Depois que meus pais voltaram da Universidade de Illinois, em Urbana, USA, em setembro de 1957, estavam sem dinheiro. Ao contrário da viagem que eles fizeram à Suíça em 1953, desta vez eu e minha irmã fomos com eles. Tudo isso saiu caro – a casa no Sumaré foi alugada por um ano (fomos em setembro de 1956) e quando voltamos tivemos ainda de esperar um tempo para podermos reocupar a casa. Fomos para a casa de minha avó na Vila Mariana.
Trouxemos a televisão dos Estados Unidos – antes disso, não tínhamos televisão (não fazia falta). Mas o carro teve de ficar lá – e aqui meu pai ficou sem carro durante todo o ano de 1958. Só comprou um carro no início de 1959 – um Studebaker 1951. Em 1961, comprou uma Kombi e em 1964, vendeu-a e comprou outra mais nova. Colocou cortininhas nas janelas e decidiu ir para um congresso no Recife levando a família em janeiro de 1965, de carro. Eu estava com 14 anos.
Colocamos os bancos traseiros um de frente para o outro e pronto. Tínhamos uma sala. Fechávamos a cortina quando entrava muito sol. Uma festa. Que cinto de segurança, que nada – eles nem existiam. Viajei sentado no chão muitas vezes. A viagem foi feita em partes. No primeiro dia, deixamos São Paulo e fomos até a cidade de Leopoldina, em Minas. Procuramos o hotel e por lá ficamos durante a noite. Era assim: meu pai não reservava hotel e fosse o que Deus quisesse. Porém, era para irmos mais longe nesse dia – mas um acidente onde uma criança atravessou a pista descendo de um monte de terra ao lado da estrada em Três Rios acabou tomando-nos tempo nessa cidade. Meu pai não conseguiu brecar, pegou o menino – de uns sete anos – e levou-o ao hospital, onde ele engessou as duas pernas. Meu pai pagou tudo e fomos embora. Era assim.
No segundo dia, dormimos em Teófilo Ottoni e no dia seguinte paramos em Governador Valadares, onde meu pai tinha família – parte dos Giesbrechts está lá, pois meu bisavô morreu lá depois de ter sido prefeito. Conversas mil, seguimos no mesmo dia até Jequié. Dormimos nessa cidade baiana. No quarto dia, chegamos a Salvador, onde dormimos por duas noites num hotel no centro da cidade. É, nessa época havia hotéis decentes no centro. Lá também meu pai tinha primos, que vieram de Santa Catarina. Gente com cara de alemães, mas com sotaque baiano. Conhecemos a cidade e as praias, além do sítio deles no Cabula.
No quinto dia fomos a Aracaju, visitamos a cidade e seguimos até Penedo, onde havia uma balsa para cruzar o São Francisco. Cruzamos e dormimos na cidade, lado alagoano. No dia seguinte seguimos direto até o Recife. Em Alagoas, a estrada era de terra com pedaços de asfalto no meio (já havia sido asfaltada). Tínhamos de desviar dos pedaços. Em Recife era o congresso, ficamos três semanas lá, visitamos praias em vários pontos do litoral sul. No hotel, no centro da cidade, os jogadores dos times principais do São Paulo e do Corinthians estavam também hospedados, pois havia um pentagonal com eles e os times do Náutico, Santa Cruz e Sport. Fomos a um dos jogos, aliás, dois: era rodada dupla na Ilha do Retiro. Ou Aflitos? Não me lembro. Lembro que joguei botão no saguão do hotel com os jogadores do São Paulo, e futebol em Boa Viagem com três jogadores do Corinthians.
Um dia esticamos até João Pessoa para conhecer a cidade. Foi o ponto mais distante da viagem. Foi ótima. Por isso me lembro desses detalhes, valeu a pena. Na volta, fizemos mais ou menos o mesmo caminho, exceto que do Recife fomos a Paulo Afonso – uma estrada de terra horrorosa, que levamos o dia todo para fazer. Conhecemos a cachoeira e dormimos num hotel de lá – que não era grande coisa. No dia seguinte, voltamos a Salvador, por Alagoinhas.
Mais dois dias em Salvador e finalmente a viagem de volta para São Paulo. Que saudades. Estradas ruins, mas quem ligava? Meu pai gostava e não reclamava, ele queria era conhecer os lugares. Boas lembranças de tempos excelentes.
terça-feira, 15 de setembro de 2009
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Olá Sr. Ralph,
ResponderExcluirBela história, de tempos de simplicidade. Hojé é possível uma família viajar num "motorhome"? Acho que não. Então é fácil imaginar que o Sr. não esqueceu de um tempo que não volta mais. A bem da verdade, as crianças de hoje preferem viajar de avião: para eles, deve ser um tédio passar muitas horas para se chegar no destino de um parque qualquer. Não se briga mais pela poltrona da janela.
Na verdade, criança ou não, não sabemos o que perdemos quando deixamos de viajar de carro (e de trem, mas este hoje quase não existe mais) trocando por um avião. Eu acho que eu era uma exceção: muitas crianças que conheci detestavam ficar tempo demais no carro. Aproveitei muito essas viagens com meus pais. Houve várias.
ResponderExcluirQue belo relato!
ResponderExcluirEu ainda sou um destes que não troca uma viagem de ônibus por avião. A Viagem de Rio a Salvador (na qual eu curti muito quando criança e umas três vezes na idade adulta) é uma que eu curto muito: Paisagens do interior e gente simples que o próprio brasileiro desconhece.
Atualmente, uso estas viagens para conhecer e mostrar o Brasil que o Brasil desconhece.
Valeu Ralph!
VIAJANTEDORIA
RELATOS DE VIAGEM ETC - A partir de um ônibus, podemos falar de vários assuntos
A última viagem longa que fiz de ônibus foi em setembro do ano passado, de SP a Cachoeiro do Itapemirim. Fantástica (embora boa parte tenha sido à moite). Valeu a pena, conheci belas cidadezinhas na divisa MG-RJ que imaginava fossem um lixo e são muito bem cuidadas e bonitas, como Alem Paraiba, Itaperuna, Santo Antonio de Padua, Miracema e outras.
ResponderExcluirCaro Ralph, esse relato me faz lembrar uma viagem que fiz com meus pais para o interior da Bahia em 1978, e acho que a tua foi mais confortável, pois estávamos meus pais, eu e mais dois irmãos, mas ao invés de uma Kombi tínhamos uma Belina...
ResponderExcluirA grande diferença dessas viagens para as de avião hoje em dia é que ninguém quer "perder tempo" interagindo com os lugares, com as pessoas... É tudo no estilo de "objetividade", "ir logo", "chegar logo", "voltar logo"... Com isso perde-se a oportunidade de conhecer pessoas e lugares muito interessantes...
Essa de viajar e parar em uma cidade e ficar em qulaquer hotel ja fiz uma vez indo de SP para Palmas, hahahaha era muito divertido isso, ir no ''Deus dará'' mesmo.
ResponderExcluirlegal, parece vc falando do Dr. Walter L., que se metia em qquer estrada desse Brasilzão - e eu ia junto, rsrs
ResponderExcluirdeu saudades do teu pai e do meu
abração
marta