quinta-feira, 26 de maio de 2016

ITIRAPINA E TRÊS CORAÇÕES - AS MEMÓRIAS DAS FERROVIAS BRASILEIRAS SE DESMANCHAM

Estação de Itirapina - Foto Silvio Rizzo em 23/5/2016

Num país como o que estamos vivendo, onde uma presidente destruiu uma economia e ainda se faz de vítima, onde defensores da ex-presidenta parecem viver em um outro mundo, onde os novos governantes insistem em colocar pessoas que são investigadas pela Polícia Federal, onde exatamente por causa do aqui relatado não há dinheiro em caixa nem para fechar o ano, é racional apontar-se os problemas das ferrovias nacionais e esperar que algo seja feito?

Vamos ser sinceros e objetivos: voltar a ter ferrovias de bom padrão é uma das últimas prioridades. Manter os escombros das estradas de ferro brasileiras, então, mais para baixo ainda na linha de emergências a serem sanadas.
Estação de Itirapina - Foto Silvio Rizzo em 23/5/2016

Se nos últimos trinta anos nada se fez para voltarmos aos anos de ouro (vá, vá, de latão, que seja), certamente não será agora que alguma autoridade, que por acaso vier a ler este artigo, tomará alguma providência.

Mas eu sou teimoso.

Nos últimos dias recebi pelo menos duas notícias que me deixaram bastante chateado em relação à destruição do patrimônio ferroviário.

Uma mostra que a linha em Três Corações, MG, que passa dentro de algumas ruas da cidade, está sendo coberta com asfalto. Até alguns anos atrás, ainda passavam por ali trens cargueiros. Parte dessas linhas foram ali colocadas em 1884 e parte em 1926. A obra parece estar sendo feita sem a autorização do Governo Federal.
Trilhos em Três Corações - Foto Nutricionista Alessandra/Facebook, em 23/5/2016

Eu, que conheço o local e a cidade, pergunto: em que a presença dos trilhos atrapalha o trânsito de veículos na cidade (eu mesmo respondo: em nada). E mais: por que não se introduziu, ou pelo menos não se tentou, colocar trens metropolitanos ali, no mínimo, para atender às populações da cidade, da de Varginha e da de Carmo da Cachoeira? Finalmente: por que não asfaltar, mantendo os trilhos em seu lugar, de forma que possam ser aproveitados? Tantas cidades brasileiras têm trilhos em suas ruas, mesmo sem uso, e, infelizmente, muitas delas nada fizeram com relação às mesmas questões!
Trilhos em Três Corações - Foto Nutricionista Alessandra/Facebook, em 23/5/2016

Vale a pena ressaltar que a estação ferroviária de Três Corações está, também, em péssimo estado de conservação. A oficina de trens está em ruínas. Diversas carcaças de carros e vagões abandonadas e enferrujadas jazem no pátio.

O que a VLI, a Prefeitura Municipal de Três Corações, o DNIT, a ANTP e a Inventariança da RFFSA têm a dizer sobre o que está acontecendo?

A outra cidade é Itirapina, SP. Recebi fotografias de alguns dias atrás mostrando que a estação, outrora bifurcação das duas linhas-tronco da antiga Companhia Paulista de Estradas de Ferro, depois FEPASA, está em completo abandono e em petição de miséria. Muitos dos diversos desvios do seu pátio foram arrancados. Em 2007, uma reforma dos prédios foi iniciada, mas, como muitas obras governamentais que começam, nunca foi acabada. Resultado: dinheiro foi jogado fora e a estação e prédios do pátio estão virando ruínas.
Cabine de comando da estação de Itirapina - Foto Silvio Rizzo em 23/5/2016

Quem vai pagar o prejuízo material e o prejuízo à memória de um dos mais importantes pátios ferroviários de São Paulo e do Brasil? Apenas para quem não sabe: pela estação passam ainda trens cargueiros, nas duas linhas citadas. A cidade de Itirapina é pequena. E, como ironia do destino, neste ano comemora-se (há o que comemorar?) o centenário dessa estação e da bifurcação de linhas, mais precisamente, daqui a seis dias, em 1o de junho próximo.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

SEGUNDA PARTE (FINAL): A CPTM DOS ANOS 1990

Trens chegam para a CPTM em 1998. O Estado de S. Paulo, 27/9/1998

Dois dias atrás, publiquei aqui uma série de fotografias com trens da CPTM no final dos anos 1990. Hoje, mostro o resto que consegui e que mostra fotografias de 1996, quando pelo menos dois desastres com trens da empresa ocorreram. Um em abril e outro em outubro.

Desde 2000, quando aconteceu um dos piores desastres do período CPTM, este na estação de Perus, não somente a empresa melhorou muito os seus serviços, como também mais nenhum desastre grave ocorreu em suas linhas.
Em fotografia publicada no O Estado de S. Paulo de 18/10/1996, trem incendiado oito anos antes, em 1988, ainda no tempo da CBTU em São Paulo

Gostaria também de deixar claro que estes dois textos não têm a intenção de denegrir os atuais serviços da CPTM, muito pelo contrário.
Em outra fotografia publicada no O Estado de S. Paulo de 18/10/1996, trem incendiado seis meses antes, em abril de 1996, agora já no tempo da CPTM. Notar a semelhança desta fotografia com a anterior, de 1988.


Surfistas na estação de Itaquera em 1996 (O Estado de S. Paulo, 18/10/1996)
Trens lotados partem com as portas abertas, em foto publicada em 1996, apesar do logotipo da CBTU no trem. A época era de CPTM. Existiriam ainda trens com o velho logo circulando nesse ano, quatro anos da incorporação da CBTU pela CPTM? (O Estado de S. Paulo, 18/8/1996).
Tumulto na estação de Jaraguá em 14 de outubro de 1996 (O Estado de S. Paulo, 15/10/1996)
Tumulto na estação de Jaraguá em 14 de outubro de 1996 (O Estado de S. Paulo, 15/10/1996)

Trem incendiado na estação de Perus em 14 de outubro de 1996 (O Estado de S. Paulo, 15/10/1996)

Trem incendiado na estação de Perus em 14 de outubro de 1996 (O Estado de S. Paulo, 15/10/1996)

Finalmente: não trabalho, nem nunca trabalhei, na CPTM, nem conheço nenhum membro de sua diretoria ou alta gerência. Não sou amigo do governador nem do secretário dos transportes. Não sou fã de carteirinha do PSDB, nem de nenhum outro partido político. Sou usuário assíduo de quase todas as linhas.  Apenas acho ridículos certos comentários que porventura leio ou ouço que levam a crer que a empresa oferece maus serviços. Graças a Deus temos uma empresa como ela em São Paulo, ao lado do metrô.
Trens incendiados na estação de Perus em 14 de outubro de 1996 (O Estado de S. Paulo, 15/10/1996)


Trem incendiado na estação de Perus em 14 de outubro de 1996 (O Estado de S. Paulo, 15/10/1996)


A CPTM em 1996 (O Estado de S. Paulo, 15/10/1996)



quarta-feira, 18 de maio de 2016

A CPTM DOS ANOS 1990

Pedradas nos trens deixaram a linha de Estudantes sem trens a partir do fim de novembro de 1998. A solução foi voltar com os antigos enquanto os novos trens espanhóis, que estavam circulando havia menos de dois meses nessa linha. 252 vidros em diversos trens foram quebrados nesse período. (Revista VEJA, 25/11/1998) 
Para quem vive reclamando dos serviços da CPTM (eu nada tenho a reclamar, muito pelo contrário), que dê uma olhada no que era a empresa nos seus primeiros anos, nos anos 1990. Basta ver as fotos do jornal O Estado de S. Paulo e da revista VEJA neste artigo.
Fevereiro de 1999: quebra-quebra por atraso dos trens (O Estado de S. Paulo, 11/2/1999)
Trem depredado e incendiado (O Estado de S. Paulo, 11/2/1997).
Pedras  nos trilhos causaram descarrilamento entre as estações de Artur Alvim e Itaquera (O Estado de S. Paulo, 23/7/1999)

A CPTM ficou com os péssimos trens da CBTU (atuais linhas 7, 10, 11 e 12) em 1992 e com os não tão ruins da FEPASA, da ex-Sorocabana (atuais linhas 8 e 9) em 1994. A partir de então, começou a investir em novos trens, novas estações e melhora de linhas, segurança e eletrificação.

Pedras na linha causa feridos (O Estado de S. Paulo, 22/7/1999)
Mesmo assim, foi a partir do ano 2000 que as melhorias começaram realmente a serem notadas, até chegar aos dias de hoje.

Bombeiros combatem incêndio em trens em 1998 (O Estado de S. Paulo, 12/2/1999)

domingo, 15 de maio de 2016

A CULTURA NO BRASIL E A SITUAÇÃO DE HOJE

Prédio da estação de Itararé, SP, fechado nos anos 1990: a simples existência e manutenção desta construção de 1912 já é uma manifestação de cultura (Autor desconhecido).

O novo presidente Michel Temer assumiu. Que Deus lhe dê boa sorte e "que a Força esteja com ele". Ao contrário de muita gente neste país, eu sempre "torço" para que ele e sua equipe se dêem bem, independentemente de eu gostar dele ou não. Pena que este não seja o raciocínio de alguns (que não são poucos).

Evidentemente, há os que torcem para que ele se "ferre" - sem contar que o resto do país vai junto, porque à beira do abismo já estamos. No mínimo. Espero que já não estejamos caindo no precipício esperando por um galho salvador.

De qualquer forma, começaram já as encheções de saco. Há muita gente reclamando que ele não tem mulheres no ministério. Por mim, ele pode ter o que quiser, brancos, negros, amarelos, índios, mulheres, homens, gays, lésbicas, gente bonita, gente feia, gatos, cachorros, até marcianos - o que se precisa é que quem lá estiver trabalhe sério e comece a tirar o país do buraco.

Reclamam também que o Ministério da Cultura deixou de existir. Grande coisa. A cultura sempre foi prioridade "Z" neste país. Não será a presença de um órgão específico para a cultura que melhorará isto. Mas pode ser este tipo de órgão que piorará isto. Como foi na época recentíssima da pior presidente de todos os tempos, Dilma Rousseff, em que se dava subsídios para nulidades cantarem, representarem, escreverem... nulidades. Dinheiro jogado no lixo.

Lembrem-se do que o prefeito atual de São Paulo, um camarada da gangue petista, apelidado de Malddad, diz que bailes funk são manifestação cultural. Podem ser, para quem gosta desse lixo de música, mas essa "manifestação" gera concomitantemente espetáculos diários de violência, putaria e pornografia. Não é algo que você gostaria de ver seu filho a eles comparecer.

Não sei se há órgãos estatais de Cultura - ministérios, secretarias, departamentos, etc. em países do chamado Primeiro Mundo. Pensando bem, para que deveriam existir, já que europeus e americanos respiram cultura? Portanto, se nós acharmos que ele deva existir aqui no Brasil, que seja para algo que seja realmente cultura.

Por outro lado, como definir cultura?

Como todos meus leitores sabem, eu sou aficcionado pelas ferrovias brasileiras. E assim o sendo, vejo que uma grande parte, na verdade, uma ampla maioria, das antigas estações ferroviárias do país foram fechadas há muitos anos. Muitas foram demolidas e abandonadas. Outras foram transformadas em moradias particulares - em bom ou mau estado - e muitas foram utilizadas como estações rodoviárias ou como órgãos governamentais: prefeituras, câmaras de vereadores, sede de secretarias municipais. E uma boa parte foi transformada em "centros culturais". Não só casas e armazéns ferroviários, mas também antigas construções não-ferroviárias.

Isto, em si só, já é preservação de patrimônio. A simples boa conservação dos imóveis já em si é algo interessante, quase que instintivo: a arquitetura do século XIX e XX ferroviária é, de início, conservada pelo que é. Ou seja, construções bonitas. Podem até simplesmente serem fechada. Mas, para que elas sobrevivam por mais tempo, deve-se arranjar um uso para elas.

Sempre disse que, pela quantidade de "casas da cultura" que derivam da existência de construções antigas que se querem conservar, o Brasil deveria ser o país mais culto do mundo. Mas não, ele não o é e está muito longe de sê-lo. As "casas de cultura" que sempre vejo aparecer nem sempre têm uma existência longa - muitas não duram mais do que um mandato de um prefeito. O prefeito seguinte sempre quer fechá-la, pois não vê utilidade para ela (vale ressaltar que o fato de o prefeito antecessor dele tê-la feito já é um motivo para sumir com ela) ou, para "reduzir custos" - como cultura é a última prioridade, ele fecha, sentindo que não fará a mínima diferença para o povo daquela cidade. Muitas vezes ele está até certo: o povo em geral pouco se importa, a não ser que haja ali algo constante que o interesse.

Pela definição confusa de "cultura" que existe neste país, você pode chamar de "cada da cultura" qualquer coisa que ela hospede: a própria secretaria municipal de cultura, uma biblioteca (com um acervo às vezes ridículo), um mini-museu, um acervo de velharias (lembre-se que há uma grande diferença entre "antiguidades" e "velharias"), um local para exposições, até casa de shows... geralmente, nada que faça com que um visitante permaneça ali por mais de dez minutos, se tanto.

Enfim: eu, particularmente, sou, sim, uma pessoa que quer ter um órgão específico governamental para a cultura, mas um órgão realmente sério, que faça com que o interesse pela cultura - geral, não somente regional ou brasileiro - cresça no país e seja visto como oportunidades para o povo em geral.

Mas o que tem sido sério no Brasil?

quarta-feira, 4 de maio de 2016

SOROCABANA, QUE SAUDADE!

Trecho Candido Mota-Sussuí na atualidade - Foto Joaquim Antonio Martini

Por aqui passava o trem para Ourinhos.
Por aqui passava o trem para Londrina e Maringá.
Por aqui passava o trem para Piraju.
Por aqui passava o trem para Santa Cruz do Rio Pardo.
Por aqui passava o trem para Presidente Prudente.
Por aqui passava o trem para Assis.
Por aqui passava o trem para Presidente Epitácio.
Por aqui passava o trem para Euclides da Cunha.

Por aqui passava os trens que levavam e traziam cargas que desenvolveram o país.

Por aqui passava o trem que um dia levou o Presidente Theodore Roosevelt para Piraju em 1913.
Por aqui passava o trem que um dia levou meu avô Sud Mennucci para Presidente Epitácio.
Por aqui passava o trem que um dia levou trabalhadores que construíram a linha para o rio Paraná.
Por aqui passava o trem que um dia levou os ingleses para fundar Londrina e região.
Por aqui passava o trem que um dia levou o povo que fundou as cidades da Alta Sorocabana.
Por aqui passava o trem que um dia levou o progresso de São Paulo e do Brasil.

Não dá mais para cantar: "Tomei um dia de Sorocabana..."

terça-feira, 3 de maio de 2016

CONVERSA A TRÊS: O QUE ACABOU COM AS FERROVIAS PAULISTAS?

Locomotiva V-8 em Campinas. Foto Orlando Stepanov.

Quarta-feira, 14 de abril de 2004. Discussão pela Internet envolvendo três férreo-fãs. O primeiro fez as perguntas, o primeiro a responder e o terceiro são a mesma pessoa e o segundo a responder, a terceira pessoa. Não publiquei seus nomes aqui, não sei se o desejariam.

É uma discussão sobre a tração a eletricidade nas ferrovias paulistas, da qual não participei - apenas ia lendo à medida que chegavam as mensagens, na época, via e-mails. Alguns comentários são bem da época, o da Ferroban e o dos ônibus elétricos, por exemplo. A conversa abrange outros assuntos também.

Pergunta:

Como a tração elétrica pôde sobreviver tanto tempo em São Paulo, o estado mais rico do Brasil? Foi falta de investimento puro e simples ou dava certo mesmo? Sempre li e ouvi que a tração elétrica só era rentável em ferrovias de muito movimento. Falava-se que as V8 tinham um baixo performance para cargas. Porém, a capacidade de tração de uma V8 não era muito diferente de uma RS ou G12.

Parece que em São Paulo teria havido um investimento nas ferrovias ainda menor em termos absolutos e em percentuais do que no âmbito federal. Os carros de passageiros de bitola larga mais modernos foram os PS da década de 1950. Os carros da bitola larga já pareciam verdadeiras relíquias nos anos 1970, quando comparados com os carros da Noroeste e Central.

Fica a impressão que as ferrovias paulistas ficaram completamente esquecidas a partir de 1960, principalmente nas linhas que se dirigiam para o oeste – quase todas. Já na Mogiana, que era norte-sul, ocorreram diversas retificações, mas fruto de um plano de estabelecer a ligação com o Sul do país, o chamado Tronco Sul. Hoje se fala muito que a Ferroban deteriorou de vez a Paulista, mas a meu ver a empresa é especializada, ou pelo menos tenta ser, em transporte de cargas. Mas quando lemos as estatísticas antigas da Revista Ferroviária, notamos que o transporte de cargas em ferrovias de São Paulo nos anos 1980 já era pequeno e pior, não demonstrava tendência de crescimento.

Primeira resposta com comentários:
Você se esqueceu dos carros Budd 800 de inox que a E. F. Araraquara recebeu em 1963. Mas em vários aspectos de conforto eles eram inferiores aos PS da Sorocabana ou mesmo a outros carros de aço carbono da CP.

Em São Paulo ocorreram diversos fatos que ajudaram a intensificar a decadência ferroviária, apesar de aqui estarem as melhores ferrovias do país. O irônico é que isso foi causado pela própria riqueza trazida por elas. São Paulo foi o primeiro estado com uma malha rodoviária de primeira grandeza, com rodovias asfaltadas cruzando todo o estado já no início da década de 1960. Também tinha uma classe média que se motorizou rapidamente.

Entre 1967 e 1969 todos os meus tios se motorizaram na base do fusquinha de segunda mão. Só meu pai acabou não comprando carro, para grande frustração da família... mas, se não fosse isso, eu teria perdido boa parte das viagens de trem que fiz até meados da década de 1970.

A expansão rodoviária continuou até hoje, com estradas de pista dupla até as fronteiras do estado - e mesmo em dose dupla, como é o caso da Anhanguera-Bandeirantes, Dutra-Trabalhadores... e a frota automotiva crescendo de forma proporcional.

Ou seja, de meados de 1960 pra cá a demanda por transporte coletivo diminuiu e a ainda existente passou a ser atendida pelos ônibus, os quais apresentam horários muito mais flexíveis, usam combustível subsidiado... e o número de pedágios nas décadas de 1960 e 70 era nulo ou muito menor do que é hoje. Dessa forma deixou de haver pressão popular por um transporte de passageiros ferroviário, já que essa demanda passou a ser atendida pelos ônibus ou carros particulares.

Com as cargas ocorreu algo parecido. O café, principal motivação das ferrovias paulistas, praticamente deixou de existir após a grande geada de 1975. As demais cargas passaram a escoar por caminhão mesmo, graças a ampla rede rodoviária já formada.

A sobrevivência da tração elétrica realmente é algo admirável. Deve ser herança da impecável administração e manutenção da CP e EFS, que a manteve funcionando até quase o ano 2000. Seu sucateamento era ventilado no início dos anos 1970, mas a crise do petróleo acabou abortando o plano até 1985. Mas de fato é intrigante ver que ela durou até 1995, quando a FEPASA ameaçou tirá-la de vez e só não o fez de fato porque o governo teria de investir em novas locomotivas e não havia mais interesse em investir numa empresa que deveria ser privatizada mais cedo ou mais tarde.

Segunda resposta com comentários: 

Creio que o fator mais marcante da eletrificação foi na verdade a falta de visão e de investimentos no setor para se procurar e ter alternativas geradoras de energia. Apesar de todas essas hidroelétricas existentes (e São Paulo havia saído na frente muito tempo antes), elas são hoje insuficientes para manter o país funcionando. Todo o consumo aumentou. Vamos de novo para a história:

Creio que era perfeitamente administrável com poucas usinas abastecedoras e várias subestações manter em funcionamento as ferrovias até 1975. A demanda por quilowatts era ínfima. Até minha juventude, as lâmpadas máximas eram de 100W. E nem todos tinham eletricidade em casa. Nem geladeira, nem TV, nem videogames, nem micro, nem chuveiro. Tomava-se banho esquentando água. Lembra-se das gamelas? De repente o país cresceu e mudou seu perfil. Passou a um país embora de terceiro mundo, com translocação de pessoal da zona rural para a urbana. E também o crescimento das indústrias. Isso gerou um boom que não foi acompanhado pelo setor elétrico.

Hoje, embora estejamos de novo dando atenção para a zona rural (maior exportação de produtos agrícolas) essa também mudou e muito. Todo o interior tem consumo elétrico, seja com geladeiras, TVs, rádios, etc, e não são mais movidos a geradores de querosene. São provenientes de rede elétrica sim. Faz diferença e muito. Passamos de - 90 milhões em ação - prá frente Brasil - em 1970, para 160 milhões em 2003. Ou seja, quase o dobro em 30 anos. Se se contar que uma pessoa pode ser produtiva a partir dos 20 anos, a defasagem é essa. Dobramos em 30, geramos filhos produtivos somente à partir dos 20, mas que também consumiram não impunemente para a sociedade durante o período improdutivo
(0-20 até mais).

Nossas fontes geradoras de energia são finitas. Embora os USA já estejam enchendo o nosso saco (vide Iperó), somente as fontes alternativas não naturais tipo radioativas, serão capazes de tocar isso aqui para a frente. As fontes naturais (gás, petróleo, água, vento, resíduos de produtos agrícolas) somente serão coadjuvantes locais. É a nossa diferença em relação à Europa. Quando se diz que lá os trens são elétricos, há de se lembrar que eles têm inverno com neve. O degelo lento é fonte inesgotável de mini-usinas que os abastecem. Isso nós não temos por aqui. Embora acho que felizmente. Frio, neve e os outros dramas desse clima não são os que eu particularmente acho ideais. Todo o restante das mazelas ferroviárias ficam por conta dessa mudança de hábitos rapidamente.

Rodovias viraram prioridade? Sim. Pelo menos em São Paulo estão boas? Sim (com um baita custo pedágio). Mas também temos culpa nisso. Se eu posso ir de carro porta a porta, porque ir de trem e depois ter que pagar um táxi, um ônibus ou um metrô para chegar aonde
quero e preciso? Também governos tem culpa. Já que a nossa postura era assim, então, os trens de passageiros deveriam ser somente uma pequena parcela para atender os menos favorecidos. Muitos dos altíssimos custos em se manter essa decadência e ineficiência, já mais do que realista (sabemos disso) poderia ter sido evitada.

Somos todos fanáticos por trens, brigamos, falamos pacas, mas eu pergunto e gostaria da sinceridade de cada um da lista: Se ainda hoje houvesse trem disponível, você faria o percurso São Paulo-Presidente Prudente em 18-20 horas, para depois alugar um carro e ir até a barranca do Paranapanema, para ver um parente? Ou iria de carro em mais ou menos seis horas, porta a porta? Mudou bastante. Na verdade, tudo se traduz em pequenas
observações: Tivéssemos governantes patriotas, inteligentes e de visão, isso aqui seria um baita dum país. Tivéssemos um povo culto, poderíamos ter mudado. Infelizmente, a realidade é outra. Nem o primeiro foi e será tudo isso, e nem o segundo será algo, pelo menos por mais algumas décadas.

Isso posto, voltamos à situação de crescimento a todo custo, sem planejamento. Deu no que deu.

Terceira e última resposta:
Sem dúvida, hoje a eletricidade é praticamente inviável para uso ferroviário a longa distância, em função de seu custo. Ainda mais que num futuro máximo nossa demanda terá de ser atendida por termoelétricas, provavelmente a gás natural. Aliás, esse é o combustível que abastece os tróleibus que estão sendo retirados das linhas paulistanas (NOTA DESTE BLOG: Isto acontecia em 2004, mas deixou de ser feito).

Há o aspecto da diminuição da poluição decorrente do uso da hidroeletricidade, mas este é um aspecto polêmico se for feito um balanço ecológico global, pois as represas das hidrelétricas causaram um grande impacto ecológico nas regiões inundadas. Enfim, é papo para uma bela tarde num boteco...

Mas, de fato, em última análise foi a classe média que causou o fim dos trens de passageiros, ao optar irrestritamente pelo transporte individual e aceitar a alternativa rodoviária em outros casos. Cá entre nós: a maioria dos trens de passageiros brasileiros não conseguia competir em rapidez e conforto com um monobloco MB rodando numa boa estrada de terra.

O carro é um tremendo vilão ecológico, mas o conforto e liberdade que ele proporciona são inigualáveis. Só mesmo mexendo (e muito) no bolso é que o cidadão parte para o transporte coletivo.

Há alguns anos tive um ataque de eco-xiitismo e resolvi ir de São Vicente a Sacramento de ônibus para evitar o stress da estrada. Foi tanto desconforto, problemas e inconvenientes - para mim e acompanhantes - que decidi, sempre que possível, nunca mais repetir a experiência... De trem (se houvesse) não iria ser muito diferente, embora o conforto tenda a ser um pouco maior.