quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

AVARÉ, 1930

Avaré - Fotografias da Folha da Manhã, 1930

"Debaixo de vibrantes aclamações desembarcou em Paris o Sr. Julio Prestes"...

Era 1930 e os jornais escreviam ainda dessa forma mesmo. A Folha da Manhã, de São Paulo, apoiava o governo paulista e o governo federal. Quando a frase acima foi escrita, Prestes era o Presidente paulista - aliás, não era mais, pois havia renunciado, pois ganhara as eleições presidenciais da União para suceder Washington Luiz no dia 15 de novembro desse mesmo ano.

Como sabemos, este dia chegaria, mas Washington não passaria a faixa, pois havia sido deposto três semanas antes. Tanto ele como Prestes já estariam, então exilados, e Getúlio Vargas já era o "presidente provisório" com plenos poderes.

Os jornais eram tão formais ainda, coisa que hoje não são mais. Amigo ou desafeto, os políticos brasileiros recebiam sempre os mesmos tratamentos: Senhor, Doutor, Excelência. Hoje também não é mais assim.
Avaré - Fotografias da Folha da Manhã, 1930

O mesmo jornal que tinha Washington Luiz e Julio Prestes como ídolos tinha Antonio Carlos, João Pessoa, Getúlio Vargas, Arthur Bernardes e Epitácio Pessoa como as figuras do demônio.

E com tudo isto, no dia 10 de junho de 1930, o mesmo jornal resolveu prestigiar uma viagem do Sr. Dr. Mario Bastos Cruz, "illustre titular da pasta da Justiça", à então ainda pequena (em relação ao que é hoje) cidade de Avaré, no oeste paulista, quase encostada nas fronteiras do Estado do Paraná. Quem era este senhor? Eu realmente não sei, mas uma reportagem de meia página do jornal significaria que ele teria algum interesse em anunciar sua visita àquela cidade da Alta Sorocabana.

Como em quase todos os casos naqueles tempos, O Sr. Cruz, que lá nascera, chegou a Avaré em "trem especial". Ou seja, boca livre para ele e sua comitiva. A Sorocabana era do Estado e cedia gratuitamente seus trens para visitas deste tipo. Hoje, certamente algo deste tipo renderia processos do Ministério Público contra o Estado por desperdício de dinheiro público. Fora isto, os trens de passageiros para Avaré não existem mais, bem como para qualquer outra cidade paulista. Os trilhos em Avaré já estão abandonados por falta de utilização, inclusive de cargueiros.

O Dr. Cruz levou em sua comitiva sua família, seus assessores, o comandante da força pública, representantes da imprensa "gentilmente" convidados, e, ao final da descrição, uma lista de mais de vinte nomes que ajudavam a compor a comissão. O trem noturno, que partiu às oito e vinte da noite da estação de São Paulo, chegou a Avaré às sete e meia da manhã seguinte.
Avaré - Fotografias da Folha da Manhã, 1930

A reportagem a seguir sobre a visita prossegue em tons ufanistas e descreve o "jubilo" da cidade a receber seu conterrâneo. Descreve os lugares visitados, as comissões montadas para receber tão importante figura. Representantes de cidades vizinhas, como Itaporanga, Taquary, Itatinga, Espirito Santo também estavam presentes. Almoço na casa de um Coronel de Avaré... o pai do Dr. Cruz. Visitas à igreja, a escolas e recebimento de presentes da colônia síria da cidade. O banquete da noite aconteceu no cine-teatro.

Em cada lugar, um discurso. Os discursos, nessa época, eram longos e tediosos, cjeios de palavras que a maioria do povo nem desconfiassem de seus significados. Até jogo de futebol o Dr. Cruz teve se assistir: o Avareense contra o Manuelense. "As ultimas palavras do Dr. Mario Bastos Cruz foram abafadas por enthusiaticas aclamações". "Os festejos prosseguiram até á noite com grande brilhantismo e enthusiasmo". 

Não nos esqueçamos, claro, do grande "baile official", realizado à noite na sede do Clube Avareense. E que compareceram à festa "familias de destaque no ambiente politico e social da cidade", ou seja, os puxa-sacos de sempre. O trem especial com toda a comitiva partiu para São Paulo às duas da manhã. O Sr. Cruz não. Deve ter ficado na cidade para descansar.

Nada contra o Sr. Cruz. Porém, hoje em dia, jornal algum - pelo menos da Capital - relataria uma viagem dessas, principalmente algo sem qualquer importância. Porém, como disse: eram outros tempos. Não havendo nada mais para fazer, qualquer dia de festas, mesmo sendo para as famílias mais abastadas, era interessante de se ver de fofocar, mesmo sendo olhada de longe ou por cima do muro. Aliás, "fazer nada" era válido até para as famílias mais ricas... sem televisão, rádio, computador... a única diversão era ouvir piano nas casas, tocados por algum morador, enquanto se discutiam frivolidades.

Eu apenas imagino tudo isto. Quanto ao acontecimento em si, eram comuns. Nos jornais anteriores aos anos 1950 e nos guardados de meu avô aparecem várias delas. São interessantes, mas nessa época não se ligava a mínima para os gastos que elas acarretavam e que beneficiavam apenas a classe política e suas famílias. Hoje, liga-se bastante, mas, por outro lado, continua a não se fazer nada para evitar os desperdícios.

Um comentário:

  1. O tratamento dos jornais com o Aécio e o avião do governo de Minas foi mais ou menos como com o tal Dr. Mario Bastos Cruz.

    Sobre Avaré, seu grande marco de desenvolvimento se deu a propósito da penitenciária que lá foi edificada. Do resto, o agronegócio somente toma posse das benfeitorias públicas do município.

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