Se existem duas cidades que em alguma época da minha vida eu cismei que queria porque queria conhecer, são Viena, na Áustria, e União da Vitória, no Paraná. Acabei conhecendo uma pequena parte de Viena numa noite e na manhã seguinte, quando estive em Milão, em 1995, e tomei um avião à tarde para Viena e depois voltei na manhã seguinte. Valeu a pena? Sim, claro! Viena é belíssima.
Não há comparação entre Viena e União da Vitória/Porto União. Em 2002, comecei a estudar as ferrovias no Paraná e em Santa Catarina e “descobri” que havia uma cidade (ou melhor, duas – gêmeas!) em que a estação ferroviária estava dividida ao meio, com uma metade em cada Estado e o que dividia boa parte delas era a linha da E. F. São Paulo-Rio Grande, depois Rede de Viação Paraná-Santa Catarina. Chamavam-se União da Vitória, no Paraná, e Porto União, em Santa Catarina. Até 1942 existiam duas estações. Nesse ano se completou a estação de União para as duas – depois renomeada como Porto União da Vitória, que juntava os dois nomes (e que já havia sido o nome da cidade no século 19, quando pertencia toda ela ao Paraná e antes de ela ser dividida em 1917).
Junto com meu filho, que também gostou da história e insistiu para que fôssemos para lá o mais cedo possível, aportamos na cidade catarinense de Porto União em 2003, num dia frio de setembro; quando descemos do ônibus (a 10 horas de São Paulo). A temperatura estava exatamente dois graus positivos, às seis da manhã. Fomos ao hotel andando – ficava a dois quarteirões da rodoviária – e deixando as coisas, eu fui (Alexandre ficou dormindo) à estação ferroviária, que ficava a um quarteirão somente dali.
Incrível – não eram ainda sete horas e já havia um enorme movimento de gente. Uma locomotiva a vapor sendo “esquentada”, pois iria sair para um passeio até o pé do Morro de São João, onde a ferrovia sobe mais de 600 metros em 50 quilômetros. Melhor dia para chegar lá, impossível.
Comecei a conversar com as pessoas, que se mostravam intrigadas pelo fato de eu ter viajado dez horas de ônibus desde São Paulo para pegar o trem que sairia de manhã ali. Eu expliquei minha admiração pela cidade e o que me atraía a ela. Porém, voltando à cidade mais quatro vezes pelo menos desde essa época – a última foi no ano passado – me empolguei cada vez mais com a magia que a cidade transmite.
Além da estação curiosa (a foto acima é dela, tomada por Alexandre Giesbrecht em 13/9/2003: do lado direito da linha, Santa Catarina), do fato de atravessar a linha e mudar de estado, noto que embora haja uma certa rivalidade implícita entre as pessoas de cada cidade, há ao mesmo tempo uma amizade muito grande entre eles – ao ponto de que muita gente que lá mora não saber exatamente em que cidade está, dependendo do local (quem for de lá vai negar, mas é isso mesmo). Existe um ponto em que a linha foi retificada em 1950, mas a divisa não – então, naquela parte da cidade, mais ao sul de Porto União, a linha atual passa dentro desta e não divide nada – mas alguns metros mais para oeste, uma rua tortuosa que era o leito da linha anterior tem várias placas de “Divisa de Estados Paraná-Santa Catarina”.
Uma filha de polonês com ucraniana faz casacos maravilhosos para bebês e crianças e exporta para os dois países, além da simpatia com que nos recebe. Ao mesmo tempo, é historiadora da cidade. Na cidade lá no alto do morro, Mattos Costa, a historiadora de lá conta sobre os tempos da Guerra do Contestado, que chegou lá com uma carnificina brutal, mas não chegou nunca a União da Vitória, embora a população tenha fugido uma vez pensando que o ataque fosse iminente (agosto de 1914).
Foi ela que me contou as histórias e previsões do velho monge João Maria. João Maria não era nada bobo; ele tinha bons conhecimentos de geologia, e fez previsões, do alto de um dos morros de Porto União, ao olhar para a pequena cidade do final do século 19, que “quando a cruz caísse, a grande serpente sufocaria a cidade”. A cruz foi colocada por ele em cima desse morro. A serpente é o rio Iguaçu, que serpenteia numa grande curva que pode ser vista do alto desse morro, em volta da cidade. O morro tem terreno arenoso. A cruz caiu em 1905, em 1910 e em 1983, ano das três grandes enchentes da cidade. As águas levaram o solo onde ela estava, da mesma forma que inundaram a cidade varrida pela serpente. A crença no monge somente aumentou por todos esses anos e em todas essas ocasiões. Prova disso é que, quando estive a última vez na cidade, houve – e eu presenciei – às sete da noite a inauguração de um parque no local de onde está colocada a cruz. Políticos, vereadores, prefeito e algumas autoridades estavam presentes e discursando no local, com grande afluência de público. Nota: na hora da cerimônia, chovia bastante. Eu, sem guarda-chuva, fiquei encharcado e tive de voltar para o hotel. Porém, desta vez, a cruz não caiu, e a cidade não foi inundada.
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
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Quem diria! um post sobre uma pequena cidadezinha, cheia de história, e como diria o próprio escritor com uma "magia que a cidade transmite" por si só. Fico feliz em observar a impressão que a cidade causa nos vizitantes. Mas feliz mesmo fico em ter o privilégio de poder viver aqui, que apesar de de algumas controversias, posso afirmar que ela transcende aos olhos de quem sabe enxergar.
ResponderExcluirPois é, Diego - eu adorei essa cidade. Não voltei mais vezes do que as que citei porque não tive tempo. Mas certamente voltarei, se possível, muitas mais!
ResponderExcluirRalph, no finalzinho de julho saí de Niterói e dirigi uns 1050 km até as Gêmeas do Iguaçu. O motivo que me levou até lá foi uma confraternização entre camaradas de trabalho, sendo que um deles (o idealizador) é morador de Porto União. Passei um excelente fim de semana na região e pude conhecer um pouco da beleza natural das cidades, seus sabores e sua gente. Ah, também conferi o trabalho abnegado dos "Amigos do Trem" e passeei no comboio tracionado pela 310. O resultado disso tudo não poderia ser melhor: fiquei apaixonado pela região. E com certeza terei que voltar lá pra comer mais xixo e renovar o estoque de Steinhäger...
ResponderExcluirFiquei imensamente feliz ao ler sobre União da Vitória e Porto União. Nasci e ainda moro aqui. É uma cidade ótima. Parabéns pelo post.
ResponderExcluirE não posso deixar de falar sobre o comentário do nosso amigo Leandro, que citou a Associação Amigos do Trem, a qual o presidente da mesma é meu cunhado, Marcelo Roveda.
Adorei o post!
Abraço.
Josi Rempel
Adorei ler esse post falando da cidade que nasci e moro atualmente.
ResponderExcluirJa morei em vários lugares desse nosso Brasil, cidades de grande e pequeno porte, mas voltei a morar na minha querida e amada União da Vitoria.
Obrigada
Ana Maria
Sorte sua, Ana Maria. Se eu pudesse, iria morar aí também. Moro em São Paulo. Abraços
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