domingo, 18 de agosto de 2013

LINHAS CRUZADAS

Nesta passagem em nível não passam trens. Foto minha.

Viajei com meus pais por boa parte do Brasil, de carro, nos anos 1960. De Porto Alegre a João Pessoa, de São Caelos a Santos, de São Paulo a Belo Horizonte, sempre passando e/ou parando nas cidades à margem das estradas.

Aliás, naquele tempo, havia muitas cidades onde você literalmente passava dentro delas. As rodovias acabavam na entrada da cidade, você então dirigia pelo centro delas até achar (com pouquíssima colaboração de sinalizações) a outra ponta da estrada para poder seguir viagem. Ou então, a estrada era a avenida principal de cidades que, não por acaso, formaram-se às margens da rodovia e em diversas ocasiões tinham pouquíssimas ruas transversais e, quando as tinham, eram muito curtas. Como diz o americano, "if you blink, you´ll lose it".

Interessante eram as passagens em nível com trilhos de estradas de ferro. Naquela época, praticamente todas as ferrovias funcionavam, precariamente ou não, e cruzavam as estradas muitas vezes sem aviso algum (porém, lembro-me de ter vistos vários, aqueles sinais em "x"). E não era raro vermos trens correndo ao lado da rodovia, ou a ponto de cruzá-las, ou mesmo cruzando-as... máquinas a vapor, diesel...

Não me lembro, porém, dessa época, de nenhuma cena específica. Ou seja, "ah, eu me lembro de na estrada tal ter ouvido e parado o carro para aguardar o cruzamento do trem tal". São apenas lembranças passageiras. Mas os cruzamentos havia, e muitos.

Basta ver os guias da Quatro Rodas que meu pai sempre levava com ele, que mostrava: km tal, saída para... km x, cruzamento em nível com linha férrea... e por aí afora. Eu adorava ficar lendo aquilo, era uma forma de a viagem não ser tão chata. Lembrem-se, não havia i-pads, i-pods ou televisão no carro.

Achei um "Roteiro Rodoviário Fluminense" editado em 1953, no governo do "Contra-Almirante Ernâni do Amral Peixoto", aquele, que era genro do Getulio, que, aliás, ainda estava vivo na época e estava até presidente da República pela enésima vez.

Nesse roteiro, já sexagenário e sem capa, na página 49, é mostrada a RJ-3 e BR-5 (mesma estrada), no trecho Iguá a Casemiro de Abreu. E vai: "começa em Iguá, ao final da RJ-1". Depois de algumas indicações outras, chega ao "km 11,900 - Tanguá - vila. Posto de Gasolina, Aí está localizada uma moderníssima usina de açúcar, o mais importante estabelecimento industrial do município de Itaboraí". Ou seja: usina de açúcar era atração turística.

Depois, em outros trechos: "km 16,900 - à esquerda, estação ferroviária de Rio dos Índios". "Km 26,900 - Cruzamento em nível com a E. F. Leopoldina". Bem depois, "km 94,000 - (de novo) Cruzamento em nível com a E. F. Leopoldina". No km 108,000, "acesso à estação ferroviária Professro Souza, sita a 500 metros". Nos kms 110,300, 112,200 e 118,000, novos cruzamentos com a Leopoldina. A linha deveria ser a linha do Litoral, ou seja, a Niterói-Campos-Vitoria.

Essas indicações de estações ferroviárias e de cruzamentos com ferrovias eram bastante comuns nos roteiros. Se fosse hoje, mesmo cruzando trilhos que geralmente são inativos, nada seria indicado. Uma estação ferroviária, então? Para que? Geralmente não passam de prédios abandonados ou mesmo reformados para servir de "centro cultural" - se dependesse dos centros culturais que se constrói em cada prédio abandonado neste país, o Brasil deveria hoje ser a nação mais culta do mundo.

Às vezes, eram um pouco mais específicos, como, por exemplo, no km 24 da RJ-2 (rodovia Iguá-Itaperuna), onde era citado um "cruzamento em nível com a estrada de ferro particular do núcleo de Papucaia". Papucaia era um núcleo colonial. Ou, então, no km 58,500 da RJ-5 que ligava Tribobó a Macaé, onde indicava um "cruzamento em nível com a estrada de ferro particular da usina". A usina era a Sampaio Correia, a ferrovia mais próxima era a E. F. Maricá . No km 18,600 da rodovia RJ-6 ou BR-5, o cruzamento em nível era com um "ramal de serviço de uma pedreira da E. F. Leopoldina". Era próxima à estação ferroviária de Suruí.

Nas estradas que percorremos nos anos 1960, houve, com certeza, cruzamentos em nível (ou viadutos) com as ferrovias da RFN em Pernambuco, em Alagoas e em Sergipe. Devemos até ter passado próximos ou cruzado com ferrovias da Viação Férrea do Leste Brasileiro na Bahia e com a Central do Brasil em Minas e Rio de Janeiro.

Lembro-me bem de uma passagem de trilhos em nível na entrada de Jaguariaíva, PR, com movimento de trens, também nos anos 1960. Devemos ter cruzado trilhos da E. F. Teresa Cristina no sul de Santa Catarina e com linhas da VFRGS no Rio Grande do Sul. Nada documentado ou fotografado, infelizmente. Seria uma maravilha ter cenas dessa época em fotografias, hoje, que as ferrovias existem, mas estão ou na  seção polcial dos jornais ou na humorística...

Este país virou uma piada.

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