Windhoek, Namibia - Foto Khopan/PanoramioOntem e hoje estava eu vendo algumas fotografias - a maioria recebidas de meu amigo Carlos Almeida depois de um garimpo na Internet - de trens de passageiros em países distantes e desconhecidos da enorme maioria dos brasileiros, como Zimbabue, Namíbia e Ghana. Aliás, eu também pouco sei desses países africanos: pouco mais que seu nome, capital e posição aproximada em mapas. Agora sei também que eles possuem trens de passageiros.
Akkra, Ghana. Foto MR Aki/PanoramioNão somente eles os possuem: na verdade, a imensa maioria das nações africanas os têm. Como têm-nos também todos os países europeus (pode ser que haja alguma exceção, estou a anos-luz de ser um expert em ferrovias estrangeiras) e pelo menos a maioria dos asiáticos.
Carro da ferrovia boliviana na estação de Roboré nesse país: Pela foto, não parece, mas ele funciona, transporta passageiros. Uma porcaria, mas transporta e muita gente usa (Claudio Larangeira)Na América do Norte, eles também são comuns. Da América Central para baixo, já começam a ser mais raros. Não considero aqui os trens metropolitanos ou metrôs (basicamente a mesma coisa), pois estou falando de trens de passageiros de longo percurso. Chile e Argentina os possuem. No Peru existe pelo menos um. Parece que na Colômbia foram "exterminados". De fato, são informações não muito confiáveis as que tenho recebido nos últimos anos que eu não vou pesquisar de volta para saber de sua veracidade.
Trem na estação de Tel-Aviv, em Israel (2006). Foto Julio MoraesO fato concreto é que o mundo inteiro possui trens de passageiros: primeiro mundo, segundo, terceiro, quarto e quantas camadas de mundo existam. Há trens muito bons, outros razoáveis e outros em mau estado. Mas andam e transportam pessoas.
Trem de passageiros na Argentina - Foto Juan Carlos GonzalesDirão alguns que "ah, mas o Brasil os têm também": afinal, o Vitória-Minas, o São Luiz-Parauapebas (trem de Carajás) e o Macapá-Serra do Navio (isso se não contarmos o Curitiba-Paranaguá, que é turístico, mas diário) estão aí para desmentir os reclamões. Isso, sem contar os trens metropolitanos de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador, Maceió, João Pessoa, Recife, Fortaleza e Teresina. E eles atendem outras cidades em volta dessas capitais também. A CPTM, em São Paulo, por exemplo, atua em 23 municípios, sendo que três deles estão fora da área metropolitana - Campo Limpo, Várzea Paulista e Jundiaí. E o que não falar do recente VLT - Veículo Leve sobre Trilhos - que liga o Juazeiro ao Crato desde o final de 2009?
Trem na estação de Pistoia, Itália (2010). Foto Veronica GiesbrechtEstá certo, mas, se contarmos a quilometragem de todas essas linhas citadas, teremos menos de 2.300 quilômetros. Mais: cerca de 1,7 mil estão nos três primeiros trens citados acima e que são realmente de longa distância. Some-se mais cem do Curitiba-Paranaguá e chegaremos a 1.800 km. O resto são os metropolitanos. Como a linha existente no país hoje está por volta de 28 mil quilômetros, eram 38 mil até os anos 1960 e nesta época todas as linhas, sem exceção, possuíam trens de passageiros, vejam a que ponto chegamos hoje.
Holztein, Suíça (2010). Foto Filipe GiesbrechtPodem também argumentar que, da União, seis estados têm trens de longo percurso: Amapá, Maranhão, Pará, Minas Gerais, Espírito Santo e Paraná - mas são 26 estados, o mais rico (disparado) é São Paulo, e ele não tem nenhum.
O ICE alemão (2006). Foto Veronica GiesbrechtMais ainda: dez deles têm trens metropolitanos (em número insuficiente para a demanda).
Trem da Vitoria-Minas (Vale) na plataforma de Governador Valadares (2010). Foto SilvioNo final dos anos 1950, a Comissão Brasil-Estados Unidos, entre outras decisões, chegou à conclusão que trens de passageiros eram "anti-econômicos" - esta foi a expressão usada na época - e então começou-se a eliminar todos, um por um. Os primeiros o foram em 1956 (as linhas de "bitolinha" da Cia. Paulista e da Mogiana, em São Paulo). Durante as décadas seguintes, continuou o bombardeio. Estado por estado, os trens de longa distância foram sendo eliminados, na maioria das vezes já trafegando sem nenhuma condição de higiene, pontualidade e eficiência. A lista: Pará (início dos anos 1960), Maranhão (1991), Piauí (final dos anos 1980), Ceará (1988), Rio Grande do Norte (anos 1980), Pernambuco (anos 1980), Alagoas (anos 1980), Sergipe (final dos anos 1970), Bahia (1989), Espírito Santo (anos 1980), Minas Gerais (1996), Rio de Janeiro (1996), São Paulo (2001), Paraná (1991), Santa Catarina (1983), Rio Grande do Sul (1996), Mato Grosso do Sul (1996), Rondônia (1971) e Goiás (anos 1980).
Trem da E. F. Amapá em 2008 - Revista FerroviáriaAlguns estados jamais os tiveram (Amazonas, Mato Grosso - o atual, Roraima e Acre). Em um deles, o trem foi implantado em 1957 e segue operando até hoje (Amapá). Considerou-se, nas datas acima, o último trem operando em cada Estado. Nos estados em que os trens da Vale circulam até hoje, considerou-se o ano da retirada do último trem das outras linhas (Maranhão, Pará, Minas e Espírito Santo, além do Paraná).
Trem na estação de Nairobi, no Quenia (2004) - Foto Fabrizio FarsettiNotícias de dois a três meses atrás dão conta de que todas as ferrovias em fase hoje de construção terão de ter trens de passageiros. Se isto se confirmar (tenho sérias dúvidas), as que estão hoje em construção (trechos da Norte-Sul, Transnordestina) ou perto de ter uma licitação (Oeste-Leste e trechos no Mato Grosso da ex-Ferronorte) terão de ter esses trens implantados assim que prontas. Mesmo assim, não serão suficientes para reverter o atraso de quarenta anos.
Trem da FEPASA nas linhas da antiga Cia. Paulista, em 1980 - quando eles ainda existiam. A decadência, no entanto, já era notória. Autor desconhecidoHavia mais de 37 mil km de linhas em 1960, pico máximo da quilometragem dos trens de passageiros no país. A partir daí foi decaindo. Eram 31 mil em 1970, 24 mil em 1978, 5 mil em 1998, são 1,8 mil hoje.
Trem da Vale: São Luiz-Parauapebas, ou "trem de Carajás". Site da Vale, 2009Será que todos os países do mundo estão errados e somente o Brasil está certo? Sim, dirão os economistas, linhas de passageiros são deficitárias no mundo inteiro com raras exceções. Aliás, sempre foram. Somente sobrevivem com subsídio interno (do próprio transporte de carga) ou externo (governamental). Antigamente, o subsídio era do próprio transporte de carga de cada ferrovia: afinal, esse transporte era quase um monpólio. Na hora em que deixou de sê-lo, os governos passaram a subsidiar o transporte. A própria CPTM, que transporta o maior número de passageiros em trens no Brasil, somente não é deficitária porque o governo paulista injeta dinheiro nela.
Andando de trem na República Checa (2006). Foto Veronica GiesbrechtNenhum país, nenhum governo gosta de subsidiar empresas. No mundo, porém, a maioria continua subsidiando o transporte por trens. Alguma vantagem ele deve ter nisto. Realmente, somente o Brasil está errado nisto. Porém, do jeito em que o povo brasileiro aceita todas as pauladas que leva na cabeça independentemente da classe social a que pertence, a coisa fica como está.