sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

PARANAPIACABA AGONIZANTE

Paranapiacaba 1939
Nesta semana, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reportagem sobre danos aos bens da antiga linha da São Paulo Railway em Paranapiacaba. Como se sabe, o bairro-distrito de Paranapiacaba, pertencente a Santo André, foi estabelecido no Alto da Serra (seu nome original) pela ferrovia nos anos 1860, para servir de pátio de manobras para a linha que desceria a serra no sentido de Santos, utilizando-se de quatro máquinas acionadoras de cabos de aço que ajudariam os comboios, cargueiros e de passageiros, a descer a Serra do Mar no sentido do porto de Santos.

Ainda em 1900, o sistema foi duplicado, instalando-se na ocasião um segundo sistema funicular mais moderno, chamado de "serra nova", operando paralelo ao original ("serra velha"), composto de cinco máquinas que funcionou até 1990, sendo então desativado.

A "Serra Velha", por sua vez, funcionou da mesma forma por 104 anos (entre 1867 e 1971, fora os dois anos de testes), quando foi desativada, tendo seus trilhos substituídos por uma nova via férrea com uma espécie de um terceiro trilho dentado (cremalheira) que conseguiam - até hoje o fazem - fazer as composições descerem a serra com uma tecnologia que a tornava mais rápida e eficiente, eliminando assim os cabos.
Incêndio da estação velha, 1981 (Sergio Romano)
As máquinas foram, assim, desativadas, mas conservaram-se alguns pontos, especialmente a quinta máquina da Serra Nova e a quarta da Serra Velha, exatamente as que ficavam no pátio de Paranapiacaba (este nome foi adotado em 1908), como peças representativas do sistema que, quando implantado mais de cem anos antes, foi considerado revolucionário.

Desde então, tenta-se construir um museu decente na cidadezinha. Entraram em cena a própria RFFSA, já dona da Santos-Jundiaí, por sua vez o nome adotado pela antiga SPR em 1946, além da ABPF - Associação Brasileira de Preservação Ferroviária - fundada em 1977 e hoje de longe a mais bem-sucedida entidade desse tipo existente no Brasil -, da MRS, que assumiu o pátio (e a linha toda) em 1997, com a privatização, do IPHAN, órgão federal de preservação de patrimônios e por fim a Prefeitura de Santo André.
O que vos escreve, numa das casa abandonadas, 2008
Cabe ressaltar que o Alto da Serra (que, aliás, já era chamado pelos indígenas desde priscas eras de Paranapiacaba), no início das obras, era atingido somente por uma estrada, ou melhor, uma picada no meio da mata, vinda de Mogi das Cruzes. No entanto, a região sempre havia sido parte do município de São Paulo. Somente em 1877, com a criação do município de São Bernardo, depois São Bernardo do Campo, passou a integrar as terras deste. Mais tarde, com o remanejamento da região entre os anos de 1938 e de 1953, passou a pertencer a Santo André, mas, pelos caprichos da política brasileira, a partir de 1953, ficou sem acesso por terra à sede do município, devido à desvinculação de três novos municípios, colocados entre Santo André e Paranapiacaba, que são Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Para se alcançar Paranapiacaba por estrada, hoje, há de se cortar, a partir de Santo André, áreas destes três últimos municípios.

Nada disto, no entanto, afetou a vida de Paranapiacaba. A pequena vila, dividida em duas pela linha férrea e unidas por uma passarela (não há passagem de nível ali até hoje, devido à estensão ferroviária e ao grande movimento de manobras de trens), é hoje, do lado esquerdo da linha (sentido Santos), a vila inglesa original, com construções praticamente todas em madeira de estilo característico e, do lado direito, casas de alvenaria, pequenas e geralmente todas geminadas, como que despencando de um morro que ameaça tombar sobre o pátio.
Casa das máquinas abandonada, 1994 (Kelso Medici)
Há duas estradas ali, vindas da estação ferroviária de Campo Grande, para quem vem de Santo André ou de qualquer outro local: a de asfalto, continuação do caminho vindo do ABC e que termina sem saída exatamente na entrada da vila nova, e uma estrada sem pavimentação, de cerca de três quilômetros, que acompanha a mata do parque estadual do lado esquerdo da linha e que, para ser acessada, necessita que os automóveis cruzem a passagem de nível ao lado da abandonada estação de Campo Grande. Esta estradinha é a que dá acesso rodoviário à vila velha, a vila dos ingleses com casas de madeira, onde se encontra o Castelinho, o clube Lira Serrano e a própria estação ferroviária, desativada desde 2001, ano em que se encerrou lastimavelmente a ida dos trens de passageiros da CPTM para lá. Desde então eles param em Rio Grande da Serra e retornam. Não há, pelo menos para mim, nenhuma explanação convincente do por quê desta interrupção doze anos atrás.

O abandono da vila inglesa - enquanto a vila nova continua sua vidinha, com todas as casinhas e bares funcionando - começou com a própria decadência ferroviária nos anos 1950, mas com a introdução da cremalheira em 1971, ela se acentuou. Era necessária menos gente para as operações, pois não havia mais as máquinas funcionando. Havia trens, mas o movimento de carga - não havia quase mais café - a de passageiros para Santos caiu muito, com a construção da via Anchieta em 1948 e da Imigrantes no início dos anos 1970. Os congestionamentos eram constantes nas duas rodovias, mas o povo é interessante: era preferível descer de carro para a praia e levar seis horas parado na estrada do que levar três horas de trem e tomar um táxi na estação do Valongo, na entrada do porto santista.

Logo depois, a estação dos anos 1890, bonita e do estilo de várias outras da linha da antiga SPR - teve de ser parcialmente demolida para o alinhamento - necessário, segundo alguns - das linhas de manobra, com a entrada da cremalheira. Logo em seguida, ela, verdadeiro monumento, pegou fogo - causa? Abandono. A nova estação era horrível, mas foi construída em outro local, mais para a entrada da vila inglesa. Aos poucos, as casas de madeira foram se esvaziando e um incêndio aqui, outro acolá, foi destruindo muitas delas. Em 1995, o trem para Santos acabou e em 2001 o trem da CPTM também acabou. O castelinho e o Lyra Serrano ficaram às moscas.
Prédio da 5a maquina (Irineu Moura, 2009)
Por volta de 2005 - não me lembro o ano exato - a Prefeitura de Santo André comprou toda a área inglesa não ferroviária para restaurar. Começou com incentivos para que as pessoas voltassem para tocar pequenas lojinhas, bares e vendas, além de usarem-nas para moradia - mas logo, gênios da política local acharam que era muito dinheiro para aplicar em velharias. A casa de máquinas e os galpões ficaram para a ABPF cuidar, mas associações desse tipo não têm verba suficiente para manter pessoal de segurança, e a Prefeitura, que em teoria deveria ser a maior interessada, tirou o corpo fora.

Anualmente há um "festival de inverno" e uma exposição de ferromodelismo - esta, séria, embora feita com poucos recursos. Já os festivais são feitos nas coxas.

Roubos de peças do museu e incêndios provocados para facilitar a entrada nos galpões para selecionar as peças de bronze mais valiosas são cada vez mais comuns. E, claro, "ninguém" vê.
Ruínas da velha SPR, no abandono total (Tiago Amato, 2009)
É isso. Num lugar instalado e construído no tempo em que o Brasil tinha um Imperador extremamente culto, num local por onde passaram presidentes do Brasil e governadores com toda a pompa da época, por onde, em 1914, passaram homens ingleses, alemães, italianos e franceses para defender sua pátria na guerra insana de 1914-18, esperando para se tornarem inimigos a 10 mil quilômetros de distância - num local que cheira história e que enche de orgulho qualquer cidadão inglês que o visite, nada acontece, tudo vai se destruindo e autodestruindo, por que o povo brasileiro em sua maioria é estúpido demais para se interessar por cultura, história e tradições, coias que o levariam a ser, sem dúvida, uma nação melhor do que é hoje.

A reportagem vai fazer com que se tomem providências? Não, não vai. E se o fizer, vão ser paliativos que de nada adiantarão, ou que adiantarão por pouco tempo. Nada se leva a sério.

Não é o único exemplo de desprezo pela nação. Basta ler meu blog, jornais, outros blogs, outras fontes e se lembrar de locais dos quais foram falados bem recentemente em termos de descaso: Chiador, Cordeirópolis, Nuseu do índio no Rio de Janeiro, desabamentos no Pelourinho e em Goiás Velho, incêndios em Ouro Preto, demolições na "Nova Luz" e até na avenida Paulista, casarões lindos desaparecendo, estações ferroviárias, rotundas, oficinas ferroviárias, etc. etc. etc.. Eu, realmente, não sei pelo que e por que ainda luto.

8 comentários:

  1. Me fez lembrar meus tempos de infancia, quando meu pai me levava a Santos por via ferrea quando via e ouvia os cabos de aço deslizarem pelas carretilhas ao som de um rangido fantastico.

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  2. Ralph, pode até parecer uma luta quixotesca, mas não é. Continue. Água mole em pedra dura...

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  3. Ralph, você está especialmente amargo neste artigo. Primeira vez que meu pai me levou à praia fui de trem, porque eu vomitava em ônibus. Foi em 1971, e lembro bem que desci pelos cabos em Paranapiacaba. Morava em Itaquera, então pegamos um dos primeiros trens da madrugada para Roosevelt. E depois estação do Brás, muito chique, lembro bem da sensação do diferencial entre a Central e a EFSJ. Era 1º de janeiro de 1971, havia completado 11 anos, e passado no exame de admissão para o ginásio. Iria estudar no colegio Sao Paulo do Pq. dom Pedro II, e freqüentar o subúrbio da Central diariamente por 7 anos. Voltei a Paranapiacaba, já casado em 1990. A mesma densa cerração, as casas abandonadas mas em pé. Um Cometa abandonado mas ainda reconhecivel. As áreas das maquinas estavam conservadissimas. Depois já com filho estive em 2005, sem cerração, a prefeitura cuidando da vila inglesa, lojinhas, alguma conservação. O mesmo Cometa estava lá, estacionado, quase sumindo. Ralph, estamos todos lutando porque acreditamos que um dia seremos mais gente a cuidar do nosso patrimônio. E que pessoas capazes sejam as autoridades responsáveis, ao invés dos ignorantes imbecis de hoje.

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  4. É simplesmente triste vermos um lugar tão cheio de charme e belas histórias como Paranapiacaba se definhar da forma que estamos vendo hoje. Você tem razão, sim, quando diz que os brasileiros, em sua maioria, são estúpidos demais para se interessar por cultura, história e tradições. Sinto isso na pele quando procuro divulgar e defender coisas de interesse histórico. Certa vez me chamaram de "adorador de velharias". Parabéns pelo blog! Tal como Dom Quixote, vamos lutar contra os "moinhos de vento", mas com esperança de que esta luta dê certo.
    Um grande abraço!

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  5. Brasil!! Um país nojento!! Temos os políticos que merecemos, afinal de 2 em 2 anos votamos nas mesmas quadrilhas que dilapidam o patrimônio da nossa gente e da nossa terra.

    Obrigado Brasil! Por me mostrar como poderia ter sido nascer uma época boa de verdade ou se tivesse nascido num país e não em um chiqueiro.

    Brasil se cercar vira hospício, se cobrir vira um circo.

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  6. A serra velha não funcionou por 104 anos. Ela ficou muito tempo desativada. Talvez tenha funcionado com a nova até a crise de 1929, mas depois foi desativada. Quando eu conheci o funicular, em 1962, só a serra nova funcionava. Veja a notícia publicada no Estadão de 17.01.1968 sobre o desastre ocorrido dentro de um dos túneis da serra nova por causa da ruptura do cabo de aço, em 15.01.1968.
    A reportagem fala que mais de 500 vagões, vindo do porto de Santos, ficaram retidos na Raiz da Serra. Por que eles não subiram pela serra velha? É porque ela estava desativada havia muito tempo.:
    http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19680117-28456-nac-0030-999-30-not

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  7. A Serra Velha funciona até hoje, mas com grande modificação nos trilhos, que passaram a ser tipo cremalheira. Houve períodos de paradas, por problemas na linha.

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    1. Claro, a serra que era Velha voltou a ser a Nova. Quando a missão japonesa esteve aqui para implantar o sistema de cremalheira, a serra velha foi escolhida justamente porque estava abandonada e não haveria interrupção do tráfego. Eles condenaram o viaduto da Grota Funda justamente porque, pela falta de uso, ele poderia estar com a estrutura enfraquecida pela ferrugem. Mas eles estavam enganados: mesmo dinamitado o viaduto não caiu porque ele estava muito bem ancorado na rocha. Com muita dificuldade ele acabou de ser demolido e em seu lugar foi feito o viaduto atual, de concreto.

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