para lá - e, embora uma parte desse acervo esteja em relativo bom estado na atual biblioteca, parte dele ainda aguarda, há quase 30 anos, separação e catalogação. Até cerca de dez anos atrás, era possível a consulta de seus livros e relatórios com relativa facilidade. Em 2002, a Prefeitura adquiriu o complexo, já praticamente vazio. Nele estavam o museu, a biblioteca e um galpão com locomotivas diesel, vapor e elétricas - inclusive a primeira locomotiva da Companhia Paulista - enferrujando. Algumas, do lado de fora, no pátio.

Nada mudou para melhor depois disso - a ferrugem hoje é maior, o museu tem parca manutenção e a biblioteca é desde então algo cada vez mais difícil de se utilizar. Até 2002, quem tomava conta dali eram ex-funcionários da Fepasa, que davam liberdade às pessoas realmente sérias que quisessem pesquisar nos arquivos. Eu me incluo nestas pessoas. Dali para cá, fui pouquíssimas vezes ali. Muitas vezes não consegui utilizá-la pois não havia pessoas que pudessem "tomar conta" de quem pesquisava na biblioteca. A quantidade de funcionários ali é mínima.

Embora a Prefeitura tenha a propriedade dos prédios e do pátio, o acervo da ferrovia não é dela (embora ela minta e diga que é), mas da Inventariança da RFFSA, e o IPHAN tem responsabilidade sobre esse acervo. Só que o IPHAN não fica lá, mas sim na Capital.

A pergunta final é: qual é a finalidade de um museu, de uma biblioteca, de um arquivo? É, justamente, poder ser utilizado por quem dele precisa. Se fica fechado, por negligência de uma Prefeitura, e somente pode ser consultado como um grande favor, não cumpre sua finalidade. Ali está parecendo o mosteiro de São Bento, que tem um grande arquivo, mas que ninguém pode mexer, exceto os padres - bom, pelo menos neste caso alguém pode.

Infelizmente, quando se tem um acervo desses, inútil por falta de interesse, por falta de dinheiro ou seja lá por quê, a solução sempre pode ser pôr fogo. Não fará diferença. Afinal, se não serve para o que deveria servir, é melhor que não exista. A conclusão pode ser considerada ridícula, claro - mas pensem bem, senhores: vai fazer diferença?

É uma vergonha que tenhamos chegado a este ponto num dos maiores acervos documentais do país. Esperamos que um dia venha alguém mais iluminado abrir as portas para os interessados e também que, nesse dia, os livros, documentos e revistas ainda estejam ali para serem mostrados, e não numa lata de lixo qualquer. Já estou cansado de entrar em locais em que existem documentos antigos espalhados pelo chão, sujos, carunchados e molhados. Posso citar vários lugares em que vi isto durante meus quinze anos de pesquisa ferroviária.

13 comentários:

  1. A prefeitura adquiriu o complexo em 1902??

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  2. Quer dizer... em 2002, claro, como está no texto!

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  3. Olá Ralph! Fico feliz por vc ter comentado a respeito deste museu. Em 2007 tentei acessar estes arquivos para um trabalho da faculdade. Embora eu tenha sido autorizado pela diretora do museu a pesquisar o dia inteiro, não pude completar minha pesquisa pq um funcionario, por sinal muito grosso, praticamente me colocou pra fora do museu, dizendo que eu não tinha autorização dele para ficar ali! Eu tinha autorização da propria diretora, tinha uma carta timbrada da fuculdade e mesmo assim me colocaram pra fora! Eu fiquei sem entender, como é que pode uma situação dessas?!

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  4. mais vergonhoso a prefeitura ter cedido o local para a recor gravar uma gincana ridicula, a prefeitura reforou todo o telhado de todo o predio menos do lugar onde fica o museu e o acervo de locomotiva que esta no tempo praticamente ja nasce samambaias em cima das locomotivas devido a humidade

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  5. Ralph, este é o objetivo. Torna-se o patrimônio inútil, se é inútil não faz falta, se não faz falta ninguém liga se sumir, e se sumir alguém ganha muito dinheiro com isso.

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  6. A CMSP ou a CPTM que tem biblioteca e tem potencial e funcionários para receber pessoal interessado em consultar esse material poderia cuidar. O que falta, não se sabe é, informação por parte das companhias da existência desse acervo ou de receber um volume maior de estudantes ou historiadores (vamos chutar que, a biblioteca do Metrô receba em média 5 estudantes/mês e a CPTM na central de Pres. Altino, 1, se receber). Em 2008, quando fiz um trabalho técnico, senti na pele a dificuldade em ter acesso a essas duas bibliotecas e, em especial, a da CPTM em quantidade de livros.

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  7. Italo, tente tirar esses livros de Jundiaí e sentirás na pele as feridas do Armageddon. Ninguém vai deixar, vão dizer que é patrimonio da cidade e até juiz vai impedir. Preferem ficar com algo que não pode ser mexido e que apodrece com o tempo (isso se chama provincianismo) do que ceder para alguém que queira cuidar de forma decente...

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  8. Incompetência de uma funcionária da Prefeitura local que se diz diretora do museu mas não passa de uma vedete querendo aparecer na midia.

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  9. A número 1 merece ser restaurada e rodar, é um patrimônio que não tem preço, um tempo atrás ela estava em um pedestal na frente do museu, estava em estado razoável de preservação, pelo menos a ferrugem não a consumia, depois não se sabe pôr que ela foi mandada para os galpões onde apodrecem outras raridades como a V8 e as Lobas, um absurdo sem tamanho. Obrigado à prefeitura de Jundiaí que cuida tão bem da história da cidade, do estado e do Brasil.

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  10. Eu só queria saber o modelo da numero um

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  11. Mas em 13.10.1967, no caderno de Turismo do Estadão:
    http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19671013-28375-nac-0031-tur-1-not

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