A partir do parágrafo abaixo, as lembranças do Sr. Eurípedes Martins Romão, enviadas a mim por e-mail em 2006. Embora já as tenha publicado na página de meu site sobre a estação de Ayrosa Galvão, vale a pena mostrar ao mundo lembranças de situações que hoje já não acontecem dessa forma.
"Passei
muitas temporadas de férias na usina Diamante e eventualmente usava o trem da
Cia. Paulista para ir até a estação de Ayrosa Galvão para chegar ao meu
destino. O trajeto era feito em vinte minutos. O trem saía pontualmente, às
9h20, e naquele tempo podia-se acertar o relógio pelo apito do trem. Passava
pela estação de Ave Maria e chegava a Potunduva, como era conhecido o lugarejo
onde estava a estação.
A estação era como todas as
outras da Paulista e tinha-se a impressão que elas foram trazidas desmontadas
da Inglaterra: havia um pequeno barracão, o prédio onde ficava o chefe, o
telégrafo, despacho, banheiros; um outro prédio onde ficavam os comandos do
pátio de manobras e desvios de linhas, tudo mecânico, e as casas dos
trabalhadores. O pátio de manobras era um verdadeiro playground, onde junto com
o Betão, Marcos e outros moleques que moravam na usina, aprontávamos nossas
traquinagens.
Alguns vagões ficavam estacionados aguardando completar a carga
de areia, extraída do rio Tietê, ali perto, e era enviada a São Paulo. Enquanto
a carga dos vagões não era completada, ficávamos brincando neles. Aprendemos a
desbrecá-los e ficávamos observando a cara do maquinista quando encostava a
locomotiva nos vagões e estes saíam andando. O chefe da estação, o seu Pereira,
parecia estes gordinhos de caricatura. Ele ficava ordenando que fôssemos
embora, que abandonássemos o pátio, mas nós ignorávamos seu apelo. Ele não
tinha a agilidade necessária para correr pela linha do trem, mas, quando
ameaçava, saíamos um grupo para a esquerda, outro para a direita e seu Pereira
voltava para a gare resmungando.
Um dos caminhos que fazíamos da estação até a
usina passava pela pensão da dona Santana, baiana, viúva, que trazia os filhos
e hóspedes "na rédea curta". A pensão era uma construção grande, com
muitos quartos, parecida com um trem, pois os quartos, um ao lado do outro,
tinham uma porta e uma janela que davam para a estrada e não se comunicavam. Eram
alugados aos safristas, migrantes que vinham do Nordeste para trabalhar durante
a safra. Só que esse caminho tinha um problema: o cheiro do feijão que exalava
das imensas panelas, que ficavam em um fogão a lenha na cozinha e que abria o
apetite até de anoréxico. Talvez por este motivo o usássemos pouco.
A
administração da Usina Diamante era exercida por membros da família Franceschi.
José Antonio, meu tio, era o chefe do escritório, pilotava uma enorme máquina
de contabilidade que ficava em uma mesa em formato de "U" e poderíamos
chamá-la de "computador mecânico". Ele gostava de explicar o funcionamento
daquela geringonça. Ayrton era o chefe do laboratório, aceitava nossa ajuda,
medindo sacarose, brix e outras variáveis das amostras de cana, até o momento
que alguma coisa não dava certo. Então ele abria a porta, agradecia e nos
convidava a sair. Virgilio, Lilo, era o responsável pela parte agrícola, usava
um Simca Alvorada, verde, que apelidamos de lagarto. Se nós pensássemos em
fazer alguma coisa fora do programa, o "lagarto" sorrateiramente
aparecia e Lilo dizia "o que é que os moços perderam por aqui?"
A
indústria era comandada por Antonio Sobrinho, o seu Nego. Como naquela época
não havia segurança do trabalho, circulávamos por toda parte, desde as moendas
até as centrífugas de produção do açúcar. Seu Nego nos via e, com aquele ar bonachão,
dizia "tomem cuidado"; apenas isto. Havia também o Silvio, que era o
tesoureiro da empresa e usava uma picape Ford cinza da cor dos carros da
Brinks. Dizíamos que o carro era blindado, pois ele ia diariamente a Jaú para
ir aos bancos.
Realizávamos algumas tarefas durante as férias. Uma época surgiu
a necessidade de tijolos para uma expansão da usina e foi montada uma olaria
num antigo terreiro usado para secagem de café. Nós nos transformamos em
oleiros e lá fomos aprender a amassar o barro e fabricar tijolos. Fabricávamos
sabão, com sebo, soda cáustica e cinza, que era vendido na cooperativa do
Otávio Ionta; imprimíamos sacos para armazenar e comercializar a produção de
açúcar; passávamos horas na balança pesando caminhões que chegavam carregados
de cana; tentávamos "ajudar" os tratoristas e motoristas de caminhão,
manobrando as máquinas quando estas voltavam no final do dia, eram abastecidas
e estacionadas para pernoite no pátio do posto. Essa tarefa só era realizada
quando o Orlando Possani se distraia, ou seja, quase nunca. Com o tempo, as
férias na usina perderam a graça, já estávamos crescidos, muitas pessoas já
haviam se mudado para Jaú. Mas guardo ótimas recordações dessa fase feliz da
minha vida".
Que tempo bom lembro do meu pai Otavio que trabalhava na cooperativa
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