quarta-feira, 8 de julho de 2009

DUDÍZIO NÃO MORREU

É, nem Elvis. John Kennedy também não. Dom Sebastião de Aviz também não. O que é então que mantém essas pessoas vivas?

O ano era 1962. Após ser quase que forçado a ouvir, no rádio de pilha por meus parentes na casa da Vila Mariana no mês de julho, o jogo Brasil x Chile, da Copa de 1962, eu me tornei um fanático por futebol. Assim, da noite para o dia. Dez anos de idade, vale tudo.

Poucos dias depois, um domingo, fui com meu pai, meu tio e meus primos, jogar futebol (bater bola) numa das ruas desertas do Jardim Marajoara, onde meu avô Hugo havia deixado um terreno. No carro parado ao lado, outro rádio irradiava a final da Copa, Brasil x Tcheco-Eslováquia. Eu já ouvia com prazer enquanto disputava a primeira pelada de minha vida.

Logo depois, começava o Campeonato Paulista de Futebol, importante àquela época. São-paulino, o time ia mal. Era o tempo do Santos de Pelé. Uma tarde de domingo, assisti ao jogo Santos 8 x Jabaquara 2. Era o Santos de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, na Vila Belmiro. Uma covardia, contra um time ruim, fraco e um goleiro de nome estranho: Dudízio. Tomou oito gols. Segundo soube por ele mesmo muito tempo mais tarde, os oito não tinham jeito, a defesa era muito ruim. Os outros oito, ele não deixou passar.

E ele (na foto acima, de 1958, com o "R" do Radium no peito) era bom, já tinha uns dez anos de atividade, tendo jogado por outros times, com o Radium de Mococa (existe alguma pessoa viva que ainda se lembre desse time?). Em 1963, o Jabaquara “caiu” da Primeira para a Segunda Divisão. Dudízio não quis ficar. O São Paulo quis comprá-lo. Por algum motivo, não deu certo e ele desistiu, voltando para a sua querida Santa Cruz das Palmeiras, onde sua mulher grávida esperava o Júnior.

Passaram-se trinta e três anos. Meu fanatismo por futebol acabara, mas agora eu gostava mesmo era de trens. Um dos primeiros locais que fui visitar foi Palmeiras, que tinha uma estação central já desativada. Cheguei à cidade e me indicaram o dono do jornal. Fui lá. Conheci o Dudízio. Que pessoa agradável, ele, seu filho Ju e sua família. Ficamos amigos. Em 1998, ele lançou um livro sobre a cidade. Somente aí, numa pergunta ingênua, descobri que era ele o Dudízio dos oito gols. Não poderia haver dois, claro. Como Luiz Affonso Mendes, ninguém o conhecia. Perguntei a razão do estranho apelido, que ele, jogando charme, disse que não sabia, mas que sua mãe descendente de italianos o chamava de Giggio quando criancinha – o apelido dos Luizes italianos. É claro: de Giggio, que os coleguinhas brasileiros não sabiam pronunciar, saiu Dudízio. E pegou.

Eu conheci um Dudízio já político: era vereador. Nunca gostei de políticos. Mas Dudízio não era um político. Colocou do próprio bolso muito dinheiro na fundação para auxiliar crianças desamparadas na cidade. Ju, o Júnior, o ajudava. Dudízio morreu quase que de repente em 2004, depois de uma doença inesperada. Quando se recuperava, veio a morte. Uma tragédia para a cidade, para a família e para os amigos.

Mas as pessoas não morrem. Somente morrem depois que todas as lembranças sobre elas são apagadas dos corações dos entes queridos que as conheceram — e que, às vezes, nem sequer isso. Por isso, Dudízio e os outros nomes citados continuarão vivos por muito tempo. Lembrem-se, Dom Sebastião morreu em 1578.

Continuo a amizade com o Ju e sua mãe — os pais de Dudizio sobreviveram pouco tempo à sua morte: o pai morreu há 2-3 anos com uns 95 anos e a mãe do Giggio agora, em junho, com a mesma idade. Ju guarda consigo toda a simpatia de seu pai, sua cultura, seus livros, seu apoio às crianças necessitadas, sua herança.

Longa vida a Dudízio, o goleiro que jogou contra Pelé e Coutinho, entre outros feitos.

2 comentários:

  1. E D. Sebastião ainda vai voltar, pedindo desculpas pelo atraso explicando que se perdeu nesse Mar tão grande, ó pá!

    Otavio

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  2. Dom Sebastião morreu em 1578, e não 1478. Só agora, 3 dias depois, percebi o engano... Ralph

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