segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

TRANSNORDESTINA: UM RETRATO DA BAGUNÇA DO GOVERNO ATUAL

Transnordestina em construção no Piauí em 2015 ((Foto: Catarina Costa/G1)

Não sou partidário de repetir "ipsis-literis" outros artigos, mas achei estes dois, publicados hoje pelo jornal "Valor Econômico", muito bons.

São bons, mas, infelizmente, mostram situações de descontrole bastante ruins que estão acontecendo (e isto já há anos), com a antiga CFN - atual Transnordestina, concessionária das linhas ferroviárias do Nordeste brasileiro, com exceção das da Bahia e de Sergipe.

Vale a pena prestar atenção no fato de que o nome Transnordestina refere-se tanto ao nome da concessionária em si, como também à ferrovia que está sendo construída já há mais de dez anos, arrastando-se nas obras.

É realmente uma situação de quase bagunça (desculpem a palavra). Milhões de reais indo para o ralo, com o atraso cada vez maior de obras vitais para a infra-estrutura do Nordeste e do Brasil.

Aliás, a situação não é tão diferente da situação das outras concessionárias das ferrovias brasileiras, que, cada vez mais, reduzem a quilometragem percorrida com o abandono de trechos cada vez maiores. Caso da Rumo-ALL hoje em dia.

O jornal também nada falou (talvez porque, neste caso específico, não fosse tão importante citar) sobre o abandono de inúmeras linhas da região após a privatização de 1997. Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba e Alagoas tiveram suas linhas praticamente abandonadas, com exceção dos pequenos trechos que possuem trens metropolitanos nas capitais e que por sua vez nem são de concessão da ex-CFN.

Além disso, é interessante verificar como este país sempre tratou a infra-estrutura ferroviária aos trancos e barrancos: boa parte da ferrovia Transnordestina, ou seja, o ramal que liga Paulistana, no sul do Piauí, ao porto de Suape, é uma retificação do trecho entre Salgueiro e Recife, bem como a construção de uma linha nova entre duas cidades que não a possuíam: Salgueiro e Paulistana.

Por outro lado, a linha Recife-Salgueiro foi abandonada loco no início da concessão, em vez de ser utilizada já como chamariz para a linha retificada que seria construída, mesmo com suas limitações. Já a cidade de Paulistana, por exemplo,até 1973, era o terminal de uma ferrovia entre a cidade e Salvador, na Bahia. Bem diferente, realmente, da linha em construção hoje em dia e que a liga ao litoral pernambucano. Porém, se há carga hoje, havia carga quarenta e cinco anos atrás. Por que, então, se eliminaram os trilhos para somente em 2000 resolver colocá-los de novo (para ligar a Suape)? 

Seguem os dois textos do Valor Econômico, publicados em sua edição de hoje.

TCU diz que governo 'perdeu controle' de Transnordestina e pode anular concessão

Uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no contrato da ferrovia Transnordestina apontou uma série de irregularidades que, se não forem corrigidas, podem resultar na anulação da concessão. Segundo o relatório da investigação, obtido pelo Valor, o governo "perdeu o controle" sobre a obra, que começou há quase dez anos, mas segue sem perspectiva concreta de conclusão e com custo quase três vezes superior ao previsto originalmente.

Apesar de ser uma obra privada, a estrada de ferro conta com farta parcela de recursos públicos, tanto por meio de financiamentos subsidiados quanto por aporte direto do governo federal, que é sócio do projeto. Do orçamento total, hoje em R$ 11,23 bilhões, menos de 30% são de recursos privados.

A ferrovia pertence à Transnordestina Logística, uma subsidiária da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Em 1997, o grupo participou do leilão do espólio da Rede Ferroviária Federal e arrematou toda a malha Nordeste, que abrangia 4.238 km de trilhos. No ano seguinte, começou a oferecer serviços de transporte de carga. Segundo TCU, os problemas começaram naquela época.

O relatório aponta que a CSN jamais cumpriu as metas de produção pactuadas, mas que não foi adequadamente punida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Ainda assim, em 2005 a empresa foi autorizada a construir a Transnordestina, ligação de 1.753 km entre o município de Eliseu Martins (PI) e os portos de Suape (PE) e Pecém (CE).

Para obter a autorização, a concessionária prometeu que a nova ferrovia, com capacidade para 30 milhões de toneladas anuais, seria construída em três anos e custaria R$ 4,5 bilhões, sem a necessidade de desembolsos de "grande monta" pela União. A CSN sinalizou que a Transnordestina contribuiria para um aumento de US$ 3,5 bilhões na balança comercial brasileira já em 2010.

Conforme o TCU, para cumprir o acordo, a empresa deveria ter entregue em 2006 e 2007 os estudos de engenharia, o que não ocorreu. 

Ao contrário, os projetos só foram encaminhados bem mais tarde, a menos de seis meses do prazo combinado para a conclusão da obra, ainda assim em "versões preliminares". 
Quando foram apresentados, os projetos apresentaram alterações significativas, o que, segundo o TCU, deveria inviabilizar as autorizações dadas anteriormente. "As novas versões deveriam ser submetidas à manifestação da diretoria da ANTT, o que não ocorreu", diz parecer.

"Nota-se, desse modo, que a ineficiência da concessionária em elaborar os projetos inviabilizou a construção da ferrovia no prazo pactuado", afirma o documento do tribunal.

O reiterado descumprimento das metas deu origem, em 2012, a um processo de caducidade da concessão de toda a malha Nordeste. No entanto, a Superintendência de Marcos Regulatórios da ANTT decidiu engavetar o caso. O argumento foi de que os problemas identificados decorreram de fatos "não imputáveis" à CSN.

As irregularidades se acumularam sob um contexto jurídico frágil, já que não havia um contrato específico para a construção da Transnordestina. 

As obrigações constavam de documentos que não estavam amparados em um compromisso formal. Só em janeiro de 2014 é que foi assinado o contrato de concessão, a partir do qual o governo se comprometeu a cobrar resultados da CSN.

Foram estabelecidos prazos para a entrega de cada lote, com previsão de conclusão da ferrovia em dezembro de 2016 e punições para atrasos. Para o TCU, porém, o contrato foi assinado de forma "atípica", sem estudos prévios ou análises que justificassem o interesse público do projeto e nem que garantissem manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.

De acordo com o relatório do TCU, a ANTT alegou, em sua defesa, que a simples inclusão da Transnordestina no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) atesta o interesse público do projeto.

Mesmo com o novo contrato em vigência, os atrasos continuaram. Segundo o cronograma vigente, 16 lotes já deveriam ter sido entregues até agora. No entanto, desse total, 6 ainda estão em execução e 4 nem sequer foram contratados, o que coloca em xeque a conclusão da ferrovia no fim deste ano. Segundo a ANTT, foi aberto processo administrativo para apurar "eventual" descumprimento dos prazos acordados.

O status dos lotes consta de apresentação feita há dez dias na Câmara dos Deputados por um representante do BNDES, que é sócio da ferrovia. Ele apresentou informações atualizadas do projeto, algo que a concessionária se recusa a fornecer. Segundo o banco, quase dez anos após o início das obras, a execução da Transnordestina está hoje em 55%.

Responsável pela fiscalização do contrato, a ANTT não consegue confirmar quais trechos foram entregues, quais estão atrasados e, segundo o TCU, nem mesmo o valor atual do projeto. "A análise permite verificar o descontrole da ANTT em relação à concessionária", afirma o relatório da auditoria.

O documento determina que a ANTT considere a abertura de um novo processo administrativo visando a caducidade da concessão. A agência também terá que levantar os números atualizados do projeto e rever os processos internos de cobrança das multas aplicadas por descumprimento das metas.

De acordo com a legislação, se comprovada a inadimplência da concessionária, a caducidade será declarada por decreto, independentemente de indenização prévia. O relatório foi encaminhado em dezembro de 2014 ao gabinete do ministro Walton Alencar, que até hoje não pautou o processo para o plenário do TCU. A assessoria do órgão afirmou que a demora reflete a "complexidade" do caso.

Transnordestina Logística obtém R$ 3 bi com venda antecipada de capacidade

O contrato de concessão assinado em janeiro de 2014 entre a ANTT e a Transnordestina Logística limitou a R$ 7,012 bilhões o valor final da ferrovia. O acordo estabelece que o montante que ultrapassar essa quantia terá que ser obtido pela concessionária por meio da venda antecipada de capacidade de carga da ferrovia. Chamado de contrato de cessão de direito de uso da via permanente, esse instrumento não estava previsto no início das obras da ferrovia, mas com a explosão dos custos do projeto, soma hoje mais de R$ 3 bilhões em obrigações da concessionária.

Apesar do compromisso, o governo vem tentando ajudar. O BNDES, por exemplo, aumentou em R$ 500 milhões o valor do financiamento disponibilizado para a obra. Sócios da CSN na empreitada, a estatal Valec e o Fundo de Investimentos do Nordeste também ampliaram suas participações no empreendimento.

O minério de ferro encontrado no interior do Nordeste está entre as principais cargas que tornam a Transnordestina viável. Além dele, estão as frutas do Vale do São Francisco, o gesso do sertão de Pernambuco e os grãos do "Matopiba" (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Quando as obras da ferrovia alcançaram o pico, em 2011, a CSN começou a negociar os primeiros contratos de cargas para a Transnordestina. Na ocasião, a empresa assinou memorando de entendimento com a Bemisa, braço minerador do Grupo Opportunity, de Daniel Dantas. A empresa detém os direitos de exploração de uma vasta área no sudeste do Piauí, no entorno do município de Paulistana. A exploração da reserva, estimada em 1 bilhão de toneladas, só se tornou viável com a chegada da ferrovia. Com os atrasos nas obras, os planos foram congelados.

Questionada se o comprometimento de R$ 3 bilhões com antecipação de venda de cargas não seria excessivo, a concessionária não respondeu. Por meio de sua assessoria, a Transnordestina informou apenas que as obras da estão "a todo vapor" e que os pontos levantados pelo TCU "estão sendo negociados com os órgãos públicos competentes". Uma comissão externa foi instalada na Câmara para apurar a demora na conclusão do projeto. O deputado Raimundo Gomes (PSDB-CE), presidente da comissão, disse que a situação é "preocupante".


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

E SE A SOROCABANA PASSASSE PELA AVENIDA 9 DE JULHO?

Parada de Cotia em 1877. Está localizada onde hoje está a estação de Itapevi, que se desmembrou de Cotia em 1953 e ficou com a estação. Aliás, Itapevi existe por causa dessa estação. Por outro lado, a Sorocabana deixou de passar pelo município de Cotia.

O velho livro de Antonio Francisco Gaspar coloca certas histórias bem interessantes.

Uma delas é que a Sorocabana construiu três túneis em seu percurso original: Pinheirinhos, Inhaíba e dos Simões (este, no km 91). Não que isso seja uma novidade, mas esse túnel dos Simões não resistiu à primeira modificação da linha, realizada em 1908. Em 1927, quando estavam sendo feitas as obras da segunda modificação (a que retificou alguns trechos e duplicou toda a linha de São Paulo a Santo Antonio - hoje Iperó), o túnel já era ruínas. Há uma fotografia no livro que as mostra.

Outra coisa interessante foi a definição das estações da linha: Ipanema (hoje Varnhagen), Sorocaba, São Roque e São Paulo. Só.

A linha passava por apenas cinco municípios, naqueles tempos de 1872: Sorocaba, São Roque, Cotia, Parnahyba (Santana de Parnaíba) e São Paulo. As estações estariam, então, nas sedes dos municípios, exceto de Cotia e de Parnahyba. Estas duas somente foram definidas durante a construção da linha (a de Parnahyba se chamava Baruery, pois estava muito próxima ao bairro rural de Aldeia de Baruery). Cotia acabou ganhando somente uma parada modestíssima. Baruery ganhou uma estação, mesmo. Por que ela sim e Cotia não, não se sabe. E Ipanema estava em Sorocaba, mas localizada dentro da fábrica de ferro.

Barueri acabou se tornando município, desmembrando-se de Parnahyba em 1949.

Mas a maior história, para mim, é a da alternativa de trajeto que não vingou. Não vingou, mas foi a primeira a ser aceita pelos diretores. Eles estavam preocupados que os pântanos da várzea do rio Pinheiros (ainda longe de estar retificada) poderia causar maiores despesas na construção da linha do que o esperado.

Por isso, escolheram um trajeto que, depois de cruzar o rio Bussocaba (hoje, Osasco), seguiria para o sul e cruzaria o rio Pinheiros próximo ao ponto em que a Estrada de Sorocaba cruzava este rio - ou seja, a veja, na velha ponte de ferro de Pinheiros. De lá, com uma inclinação de 1,5%, cruzaria o morro do Caaguaçu (que eles também chamaram de Morro do Cemitério) numa baixada, na chácara do Capitão Benedito. A única baixada que este morro, que é por onde passa hoje a Avenida Paulista tinha era onde hoje está o Museu de Arte, que em fins do século XIX foi aterrado para impedir que a Paulista tivesse ladeiras.

Dali, passaria pela Chácara do Dr, Freitas, no Largo do Arouche e chegaria à estação da Luz (mais ou menos por onde hoje passa a avenida Duque de Caxias) a Estação da Luz, próxima do qual seria construída a estação da Sorocabana.

Do que se pode imaginar que o provável caminho da linha seria pelo vale do córrego da Várzea (hoje entubado debaixo das ruas Prof. Arthur Ramos, parte da av. Cidade Jardim e avenida Nove de Julho até o Caaguaçu), depois o vale do Saracura (avenida Nove de Julho do túnel até a cidade) e dali seguindo até o largo do Arouche e Duque de Caxias.

Vale ressaltar que nenhuma das ruas citadas existia na época - os córregos corriam a céu aberto. Nem a rua Duque de Caxias, depois avenida, existia.

Este trajeto mudaria totalmente a conformação da cidade como existe hoje.

Porém, logo após a aprovação desta alternativa, alguém a vetou - possivelmente por causa do Caaguaçu - e então a linha como o é hoje acabou sendo aceita e construída.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

SÃO PAULO: MAIS METRÔ EM 2020? MESMO? JURA?

Desenho - Futura estação Santa Marina - viatrolebus.com.br 

O Governador Geraldo Alkmin anunciou que a linha 6 do metrô (laranja) vai ser terminada no final do ano 2020, ou seja, daqui a quase cinco anos. A linha liga o bairro da Liberdade à futura estação da Vila Brasilândia, no norte da capital paulista.

No dia da entrega, quinze estações deverão estar funcionando nessa linha.

A construção está a cargo de um consórcio que tem as construtoras Odebrecht, Constran e Queiroz Galvão. Toda ela será construída em tuneis. Um túnel só, bem entendido, que se estenderá por todo o percurso.

A linha estava prevista para ser terminada no já não tão próximo ano de 2012. Nessa data ela não havia nem sido começada.

Ótima notícia... se pudéssemos ter certeza de que isso será realidade. Desde o início das obras do metrô, em 1970, há atrasos. Basta olharmos mapas e previsões de entregas das diversas linhas que já estão hoje em funcionamento durante os últimos quarenta anos.

Ainda mais hoje em dia, em tempos negros pelos quais estamos passando. As construtoras estão todas sob olhar cerrado dos jornais, do Supremo Tribunal e do povo mais esclarecido. Acusadas na operação Lava-Jato, não se sabe como sobreviverão à tempestade.

O próprio governador não estará mais no poder em 2020. Seu mandato expira no final de 2018 e ele não poderá ser reeleito. Como estarão essas obras nessa época? Seu sucessor, quem será? Terá ele vontade política e dinheiro para terminar a obra? Na minha visão de hoje, o sucessor é sempre pior do que o seu antecessor, que já não é normalmente grande coisa.

Se valer, pelo menos, para garantir o salário de um grande número de trabalhadores e operários até 2018, já vai servir para alguma coisa. Esperamos também que novas denúncias de sobrefaturamento e desvios de verba não aconteçam, principalmente de forma a travar as obras que, mesmo sem isso, geralmente atrasam.

Aliás, as obras já estão em andamento em alguns pontos da linha.

Outras linhas que estão (em teoria) sendo construídas estão bem atrasadas e andando em passo de tartaruga: a linha 13 (do Aeroporto de Cumbica) e o monotrilho entre a estação do Morumbi e o Aeroporto de Congonhas, bem como o monotrilho que segue como continuação da linha 2, Vila Madalena-Vila Prudente, hoje paralisado por causa de um rio que ninguém sabia que estava no caminho da obra (!!!), lá pelas bandas da Zona Leste.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

A FALSA MORTE DE MIGUEL COSTA EM SENGÉS, PR (1930)


Em 14 de outubro de 1930, o jornal paulistano Folha da Manhã (atual Folha de S. Paulo) publicou na primeira página a notícia reproduzida acima, reportando a morte do então ex-Major Miguel Costa, da Força Publica de São Paulo.

Era falsa. Não se sabe de onde a Folha tirou a notícia, mas, como aliado de Getulio Vargas, a sua "morte" foi bem recebida por defensores das forças legalistas de Washington Luiz, então Presidente da República. Ele seria deposto dez dias depois.

Não fui atrás de desmentidos do jornal. O fato é que ele não estava morto e, talvez, nem estivesse em Sengés - que é a cidade paranaense que faz divisa com a cidade de Itararé, esta em São Paulo.

Três semanas mais tarde, ele estaria no mesmo trem que trouxe o triunfante Getulio Vargas do sul do país para São Paulo.

Se não houve nenhum desmentido do jornal até o dia 24 de outubro, depois ficou difícil: com seus escritórios e oficinas invadidos e destruídos ("empastelado", como se dizia então) pelo povo nesse mesmo dia, o jornal somente voltaria a circular no Natal.

E Miguel Costa assumiria como comandante das milícias de Vargas em São Paulo, ficando no cargo até pouco antes da Revolução de 1932.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

AVARÉ, 1930

Avaré - Fotografias da Folha da Manhã, 1930

"Debaixo de vibrantes aclamações desembarcou em Paris o Sr. Julio Prestes"...

Era 1930 e os jornais escreviam ainda dessa forma mesmo. A Folha da Manhã, de São Paulo, apoiava o governo paulista e o governo federal. Quando a frase acima foi escrita, Prestes era o Presidente paulista - aliás, não era mais, pois havia renunciado, pois ganhara as eleições presidenciais da União para suceder Washington Luiz no dia 15 de novembro desse mesmo ano.

Como sabemos, este dia chegaria, mas Washington não passaria a faixa, pois havia sido deposto três semanas antes. Tanto ele como Prestes já estariam, então exilados, e Getúlio Vargas já era o "presidente provisório" com plenos poderes.

Os jornais eram tão formais ainda, coisa que hoje não são mais. Amigo ou desafeto, os políticos brasileiros recebiam sempre os mesmos tratamentos: Senhor, Doutor, Excelência. Hoje também não é mais assim.
Avaré - Fotografias da Folha da Manhã, 1930

O mesmo jornal que tinha Washington Luiz e Julio Prestes como ídolos tinha Antonio Carlos, João Pessoa, Getúlio Vargas, Arthur Bernardes e Epitácio Pessoa como as figuras do demônio.

E com tudo isto, no dia 10 de junho de 1930, o mesmo jornal resolveu prestigiar uma viagem do Sr. Dr. Mario Bastos Cruz, "illustre titular da pasta da Justiça", à então ainda pequena (em relação ao que é hoje) cidade de Avaré, no oeste paulista, quase encostada nas fronteiras do Estado do Paraná. Quem era este senhor? Eu realmente não sei, mas uma reportagem de meia página do jornal significaria que ele teria algum interesse em anunciar sua visita àquela cidade da Alta Sorocabana.

Como em quase todos os casos naqueles tempos, O Sr. Cruz, que lá nascera, chegou a Avaré em "trem especial". Ou seja, boca livre para ele e sua comitiva. A Sorocabana era do Estado e cedia gratuitamente seus trens para visitas deste tipo. Hoje, certamente algo deste tipo renderia processos do Ministério Público contra o Estado por desperdício de dinheiro público. Fora isto, os trens de passageiros para Avaré não existem mais, bem como para qualquer outra cidade paulista. Os trilhos em Avaré já estão abandonados por falta de utilização, inclusive de cargueiros.

O Dr. Cruz levou em sua comitiva sua família, seus assessores, o comandante da força pública, representantes da imprensa "gentilmente" convidados, e, ao final da descrição, uma lista de mais de vinte nomes que ajudavam a compor a comissão. O trem noturno, que partiu às oito e vinte da noite da estação de São Paulo, chegou a Avaré às sete e meia da manhã seguinte.
Avaré - Fotografias da Folha da Manhã, 1930

A reportagem a seguir sobre a visita prossegue em tons ufanistas e descreve o "jubilo" da cidade a receber seu conterrâneo. Descreve os lugares visitados, as comissões montadas para receber tão importante figura. Representantes de cidades vizinhas, como Itaporanga, Taquary, Itatinga, Espirito Santo também estavam presentes. Almoço na casa de um Coronel de Avaré... o pai do Dr. Cruz. Visitas à igreja, a escolas e recebimento de presentes da colônia síria da cidade. O banquete da noite aconteceu no cine-teatro.

Em cada lugar, um discurso. Os discursos, nessa época, eram longos e tediosos, cjeios de palavras que a maioria do povo nem desconfiassem de seus significados. Até jogo de futebol o Dr. Cruz teve se assistir: o Avareense contra o Manuelense. "As ultimas palavras do Dr. Mario Bastos Cruz foram abafadas por enthusiaticas aclamações". "Os festejos prosseguiram até á noite com grande brilhantismo e enthusiasmo". 

Não nos esqueçamos, claro, do grande "baile official", realizado à noite na sede do Clube Avareense. E que compareceram à festa "familias de destaque no ambiente politico e social da cidade", ou seja, os puxa-sacos de sempre. O trem especial com toda a comitiva partiu para São Paulo às duas da manhã. O Sr. Cruz não. Deve ter ficado na cidade para descansar.

Nada contra o Sr. Cruz. Porém, hoje em dia, jornal algum - pelo menos da Capital - relataria uma viagem dessas, principalmente algo sem qualquer importância. Porém, como disse: eram outros tempos. Não havendo nada mais para fazer, qualquer dia de festas, mesmo sendo para as famílias mais abastadas, era interessante de se ver de fofocar, mesmo sendo olhada de longe ou por cima do muro. Aliás, "fazer nada" era válido até para as famílias mais ricas... sem televisão, rádio, computador... a única diversão era ouvir piano nas casas, tocados por algum morador, enquanto se discutiam frivolidades.

Eu apenas imagino tudo isto. Quanto ao acontecimento em si, eram comuns. Nos jornais anteriores aos anos 1950 e nos guardados de meu avô aparecem várias delas. São interessantes, mas nessa época não se ligava a mínima para os gastos que elas acarretavam e que beneficiavam apenas a classe política e suas famílias. Hoje, liga-se bastante, mas, por outro lado, continua a não se fazer nada para evitar os desperdícios.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

A MOGIANA E O DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

A estação original de Anhumas, uma das que foram substituídas por outra mais nova e em local diferente na variante da Mogiana (1926).

Uma reportagem publicada pela Folha da Manhã (atual Folha de S. Paulo) de 8 de junho de 1929 mostra um quadro da primeira retificação de linha (variante) feita pela Mogiana, que ocorreu nessa época.

Antes disso, somente pequeníssimas variantes haviam sido construídas, como a de Guanabara, no início do século XX.

As variantes continuaram sendo construídas nos anos seguintes. porém foram terminadas apenas cinquenta anos depois (1979). Aparentemente foram realizadas de acordo com a prioridade, nos acertos de cada trecho. Um deles, o Mato Seco-Lagoa Branca, onde está a estação de Aguaí, acabou jamais sendo realizado (com exceção de um trecho de alguns metros que eliminou desse traçado a estação de Miragaia (1971).
O artigo da Folha de 8/6/1929

O que o jornal afirma é parcialmente verdadeiro; ele não levou em conta o fato de as condições para construção de uma linha nos anos 1870 e 1880 serem bastante diferentes, em termos de tecnologia, da dos anos 1920. Porém, muito provavelmente "garantia de juros" e "servir maior número de propriedades agrícolas" (2o parágrafo do artigo da Folha) foi uma estratégia de curto prazo num país ainda essencialmente agrícola. Além disso, não é muito provável que uma empresa privada, como era a Mogiana, efetuasse tantos erros quanto a reportagem leva os seus leitores a acreditar. Se fosse uma empresa estatal... bom, aí seria outra coisa. Estatais tendem a atender necessidades políticas e não econômicas.

Na época do artigo da Folha, a Mogiana estava terminando o trecho da 1a variante, Campinas-Jaguariúna... ou pensava que estava, pois em 1929 eles chegaram somente até a nova estação de Carlos Gomes e a extensão até a última estação, Jaguary (hoje Jaguariúna) ficou para ser entregue dezesseis anos mais tarde. O atraso provavelmente ocorreu por causa das dificuldades financeiras - ver o problema do empréstimo citado mais à frente -, pelos problemas econômicos causados pela Segunda Guerra Mundial e pelos imensos prejuízos tomados pela empresa com a Revolução de 1932.

A variante a ser atacada logo em seguida (1948-1960) foi a Lagoa Branca-Tambaú e também teve grande atraso: o trecho Coronel Corrêa-Tambaú somente foi completado nove anos depois de a linha nova ter chegado a Coronel Corrêa, na área rural de Casa Branca.

Qual o motivo deste atraso? Certamente o fato de que, em 1952, a Mogiana foi estatizada (por pressão de seus acionistas, que não viam como pagar as dívidas contraídas com o empréstimo tomado em Londres em 1908) e entregue em situação bastante precária ao governo do Estado. Este, por sua vez, pouco investiu na ferrovia nos primeiros oito anos, chegando a atrasar por diversas vezes os salários dos funcionários.

As quilometragens citadas nos 5o e 7o parágrafos, se tomados à risca, mostram que a extensão da linha entre Campinas e Jaguary, no final, foram reduzidas em apenas quatro quilômetros, não dez.

No fim das contas, apesar dos possíveis erros, a garantia de juros, o traçado para alcançar as propriedades agrícolas e as "curvas em excesso" a que se refere o jornal, a ferrovia nunca teria trazido o enorme desenvolvimento que trouxe para toda a região norte do Estado de São Paulo, ao Triângulo Mineiro e às cidades mineiras limítrofes (Guaxupé, Poços de Caldas, Muzambinho e muitas outras) e ajudado o Brasil a se tornar o país que se tornou no século XX.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O APITO DO TREM

Foto José E. Buzelin

Enquanto aqui no Brasil os trens e as ferrovias são considerados veículos e tecnologia ultrapassada, em outros lugares...

Enquanto aqui no Brasil se reclama do apito (hoje, na verdade, buzinas) dos trens nas zonas urbanas, querendo "que a linha seja levada para fora da cidade" ou mesmo "arrancada"...

Enquanto aqui no Brasil qualquer acidente em trens metropolitanos (CPTM, Supervia e outros) torna-se motivo para extensas reclamações e eventualmente depredações de trens e ferrovias... Reparem que, se o problema é o ruído de uma avenida cheia de caminhões, ônibus e automóveis, fica tudo por isso mesmo. "É normal".

No resto do mundo (praticamente todos os países do mundo) os trens de carga, trens de passageiros de longa distância e as ferrovias continuam funcionando, mesmo com a eterna concorrência dos caminhões, ônibus e aviões.

Talvez outros de vocês, leitores, tenham (ou não) reparado... é muito comum (não vou dizer que existe em todos eles) ouvir-se em muitos filmes e seriados americanos (que, afinal, são, de longe, os mais assistidos por aqui e no mundo inteiro), ao fundo em uma cena urbana uma buzina de trem. Prestem atenção. Você não vê necessariamente as máquinas ou os trilhos. Mas ouve, ao fundo, uma buzina de locomotiva.

Eu estava escrevendo este artigo e, enquanto isso, passava um documentário na televisão sobre um museu em Atlanta, nos Estados Unidos. Não era um museu ferroviário. Mas, na filmagem ainda fora do museu que um determinado prédio (antigo) abriga, passou... um trem. Ontem à noite, assisti a dois seriados, um se passava em Nova York e outro em uma cidade (americana) imaginária. Nos dois, em determinado momento, ouviu-se a buzina famosa.

Não deve ser coincidência. Quer dizer, apenas, que esse é um ruído urbano como qualquer outro. Ou uma homenagem a algo que, se existe, ainda hoje, é porque há progresso.