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quinta-feira, 28 de maio de 2015

O CASARIO DE SÃO SIMÃO, SP


Antiga estação de São Simão, hoje delegacia de polícia. A linha original foi retirada em 1971. A estação atual fica na parte baixa da cidade e foi inaugurada na linha nova no mesmo ano (Todas as fotos são deste autor em maio de 2015)
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Continuando a escrever sobre minha viagem da semana passada à região de Ribeirão Preto, estive, depois de pelo menos dez anos, de volta à cidade de São Simão.
Casa de turma na linha antiga da Mogiana, retirada em 1971

São Simão foi fundada na primeira metade dos anos 1800. Seu destino parecia ser o que Ribeirão Preto é hoje. Porém, uma verdadeira caravana de cafeicultores partiu do Vale do Paraíba nos anos 1870 e acabou indo em sua maioria para a então incipiente cidade de Ribeirão Preto, mais ao norte de São Simão e outrora parte de seu imenso território.
Um dos casarões da cidade
São Simão iniciou sua decadência aí. Ribeirão Preto, por sua vez, cresceu muito mais e não parou até hoje.

Rua da cidade
São Simão tinha, no censo de 2010, menos de 15 mil habitantes. Ribeirão Preto tinha cerca de 658 mil habitantes em 2014. Por aí se comparam as duas cidades hoje.
Casario em rua da cidade
A Mogiana, para chegar a Ribeirão Preto, em 1883, parou antes (1882) em São Simão; porém, já nessa época, São Simão não era mais boca de sertão e pouco se aproveitou por ter sido fim de linha apenas por um ano.
Casarão numa das esquinas de São Simão
E é por isso, quase que certamente, São Simão manteve boa parte do seu bonito casario do final do século XIX e início do século XX por bastante tempo, chegando aos dias de hoje.
Bela casa de São Simão
Vale lembrar que a cidade é o local de nascimento de meu tio-avô Antonio Siqueira de Abreu, que morou na cidade até perto de seus 50 anos de idade, tendo sido dentista, farmacêutico e até prefeito nos anos 1930. Por volta de 1940 veio para São Paulo com sua esposa, Angelica de Carvalho Siqueira, esta irmã de minha avó. Siqueira, como era chamado, morreu em 1977 na Vila Mariana. Angelica se foi em 1992, com 95 anos de idade.

Principal igreja católica da cidade
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Vale dizer que eu fui pela primeira vez a São Simão em 1998, por conta de minhas pesquisas sobre as ferrovias brasileiras.

As fotografias aqui mostram diversas construções da cidade, em fotos tiradas por mim há alguns dias quando de minha passagem pela cidade. 

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

SUCURI, SÃO SIMÃO, SÃO PAULO

A estação em 1910. Autor desconhecido
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A hoje decadente cidade de São Simão já foi uma cidade com relativa importância no nosso Estado. Sempre ouvi falar dela, desde menino, pois meu tio Antonio Siqueira de Abreu, o "tio Siqueira" (até a esposa dele, Angélica, minha tia-avó, o chamava de Siqueira) era de lá.

Chegou a ser prefeito da cidade, por volta de 1935-36.

A cidade era entroncamento de linhas da Mogiana. Da estação, uma construção típica dessa ferrovia no estilo do início do século XX, tijolinhos, telhado de duas águas, ventilação redonda nas altas laterais... eram duas construções muito parecidas, até em tamanho; uma era a estação de passageiros, outra era o armazém. É possível que essa estação não tenha sido a original, que foi inaugurada em 1882. As duas construções ainda existem, numa praça que passou a existir depois que eliminaram os trilhos e o pátio da linha-tronco da ferrovia que por ali passavam, em 1971.

O motivo da eliminação dos trilhos foi a construção da variante Tambaú-Bento Quirino, que mudou a linha-tronco da parte alta da cidade, onde estava a estação, para a parte mais baixa, ao longo da rodovia que vem de Santa Rosa do Viterbo. A estação aberta em 1971 (São Simão-nova) tem um estilo bem mais simples, como as que a Mogiana construiu nessa variante. Também esta está lá ainda.

Da estação velha saía também o ramal de Jataí, que era uma espécie de variante entre São Simão e Ribeirão Preto e que passava por Guatapará, para evitar o "ataque" da linha da Paulista que também servia Guatapará - na época, um pequeno bairro rural pertencente a Ribeirão Preto. De 1910 a 1961 essa linha funcionou. Em 1961 foi arrancada e partiu a existir apenas a linha Guatapará-Ribeirão Preto, que funcionou aé 1976 e também foi "para o saco".

Um pouco mais à frente, existia um bairro de São Simão, Bento Quirino, também na linha-tronco e que servia de sede e de saída para a linha principal da E. F. São Paulo a Minas. Isto, entre 1902 e 1968.

A importância relativa da cidade de São Simão não é hoje nem sombra da importância que tinha na virada do século XIX para o XX. Um dos motivos foi o extraordinário crescimento da ciade de Ribeirão Preto, muito próxima a ela, ofuscando o progresso das cidades vizinhas. A decadência da ferrovia, de que São Simão dependia muito (afinal, eram três linhas de duas diferentes empresas que se juntavam na cidade), tornou-a uma cidade que, hoje, tem apenas cerca de 15 mil habitantes.
A estação que conheci em 1998. Foto de minha autoria
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Mas e Sucuri? Não sei por que me veio à cabeça esta simpática estaçãozinha no dia de hoje. Esta era uma estação que ficava no município, junto a um eucaliptal que fica onde anteriormente havia uma grande fazenda de café, entre Tambaú e a cidade de São Simão. Visitei esta estaçãozinha apenas uma vez, em 1999. Já não tinha os trilhos, como São Simão-velha, desde 1971. Não foi fácil chegar a ela, fui com um senhor que encontrei em um posto de gasolina em São Simão. Nela encontrei uma senhora muito simpática que nela morava e cuidava do prédio, ainda pouco descaracterizado, como podia. O nome dela era Matilde Frauche Mamana. Anos depois, em 2008, um anúncio num jornal local anunciava que a velha estação estava 'a venda. O que teria acontecido com dona Matilde?

E o nome Sucuri? Possivelmente derivado do nome de uma fazenda ou de um córrego no local. E provavelmente a quantidade de sucuris, um tipo de cobra, como sabemos, era grande antigamente - talvez ainda existam por lá, já que o local foi vendido e serve de moradia, com várias descaracterizações - mas continua com muita mata em volta.

Sucuri tem história. Contam os simonenses que durante a Revolução Constitucionalista de 1932 os trens da Mgiana que partiam de Campinas pela linha-tronco paravam em Sucuri, sem prosseguir adiante. Isso fazia que os simonenses fossem à estação constantemente para obter notícias da revolução, bem como para usar o telégrafo. Afinal, a cidade havia sido invadida por mineiros, utilizando-se da E. F. São Paulo-Minas.

Também me vêm 'a cabeça que o trisavô e xará de meu cunhado, Andreas Schmidt, ali parou em 1901 numa de suas viagens de trem pelo interior ainda semi-virgem de São Paulo. Andreas, o velho alemão, havia sido o construtor da estação ferroviária original de Valença, no Rio de Janeiro, e nesta época já estava morando em Rio Claro, onde trabalhava como diretor e acionista da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Morreu em 1910.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

RIBEIRÃO PRETO, ANOS 1930: RODOVIAS E TRILHOS

Mapa dos anos 1930. O trecho em vermelho fino foi colocado por mim, pois estranhamente não foi desenhado
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O mapa acima retrata Ribeirão Preto, numa planta bem resumida, nos anos 1930. Este recorte veio dos arquivos de meu avô Sud Mennucci e não diz nem qual é o jornal nem qual sua data. Mas posso assegurar que é dos 1930.

A declaração do prefeito da época mostrava sua decepção com as rodovias que existiam no município - e ao lado o mapa. Ele nada falava das ferrovias. Ou estava contente com elas ou achava-as sem importância. Na verdade, a cidade jamais teve trens de subúrbio. Na época, sua área urbana era muito menor do que a atual e existiam vários bairros rurais.

Por lá passavam, além da Mogiana (linha tronco, ramal de Sertãozinho, ramal de Guatapará), o ramal de Dumont (que acabou em 1939) e a São Paulo-Minas. Todos os trens que cruzavam ou saíam da cidade eram de longo percurso. Paravam em bairros rurais do município: Vila Bonfim, Guatapará e ainda por fazendas da região.

De todos os trilhos que estão no mapa, os únicos que ainda existem, mas estão abandonados há anos, são os do ramal de Sertãozinho - que são os que correm paralelos à rua Capitão Salomão, ao norte do mapa.

A declaração do prefeito - cujo nome não foi escrito na reportagem - dizia que a cidade tinha ?0 (ou seja, um número que terminava com zero - o resto do número está cortado, mas, pelo espaçamento, parece ser menos de cem) quilômetros de rodovias.

"Estavam em pessimas condições. Os contractos com os encarregados da conservação das estradas não eram cumpridos. Rescindi-os todos e estou fazendo um serviço especial e sob administração propria. Aliás, nunca tivemos estradas feitas especialmente para tal, com o aproveitamento de carreadores de cafesaes, transformados em rodovias provisorias, iniciamos o serviço que vae caminhando com a rapidez possivel dentro das nossas possibilidades. A estrada que vae a Araraquara ficou melhorada e encurtada em 12 kms.

"(...) Dentro de pouco tempo teremos uma rêde mais ou menos perfeita de rodovias, pois a Prefeitura não pode atacar todos os trechos, ao mesmo tempo, por falta de verba e material. Ainda agora estou providenciando para a compra de caminhões, que não possuímos, visto os existentes, estarem em petição de miseria". (Nota: transcrito com o português da época).

Aliás, no mapa acima, uma parte da linha tronco, a que segue para o sul, Santa Tereza, Vila Bonfim (Bonfim Paulista) e Cravinhos não aparece, embora existisse em funcionamento (funcionou até 1964). Tracei-a no mapa em vermelho.

domingo, 2 de setembro de 2012

DEMOLIR POR DEMOLIR

Estação de Ribeirão Preto, SP (1885-1968): demolida por capricho dos comerciantes do centro que queriam que ali fosse construída a rodoviária, pois temiam perder o movimento com a transferencia da linha para o outro lado da cidade

Embora isto já tenha acontecido no Brasil em diversos lugares e por diversas vezes em sua história, demolir apenas por demolir é um defeito que parece insanável na cabeça de pessoas, tanto de governantes quanto de simples observadores.
Estação de Pacaembu, SP (1959-2006): Demolida por ser "depósito de drogados"

Nas antigas estações ferroviárias isto já ocorreu inúmeras vezes.
Estação de General Carneiro, MG (1895-1960): demolida por cisma da Central do Brasil, que queria ali uma estação "mais funcional"

É verdade que muitas delas o foram para que em seu lugar fossem construídas outras mais novas e mais eficientes, numa época em que nossa cultura ainda não tinha a menor preocupação com a conservação da memória brasileira.
Castelinho (1910-69), em Porto Alegre, ponto de partida para os trens para o interior do Estado: demolida por causa de um viaduto

Porém, esta cultura começou a mudar a partir dos anos 1930, com a criação do IPHAN e, mais recentemente, no decorrer dos anos 1970, quando o excesso de demolições para construção de edifícios residenciais ou comerciais e mesmo para a passagem de avenidas ou linhas de metrô já se dirigia para o absurdo.

Nos anos 1970, lembro-me dessa época, houve discussões quanto à demolição do prédio do Caetano de Campos e da residência de René Thioliier, em São Paulo, e do Palácio Monroe, no Rio de Janeiro. Destes, apenas o primeiro foi poupado. Os outros caíram apesar dos protestos. E não precisavam ter caído: no caso do Monroe, as escavações do metrô já haviam sido desviadas dele. Já no palacete da Paulista, junto à Rocha Azevedo, o herdeiro cismou que precisava vender o terreno vazio. E demoliu-o. Até hoje, o terreno segue vazio, tendo sido transformado em um pequeno parque, com os jardins da velha casa tendo sido mantidos. Quem pagou o mico foi o BANERJ, que havia comprado o terreno para ali construir um prédio para ele próprio.
Estação de Ibitiúva, SP (1929-2002): Demolida porque "estava abandonada", mesmo depois de ter sido estação rodoviária também

Voltando ao caso das estações, sempre me vêm à cabeça belos prédios como os da estações de Ribeirão Preto, Ibitiúva (em Pitangueiras, SP) e o de General Carneiro, em Minas. O caso da de Ribeirão é bem conhecido e estudado e pode ser visto no link sobre esta estação.
Estação de Tranqueira, em Almirante Tamandaré, PR (1909-2009): incendiada pela população por que estava sendo abrigo de drogados

São Manuel ainda está de pé, na região de Bauru, em São Paulo, mas sem apoio nenhum da comunidade. Idem Cordeirópolis e Cachoeira Paulista. São Francisco, em Alagoinhas, na Bahia, e Barão de Mauá, no Rio de Janeiro, estão em pé, mas seriamente ameaçadas. A velha estação de Porto Alegre, o Castelinho, caiu em 1969. Sapucaí e Jaguara, em áreas rurais de Minas Gerais, estão também sem apoio nenhum. A de Chiador, também mineira, foi a primeira estação a ser construída nesse Estado e está em ruínas.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

OS TRILHOS DO MAL (VII) - O MPF ACERTOU!

A estação do Barracão, de onde saem os trilhos do ramal de Sertãozinho em Ribeirão Preto desde 1899

A prefeitura de Ribeirão Preto, aquela que derrubara há quarenta e quatro anos sem nenhuma necessidade a estação ferroviária construída oitenta anos antes, agora está maluca para arrancar os trilhos do ramal de Sertãozinho, desativado pelas concessionárias privadas logo depois da entrega da linha da FEPASA a elas, no final de 1998.

O MPF - Ministério Público Federal -, que normalmente interfere em muita coisa, sendo que muitas vezes por mera politicagem ou sem fundamentos melhores do que os usados pelos "interferidos", desta vez entrou em ação com fundamentos muito bem colocados e com toda a razão do mundo.

Nas quatro cartas abaixo reproduzidas por mim - o texto é longo, mas, sinceramente, vale a pena lê-los, pois especialmente o primeiro, apesar de em alguns pontos ser repetitivo, mostra algumas posições muito clras até para leigos. Posições, que, no entanto, não parecem nada claras para as concessionárias - no caso, a FCA - nem para o governo municipal, estadual ou federal.

Leiam abaixo e vejam que, desta vez, o procurador que as emitiu está de parabéns pela serenidade e clareza. A primeira carta é a mais longa. Os grifos são deste blogueiro. Há citações de fontes que aqui eliminei, para não sobrecarregar demais.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM RIBEIRÃO PRETO (SP)

DECISÃO - Peças informativas nº 1.34.010.000323/2011-10

As presentes peças informativas têm por objetivo apuração da denúncia, trazida a este órgão ministerial pelo presidente do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, Denis Willian Esteves, e também veiculada em matérias jornalísticas1, de que o MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO (doravante MUNICÍPIO) estaria planejando eliminar ramais ferroviários em desuso da antiga Companhia Mogyana, situados na zona urbana, ou dar-lhes nova afetação. Para tanto, a concessionária FERROVIA CENTROATLÂNTICA S.A. (doravante FCA) devolveria as áreas de tais ramais à UNIÃO, que, por meio do DEPARTAMENTO DE INFRAESTRUTURA DE
TRANSPORTES – DNIT, cedê-las-ia ao MUNICÍPIO. Em contrapartida, a UNIÃO custearia a construção de um novo ramal, mais afastado das concentrações populacionais.

Ocorre que o negócio ostenta, pelo menos, três sérios inconvenientes, a saber:
- sem justa causa, oneraria o MUNICÍPIO e desoneraria a concessionária FCA, ao carrear para o primeiro a responsabilidade, em princípio da segunda, pela recuperação dos ramais abandonados e a desocupação de suas margens, atualmente ocupadas por construções irregulares de famílias de baixa renda. Nesse ponto, merece destaque o seguinte trecho da reportagem constante da f. 79: “Segundo José Osvaldo Cruz, coordenador de relações institucionais da FCA, o trecho se tornou inviável por causa das intervenções urbanas”;
- sem justa causa, oneraria a UNIÃO e desoneraria a concessionária FCA, ao carrear para a primeira a responsabilidade de custear a construção de novo ramal em razão de o ramal já existente não ter sido devidamente aproveitado ou recuperado pela concessionária;
- inviabilizaria o projeto de trem histórico-cultural, que o MUNICÍPIO, por sua Secretaria da Cultura, afirma encampar.

Com o fito de evitar lides judiciais e prevenir responsabilidades acerca desse contexto fático, este subscritor, por meio de ofício, participou sua visão desses inconvenientes ao DNIT, ao MUNICÍPIO e à Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, ao mesmo tempo em que requisitou informações sobre o andamento de eventuais tratativas entre as partes.

Em resposta, a ANTT esclareceu que o inciso XIV da cláusula 9.1 do contrato de concessão2 abrange a obrigação da concessionária FCA de impedir ocupações irregulares (favelas e congêneres) nos terrenos marginais aos ramais ferroviários. Todavia, ressaltou que a construção de vias férreas fora dos contornos urbanos visa a evitar prejuízos para a população, que pode sofrer, por exemplo, com a poluição sonora e com o risco acidentes, acrescentando ainda que a construção de contorno ferroviário pela UNIÃO não desoneraria a FCA, pois esta última pagaria a devida indenização à primeira.

Por sua vez, o MUNICÍPIO esclareceu que:
(i) as tratativas para a reportada cessão de áreas realmente existem, mas não foram formalizadas;
(ii) foi firmado com a FCA protocolo de cooperação (trazido por cópia em versão com lacunas e não assinado), segundo o qual esta e o MUNICÍPIO envidarão esforços conjuntos para implementação de projetos e investimentos urbanos e ferroviários;
(iii) não há projeto oficial
quanto ao uso dos terrenos que poderão ser recebidas pelo MUNICÍPIO; e
(iv) quanto à remoção das ocupações nos terrenos marginais, seriam elas incluídas no programa municipal de desfavelização.

Finalmente, o DNIT informou que
(i) o MUNICÍPIO demonstrou interesse no recebimento das áreas dos ramais, solicitando
análise quanto à viabilidade do negócio;
(ii) houve uma reunião em Brasília/DF na qual se discutiram questões relativas ao transporte ferroviário em Ribeirão Preto/SP (foi trazida cópia da ata);
(iii) a responsabilidade de remover as favelas dos terrenos marginais é da FCA, sob fiscalização da ANTT;
(iv) não foi realizado nenhum estudo sobre a conveniência de construção de novo ramal, em vez de reativar o já existente;
(v) o traçado atual está muito antigo, o que pode trazer riscos à população;
(vi) após análises, constatou-se que, para reativar a malha ferroviária, seria necessário fazer um contorno fora do perímetro urbano.

É o relatório.

Antes de tudo, repise-se que estas peças informativas tiveram início com denúncia, feita por entidade privada vocacionada para a preservação da memória ferroviária, de que o MUNICÍPIO estaria planejando eliminar ramais ferroviários em desuso da antiga Companhia Mogyana, situados na zona urbana, ou dar-lhes nova afetação. O fato assim definido, sem maior contextualização, não ostenta nenhuma ilicitude. Tanto que foi, nesses mesmos termos,
confirmado pelas partes que a ele dão curso (MUNICÍPIO, DNIT e FCA).

O problema reside nas implicações desse fato e no modo como ele venha a se perfazer. Daí porque o caso é de relativa complexidade, merecendo atenção para sutilezas e detalhes. Não se tratando de fato ilícito prima facie, carece este órgão ministerial de razões para impugná-lo de plano. Afinal, não cabe ao Ministério Público ditar ao administrador a destinação a ser dada a bens em desuso. Porém – e aqui ingressamos no âmago da questão – , em se tratando de bens de extraordinário potencial de uso em prol do tecido social, notadamente no que diz respeito à mobilidade urbana, não pode ser destinado sem maior critério. E, por critério, compreendam-se não apenas decisões políticas, mas estudos e análises cientificamente respaldados, lançados sobre premissas objetivas tendentes a divisar, no longo prazo, os mais proveitosos empregos em favor da comunidade.

É claro que haverá margem para opções políticas, para a inequívoca discricionariedade administrativa. Até porque – veja-se! – a opção até aqui engendrada foi o abandono, teoricamente a pior de todas. Porém, nem de longe isso significa que qualquer outra opção seja válida. Afinal, o abandono de determinado bem não gera despesa direta; quando muito, depender de sua natureza, gera depreciação que, exacerbada, aí sim pode caracterizar malversação. A destinação pretendida pelos atores das negociações até aqui encetadas, ao contrário, gera despesa direta de considerável valor e, mais que isso, cria uma afetação com nota de definitividade.

Se assim é, se o que se pretende até aqui (novo ramal fora da cidade e transformação dos atuais em corredores de ônibus) são transformações de grande monta e elevado custo, que aderem ao solo e que ditam a conformação do entorno no longo prazo, é impensável que qualquer movimento, ainda que de mera cessão de áreas, seja feito sem grande segurança quanto à finalidade, calcada esta em razoabilidade e proporcionalidade.

A razoabilidade, no caso, implica ter certeza quanto à adoção de uma opção eficaz em termos de aproveitamento; e a proporcionalidade, por sua vez, expressa relação de custo/benefício que
não seja perniciosa para o poder público. Pelo menos até este momento, essa segurança
finalística apoiada em razoabilidade e em proporcionalidade não se faz presente. A impressão que se tem é que as deliberações, até aqui, foram de cunho estritamente político; que pouco ou nada transitaram pelo universo técnico.

Um protocolo de cooperação (juntado a estes autos em forma incompleta e sem assinatura) e a notícia de uma reunião em Brasília e de uma singela visita técnica que resultou num croqui,
obviamente, estão aquém do necessário para deflagrar o processo, com a cessão dos imóveis da UNIÃO ao MUNICÍPIO.

Com efeito, não existe demonstração técnica sobre a inviabilidade operacional dos atuais ramais. O DNIT informa que, em inspeção técnica, constatou que “o traçado ferroviário no trecho urbano encontra-se técnica e operacionalmente inviável por ser um traçado antigo, com raios e rampas inadequados, e com muitas passagens de nível, tornando-se assim um risco à população”. Deveras, não convence. Muitas perguntas podem ser arrostadas a essa assertiva. Só como exemplo:

- Raios e rampas inadequados não podem ser objeto de adequação?
- Passagens de nível não podem ser desniveladas, principalmente para o tráfego de pedestres (passarelas)?
- Quanto aos veículos, qual o inconveniente de semáforos, queexistem às centenas pela cidade?
- Traçado antigo, por si só, é um óbice insuperável? Por que?

Todos sabemos que, nos países mais civilizados do planeta, notadamente na Europa, o transporte ferroviário convive em harmonia com as cidades há muitas e muitas décadas. Será que todos os
traçados são novos? Que justamente lá não existem traçados antigos? Grandes estações ferroviárias estão presentes, muitas vezes, no centro das principais aglomerações urbanas. A despeito disso, a notícia que se tem é a de que as cidades europeias são as que oferecem maior mobilidade e segurança para seus habitantes.

Veja-se, nesse sentido, a seguinte reportagem, voltada para viajantes brasileiros na Europa:
Quem viaja pelo mundo já sabe que os passes de trem são uma das melhores formas de percorrer a Europa. O STB – Student Travel Bureau, que comercializa bilhetes de trem e
passagens aéreas para destinos europeus, com diferenciais para cada faixa etária e para quem viaja sozinho ou em grupo, faz um comparativo das vantagens e desvantagens das viagens de trem ou avião entre esses países. Segundo o gerente de Travel do STB, Henrique Braga,
na Europa existem 240 mil quilômetros de trilhos conectando 20 países, com muita praticidade e vantagens para os viajantes. (…)

Braga ressalta ainda outras vantagens das viagens de trem: geralmente as estações situam-se muito próximas aos centros das cidades, facilitando o deslocamento. Ombreando a ausência de conclusão segura sobre a inviabilidade operacional dos atuais ramais está a inexistência de estudos técnicos sobre a economicidade dos negócios pretendidos (relação custo/benefício para o poder público). Aqui as perguntas são ainda mais renitentes, tanto quanto básicas, como as seguintes:
- Quanto custará para a UNIÃO construir o novo ramal para uso da FCA?
- Como será a UNIÃO indenizada?
- Quais serão, concretamente, as vantagens econômicas do novo ramal? Quem as auferirá?

Semelhante ausência de respostas firmes e técnicas pode ser apontada quanto à pretensão do MUNICÍPIO de remover os ramais para, em seu lugar, erigir corredores de ônibus. Nesse passo, calha também notar que um dos ramais que se pretende eliminar corre, em boa medida, próxima e paralelamente a via pública de larguíssimo calibre, a Avenida Eduardo Andrea Matarazzo.
Começa a se tornar notório, mesmo entre os leigos, o fracasso da opção de favorecer o transporte sobre rodas, em vez do transporte sobre trilhos. Viadutos, contornos ou complexos viários, elevados, pontes, túneis, semáforos inteligentes, rodízio de veículos, horários para circulação, nada disso foi capaz de deter a semi-paralisia que afeta cidades como São Paulo, que, ao longo de décadas, deram primazia ao asfalto.

Ademais, obras viárias de grande porte como essas não raro têm o deletério efeito de “desumanizar” as cidades, “rasgando-as”, agredindo sua paisagem, servindo de painel para pichadores, de fonte de barulho para moradores e de tantas outras mazelas, sem falar no favorecimento à poluição pela queima de combustíveis fósseis. Basta lembrar que, agora,
quarenta anos depois de ter sido erguido e de ter produzido forte degradação urbana ao seu redor, o “Minhocão”, como é conhecido o Elevado Costa e Silva, em São Paulo, é objeto de um projeto de demolição da prefeitura.

O terrível vezo político da ausência de planejamento de longo prazo para mobilidade urbana não deve prevalecer numa cidade que já ultrapassou a marca dos 600 mil habitantes, sob pena de estes, no médio e longo prazos, serem submetidos a diuturno desgaste para deslocamentos, pondo-se a perder boa parte da chamada “qualidade de
vida” interiorana.
Também é absolutamente impensável que o MUNICÍPIO adquira a área em questão sem saber ao certo o que fazer com ela. Ou, pior, que a adquira com um intuito momentâneo que, implementado às pressas ou sem maior reflexão, precise ser alterado futuramente, por não se revelar adequado, o que remete ao triste exemplo do Minhocão. Ora, uma vez eliminados os ramais – assim entendidos não apenas os dormentes, trilhos e demais equipamentos férreos, mas principalmente a adequada conformação do solo e do terreno –, sua reposição, após constatar-se que o corredor de ônibus não passa de uma quimera política, afigurar-se-ia no mínimo canhestra.

A indagação primeira seria: por que retirar para depois repor, se tanto tirar quanto repor é
caro? Se é que o modal férreo representa a melhor solução técnica para o local, por que não adaptar, modernizar ou reconfigurar o que se tem? É evidente que, para se duplicar uma rodovia, não é necessário fazer desaparecer a pista simples preexistente. Muito ao contrário, haverá grande aproveitamento da obra anterior.

Como se vê, as questões que não calam nesse aspecto do pretendido negócio são:
- O MUNICÍPIO realmente necessita de corredores de ônibus no local onde hoje estão os ramais abandonados? Onde está o embasamento técnico para essa conclusão?
- O transporte por meio de ônibus é mesmo a melhor alternativa de aproveitamento das áreas para a mobilidade urbana? Não seria o caso de se aproveitarem, além das áreas, os próprios ramais nelas existentes, para a implementação de um modal ferroviário, dando-se início à inversão da lógica claramente nociva da primazia do asfalto?

Outra questão a ser ponderada é a remoção das ocupações irregulares nas áreas em tela, às margens dos ramais. De acordo com o contrato de concessão e segundo a visão da própria ANTT,
essa incumbência pertence à concessionária de transportes ferroviários. Ora, se a responsabilidade por tão oneroso mister recai sobre a FCA, qual a justa causa para o MUNICÍPIO assumi-la sem nenhuma contrapartida? Simplesmente afirmar-se que a região pode ser incluída no programa de desfavelização soa como uma tremenda minimização do problema. Por mais que o programa exista e seja efetivo, a inclusão de novas áreas obviamente onera o erário municipal, ainda que de forma pouco clara à primeira vista.

Por fim, mas não menos importante, não se pode perder de vista a legítima e valorosa pretensão da sociedade civil, por meio do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, de preservar a memória ferroviária da cidade e da região. Por força de provocação dessa mesma e combativa
associação, este órgão ministerial intentou ação civil pública (autos nº 0010837-73.2010.403.6102; 1ª Vara Federal de Ribeirão Preto) na qual se prolatou liminar que bloqueou indevida transferência de bens ferroviários de valor histórico para outra urbe, ameaça que adveio de concerto entre o DNIT e o município que almejava receber esses bens.

Tendo sido o ponto de partida destas peças informativas, a advertência do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, que tem revelado extrema vocação para o fim associativo a que se propõe, é no sentido de que a eliminação dos ramais em foco pode pôr a perder antigo anseio de criação de museu ferroviário nesta cidade, que a Secretaria da Cultura afirma encampar em caráter prioritário (f. 34, 43/47 e 52/56). Isso porque a realidade tem mostrado que museus ferroviários só se tornam atrativos quando oferecem para seus frequentadores a opção de passeio em trem histórico-cultural (f. 49), que, no caso de Ribeirão Preto, só poderia ser viabilizado em algum ponto dos ramais atuais (f. 6).

É notório que o transporte ferroviário de passageiros já foi usado em larga escala neste Estado, tendo experimentado grande apogeu em meados do século passado. As ferrovias eram instituições de grande envergadura e prestígio. Daí a importância da preservação dos bens
remanescentes em museu: revelar às atuais gerações a capacidade de nosso povo de erigir instituições grandiosas, extremamente úteis e dotadas de soberba tecnologia, como foi a Companhia Mogyana, instigando assim, nas pessoas, o senso cívico e de coletivismo – tão desbotado e que, desafortunadamente, só tem aparecido em tempos de copa do mundo de futebol.

Como fica fácil perceber, a legitimidade do Ministério Público para, a despeito da discricionariedade administrativa – e sem prejuízo dela – , questionar o pretendido negócio é ampla e apresenta vários flancos de abordagem.

Tal qual na tentativa de remoção de bens históricos narrada quatro parágrafos acima, não se furtará o parquet federal a, sendo necessário, solicitar ao Judiciário que impeça ou corrija eventual lesão aos interesses públicos primários que o caso suscita. Daí porque, com o escopo máximo de se evitarem lides desnecessárias, que atravanquem o atendimento das demandas político-sociais, afigura-se conveniente recomendar-se aos atores do
pretendido negócio que não ignorem ou minimizem nenhuma das relevantes variáveis mencionadas nesta decisão, sob pena de embargo judicial imediato.

Nessa hipótese, não se poderá alegar que o Ministério Público ou a Justiça estão a impedir a consecução de anseios e projetos favoráveis à coletividade. Afinal, a própria Administração é que, tendo sido expressamente advertida, ter-se-á colocado em posição de dar causa a tal
impedimento. Aliás, essa proposição seria verdadeira ainda que recomendação não houvesse, pois é dever do administrador proceder com razoabilidade e proporcionalidade, independentemente de ser instado nesse sentido.

Diante do exposto, expeçam-se as recomendações que preparei ao MUNICÍPIO (chefia do Poder Executivo), ao MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES e ao DNIT. Dê-se ciência ao representante, a cada um dos vereadores deste Município, à Secretaria da Cultura municipal e ao promotor de Justiça responsável pelas questões urbanísticas. Anualmente, renovem-se, com as necessárias
adaptações, as requisições de f. 90/93 e 94/97.

Ribeirão Preto, 18 de janeiro de 2012.

A segunda carta:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM RIBEIRÃO PRETO (SP)
RECOMENDAÇÃO PRM/RP Nº 03/2012

Excelentíssima Senhora
DÁRCY VERA
Prefeita Municipal
Ribeirão Preto – SP

EMENTA: Ramais ferroviários em Ribeirão Preto. Antiga Companhia Mogyana. Plano da Administração municipal de eliminação ou de nova afetação desses ramais, após cessão das áreas pela União. Pretensão de instalação de corredor de ônibus. Ausência de embasamento técnico para o negócio. Riscos para o patrimônio histórico-cultural e para o erário municipal.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio, do Procurador da República que esta subscreve, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento nos artigos 127 e 129, caput, III, da Constituição Federal, bem como no artigo 6º, caput, XX, da Lei Complementar nº 75/1993, segundo os quais deve expedir recomendações para preservação
de direitos por ele tutelados e:

CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis (CF, art. 127);

CONSIDERANDO que são funções institucionais do
Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia (CF, art. 129, caput, II);
bem como promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos,
coletivos e individuais indisponíveis (CF, art. 129, caput, III);

CONSIDERANDO que tramitam neste órgão ministerial as peças informativas nº 1.34.010.000323/2011-10, instauradas em razão de representação formulada pelo presidente do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, entidade privada, sediada nesta cidade, vocacionada para a preservação da memória ferroviária;

CONSIDERANDO as fundadas razões contidas na decisão lançada nas folhas 180/185 de referido procedimento, datada de 18 de janeiro de 2012, que segue em anexo e constitui parte integrante e indissociável deste ato;

RESOLVE RECOMENDAR ao MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO que não contrate com a UNIÃO, a título gratuito ou oneroso, a aquisição das áreas onde situados os ramais desativados da antiga Companhia Mogyana enquanto não houver cabal e aprofundado embasamento técnico sobre a utilidade desses bens para o MUNICÍPIO.

A presente recomendação é expedida nos autos do procedimento administrativo nº 1.34.010.000323/2011-10, de caráter público. Cópia de peças desses autos pode ser obtida, mediante recolhimento de taxa própria, na Procuradoria da República em Ribeirão Preto, situada na Rua Conde Afonso Celso nº 904, Sumaré, Ribeirão Preto (fone 16-3602-5700).

Ribeirão Preto, 18 de janeiro de 2012.

A terceira carta:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM RIBEIRÃO PRETO (SP)
RECOMENDAÇÃO PRM/RP Nº 04/2012

Excelentíssimo Senhor
PAULO SÉRGIO OLIVEIRA PASSOS
Ministro dos Transportes
Brasília – DF
PRM-RAO/SP

EMENTA: Ramais ferroviários em Ribeirão Preto. Antiga Companhia Mogyana. Plano da Administraçãomunicipal de eliminação ou de nova afetação desses ramais, após cessão das áreas pela União. Pretensão de construção de novo ramal, a ser custeado pela
União. Ausência de embasamento técnico para o negócio (cessão) e para as obras (eliminação de
ramais antigos e construção de novo). Riscos para o patrimônio histórico-cultural e para o erário federal.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio, do Procurador da República que esta subscreve, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento nos artigos 127 e 129, caput, III, da Constituição Federal, bem como no artigo 6º, caput, XX, da Lei Complementar nº 75/1993, segundo os quais deve expedir recomendações para preservação de direitos por ele tutelados e:

CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127);

CONSIDERANDO que são funções institucionais doMinistério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (CF, art. 129, caput, II); bem como promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis (CF, art. 129, caput, III);

CONSIDERANDO que tramitam neste órgão ministerial as peças informativas nº 1.34.010.000323/2011-10, instauradas em razão de representação formulada pelo presidente do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, entidade privada, sediada nesta cidade, vocacionada para a preservação da memória ferroviária;

CONSIDERANDO as fundadas razões contidas na decisão lançada nas folhas 180/185 de referido procedimento, datada de 18 de janeiro de 2012, que segue em anexo e constitui parte integrante deste ato;

RESOLVE RECOMENDAR ao MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES

(i) que não aprove a cessão ao MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO, a título gratuito ou oneroso, das áreas onde situados os ramais desativados da antiga Companhia Mogyana enquanto não houver cabal e aprofundado embasamento técnico sobre a impossibilidade de aproveitamento de tais ramais e (ii) que não aprove a construção de um novo ramal em substituição aos já existentes enquanto não houver cabal e aprofundado embasamento técnico sobre a necessidade dessa obra.

A presente recomendação é expedida nos autos do procedimento administrativo nº 1.34.010.000323/2011-10, de caráter público. Cópia de peças desses autos pode ser obtida, mediante recolhimento de taxa própria, na Procuradoria da República em Ribeirão Preto, situada na Rua Conde Afonso Celso nº 904, Sumaré, Ribeirão Preto (fone 16-3602-5700).

Ribeirão Preto, 18 de janeiro de 2012.

A quarta e última carta:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM RIBEIRÃO PRETO (SP)
RECOMENDAÇÃO PRM/RP Nº 05/2012

EMENTA: Ramais ferroviários em Ribeirão Preto. Antiga Companhia Mogyana. Plano da Administração municipal de eliminação ou de nova afetação desses ramais, após cessão das áreas pela União. Pretensão de construção de novo ramal, a ser custeado pela
União. Ausência de embasamento técnico para o negócio (cessão) e para as obras (eliminação de ramais antigos e construção de novo). Riscos para o patrimônio histórico-cultural e para o erário federal.

Ilustríssimo Senhor
JORGE ERNESTO PINTO FRAXE
Diretor-Geral do DNIT
Ministério dos Transportes
Brasília – DF
PRM-RAO/SP

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio, do Procurador da República que esta subscreve, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento nos artigos 127 e 129, caput, III, da Constituição Federal, bem como no artigo 6º, caput, XX, da Lei Complementar nº 75/1993, segundo os quais deve expedir recomendações para preservação de
direitos por ele tutelados e:

CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127);

CONSIDERANDO que são funções institucionais do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (CF, art. 129, caput, II); bem como promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis (CF, art. 129, caput, III);

CONSIDERANDO que tramitam neste órgão ministerial as peças informativas nº 1.34.010.000323/2011-10, instauradas em razão de representação formulada pelo presidente do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, entidade privada, sediada nesta cidade, vocacionada para a preservação da memória ferroviária;

CONSIDERANDO as fundadas razões contidas na decisão lançada nas folhas 180/185 de referido procedimento, datada de 18 de janeiro de 2012, que segue em anexo e constitui parte integrante deste ato;

RESOLVE RECOMENDAR ao DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT
(i) que não aprove a cessão ao MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO, a título gratuito ou
oneroso, das áreas onde situados os ramais desativados da antiga Companhia Mogyana enquanto não houver cabal e aprofundado embasamento técnico sobre a impossibilidade de aproveitamento de tais ramais e

(ii) que não aprove a construção de um novo ramal em substituição aos já existentes enquanto não houver cabal e aprofundado embasamento técnico sobre a necessidade dessa
obra.

A presente recomendação é expedida nos autos do procedimento administrativo nº 1.34.010.000323/2011-10, de caráter público.

Cópia de peças desses autos pode ser obtida, mediante recolhimento de taxa própria, na Procuradoria da República em Ribeirão Preto, situada na Rua Conde Afonso Celso nº 904, Sumaré, Ribeirão Preto (fone 16-3602-5700).

Ribeirão Preto, 18 de janeiro de 2012.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

OS TRILHOS DO MAL (IV)

Estação de Mariano Procópio, na área urbana de Juiz de Fora, MG
Notícias dos últimos 70 dias sobre trilhos que atrapalham o trânsito nas cidades (será mesmo?):

Apucarana (13 de fevereiro): "Já está disponível o edital de concorrência pública que licita a contratação de uma empresa especializada na elaboração do projeto executivo de engenharia, visando à construção de um contorno ferroviário no município. O documento recebeu aprovação da Diretoria de Infraestrutura Ferroviária do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (DNIT) e o investimento será de cerca de R$ 2,4 milhões, sendo R$ 2 milhões conquistados através de emenda parlamentar proposta pelo deputado federal Alex Canziani (PTB) e R$ 400 mil de contrapartida da prefeitura. (...) A transposição da linha férrea, com a realização de um contorno, foi apontada como a saída ideal para o trecho que corta Apucarana por um estudo concluído no final de 2008, pela Vega Engenharia e Consultoria Ltda., de Curitiba, que avaliou o impacto sócio-econômico, ambiental e financeiro. A conclusão das análises aponta para a necessidade de um investimento, a médio e longo prazos, de R$129 milhões. Segundo dados do Instituto de Desenvolvimento, Pesquisa e Planejamento de Apucarana (Idepplan), somente na área urbana existem hoje cerca de 20 quilômetros de trilhos. Em muitos trechos a cidade é dividida em duas, prejudicando a passagem de veículos e pedestres".

Juiz de Fora (21 de janeiro): "(...) a passagem do trem na cidade não chega a ser o maior problema do trânsito, apontado por todos que utilizam as travessias. São muitos debates e várias discussões por causa da possível transposição da linha férrea do Centro da cidade para a periferia. Mas fica a dúvida: a medida resolveria o trânsito de Juiz de Fora? Não é o que pensa o arquiteto do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/MG) Marcos Olender. 'Sou permanente contra a tranposição da linha férrea. Conter essa linha, isolá-la, criar passagens, mergulhões, viadutos seria uma medida muito mais barata. Outro ponto é que daqui a um tempo a cidade pode pensar na utilização dessa linha férrea como um alternativa segura e viável para o transporte de massa', explica".

Nova Odessa e cidades à sua volta (10 de dezembro): "Os prefeitos das cidades do Polo Têxtil reuniram-se nesta semana com representantes do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e da América Latina Logística (ALL) para discutir a transposição da linha férrea que corta a região. Contrários à intervenção, os administradores públicos conseguiram manter o veto à proposta de duplicação da linha férrea no trajeto atual. Eles ainda obtiveram um compromisso da ALL de que a concessionária vai arcar com os custos de um Estudo de Viabilidade Técnica e Ambiental (EVTA). O EVTA serviria à transposição dos trilhos para fora das áreas centrais das cidades envolvidas, com a construção de um novo anel ferroviário, proposta defendida pelos prefeitos". Após a conclusão desses estudos, o Dnit se comprometeu a elaborar um projeto básico e executivo [para a transposição] (...) Os prefeitos firmaram também o compromisso de verificar a viabilidade da criação de um consórcio entre os municípios citados e outros que vierem a integrar esse projeto, para buscar recursos para uma eventual forma de utilização do traçado a ser desativado".

Ribeirão Preto (3 de dezembro): "A Prefeitura de Ribeirão Preto finalizou um estudo em que propõe a transposição de aproximadamente 15 km da linha férrea da área urbana para a zona rural. A Secretaria do Planejamento recebeu em novembro aval da FCA, empresa responsável pelo ramal, sobre a viabilidade do projeto. O titular da pasta, Fernando Piccolo, disse que, com a liberação, a prefeitura conseguirá dar andamento às negociações para construção do novo traçado. Hoje, segundo ele, a linha desativada trava alternativas para o fluxo viário em bairros como Ipiranga, Sumarezinho e na região noroeste. Segundo a secretaria, o novo trajeto terá 10 km, passará por fora do anel viário em áreas de plantação de cana entre o terminal de petróleo no Quintino 2 e um trecho de trilho perto da Transpetro. Uma das possibilidades para ocupar o traçado da antiga ferrovia seria uma grande avenida, diz Piccolo".

Meus comentários: Não consigo ver, de forma alguma, os trilhos existentes nessas cidades causarem grande problemas ao movimento do tráfego dessas cidades. A maior cidade é Ribeirão Preto e, posso garantir, não causa nada maior do que uma espera de semáforo. O que o pessoal quer mesmo é construir avenidas, que, hoje em dia, são focos de degradação e de congetionamentos frequentes. Que venham prefeitos com ideias mais lúcidas. A cidade mais razoável parece ser Juiz de Fora. Houve até uma sugestão lógica que não ocorreu nas outras cidades citadas. Pessoal, chega de desperdiçar dinheiro construindo aneis ferroviarios em cidades pequenas!

sábado, 18 de setembro de 2010

EXPLICAÇÕES

Plataforma da estação ferroviária de Franca em 2003. Foto Cesar Café Barreto

Recebi de um amigo esta semana um pequeno arigo publicado em um jornal de ferroviários no ano de 1995. A esta altura, o trem de passageiros havia deixado de ir até a cidade de Franca já havia dezoito anos (1977). O artigo tentava explicar "por que a Mogiana deixou Franca".

Depois de contar o histórico do ramal, escreve que enquanto a Mogiana era uma empresa privada, tudo ia bem. Depois que o Governo a assumiu em 1950, tudo piorou. Além disso, explica que em 1957 começou o serviço de ônibus intermunicipal para a cidade direto de São Paulo. O asfalto somente chegava até Ribeirão Preto, mas, sete anos depois, a ligação já era totalmente asfaltada.

Escreve o autor que o governo somente investia nas rodovias, deixando as ferrovias para trás, que a via permanente nas primeiras era custeada pelo governo e a segunda não, pois eram as próprias ferrovias que tinham de fazê-la. Finalmente, mostra que os trens de passageiros para a cidade acabaram em 15 de fevereiro de 1977 para a cidade.

Bom, basicamente o que ele escreve é verdade. Há, porém, dois comentários que deveriam ter sido colocados, pois foram importantes não somente para o ramal de Franca quanto para as ferrovias brasileiras em geral.

O primeiro é sobre um problema específico da linha Ribeirão Preto-Uberaba via Jaguara, onde estava a cidade de Franca: esse ramal era um ramal condenado havia muitos anos. A abertura, pela própria Mogiana, de uma linha paralela para Uberaba passando por uma região muito mais rica em café - Orlândia, São Joaquim da Barra, Igarapava - em 1915, já havia reduzido em muito a importância da região de Franca e Batatais. A própria cidade de Franca também contribuiu para isso, reduzindo a produção de café enquanto aumentava sua vocação industrial. Tanto que apenas três anos depois da desativação dos trens de passageiros nessa linha, o tráfego de cargas também foi extinto.

O segundo comentário é que não foram somente o fato de as estradas de rodagem terem sido presenteadas com muitos investimentos, mas sim de as próprias ferrovias - a Mogiana estava nas mãos do governo paulista desde 1952 - não terem também recebido os seus. Para manter trerns de passageiros competitivos com os ônibus das rodovias, investimentos deveriam ter sido feitos desde essa época, tanto em via permanente - o que significaria em retificações de vários pontos desse trecho - quanto de material rodante. O que rodava em 1977 com os últimos trens eram carros e locomotivas obsoletas para esse transporte, fora o fato de que eram já trens mistos havia algum tempo. Ora, justificavam-se dizendo que não havia muito passageiros, então tinham de usar os mistos (mais lentos e sem horário definido de chegada). Porém, o que deveria ter acontecido é que as ferrovias deveriam não ter deixado chegar a esse ponto, investindo muito mais antes. O fato é que elas rodaram por muitos anos tendo enormes prejuízos com as linhas de passageiros em diversos trechos do Brasil todo.

Por que então não terem estudado a situação décadas antes - afinal, os ônibus começaram a chegar já nos anos 1910 - e definido as áreas de maior rentabilidade de trens de passageiros e mesmo a implantação de trens regionais mais modernos? Não, isso eles não fizeram, confiando em um monopólio desse transporte que existiu até os anos 1940 e foi revertido em poucos anos com o início do asfaltamento das estradas.

Desleixo, mesmo. Culpa também dos usuários em geral. Afinal, depois que os mais abastados trocaram os trens pelas estradas e aviões depois da Segunda Guerra Mundial, os passageiros com renda mais baixa não se importaram em continuar trafegando por trens om menos horários que os ônibus e com menos conforto - e deu no que deu. Hoje, quando se pergunta aos mais velhos que ainda se utilizavam de trens nos anos 1950, 60 e 70, eles lembram: "ah, eu gostaria que os trens voltassem, eram mais baratos"... eram mais baratos mesmo, mas por isso eram ruins.

E analisando o artigo de 1995 e o meu pode-se chegar à real conclusão de por que os trens acabaram. Se voltarem um dia, vão ser muito diferentes. E não serão baratos.

terça-feira, 25 de maio de 2010

O RAMAL DE SERTÃOZINHO

Ramal de Sertãozinho em 2001, próximo a Ribeirão Preto. Foto Rodrigo Cabredo

O ramal de Sertãozinho foi contruído pela Companhia Mogiana no final dos anos 1890 e terminado em 1914, quando se juntou à ponta do ramal do Pontal, em Pontal, da Paulista. Em 1970, como ambos tinham bitola métrica e pertenciam a duas ferrovias já estatizadas, o segundo passou à Mogiana, que passou a administrar o ramal, do seu início em Barracão, Ribeirão Preto, a Passagem, na bitola larga da Paulista. Também vale lembrar que nessa época o ramal de Pontal havia se tornado o único ramal de bitola métrica da Paulista, com todos os outros já desativados e arrancados.

O ramal de Sertãozinho e o de Pontal já eram nessa época decadentes; somente haviam sobrevivido por terem sido considerado pelos militares como "de segurança nacional", pois uniam duas das ferrovias mais importantes do Estado, a Mogiana e a Paulista. Os trens de passageiros que por ele passavam já percorriam apenas o trecho que já era da Mogiana, Barracão-Pontal, passando pela cidade de Sertãozinho. Pararam em 1976.

Região com enorme produção de cana de açúcar, o transporte de cana por trem era, paradoxalmente, cada vez menor. Com o advento da sombria FEPASA, perdeu movimento e os caminhões passaram a fazer o transporte de cana da região quase que monopolísticamente. Tentou-se, nos anos 1980, usar o ramal para carregamentod e combustíveis, incluindo o álcool de cana; havia um terminal de combustíveis na saída de Ribeirão Preto, perto do ramal, e um posto de carregamento próximo à velha estação de Sertãozinho, posto esse que passou a ter o nome de estação de "Sertãozinho-nova". Não vingou. Em 1998, quando a FEPASA foi privatizada, o movimento no ramal era praticamente apenas de locomotivas e autos de linha eventuais para fiscalização de linha.

Entrou a concessionária e, entre notícias alardeadas pelos jornais da região de que o ramal passaria a carregar álcool e cana, o mato e as ruínas passaram a tomar conta dos trilhos. Roubos destes passaram a ser constantes. Na cidade de Pontal, onde eles passavam pelas principais ruas do centro, junto à abandonada estação ferroviária, o asfalto cobriu tudo.

Nos últimos meses surgiram notícias de "trens turísticos" que usariam parte do ramal - uma forma de o governo enganar o povo em vez de investir em transporte sobre trilhos aproveitando o leito já existente. Esta semana, para avacalhar de vez, a Prefeitura andou anunciando a construção de uma avenida com a retirada dos trilhos. Só que o Ministério Público resolveu bater o pé: se já tem trilhos, que se use para colocar um VLT. Afinal, eles passam por uma zona bem populosa do município de Ribeirão Preto e atingem uma cidade desenvolvida, Sertãozinho.

Não sou prefeito de nada, não quero ser nem vou ser: mas sei que avenidas hoje deterioram um local muito mais rápido do que trilhos. Porém, prefeitos têm um caso de amor com avenidas, então... poucos, no fim, percebem as vantagens de se aproveitar os trilhos para usos... de trilhos. Recentemente, Macaé, RJ, anunciou exatamente o seu uso para colocar VLTs. Oxalá se concretize. Fizeram o mesmo no Juazeiro e no Crato, que parecem estar no fim do mundo em relação a nós, mas com prefeitos de mais juízo e vergonha na cara.

Parece que a chamada "locomotiva do Brasil" está saindo dos trilhos: são os vagões que estão mostrando o caminho certo.

sábado, 24 de abril de 2010

INSENSIBILIDADE E IRREALIDADE GOVERNAMENTAL

Foto Glaucio Henrique Chaves

Tombamento é tombamento e dinheiro é dinheiro em todo lugar. Não interessa se no meio do mato ou se quase no centro da maior cidade da América do Sul.

Já cansei de escrever aqui neste blog sobre o problema de se tombar imóveis que merecem sê-lo, mas de se fazer isso e deixá-los ao Deus Dará por falta de dinheiro para restaurá-los ou mesmo conservá-los. O Governo tomba mas não dá nada em troca: depois, em muitos casos, o imóvel é derrubado ou cai sozinho mesmo que a lei não preveja o fato. Afinal, a lei pode passar por sobre a incapacidade financeira de alguém para fazer o que ela manda?

Há cerca de uma semana recebi fotos e o relato de uma propriedade rural em Uberlândia, Minas Gerais, que tem dentro dela o que (pelo menos para mim) é uma preciosidade: um velho pátio da já desaparecida - e há quanto tempo! - Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Trata-se da antiga estação ferroviária de Sobradinho, estabelecida na linha do Catalão, na prática um prolongamento da linha-tronco da Mogiana e que liga as cidades de Ribeirão Preto e Araguari. Foi desativada em 1970, quando se retificou a linha, que fez com que essa estação saísse do seu trajeto. A estação é de 1896 e a construção, se não é tão antiga, é somente pouco mais nova - dez anos no máximo. Aliás, bem característica dos prédios da Mogiana.

Glaucio mandou-me as fotos e conversou com o proprietário da área. A estação estava em excelente estado de conservação, com portas, e janelas perfeitas, sempre trancada, até porque abrigava os insumos agrícolas da fazenda, mas em um dado momento parte dela ruiu.Tombado pela Prefeitura de Uberlândia, esta lhe está ordenando que a restaure. Só que o proprietário diz que não tem todo o dinheiro necessário e que a Prefeitura nunca contribuiu com nada referente à manutenção que ele dava.

Hoje, abro o jornal nesta manhã e vejo que um casarão da rua Pedroso - por onde passo pelo menos uma vez por semana em frente - em São Paulo está tombado pelo CONDEPHAAT (eu já sabia disso, pois há uma placa à frente dele), mas quem o restaurou e o mantém é exclusivamente a família que é sua proprietária há quatro gerações. Não há incentivo algum do órgão ao proprietário. Isso é, pelo menos, o que leio no jornal. Há uma foto da sala em seu interior, que mostra a beleza do interior da casa.

Bom, o que vamos continuar fazendo Brasil afora? Jogar sobre os proprietários a obrigação e o pagamento de tudo o que se refere a manter as casas em sua melhor forma? E quanto aos que têm suas casas tombadas e ficam esperando a dita cair para não ter mais problemas? Não são multados? Mesmo assim, como podem ser multados aqueles que não têm dinheiro para a conservação?