quinta-feira, 12 de novembro de 2009

LOLLIO DO PORTO


Até uns quinze anos atrás, o “tio Lollio” era um dos fantasmas da minha família. Era um quadro (foto acima) na copa da casa de minha avó. Quem era Lollio? Vovó Maria dizia sempre para mim que foi um irmão dela que morreu solteiro muitos anos antes. “Como ele morreu?”, eu perguntei.

Vovó respondeu que “houve um incêndio num cinema no bairro do Brás e ele, como um monte de pessoas, correu para ver. Foi de bonde. Na volta, numa curva que havia para o bonde entrar na avenida Celso Garcia, como eram duas linhas e os bondes estavam lotados de gente pendurada que iam e vinham de ver o tal incêndio – era bonde aberto naquela época – os dois se chocaram de lado (ou melhor, as pessoas se chocaram de lado) e muita gente saiu ferida ou morta no acidente”.

Eu não sei se houve mesmo o tal incêndio, se foi num cinema ou não e se houve mesmo muitas mortes e feridos, ou se isso era uma história que teria chegado distorcida aos ouvidos de Maria, que, nessa época, nem morava nem conhecia a cidade de São Paulo, muito menos o Brás. O fato é que ela dizia que Lólio não morreu no acidente, mas morreu uma semana depois em consequência dele, e do coração.

Isto é que eu sabia dele, coisas que ouvi uma ou mais vezes na minha infância quando ia à casa de vovó na Vila Mariana, anos 1950, 60.

Em 1995, quando consegui os arquivos de vovô, guardados por quase 50 anos no fundo de um armário, eu saquei de lá uma porção de preciosidades em termos de história da família e mesmo de São Paulo e do Brasil. Um dos recortes de jornal tinha o título: “Lollio da Silva Oliveira”, assim mesmo, com dois ll e sem acento no o. Aí ele começou a deixar de ser um fantasma e tomar forma – ele evidentemente viveu um dia, ali estavam as provas.

Na notícia, que era a de seu enterro no dia 28 de agosto de 1921, em “Porto Ferreira, às 13 e meia horas, do inditoso moço”, havia sua vida resumida: ele nasceu em 1896 e tinha, portanto, 25 anos; a morte foi por pneumonia (e não do coração); ele era músico e pertencia a uma corporação musical, ao mesmo tempo em que estudava no segundo ano mixto (na época, era com x mesmo) da Escola Normal de Pirassununga. Pelo recorte, “estiveram presentes todas as autoridades federais, estaduais e municipais da localidade”. Havia funcionários federais no Porto (que era como os habitantes de lá sempre chamaram a cidade)?

Seu túmulo tinha diversas coroas, enviadas pela família e amigos. Havia uma em que estava escrito: “Ao Lollio, todo o amargor de sua noiva”. O que teria acontecido com ela, cujo nome eu jamais soube? Curiosas também eram as coroas enviadas com o dito “sentidas lágrimas de suas amiguinhas de Porto Ferreira” e “Ao Lollio, homenagem das normalistas viajantes” – provavelmente as que viajavam no trem da Paulista até Pirassununga com ele. Seria ele um mulherengo contumaz? Com 25 anos na Escola Normal, ele estava atrasado nos estudos. Boêmio que não ligava para os estudos?

Segundo outras informações que consegui, ele tocava flauta e era compositor de valsas, como a “Lágrimas de Carmen”, música a qual jamais ouvi. Enfim, o que fazia Lollio, que morava no Porto, em São Paulo, no Brás? Pelo que descobri, o único dos seus irmãos que morava na Capital na época – eram 13 irmãos no total e ele foi o segundo deles a falecer – era o Maneco, justamente o mais velho, 13 anos a mais do que ele. Estaria ele o visitando ou passando uns tempos ali? Se ele jamais tivesse ido ao Brás, teria ele morrido de pneumonia?

Enfim, Lollio foi mais uma das pessoas que morreram jovens, mas que aparentemente foi um sujeito feliz.

5 comentários:

  1. Ralph,

    Linda história esta! Fico também sempre intrigado com a real história de alguns antepassados meus.

    A propósito, Feliz Aniversário!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Muito boa estória Ralph, nessas suas estórias eu tento imaginar as pessoas, o cenário, o clima dessa época paulistana. A alguns anos eu recebi de uma tia um caderno com recortes de jornais do anos 50 de meu Avô, ele recortava alguma matéria de algum jornal que lhe interessava e fazia um comentário particular sobre o artigo ou reportagem, muito bom, muito rico, dai acho que eu descobri a minha paixão por guardar jornais, revistas, etc sobre matérias que me interessam hahaha.

    Estranho eu nunca soube desse caderno mas mesmo assim eu sempre tive essa mesma mania, Meu Avô morreu nos anos 60 e eu nunca o conheci, nasci em 76 então...

    Mas depois dessa descoberta e de quando estou lendo esse caderno amarelado já de recortes dele, sinto uma coisa estranha, como se eu mesmo tivesse feito esses recortes.

    abs

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  4. Esses seus recortes são com certeza tão fantasticos quanto os que tenho. Não sei do que se tratam, mas certamente são um tesouro. E eu tambem não conheci meu avô, que morreu três anos antes de eu nascer. Aliás, meu avô era outro dos "fantasmas"...

    Abraços

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