Pátio de Belo Horizonte em 1960, cheio de trens de passageiros. Voltaremos um dia a ver isto? (Foto Leonardo Bloomfield)
Pois é. O jornal O Estado de S. Paulo publica hoje uma reportagem que, para quem não acompanha o assunto mas gostaria que os trens de passageiros voltassem em nosso país, é algo bastante alvissareiro e prometedor: nele, os redatores mostram dezenove linhas que podrão estar ativas já em 2020, ou seja, daqui a oito anos.
Embora eu queira que tal fato aconteça efetivamente, tal artigo não me deixa nem um pouco mais otimista em relação à implantação destas linhas. E vou explicar aqui o por quê desse meu ceticismo.
Seis dessas linhas estariam sob planejamento, segundo o artigo. Vou repetir os seus nomes aqui e depois de cada uma colocar algo mais sobre as dificuldades de cada uma.
As outras treze estariam "em estudo". Todas elas, no entanto, empacam em um denominador comum: obras do atual governo não saem no tempo previsto nunca e atrasam demais em relação a ele, quando saem. Isto por que a burocracia, a má administração, os interesses de terceiros, a demora de órgãos governamentais (IBAMA, MP, etc) e o desmazelo do governo são simplesmente e lamentavelmente enormes.
Vamos lá, enfim: Em desenvolvimento (segundo o OESP):
Brasília - Goiânia (150 km). Ouço falar desta há pelo menos quatro anos. Até agora, nada vi de concreto. Esta linha jamais existiu anteriormente. Para se ir de Goiânia a Brasília, em 1970, quando ainda era possível de trem, o prcurso era praticamente três vezes o que agora se propõe, pois havia pelo menos duas baldeações a serem feitas e por ramais na da curtos que inviabilizavam a viagem. Terão de construir uma linha que, de quebra, passa próximo a Anápolis. Com apenas 150 km, esta última cidade teria de ser a única parada prevista. Caso contrário, se optarem por um trem parador, ele será um trem metropolitano e, portanto, mais demorado, o que leva a crer que passageiros o utilizariam primordiamente para curtos trajetos entre estações intermediárias.
São Paulo-Jundiaí: 47 km. Como já existe o metropolitano parador da CPTM, que ainda por cima tem uma baldeação, este novo trem terá de ser direto, em linha segregada, para valer a pena. Sairá? São cerca de 47 km apenas.
São Paulo-Santos: cerca de 80 km, se for pela serra, com troca de locomotiva no trecho de cremalheira. Ou descendo pela linha velha da Sorocabana, partindo da Julio Prestes, entrando pela linha 9 da CPTM e (recolocando os trilhos entre Varginha e Evangelista de Souza, na Mairinque-Santos) chegando a Santos. O problema é que, usando qualquer destas duas linhas, disputaria tempo com os cargueiros da MRS e da ALL, sendo a linha da velha Sorocabana talvez hoje a linha mais congestionada do país. A solução seria então uma linha nova. Caríssima, pois a serra é sempre um obstáculo. Porém, que nunca deveriam ter acabado com o São Paulo-Santos, ah, isso nunca. A alternativa para ele é sempre um enorme congestionamento rodoviário.
São Paulo-Sorocaba: certamente por linha nova. Serão cerca de 80 km de novo leito e novos trilhos. Já se fala dele há anos. Originalmente, acabou em 1999, quando o percurso, pela linha velha, era feito em 2h30m. De carro, são apenas 50 minutos - ou mais, dependendo de em que ponto v. estará em São Paulo e de quanto tempo você perderá com o congetionamento para chegar até a Castelo Branco. De qualquer forma, jamais isto lhe tomará mais de 1h30 no total até Sorocaba.
TAV - Rio-São Paulo: encantado, já adiaram o tiro de partida pelo menos quatro vezes nos últimos dois anos. Enfrente uma enxurrada de críticas pelo seu custo, mas é necessário. Se o governo pensasse um pouco, faria primeiro o trecho Campinas a Barra do Piraí, muito mais barato e certamente passível de atender muita gente, tornando-o rentável, deixando a descida da serra no Rio para depois.
Belo Horizonte-Sete Lagoas-Ouro Preto-Divinópolis: jamais havia ouvido falar deste; esse percurso jamais existiu, embora todas estas quatro cidades tenham sido atendidas por trens de passageiros no passado em três diferentes linhas. Como não conheço o percurso proposto, suponho que seja algo como Divinópolis-Sete Lagoas-Belo Horizonte-Ouro Preto. Portanto, linha totalmente nova, pois as atuais que poderiam ser juntadas estão já entupidas com trens de minério. Sem dúvida, esta linha passará por cidades com grande adensamento populacional e industrial.
Linhas em projeto (segundo o OESP):
São Cristóvão-Aracaju-Laranjeiras: 40 km em volta da capital de Sergipe. Isto não é trem de passageiros no sentido da palavra, mas sim um trem metropolitano. E parador. Se for com carros para longa distância, não terá passageiros suficientes. No passado, este trem, que desapareceu por volta de 1980, andava por uma linha (hoje praticamente abandonada) de 56 km e não de 40 e fazia o percurso em 1h40.
Londrina-Maringá: Parou em 1982, mas a linha ligava, na verdade, São Paulo a Maringá, via Ourinhos e Londrina. Fazendo somente o trecho de 123 km, tem entre as duas cidades cinco outras paradas em sedes de municípios, como Apucarana, por exemplo. Fazendo mais paradas intermediárias, este trem, quando funcionava na linha existente ainda hoje, gastava 3h15. Para os dias de hoje, é muito. Vai ter de ter uma linha só para ele e, claro, com velocidade (bem) aumentada.
Bento Gonçalves-Caxias do Sul: este trem parou em 1976, quando fazia o percurso em 2h25m. Eram 66 km. Porém, havia baldeação em Carlos Barbosa, o que fazia o tempo ser maior. Necessitará de linha nova: o trecho para Caxias do Sul está abandonado há vonte anos e é muito antigo e cheio de curvas. Há cinco sedes de municípios no percurso que poderiam ser paradas.
Recife-Caruaru: Este necessitará de linha totalmente nova para ser implantado. Boa parte da linha original já desapareceu dando lugar ao leito do atual metrô, que vai até Jaboatão. Dali para a frente, os trilhos não vêem trem algum há quase vinte anos. Nos anos 1980, última vez em que um trem de passageiros fez esse percurso de 140 km, fê-lo em 4h20, com quatro municípios entre as duas pontas.
Campos-Macaé: A linha que já abrigou este trem por cem anos ainda existe e está abandonada há pelo menos três anos pela FCA. Era um percurso de 1h45m com 94 km de linhas. Talvez a própria linha possa ainda ser utilizada com pequenos ajustes de percurso. Afinal, a FCA não se interessa por ela mesmo. A linha, dentro de Macaé, está sendo testada pera um VLT local. O tempo poderia ser diminuído com uma nova linha permanente.
Itajaí-Blumenau-Rio do Sul: Já existiu aí a linha da velha E. F. Santa Catarina, arrancada em 1971. Uma nova linha teria de ser totalmente reposta por um percurso que não necessariamente seria o antigo. Eram 148 km de linha com um trem vagaroso, a vapor, que parou em 1971 fazendo-a em inacreditáveis 5h20. Hoje, esse tempo teria de ser diminuído para no máximo 2h30 para ser compensador.
Pelotas-Rio Grande: Típico trem metropolitano, que passaria por diversos bairros das duas cidades. Até os anos 1990, circulou ali um trem que, nesse trecho, fazia-o em 1h20. Para um trem parador, está ok, mas a linha certamente terá de ser modificada. Ainda existe em parte da linha antiga tráfego de cargueiros da ALL.
Campinas-Araraquara: talvez o grande filão. Passa pela segunda zona mais rica do Estado de São Paulo. A linha atual deixou de ter trens de passageiros em 2001 e esse percurso tem 209 km, feitos antes em 3h25, com diversas paradas, tanto em cidades intermediárias (Hortolândia, Sumaré, Nova Odessa, Americana, Limeira, Cordeirópolis, Santa Gertrudes, Rio Claro, Itirapina, São Carlos e Ibaté) como em estações de povoados, hoje praticamente todos inexpressivos. Seria mais do que um trem metropolitano, e sim um trem de passageiros; porém, deve ter linha nova e também tem de reduzir o tempo de viagem pelo menos para 1h30.
Bocaiúva-Montes Claros-Janaúba: Com exceção do oásis que é Montes Claros, ele passa por uma região bastante pobre do Estado mineiro. O trem que por ali passava parou em 1992 e fazia os 216 km de percurso em nove - eu disse nove - horas. Teria hoje de ter linha segregada e diminuir muito o seu tempo de percurso, pelo menos para 2 horas.
Conceição da Feira-Salvador-Alagoinhas: um trem de passageiros como este jamais operou - os dois que existiram ali ligavam Salvador às outras duas cidades com horários independentes. Somando-se estes dois percursos, os trens que por ali rodavam faziam-no em 6 horas e vinte minutos - são 247 km ao todo. É tempo demais para atravessar o que talvez seja a região mais populosa do estado da Bahia. Se for um trem metropolitano, portanto parador, o tempo de viagem seria alto demais. Há trechos em que os trilhos foram retirados - hoje não se chega de trem, nem de carga, em Salvador e o trecho de trens metropolitanos Salvador-Paripe está isolado do restante da malha. Todo o trecho atualmente proposto para receber esse trem era eletrificado, mas a fiação foi retirada já há cerca de 30 anos, exceto no trecho da CBTU. Certamente uma linha nova teria de ser implantada.
Finalmente, um trem de 163 km de percurso ligando Codó, MA, a Altos, PI. Na prática, ligaria duas zonas bastante populosas da região, à de Caxias, segunda maior cidade do Maranhão e a de Teresina, no Piauí. Teria de ser mais um trem metropolitano que um de passageiros, numa zona pobre, mas densamente habitada. Certamente, com linha nova, pois ela é utilizada por cargueiros e está em mau estado. O trem de passageiros que passou por ali até 1991 percorria 208 km em 6h20 - tempo também absurdamente alto para a distância.
Enfim, é pôr mãos à obra para ver no que dá. O povo já estsá cansado de promessas não cunpridas. E torcer para que Deus seja mesmo brasileiro, porque, em termos ferroviários, ele parece ter pedido asilo em países mais competentes na matéria.