segunda-feira, 9 de novembro de 2009

MEU REINO POR UMA MÁQUINA DO TEMPO

Serraria em Valinhos do Sul, ao sul de Ponta Grossa, PR, anos 1920

Em várias vezes em que estava escrevendo algum artigo ou mesmo livro tive de me transportar no tempo. Não, isso não significa que eu tenha encontrado uma máquina do tempo. Significa que, para se escrever sobre fatos históricos, a melhor coisa para fazer é tentar pensar com da mesma forma que as pessoas que viveram naquele tempo.

Não é fácil, mas pode-se tentar. Cansei de ler livros onde os autores falam de cem ou duzentos anos atrás (e até muito mais!) comentando que (agora, um exemplo) homens como Percival Farquhar foram os destruidores de nossa flora, ao construírem uma enorme fábrica, moderníssima para a época, e ali massacrarem as árvores que existiam em Santa Catarina e no Paraná. Repito: é apenas um exemplo.

Ora, esses escritores comentam isso porque não tentaram pensar como se pensava há cem anos atrás. Naqueles tempos, derrubar árvores a três por dois era mais do que comum e um enorme sinônimo de progresso. As árvores derrubadas gerariam dinheiro e também deixariam os campos livres para plantações e para pasto de gado e outros animais, gerando a riqueza da região.

Ora, falando especificamente nesse caso, isso seguiu ocorrendo, mais lentamente ou mais rapidamente em outros locais, como no Norte do Paraná, em todo o oeste virgem do Estado de São Paulo, em Rondônia e no Amazonas, este bastante recentemente. O caso das derrubadas das matas na Amazônia é tão recente que se confunde com os nossos dias. A imprensa denuncia quase todos os dias enormes desmatamentos por lá, levantando sempre a ameaça de mudanças climáticas e de aquecimento global.

Acham que há cem anos as pessoas e a imprensa estavam preocupadas com isto? Raras vezes poder-se-ia achar alguma coisa contra tudo isso na imprensa ou na literatura. Não digo que nunca tenha existido, mas eu jamais encontrei algo assim nos jornais de muitos anos atrás.

Por isso, julgar-se Percival Farquhar e sua Brazil Railway, junto com a sua Lumber de Três Barras, como um ser irracional que sorria ameaçadoramente quando se lembrava das árvores caindo é ver filmes demais de terror. Os ingleses que chegaram vinte anos depois dele no Patrimônio Três Bocas – local onde se iniciou a construção da cidade de Londrina no meio da selva – tinham até incentivos governamentais. Ninguém protestou contra a criação de grandes cidades entre 1929 e 1950, pico das fundações de cidades como Londrina, Apucarana, Jataí, Maringá e Cianorte, entre outras, no Norte do Paraná.

Portanto, chamá-los de coveiros das florestas nacionais é insensato. Eles destruíram amplas áreas de floresta virgem? Sim. Mas, se não fossem eles, seriam outros, mais lenta ou mais rapidamente do que quem realmente coordenou tudo isso. Tudo porque naquela época se podia fazer isso. Assim como se podia traficar e escravizar negros no mundo até o final do século XIX, especialmente no Brasil. Alguém protestava na época? Poucos – é certo que os protestos contra a escravidão aumentaram muito depois que os ingleses fecharam o tráfego pelos mares em 1850. Portanto, em algum momento isso parou, parou a escravidão também. Mas que não se condenem os homens que tinham escravos – pois essa situação era absolutamente normal naquela época.

Hoje, não. Derrubar árvores nativas é crime, escravizar pessoas independentemente de sua cor também é. Existem muitos outros casos de pensamentos completamente diferentes dependendo da época. Portanto, tomemos cuidado ao escrevermos sobre história.

Outro exemplo: discutir a possibilidade de um certo fator ter acontecido para colaborar com o crescimento de uma ou outra cidade, por exemplo. Somente não podemos deixar de saber que os relatórios, biografias e histórias do cotidiano das cidades do início do século 20 e do final do 19 mostram que todas elas eram belas e maravilhosas, as cidades eram todas ótimas para investimentos, climas ótimos, terras maravilhosas para as plantações, os homens eram todos honestíssimos, nos relatórios ninguém mentia. O mal não existia...

É por isso que homens como Napoleão e Luiz IX de França são considerados heróis nacionais. O último foi até canonizado (São Luiz). Tudo porque, em suas épocas, matar milhares de inocentes era perfeitamente normal para se ter poder. Não o é hoje. Vamos cassar então a fama de Napoleão e de São Luiz dos franceses por isso? Jamais.

Um comentário:

  1. Olá Sr. Ralph, boa noite. Vou definir - se me permite - seu tema de hoje como "variações dos parâmetros culturais através dos tempos". Lembremo-nos de que o que hoje para nós é uma coisa abominável e terrível, outrora era aceitável: Muitos señores de pompa desposaram jovens de onze, doze anos. Pedófilos de antigamente. Abçs.

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