domingo, 25 de abril de 2010

DEMAGOGIA OU SABEDORIA?

Construção da rodovia São João-Barracão, no final de 1928

Muito se fala na demagogia dos governantes brasileiros pelos tempos afora. Não há como se negar os numerosos "atos demagógicos" realizados pelo Imperador, por Presidentes, Governadores (até 1930, também chamados de Presidentes), Interventores e Prefeitos nesta terra onde as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá.

Há casos, entretanto, que merecem ser vistos mais a fundo. Há um certo consenso entre historiadores de que um dos motivos que manteve um país enorme como o Brasil unido após a independência em 1822 foi o fato de ser ele um Império. Pode ser, faz sentido. Faz mais sentido ainda quando vemos que Dom Pedro II - principalmente este - viajou por boa parte do País durante seu reinado efetivo de 49 anos, conhecendo o solo onde reinava. Isto certamente ajudou e muito na manutenção de seus domínios.

Veio a República e os Presidentes passaram a ficar somente quatro anos. Realmente, numa época em que os transportes eram difíceis e por períodos longos - viajava-se de navio ou trem e as estradas de rodagem que existiam eram péssimas - era realmente querer muito que os Presidentes conhecessem todo o território brasileiro em pessoa durante 4 anos.

Porém, veio o automóvel, as estradas de rodagem foram ficando menos ruins, as ferrovias foram se esticando, os navios de cabotagem eram ainda uma boa opção para o nordeste, e ficou mais fácil passear por aí. Fazer demagogia, como provavelmente dizia a oposição e como ela provavelmente estava certa em várias das ocasióes em que chiou.

Porém, o caso do Presidente de Santa Catarina, Adolfo Konder que, com uma comitiva resolveu sair por seu Estado entre os dias 17 de abril e 18 de maio de 1929 para conhecer a terra que governava, foi excepcional. Andou de automóvel (as estradas do oeste de Santa Catarina eram péssimas), lanchas, trem e até mulas, para conhecer o oeste do Estado, aquele que foi definitivamente anexado ao território catarinense após a revolta do Contestado, decisão fixada em 1916.

Saindo de Florianópolis, seguiram de automóvel até Jaraguá do Sul, onde tomaram o trem para Porto União. Dali desceram, ainda de trem, para Herval (hoje Herval D'Oeste), onde cruzaram de barco o rio do Peixe (a ponte estava em construção). Dali seguiram de automóvel até o rio Uruguai. Enfim, trocando de modal, chegaram até Dionísio Cerqueira (fronteira tripla SC-PR-Argentina), onde descobriram que a população falava espanhol e aprendia esse idioma nas escolas: não havia presença do Estado catarinense ali. Em Barracão, do lado paranaense e em Barracón, cidade do lado argentino - na prática, uma cidade só - a presença argentina era notória.

Na volta, seguindo a fronteira seca PR-SC até Porto União, tiveram de seguir pelo Paraná e visitar cidades paranaenses como Palmas, porque não havia estrada pelo lado catarinense. Viram a pobreza e a miséria disfarçada em honrarias prestadas e churrascos oferecidos para a comintiva em cada cidade em que paravam.

Viram a construção da estrada São João (hoje cidade de Matos Costa-Barracão e a dificuldade de se mover terras por carros de boi e mulas. Esta estrada estava sendo feita, pois a ferrovia Porto União-Foz do Iguaçu, prevista desde o final do século XIX, não havia saído do papel da São Paulo-Rio Grande.

Com toda a pompa que possa ter tido, Konder certamente não esperava passar por tantos problemas (até seu automóvel foi batido contra um caminhão desgovernado da obra da rodovia) e ver tanta miséria. Certamente isso ajudou no futuro.

Parabéns ao "demagogo". Neste caso, não era demagogia, mesmo. Era sabedoria. Ou ambos.

2 comentários:

  1. O problema de transportes no Brasil é um só: os governantes (e o povo também) abandona um meio quando surge outro mais moderno. Assim foi com as mulas, as carruagens, as ferrovias, as hidrovias, os bondes. Hoje temos três modais que atendem o povo: automóvel, avião e trem urbano (onde ainda existem). Os governantes falam e criar trens-bala no Brasil, e o povo já pensa em abandonar o carro, ônibus e avião. Quando tais trens começarem a fazer o gosto do povo, abandonar-se-á Confins, Tom Jobim, Viracopos, etc. E assim vamos apagando os meios de transporte do passado, acreditando que não mais precisaremos deles.

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  2. Olá Sr. Ralph, boa noite.
    Esse gesto "demagogo" talvez assim foi entendido porque é tradição cultural não aceitar que um governante "desça" de seu pedestal para vir se misturar com os do povo. Pedro II foi um visionário, até mesmo por gostar das ciências, mas era mal visto por ser um "pé no chão", e seus adversários políticos sabiam usar isso muito bem. Carlos Lacerda fez o mesmo com GV (outro que tbém gostava de se mostrar como "pai dos pobres"). Um caso mais atual foram as andanças (muito criticadas por setores do Vaticano) do Papa João Paulo II.

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