segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

TRANSNORDESTINA: UM RETRATO DA BAGUNÇA DO GOVERNO ATUAL

Transnordestina em construção no Piauí em 2015 ((Foto: Catarina Costa/G1)

Não sou partidário de repetir "ipsis-literis" outros artigos, mas achei estes dois, publicados hoje pelo jornal "Valor Econômico", muito bons.

São bons, mas, infelizmente, mostram situações de descontrole bastante ruins que estão acontecendo (e isto já há anos), com a antiga CFN - atual Transnordestina, concessionária das linhas ferroviárias do Nordeste brasileiro, com exceção das da Bahia e de Sergipe.

Vale a pena prestar atenção no fato de que o nome Transnordestina refere-se tanto ao nome da concessionária em si, como também à ferrovia que está sendo construída já há mais de dez anos, arrastando-se nas obras.

É realmente uma situação de quase bagunça (desculpem a palavra). Milhões de reais indo para o ralo, com o atraso cada vez maior de obras vitais para a infra-estrutura do Nordeste e do Brasil.

Aliás, a situação não é tão diferente da situação das outras concessionárias das ferrovias brasileiras, que, cada vez mais, reduzem a quilometragem percorrida com o abandono de trechos cada vez maiores. Caso da Rumo-ALL hoje em dia.

O jornal também nada falou (talvez porque, neste caso específico, não fosse tão importante citar) sobre o abandono de inúmeras linhas da região após a privatização de 1997. Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba e Alagoas tiveram suas linhas praticamente abandonadas, com exceção dos pequenos trechos que possuem trens metropolitanos nas capitais e que por sua vez nem são de concessão da ex-CFN.

Além disso, é interessante verificar como este país sempre tratou a infra-estrutura ferroviária aos trancos e barrancos: boa parte da ferrovia Transnordestina, ou seja, o ramal que liga Paulistana, no sul do Piauí, ao porto de Suape, é uma retificação do trecho entre Salgueiro e Recife, bem como a construção de uma linha nova entre duas cidades que não a possuíam: Salgueiro e Paulistana.

Por outro lado, a linha Recife-Salgueiro foi abandonada loco no início da concessão, em vez de ser utilizada já como chamariz para a linha retificada que seria construída, mesmo com suas limitações. Já a cidade de Paulistana, por exemplo,até 1973, era o terminal de uma ferrovia entre a cidade e Salvador, na Bahia. Bem diferente, realmente, da linha em construção hoje em dia e que a liga ao litoral pernambucano. Porém, se há carga hoje, havia carga quarenta e cinco anos atrás. Por que, então, se eliminaram os trilhos para somente em 2000 resolver colocá-los de novo (para ligar a Suape)? 

Seguem os dois textos do Valor Econômico, publicados em sua edição de hoje.

TCU diz que governo 'perdeu controle' de Transnordestina e pode anular concessão

Uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no contrato da ferrovia Transnordestina apontou uma série de irregularidades que, se não forem corrigidas, podem resultar na anulação da concessão. Segundo o relatório da investigação, obtido pelo Valor, o governo "perdeu o controle" sobre a obra, que começou há quase dez anos, mas segue sem perspectiva concreta de conclusão e com custo quase três vezes superior ao previsto originalmente.

Apesar de ser uma obra privada, a estrada de ferro conta com farta parcela de recursos públicos, tanto por meio de financiamentos subsidiados quanto por aporte direto do governo federal, que é sócio do projeto. Do orçamento total, hoje em R$ 11,23 bilhões, menos de 30% são de recursos privados.

A ferrovia pertence à Transnordestina Logística, uma subsidiária da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Em 1997, o grupo participou do leilão do espólio da Rede Ferroviária Federal e arrematou toda a malha Nordeste, que abrangia 4.238 km de trilhos. No ano seguinte, começou a oferecer serviços de transporte de carga. Segundo TCU, os problemas começaram naquela época.

O relatório aponta que a CSN jamais cumpriu as metas de produção pactuadas, mas que não foi adequadamente punida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Ainda assim, em 2005 a empresa foi autorizada a construir a Transnordestina, ligação de 1.753 km entre o município de Eliseu Martins (PI) e os portos de Suape (PE) e Pecém (CE).

Para obter a autorização, a concessionária prometeu que a nova ferrovia, com capacidade para 30 milhões de toneladas anuais, seria construída em três anos e custaria R$ 4,5 bilhões, sem a necessidade de desembolsos de "grande monta" pela União. A CSN sinalizou que a Transnordestina contribuiria para um aumento de US$ 3,5 bilhões na balança comercial brasileira já em 2010.

Conforme o TCU, para cumprir o acordo, a empresa deveria ter entregue em 2006 e 2007 os estudos de engenharia, o que não ocorreu. 

Ao contrário, os projetos só foram encaminhados bem mais tarde, a menos de seis meses do prazo combinado para a conclusão da obra, ainda assim em "versões preliminares". 
Quando foram apresentados, os projetos apresentaram alterações significativas, o que, segundo o TCU, deveria inviabilizar as autorizações dadas anteriormente. "As novas versões deveriam ser submetidas à manifestação da diretoria da ANTT, o que não ocorreu", diz parecer.

"Nota-se, desse modo, que a ineficiência da concessionária em elaborar os projetos inviabilizou a construção da ferrovia no prazo pactuado", afirma o documento do tribunal.

O reiterado descumprimento das metas deu origem, em 2012, a um processo de caducidade da concessão de toda a malha Nordeste. No entanto, a Superintendência de Marcos Regulatórios da ANTT decidiu engavetar o caso. O argumento foi de que os problemas identificados decorreram de fatos "não imputáveis" à CSN.

As irregularidades se acumularam sob um contexto jurídico frágil, já que não havia um contrato específico para a construção da Transnordestina. 

As obrigações constavam de documentos que não estavam amparados em um compromisso formal. Só em janeiro de 2014 é que foi assinado o contrato de concessão, a partir do qual o governo se comprometeu a cobrar resultados da CSN.

Foram estabelecidos prazos para a entrega de cada lote, com previsão de conclusão da ferrovia em dezembro de 2016 e punições para atrasos. Para o TCU, porém, o contrato foi assinado de forma "atípica", sem estudos prévios ou análises que justificassem o interesse público do projeto e nem que garantissem manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.

De acordo com o relatório do TCU, a ANTT alegou, em sua defesa, que a simples inclusão da Transnordestina no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) atesta o interesse público do projeto.

Mesmo com o novo contrato em vigência, os atrasos continuaram. Segundo o cronograma vigente, 16 lotes já deveriam ter sido entregues até agora. No entanto, desse total, 6 ainda estão em execução e 4 nem sequer foram contratados, o que coloca em xeque a conclusão da ferrovia no fim deste ano. Segundo a ANTT, foi aberto processo administrativo para apurar "eventual" descumprimento dos prazos acordados.

O status dos lotes consta de apresentação feita há dez dias na Câmara dos Deputados por um representante do BNDES, que é sócio da ferrovia. Ele apresentou informações atualizadas do projeto, algo que a concessionária se recusa a fornecer. Segundo o banco, quase dez anos após o início das obras, a execução da Transnordestina está hoje em 55%.

Responsável pela fiscalização do contrato, a ANTT não consegue confirmar quais trechos foram entregues, quais estão atrasados e, segundo o TCU, nem mesmo o valor atual do projeto. "A análise permite verificar o descontrole da ANTT em relação à concessionária", afirma o relatório da auditoria.

O documento determina que a ANTT considere a abertura de um novo processo administrativo visando a caducidade da concessão. A agência também terá que levantar os números atualizados do projeto e rever os processos internos de cobrança das multas aplicadas por descumprimento das metas.

De acordo com a legislação, se comprovada a inadimplência da concessionária, a caducidade será declarada por decreto, independentemente de indenização prévia. O relatório foi encaminhado em dezembro de 2014 ao gabinete do ministro Walton Alencar, que até hoje não pautou o processo para o plenário do TCU. A assessoria do órgão afirmou que a demora reflete a "complexidade" do caso.

Transnordestina Logística obtém R$ 3 bi com venda antecipada de capacidade

O contrato de concessão assinado em janeiro de 2014 entre a ANTT e a Transnordestina Logística limitou a R$ 7,012 bilhões o valor final da ferrovia. O acordo estabelece que o montante que ultrapassar essa quantia terá que ser obtido pela concessionária por meio da venda antecipada de capacidade de carga da ferrovia. Chamado de contrato de cessão de direito de uso da via permanente, esse instrumento não estava previsto no início das obras da ferrovia, mas com a explosão dos custos do projeto, soma hoje mais de R$ 3 bilhões em obrigações da concessionária.

Apesar do compromisso, o governo vem tentando ajudar. O BNDES, por exemplo, aumentou em R$ 500 milhões o valor do financiamento disponibilizado para a obra. Sócios da CSN na empreitada, a estatal Valec e o Fundo de Investimentos do Nordeste também ampliaram suas participações no empreendimento.

O minério de ferro encontrado no interior do Nordeste está entre as principais cargas que tornam a Transnordestina viável. Além dele, estão as frutas do Vale do São Francisco, o gesso do sertão de Pernambuco e os grãos do "Matopiba" (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Quando as obras da ferrovia alcançaram o pico, em 2011, a CSN começou a negociar os primeiros contratos de cargas para a Transnordestina. Na ocasião, a empresa assinou memorando de entendimento com a Bemisa, braço minerador do Grupo Opportunity, de Daniel Dantas. A empresa detém os direitos de exploração de uma vasta área no sudeste do Piauí, no entorno do município de Paulistana. A exploração da reserva, estimada em 1 bilhão de toneladas, só se tornou viável com a chegada da ferrovia. Com os atrasos nas obras, os planos foram congelados.

Questionada se o comprometimento de R$ 3 bilhões com antecipação de venda de cargas não seria excessivo, a concessionária não respondeu. Por meio de sua assessoria, a Transnordestina informou apenas que as obras da estão "a todo vapor" e que os pontos levantados pelo TCU "estão sendo negociados com os órgãos públicos competentes". Uma comissão externa foi instalada na Câmara para apurar a demora na conclusão do projeto. O deputado Raimundo Gomes (PSDB-CE), presidente da comissão, disse que a situação é "preocupante".


Um comentário:

  1. Caro Ralph, não sei de onde o sr. tira tantas forças para continuar sendo um entusiasta do transporte ferroviário no Brasil. É, no mínimo, deprimente conhecer tudo sobre essa sabotagem estatal.

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