quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

TRENS RÁPIDOS ENTRE SÃO PAULO E CAMPINAS HÁ 60 ANOS ATRÁS

Folha da Manhã, 3/12/1952
Em dezembro de 1952 foi inaugurado um "trem rápido" para Campinas. Aproveitando a recente eletrificação das linhas da E. F. Santos a Jundiaí, unidades elétricas passaram a anunciar com bastante alarde   que era possível agora ir da Estação da Luz até Campinas em 1 hora e vinte - menos de três horas para ir e voltar.

Havia duas paradas: uma na estação da Lapa e outra em Jundiaí, "de dois minutos cada". Supõe-se que, como costumava existir em trens normais para o interior, havia troca de tripulação em Jundiaí, entre a EFSJ e a Cia. Paulista.

A via Anhanguera havia sido inaugurada havia poucos anos e certamente reduziu o número de passageiros dos trens que seguiam da Luz para o interior, especialmente até Campinas. Dali para a frente, as obras estavam avançando rápido e a rodovia pronta afetaria o resto também.
Folha da Manhã, 6/12/1952
Era impossível, antes da Anhanguera, fazer São Paulo a Campinas em 1h20m. A estrada velha de Campinas era realmente estreita e já coalhada de curvas e carros. A Anhanguera veio facilitar muito a viagem. Os trens normais que seguiam para o interior paravam em Campinas mas eram mais lentos. O tempo médio, contando-se paradas em Franco da Rocha, Jundiaí, Louveira, Valinhos e Vinhedo, era de pelo menos 1h45m nessa época. Vinte e cinco minutos a menos era um tempo significativo.

Os últimos trens que ligaram São Paulo a Campinas não eram expressos como os que foram inaugurados em 1952. Rodaram até 1998 e em linhas já mal-cuidadas e péssimo serviço. Ou seja, o que era normal de se ter nos anos 1950 e até os anos 1980, quando já existiam os trens húngaros que faziam esse mesmo percurso, ou seja fazer em 1h20, já não existia em 1998, quando os trens acabaram e a via Anhanguera já estava duplicada e mais larga havia muito tempo, porém com o tráfego não tão rápido, devido a constantes congestionamentos que existem até hoje na saída e chegada a São Paulo e na passagem por Jundiaí.

E hoje vêm nossos governantes falar em trens rápidos para Campinas. Ora, qual a novidade? Eles jamais deveriam ter parado, isso sim, e por incompetência, entre muitos dirigentes e partidos, do nosso querido PSDB que aí está e que deu o golpe mortal nas ferrovias paulistas em 1998.

domingo, 27 de janeiro de 2013

O TREM DE FEIRA DE SANTANA PARECE ASSUNTO DE DOIDO

A primeira estação de Feira de Santana (1875-1958). Da segunda, jamais vi uma foto
Jornais da cidade baiana de Feira de Santana noticiaram recentemente que o prefeito, um tal de José Ronaldo de Carvalho, souberam que o Ministério dos Transportes quer fazer um trem regional de passageiros entre Salvador e Alagoinhas.

Pelo visto, o trem não seguiria a linha existente, pois, segundo ainda essa reportagens, ele passaria pelo município de Conceição de Feira. Nas linhas baianas atuais e que um dia pertenceram à finada Viação Férrea do Leste Brasileiro (ou somente "Leste"), seria impossível ir para Alagoinhas passando por Conceição de Feira. Eram linhas diferentes. Esta ia para o sul e a de Alagoinhas ia para o norte, via Cmaçari e Catu. A outra, para Conceição de Feira, seguia por Candeias, Santo Amaro e contornava o Recôncavo.

Em Conceição de Feira, era possível uma baldeação, onde os passageiros tomavam outro trem para Feira de Santana, estação terminal desse ramal. Durante muitos anos chegou-se a pensar em construir uma linha ligando Feira de Santana a Alagoinhas. No início do século 20 e no início dos anos 1960. Uma das estações   dessa "nova" linha chegou a ser construída (Irará), mas foi abandonada. Ainda existem pedaços do leito que nunca recebeu trilhos, também. Leia-se tudo isso como dinheiro jogado fora. Dinheiro meu e seu, claro.
Aterro da linha férrea, jamais instalada, entre Feira de Santana e Irará, em 2010 (Foto Debora Martins Dantas e Oliveira)
É interessante saber, também, nas três reportagens que li, por que um trem de passageiros seguiria até Conceição de Feira, numa direção completamente diferente da que seria lógica para seguir para Alagoinhas e, ainda por cima, conseguria, em sua continuação até Alagoinhas, não passar por Feira de Santana. Pois é exatamente isso que o sr. José Reinaldo de Carvalho quer: que se mude o projeto e que, em vez de passar por Conceição, o trem passe por Feira. Muito mais lógico, mas certamente não é por isso que o prefeito quer a mudança: como a todo político, ele somente usa a lógica quando esta lhe atende os interesses.

Provavelmente, embora eu seja a favor de qualquer implantação de trens de passageiros dos quais este País tanto precisa, este é mais um dos blefes do governo federal: cada projeto que ele lança atende aos interesses de diversas empresas de projetos, que projetam, projetam, ganham um dinheiro bom advindo das verbas governamentais e saem contentes. Se o projeto será implantado, não lhe importa. Prefeitos também gostam: tanto lhes faz se o trem seja implantado ou não, mas eles geralmente ganham (ou acham que ganham) dividendos políticos com isto.

Afinal de contas, tanto Salvador, como Conceição de Feira, quanto Feira de Santana, quanto Alagoinhas, já tiveram seus trens de passageiros. A primeira, por 130 anos (parou em 1989), a segunda, por 110 (parou em 1985), a terceira, por 89 (parou em 1964) e a quarta, por 127 anos (parou em 1989). Os números estão corretos. Por que eles pararam? E por que querem que eles retornem, depois de tantos anos? Não teria sido mais lógico mantê-los e aos poucos ir renovando a frota?

Feira de Santana chegou ao cúmulo de ter uma estação por 83 anos (1875-1958) e desativá-la para construir uma nova, que durou apenas seis anos (1958-1964), porque desativaram o ramal e abandonaram sua continuação, como citado acima. Se ia durar apenas seis anos, por que gastaram dinheiro contruindo uma nova que já foi, aliás, demolida há muito tempo?

Está muito clara a lógica dos dirigentes deste país: ela somente se aplica quando lhes interessa. A lógica no Brasil não é lógica. Claro que quero a volta dos trens de passageiros. Mas a cada notícia que leio, perco um pouco mais de esperançca. Esta história do trem de Feira de Santana parece-me maluca demais. E nada lógica, dentro da minha lógica, que geralmente não condiz com a dos políticos.

sábado, 26 de janeiro de 2013

OS TRENS DE PASSAGEIROS DE SÃO PAULO FORAM ASSIM

Governantes, ponham vergonha na cara e tragam de volta os trens de passageiros tão necessários para todos!!!

Sem mais comentários!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

PARANAPIACABA AGONIZANTE

Paranapiacaba 1939
Nesta semana, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reportagem sobre danos aos bens da antiga linha da São Paulo Railway em Paranapiacaba. Como se sabe, o bairro-distrito de Paranapiacaba, pertencente a Santo André, foi estabelecido no Alto da Serra (seu nome original) pela ferrovia nos anos 1860, para servir de pátio de manobras para a linha que desceria a serra no sentido de Santos, utilizando-se de quatro máquinas acionadoras de cabos de aço que ajudariam os comboios, cargueiros e de passageiros, a descer a Serra do Mar no sentido do porto de Santos.

Ainda em 1900, o sistema foi duplicado, instalando-se na ocasião um segundo sistema funicular mais moderno, chamado de "serra nova", operando paralelo ao original ("serra velha"), composto de cinco máquinas que funcionou até 1990, sendo então desativado.

A "Serra Velha", por sua vez, funcionou da mesma forma por 104 anos (entre 1867 e 1971, fora os dois anos de testes), quando foi desativada, tendo seus trilhos substituídos por uma nova via férrea com uma espécie de um terceiro trilho dentado (cremalheira) que conseguiam - até hoje o fazem - fazer as composições descerem a serra com uma tecnologia que a tornava mais rápida e eficiente, eliminando assim os cabos.
Incêndio da estação velha, 1981 (Sergio Romano)
As máquinas foram, assim, desativadas, mas conservaram-se alguns pontos, especialmente a quinta máquina da Serra Nova e a quarta da Serra Velha, exatamente as que ficavam no pátio de Paranapiacaba (este nome foi adotado em 1908), como peças representativas do sistema que, quando implantado mais de cem anos antes, foi considerado revolucionário.

Desde então, tenta-se construir um museu decente na cidadezinha. Entraram em cena a própria RFFSA, já dona da Santos-Jundiaí, por sua vez o nome adotado pela antiga SPR em 1946, além da ABPF - Associação Brasileira de Preservação Ferroviária - fundada em 1977 e hoje de longe a mais bem-sucedida entidade desse tipo existente no Brasil -, da MRS, que assumiu o pátio (e a linha toda) em 1997, com a privatização, do IPHAN, órgão federal de preservação de patrimônios e por fim a Prefeitura de Santo André.
O que vos escreve, numa das casa abandonadas, 2008
Cabe ressaltar que o Alto da Serra (que, aliás, já era chamado pelos indígenas desde priscas eras de Paranapiacaba), no início das obras, era atingido somente por uma estrada, ou melhor, uma picada no meio da mata, vinda de Mogi das Cruzes. No entanto, a região sempre havia sido parte do município de São Paulo. Somente em 1877, com a criação do município de São Bernardo, depois São Bernardo do Campo, passou a integrar as terras deste. Mais tarde, com o remanejamento da região entre os anos de 1938 e de 1953, passou a pertencer a Santo André, mas, pelos caprichos da política brasileira, a partir de 1953, ficou sem acesso por terra à sede do município, devido à desvinculação de três novos municípios, colocados entre Santo André e Paranapiacaba, que são Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Para se alcançar Paranapiacaba por estrada, hoje, há de se cortar, a partir de Santo André, áreas destes três últimos municípios.

Nada disto, no entanto, afetou a vida de Paranapiacaba. A pequena vila, dividida em duas pela linha férrea e unidas por uma passarela (não há passagem de nível ali até hoje, devido à estensão ferroviária e ao grande movimento de manobras de trens), é hoje, do lado esquerdo da linha (sentido Santos), a vila inglesa original, com construções praticamente todas em madeira de estilo característico e, do lado direito, casas de alvenaria, pequenas e geralmente todas geminadas, como que despencando de um morro que ameaça tombar sobre o pátio.
Casa das máquinas abandonada, 1994 (Kelso Medici)
Há duas estradas ali, vindas da estação ferroviária de Campo Grande, para quem vem de Santo André ou de qualquer outro local: a de asfalto, continuação do caminho vindo do ABC e que termina sem saída exatamente na entrada da vila nova, e uma estrada sem pavimentação, de cerca de três quilômetros, que acompanha a mata do parque estadual do lado esquerdo da linha e que, para ser acessada, necessita que os automóveis cruzem a passagem de nível ao lado da abandonada estação de Campo Grande. Esta estradinha é a que dá acesso rodoviário à vila velha, a vila dos ingleses com casas de madeira, onde se encontra o Castelinho, o clube Lira Serrano e a própria estação ferroviária, desativada desde 2001, ano em que se encerrou lastimavelmente a ida dos trens de passageiros da CPTM para lá. Desde então eles param em Rio Grande da Serra e retornam. Não há, pelo menos para mim, nenhuma explanação convincente do por quê desta interrupção doze anos atrás.

O abandono da vila inglesa - enquanto a vila nova continua sua vidinha, com todas as casinhas e bares funcionando - começou com a própria decadência ferroviária nos anos 1950, mas com a introdução da cremalheira em 1971, ela se acentuou. Era necessária menos gente para as operações, pois não havia mais as máquinas funcionando. Havia trens, mas o movimento de carga - não havia quase mais café - a de passageiros para Santos caiu muito, com a construção da via Anchieta em 1948 e da Imigrantes no início dos anos 1970. Os congestionamentos eram constantes nas duas rodovias, mas o povo é interessante: era preferível descer de carro para a praia e levar seis horas parado na estrada do que levar três horas de trem e tomar um táxi na estação do Valongo, na entrada do porto santista.

Logo depois, a estação dos anos 1890, bonita e do estilo de várias outras da linha da antiga SPR - teve de ser parcialmente demolida para o alinhamento - necessário, segundo alguns - das linhas de manobra, com a entrada da cremalheira. Logo em seguida, ela, verdadeiro monumento, pegou fogo - causa? Abandono. A nova estação era horrível, mas foi construída em outro local, mais para a entrada da vila inglesa. Aos poucos, as casas de madeira foram se esvaziando e um incêndio aqui, outro acolá, foi destruindo muitas delas. Em 1995, o trem para Santos acabou e em 2001 o trem da CPTM também acabou. O castelinho e o Lyra Serrano ficaram às moscas.
Prédio da 5a maquina (Irineu Moura, 2009)
Por volta de 2005 - não me lembro o ano exato - a Prefeitura de Santo André comprou toda a área inglesa não ferroviária para restaurar. Começou com incentivos para que as pessoas voltassem para tocar pequenas lojinhas, bares e vendas, além de usarem-nas para moradia - mas logo, gênios da política local acharam que era muito dinheiro para aplicar em velharias. A casa de máquinas e os galpões ficaram para a ABPF cuidar, mas associações desse tipo não têm verba suficiente para manter pessoal de segurança, e a Prefeitura, que em teoria deveria ser a maior interessada, tirou o corpo fora.

Anualmente há um "festival de inverno" e uma exposição de ferromodelismo - esta, séria, embora feita com poucos recursos. Já os festivais são feitos nas coxas.

Roubos de peças do museu e incêndios provocados para facilitar a entrada nos galpões para selecionar as peças de bronze mais valiosas são cada vez mais comuns. E, claro, "ninguém" vê.
Ruínas da velha SPR, no abandono total (Tiago Amato, 2009)
É isso. Num lugar instalado e construído no tempo em que o Brasil tinha um Imperador extremamente culto, num local por onde passaram presidentes do Brasil e governadores com toda a pompa da época, por onde, em 1914, passaram homens ingleses, alemães, italianos e franceses para defender sua pátria na guerra insana de 1914-18, esperando para se tornarem inimigos a 10 mil quilômetros de distância - num local que cheira história e que enche de orgulho qualquer cidadão inglês que o visite, nada acontece, tudo vai se destruindo e autodestruindo, por que o povo brasileiro em sua maioria é estúpido demais para se interessar por cultura, história e tradições, coias que o levariam a ser, sem dúvida, uma nação melhor do que é hoje.

A reportagem vai fazer com que se tomem providências? Não, não vai. E se o fizer, vão ser paliativos que de nada adiantarão, ou que adiantarão por pouco tempo. Nada se leva a sério.

Não é o único exemplo de desprezo pela nação. Basta ler meu blog, jornais, outros blogs, outras fontes e se lembrar de locais dos quais foram falados bem recentemente em termos de descaso: Chiador, Cordeirópolis, Nuseu do índio no Rio de Janeiro, desabamentos no Pelourinho e em Goiás Velho, incêndios em Ouro Preto, demolições na "Nova Luz" e até na avenida Paulista, casarões lindos desaparecendo, estações ferroviárias, rotundas, oficinas ferroviárias, etc. etc. etc.. Eu, realmente, não sei pelo que e por que ainda luto.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

LOBO: A MEMÓRIA PERDIDA

A estação de Lobo, em 2001.

Não se trata do animal, mas de um lugarejo, uma pequena vila, chamada Lobo. Há anos é um distrito de Itatinga; já teve mais importância do que tem hoje. Estive duas vezes em Lobo; a primeira havia sido em maio de 1999.

Eu estava procurando por estações ferroviárias da Sorocabana messa região. Era um dia de semana. Andando pela rodovia Castelo Branco, procurava alguma placa indicativa de alguma estação da região. Naquele ponto, a linha não passa tão perto assim, embora cruze a rodovia, vinda de Botucatu e seguindo para Itatinga. Na verdade, trata-se da linha "nova" do tronco da Sorocabana, aberta em 1953 entre Botucatu e Avaré. Seguindo no sentido interior, de repente, quase por acaso, vi uma placa, feita a mão mesmo, indicando um caminho de terra que saía ali perto do quilômetro 225: Lobo.

Eu estava atrás das estações da linha nova, nem me lembrava dessa, que ficava na linha velha, aquela desativada em 1953 por causa da construção de uma linha mais moderna que não passou mais por ali. Mas lembrei-me do nome quando vi. E entrei. Cerca de três quilômetros depois, cheguei ao vilarejo. Muito pequeno, a estação foi praticamente a primeira coisa que vi. Não porque fosse grande - não era - mas porque era uma construção bem típica da velha Soroca. Era uma escolinha e ficava bem isolada. A linha e os desvios do pátio não existiam mais, claro, haviam sido arrancados fazia quase 50 anos. Nada se construiu no local, ficou meio como uma praça, meio largada. Para trás da estação - no caso, a frente era a plataforma, por onde se entrava e saía dela - uma igreja, não tão próxima. O leito da linha virou uma rua sem asfalto. À esquerda dessa rua, algumas casinhas. Uma era o cartório - que havia se mudado para Itatinga. Aliás e pelo jeito, junto com praticamente toda a população do local.

Mapa de Lobo, 1950.  Ainda há a linha e a estação.

A história desta estação é curiosa. Ela foi inaugurada em 1896 com o nome de Estação de Itatinga. Afinal, Itatinga era a sede do município, que, apesar disto, ficava a cerca de quinze quilômetros ao sul dali. A estação foi cravada em "lugar nenhum". Durante os anos seguintes, a estação criou um bairro rural que cresceu bastante: logo vieram igreja, escola e, em 1933, a criação de um distrito subordinado a Itatinga. Só que a sede, sem linha, permaneceu insistindo nos anos seguintes para ter sua própria estação. A forma de se conseguir isto seria por um ramal saindo da linha-tronco.

Em 1914, conseguiram. O empreiteiro da obra foi Lewis Fry, meu tio-bisavô, que estava trabalhando nas obras do ramal Itaici-Campinas desde 1913. O ramal deveria inicialmente sair da estação de Itatinga, mas acabou saindo mesmo do km 345 - Miranda Azevedo, por motivos provavelmente topográficos. E no dia da inauguração do ramal e da estação da sede, e o bairro "Estação de Itatinga" teve o nome trocado para Lobo. Claro, o outro nome foi transferido para a estação nova na sede.

Chegou 1953 e a linha mudou. Mudou para Itatinga, com o desaparecimento do ramal e dos trilhos de Lobo. Em Lobo, o trem fez falta. Não houve alternativas para ele. Cinquenta anos depois, como falei, era tudo terra, sem asfalto. Quase ninguém era visível. O mapa de 1950, postado aqui, mostra uma vila pequena. Praticamente nada havia mudado nesse ano de 1999. Só mesmo os trilhos e desvios haviam desaparecido junto com o apito do trem.

Voltei ali em 2001 com meu amigo Adriano e seu pai. Andamos muito por ali, fizemos a pé cerca de 5 quilômetros naquele dia, seguindo no sentido de Paula Souza, segunda estação no sentido de Botucatu, que nunca alcançamos, por excesso de mato sobre uma ponte que ali existia. Da estação anterior, Miranda Azevedo, nem sombra. E era dali que o trem pegava o ramalzinho para Itatinga, ramal também desaparecido em 1953. Itatinga foi "acomodada" então na linha principal, que passava longe dali.

Mapa de Lobo - no alto - em relação a Itatinga - no canto direito inferior. Mapa de 1945.

Nunca mais voltei a Lobo, mas soube que, entre 2004 e 2009, passaram o trator nela. Nem a plataforma sobrou. O que faz os dirigentes de um município destruírem a que talvez fosse a maior relíquia do vilarejo? Nem para escola servia mais? A escola foi construída pouco mais acima. Não haveria outro uso para o prédio de 1896, que, aliás, deu origem à localidade? Não há espaço para a memória em Lobo? Triste.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

PERNAMBUCO: O RAMAL DE GARANHUNS

Estação de Garanhuns - Foto Gleidson Lins
Pois é, quando os ingleses chegaram a Pernambuco para abrir a E. F. do Recife ao São Francisco, a ideia era ir buscar mercadorias no rio São Francisco e levar para o porto de Recife, de onde as despachariam para outros mercados consumidores. Isto faz muito tempo: data dos anos 1850. A ideia não deveria ser má, pois até o Barão de Mauá, o mais famoso empresário brasileiro do século XIX, apostou parte de sua fortuna nessa linha.

Era uma época em que Pernambuco era uma das províncias mais ricas do Império, bem diferente dos dias de hoje. E a linha começou a ser construída, tendo aberto seu primeiro trecho em fevereiro de 1858 - foi a segunda estrada de ferro a ser aberta em terras brasileiras - entre a estação das Cinco Pontas, junto ao porto do Recife, e a localidade de Cabo de Santo Agostinho, popularmente chamada de Cabo. Este trecho, hoje, é um trem de subúrbios gerenciado pelo metrô de Recife.
Estação de Canhotinho - Foto Gleidson Lins
Dali para o sul, ou melhor, para o sudoeste, a ferrovia foi sendo construída em partes, tendo como carga principal o açúcar das usinas que ou já existiam ou eram fundadas à medida em que a linha se aproximava delas.
Estação de São João - Foto Gleidson Lins
Os dois últimos trechos que efetivamente foram construídos ligavam a estação de Quipapá à de Canhotinho, em 1887 e desta até Garanhuns, em 1887. A ferrovia não deveria parar aí, mas parou. O problema teria sido o fato de o leito para ser construído até o rio São Francisco, num ponto longínquo onde ele deixava de ser navegável, não muito longe de Petrolina, exigiria muito investimento - e, afinal, Garanhuns já era um centro rico naquela época que, como ponta de linha, geraria bastante movimento e cargas para serem transportados pela ferrovia. Ops, não falei de passageiros: como sempre, eles nunca foram a prioridade. Porém, foram servidos por muito tempo.

Alguns anos depois, em 1894, a construção de uma pequena estação de nome Paquevira, entre as estações de Água Branca e de Canhotinho, e de uma linha que a ligava até a estação de São José da Lage, já em Alagoas, ligaria Recife a Maceió e esta ligação não passaria por Garanhuns. A esta altura, era melhor entrar Alagoas adentro do que se aventurar no sertão pernambucano além-Garanhuns. Isto determinou que a ferrovia que unia Paquevira a Garanhuns fosse considerada, a partir de então, um simples ramal de apenas cinquenta e sete quilômetros.
Estação de Paquevira - Foto Claudio Vitoriano
Mesmo nessa época, era evidente que linhas longas teriam maior possibilidade de sobreviver que linhas curtas, e o ramal era uma destas. Porém, ainda se aguentou por setenta e sete anos. Em 1971, o ramal foi desativado e desmontado. Os trens de passageiros, no entanto, acabaram em algum instante entre 1968 e 1969, dois anos antes, portanto.
Estação de Angelim - Foto Gleidson Lins
Havia cinco municípios então entre Paquevira e Garanhuns. Cidades que praticamente nasceram com as estações do trem - com a exceção de Garanhuns - Canhotinho, Angelim e São João sofreram bastante com a eliminação do trem. Estive em Pernambuco três anos antes disso. As rodovias nessa região eram péssimas. Certamente não estavam melhores quando do fechamento da opção ferroviária para essas cidades. Absurdo. Já Paquevira continuou na linha principal. Os trens entre Recife e Maceió somente foram fechados mais tarde, uns vinte anos depois.

domingo, 20 de janeiro de 2013

UMA VISÃO DO PORTO DE SANTOS


Ontem fui buscar minha esposa no terminal de passageiros no Porto de Santos, uma semana depois de tê-la levado. Foram pouquíssimas vezes em minha vida em que me embrenhei na área portuária - uma mistura de ruas públicas, áreas particulares do próprio porto, da Marinha, das ferrovias - uma loucura.

No meio de inúmeros armazéns que parecem abandonados, pelo menos de fora, os carros particulares vão passando em meio a caminhões, alguns ônibus e vans e composições ferroviárias paradas ou em movimento. Uma loucura total.

Nas duas vezes que lá fui em oito dias, entrei na área portuária depois de passar ao lado dela após a via Anchieta se encontrar com a linha da antiga Santos-Jundiaí, pouco antes da entrada na área urbana de Santos. Santos deve ser uma das poucas cidades do mundo em que o chamado centro da cidade aparece já na entrada da área urbana da mesma. Ou seja: está longe de ser o "centro". Ao contrário do que muita gente pode pensar, Santos não nasceu junto às suas praias, mas junto ao estuário por onde entram as embarcações, já há mais de quinhentos anos. A cidade somente chegou às praias há cem anos atrás, e as praias estão do outro lado daquele que é o maior porto brasileiro.

Depois de alguns quarteirões com a linha (e do outro lado dela, o porto) ao lado, a avenida, continuação da Anchieta, afasta-se, junta-se ao morro à sua direita e, passando o túnel (se v. entrar por ele, vai para as praias), seu carro cai em parte da área central. Numa guinada à esquerda, no meio da cidade, chega-se, depois de alguns quarteirões, ao porto. Dentro dele.

Fui seguindo as setas que indicavam o terminal de passageiros. Aí, passei pelo que escrevi mais acima: uma confusão de ruas de paralelepípedos, com linhas e desvios ferroviários, muita sujeira em alguns pontos, mau cheiro (são provenientes da deterioração da soja derrubada dos trens e do milho, este também formando milharais em alguns pontos), muitos armazéns que parecem abandonados - não dá para saber se do outro lado há alguma estocagem - isto dos dois lados, passagens de nível aos montes - impossível sinalizar a todas - cones de divisão de pistas, guardas de segurança, empregados do porto ou das ferrovias, placas que mostram para onde ir, mas que em alguns casos são confusas e até viadutos.

Ontem, cheguei ao terminal P11 para ver se Ana Maria estaria ali me esperando, mas depois descobri que o correto era o P3 - aí, tive de retornar, esperar um comboio da MRS passar, subir de volta o viaduto (não sei se era o mesmo), cruzar um monte de ruas e vias férreas, chegar a auma avenida, avançar bastante por ela e fazer um retorno lá na frente, para depois, perguntando para um guarda ou outro, finalmente chegar 'a entrada do P1, P2 e P3 - não sem antes cruzar com outro trem da MRS e, claro, esperá-lo passar. Finalmente, encontrei a Ana e pudemos começar a voltar para casa.

Aí, voltei também seguindo as placas de Via Anchieta, ou São Paulo, até entrar à esquerda numa rua que, naquele momento, tinha um trânsito enorme - mas ela estava fora da área do porto: rua João Pessoa. Ficamos meio parados nos dois primeiros quarteirões uns 10-15 minutos. Era uma rua larga, com os dois lados abandonados. Ninguém nas ruas, somente construções fechadas ou nitidamente abandonadas - estas, em geral, antigas, casas com mais de cem anos. Mais para a frente, torna-se uma rua comercial e as pessoas começaram a aparecer caminhando pelas calçadas e atravessando as ruas, entrando e saindo das lojas. E fomos embora, pois ela dava direto também no início da Anchieta.

Gosto de Santos, gosto muito - pena que, nos últimos vinte anos, foram pouquíssimas as oportunidades de ir para lá. Gosto da bagunça do porto e das construções, tanto dentro dele quanto fora. Gosto de ver o canal e o mar. Gosto de ver as linhas de bondes cruzando as ruas centrais, muitas vezes com bondes, e abertos - quantas cidades do Brasil hoje têm linhas de bondes? E, quanto ao porto, se um dia ele tornar-se superorganizado (existem portos assim?), não vai ter mais graça alguma.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

ARRANQUEMOS TUDO!!!


Há pouco mais de sessenta anos, um vereador da Câmara Municipal de São Paulo, o engenheiro Joaquim Tomé Filho, que também pertencia à Comissão de Urbanismo e Obras da Edilidade, prestou declarações afirmando que "a questão do trânsito em São Paulo não era problema de fácil solução".

Afora a afirmativa óbvia - não era preciso ser engenheiro para perceber isso (e olhem que o ano era 1952, quando o trânsito de veículos na zona central de São Paulo já era terrível, mas pelo menos ainda não se espalhava pelo município inteiro como é hoje) -, ele continuava, defendendo a imediata retirada não só dos trilhos da Cantareira como das linhas da Central, Santos- Jundiaí e Sorocabana (que formam as linhas da CPTM de hoje). Nessa época, a Sorocabana estava também construindo a linha do rio Pinheiros, que seria entregue em 1957.

No lugar das linhas, seriam construídas... avenidas. A justificativa: a rede teria de ser aumentada para fazer o mesmo efeito que faria a construção de avenidas não somente no seu lugar, mas também no restante do município. E continuava: além dísso, o aumento da rede custaria "bilhões de cruzeiros", e "com muito menos" poderíamos construir pelo menos cinquenta avenidas!

Hoje, realmente pode-se ver o que seria da cidade se não tivesse o pouco de linhas que tem de CPTM (não teria nada, se tivessem sido arrancadas) e de metrô, que finalmente surgiram mais de vinte anos depois. Por outro lado, as "cinquenta avenidas" certamente foram construídas - e muitas mais - e vejam no que resultou o planejamento - se é que houve - errado.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O RAMAL DE MANGARATIBA

Revista da Semana, 28/5/1932
É uma região que não conheço. O máximo que vi dessa área foi a restinga da Marambaia, mostrada no mapa ao sul da linha do ramal. Literalmente, "vi": do avião, várias vezes.

Já avançar pela praia mesmo, de carro, vindo das praias cariocas, cheguei perto de Guaratiba (que está no mapa). Agora, de trem, jamais me aventurei, embora tenha idade para isso. Jamais andei de trem no ramal de Mangaratiba, hoje chamado de ramal de Santa Cruz, ponto máximo desse antigo ramal atingido pela Supervia.

Na verdade, os trens de subúrbio da Central do Brasil sempre iam até Santa Cruz e, depois, para continuar até Mangaratiba, havia de se baldear em Santa Cruz. Dali para a frente, não havia trens elétricos nem tantos trens eram oferecidos aos usuários. Em 1932, quando esse mapa foi feito, todo o percurso era em trens a vapor - mas em Santa Cruz, havia a citada baldeação que muitas vezes podia resultar em uma espera demorada na plataforma. A região toda ainda tinha aspecto rural, especialmente a partir de Santa Cruz. Itaguaí, Itacurussá e Mangaratiba eram pequenos vilarejos. As praias, suponho, paraísos semi-desertos.

O ramal, na verdade, começava, sempre começou e continua a fazê-lo, em Deodoro. No mapa de 1932, não se desenhou a continuação da linha dali a Japeri. Devia ser uma maravilha andar nesse trem, especialmente o da extensão para Mangaratiba. Era chamado de "Macaquinho". Como eu somente conheci o Rio em 1972, quando tinha 20 anos... Bem, esta foi a época em que o Macaquinho estava sendo suprimido. E foi-o porque uma ligação com um ponto próximo à estação de Japeri, em bitola larga, foi construída para carregar minérios para o porto de Sepetiba, usando o leito do ramal a partir de Itaguaí.

Os passageiros perderam a vez. Alguém tem de pagar pelo "pogresso" e aqui, como sempre, foi o povo, dependente desses trens. A linha entre Itaguaí e Santa Cruz ficou a ver navios e foi abandonada (houve um curto período de reaproveitamento por volta de 1987, logo abandonado). Comboios e mais comboios de minérios passaram a correr pela linha, vindos da Serra do Mar e chegando a Sepetiba - aquele trecho em "u" em Mangaratiba que pode-se ver no mapa foi para o beleléu também.

O trecho é muito bonito. Há pontos em que o trem encosta na areia. Hoje, somente os maquinistas podem desfrutar dessa paisagem em viagens de trens. Mais sobre os trens do ramal.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

TRANSCRIÇÃO: SEM FERROVIAS E SEM GESTÃO


Foto: José Reginaldo Oliveira
Sem ferrovias e sem gestão

Por Osmar Veronese*

Qualquer estudante de direito, antes mesmo de ser estagiário, aprende que os contratos devem ser cumpridos, que se alguém faz um contrato com um particular, prometendo-lhe entregar uma dúzia de maçãs, e não as entrega, ou entrega seis, deve ser penalizado, pois descumpriu um acordo e, ainda mais, desrespeitou uma das fontes mais antigas de obrigações que a história conhece, ferindo, também, a boa-fé contratual.

Nas primeiras lições do curso, aprende também que os contratos com o Poder Público contêm uma carga de responsabilidade ainda maior, pois se em algumas relações privadas o objeto pode ser disponível, nas relações com o público, até para evitar corrupção, o campo de disponibilidade fica restrito.
Lamentavelmente, o que se assiste no Brasil é a banalização dos contratos, especialmente se feitos com o Poder Público, em inaceitável desprestígio a um dos mais sagrados instrumentos regradores das relações humanas que a história conhece. É inaceitável que o Brasil tenha feito contratos de concessões, arrendando bens públicos, nos quais repassa às concessionárias cerca de 26 mil km de ferrovias, dos quais cerca de 60% são abandonados, canibalizados, ao arrepio da lei, dos contratos e dos interesses de amplas regiões do País que ficaram órfãos dessa modalidade de transporte.
Para ficar mais claro, suponhamos que o Poder Público repasse a uma empresa o fornecimento de água para toda uma cidade. Alguns dias depois, de forma unilateral (contando com o aceite tácito do gestor público), a empresa interrompe o fornecimento de água para dez bairros mais pobres, porque eles não dão lucro. Ora, isso é uma agressão ao contrato, um desrespeito à sociedade e uma fraude à licitação. É isso que se assiste no Brasil, no setor ferroviário! São quinze anos de descumprimento sistemático dos contratos, tanto que os Técnicos do Ministério dos Transportes sugerem, com as cautelas que isso impõe, a caducidade das concessões.

De uns anos para cá, a gestão dos contratos de concessão das ferrovias no Brasil, passaram a ser responsabilidade da ANTT, a qual, segundo a CGU, o TCU, e agora o próprio Ministério dos Transportes, foi omissa, conivente com os desmandos praticados pelas concessionárias do setor. Não basta fingir de aplicar multa, autuar sem cobrar, praticar uma gestão que não corrige os infratores. Com base em anos de acompanhamento, o GT Transportes, do Ministério Público Federal, alinha-se aos demais Órgãos e trabalha, nas mais diversas regiões do Brasil, para revitalizar o transporte ferroviário e defender o patrimônio que é público.

Em relação a Bernardo Figueiredo, o que continuo entendendo, é que a atuação dele nesse processo pode ser legal, mas é questionável do ponto de vistá ético, ou ao menos é desconfortável. Primeiro, atua como empresário que recebe parte da concessão da malha sul, em contrato para 30 anos, e, poucos anos depois, passa a atuar como Presidente da ANTT, gestor/fiscal público dos contratos de concessão das ferrovias. Há uma incompatibilidade nisso, e esse foi um dos motivos (além da divergência existente na base do Governo) que o Senado usou para rejeitar sua indicação para novo período frente à ANTT. Seu passado, entretanto, não é, por si, o núcleo do problema, mas sim, a conivência, omissão e inefetividade da ANTT que marcaram também sua gestão, como aponta, entre outras fontes, o relatório da Comissão Especial do Ministério dos Transportes publicado pela Veja.

Acompanhamos as novas resoluções que se propõe criar um novo marco regulatório. Elas eram inevitáveis diante da pressão da CGU, TCU e MPF, que cobravam insistentemente o enfrentamento do problema pela Agência. Somos a favor do direito de passagem (não apenas nos locais abandonados ou de baixa densidade, mas queremos que isso aconteça, como compensação ao abandono, nos trechos de alta demanda), evidente que somos favoráveis à fixação de metas por trecho e dos direitos do consumidor, mas nada disso é matéria nova em relação à lei e aos contratos de concessão e arrendamento, exceto o direito de passagem. Nosso medo, é que se insiram mais regras nesse cipoal jurídico e que isso burocratize e dificulte ainda mais o cumprimento da legislação e dos contratos, que são claros o suficiente em relação a maioria dos temas abordados. Ainda não está claro se existe vontade política do Poder Público de cobrar das concessionárias o cumprimento de seus deveres contratuais.

Por fim, o que quer o Grupo de Trabalho do Ministério Público Federal é exercer seu papel de fiscal da lei, mas não se furta a pensar o sistema ferroviário nacional, integrado a outros modais de transporte, deixando claro que a (in)evolução das ferrovias no Brasil é um caso de vergonha nacional, pois temos hoje menos ferrovias ativas do que tínhamos há mais de cem anos. Chega de errar nas escolhas dos gestores públicos e dos parceiros privados (e o recente caso VALEC espelha isso) e basta de assinar contratos e fazer licitações de faz de conta!

* Osmar Veronese, Procurador da República em Santo Ângelo/RS e membro do GT Transportes da 3ª Câmara da Procuradoria-Geral da República, do Ministério Público Federal.

A FABULOSA COMPANHIA PAULISTA

 Leonardo Bloomfield, Pátio da Luz, 1960
Era a CP - Companhia Paulista de Estradas de Ferro (1868-1971) uma ferrovia maravilhosa mesmo, como dizem todos os aficcionados ferroviaristas do Estado de São Paulo e alguns dos outros estados brasileiros?

Uns até dizem que não, não era tudo aquilo... que nas estações de entroncamento de linhas (Bauru, Itirapina, Campinas, Bebedouro, Rio Claro, São Carlos, Araraquara, Dois Córregos etc.) era uma bagunça, juntando trens vindos de mais de uma direção com trens dela mesmo ou de outras ferrovias... pode até ser, mas, por outro lado, os relatos de época, tanto de pessoas como jornalísticamente ou mesmo em trabalhos , diziam o contrário.

Como duvidar, porém, de quem falava mal dela da forma que li, por exemplo, há algum tempo atrás? Em geral, ouvimos sobre a potência que ela era. De um carioca, li algo como "a saudosa e sempre lembrada Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que, acreditem ou não, existiu realmente, e onde eu viajei inúmeras vezes nos seus fantásticos carros Pullman, saboreando seus estupendos bifes CP’s em aconchegantes carros restaurante..."
Propaganda de julho de 1952 - Folha da Manhã

O que pode estar acontecendo é algo do tipo comparar a Paulista ruim com a CPTM do horário de pico. Em situações normais, de não se ter de pegar trens em estações de entroncamento, poderíamos admitir a Paulista boa. Eu viajei pela Paulista uma só vez e, aliás, já nem era Paulista, era FEPASA, em 1977. Fiz São Paulo a Panorama, ida e volta. Viajei de carro-dormitório até Marília, primeira (realmente, não sei se era primeira ou segunda, nessa época eu não ligava para trens... acreditem) até Panorama. Na volta, até Bauru, igual, e em Bauru, tomamos o carro-salão, o "verdadeiro Pullmann". Espetacular! E era "Era FEPASA"!

É verdade, no entanto, que os carros-dormitório já davam sinais de desgaste. Mas não houve problemas. No entanto, um ano mais e esses carros-salão foram retirados de serviço (só 25 anos de uso, e até hoje poderiam estar funcionando, seriam um sucesso!) e desmontados, queimados, sei lá. É mesmo um crime o que se fez e o que se continua fazendo com nosso patrimônio, ferroviário ou não. Há muito poucos carros desses Pullmann recebidos em 1952 em pátios por aí. Quase nada. Aliás, se me perguntarem se realmente tem algum sobrando, neste momento, eu não me lembrarei da resposta.

Para se ter uma ideia, os carros que chegaram em 1952 formavam, com a locomotiva, que muitas vezes era a elétrica V-8 (não a Russa, como falei há alguns dias aqui) a seguinte composição, que teria sido chamada no seu início de "Pássaro Azul". Numa notícia do anúncio do novo trem chegando a Bebedouro em 1952, dizia-se que eram nove carros: um carro-correio, um carro-breque (caboose), três carros de segunda classe, três de primeira, um carro-salão e um restaurante, todos Pullmann e estes dois últimos, com ar condicionado. E também afirmavam que "os carros que vão circular entre São Paulo, Bauru e Barretos são dotados do máximo conforto, com poltronas forradas de veludo e reversíveis e os de segunda classe superiores aos atuais de primeira" (os de primeira que vinham sendo usados até então, ou seja, os ACF - American Car Foundry de 1928).

Com bagunça ou não, quem não quereria? Hoje tem? NÃO! Culpa de quem? Dos governantes e até nossa, que não tivemos coragem e nem vontade de protestar na hora dos escândalos.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

POR QUE NÃO HÁ TRENS PARA O AEROPORTO DE CUMBICA?

O anúncio de lotes em Jundiapeba, junto ao futuro aeroporto, mostrava que Mogi era "do lado" - o que era mentira - e também que ele seria acessível por ferrovia (o que era verdade). Folha da Manhã, 1952

Bom, há várias possíveis respostas.

Uma: havia até 1965 um trem da Sorocabana, ex- Cantareira, que ligava o bairro da Luz à base aérea de Cumbica - a antiga estação ferroviária está até hoje lá na base - que, se mantido e não tivesse tido arrancado seus trilhos na febre de erradicação das tais "ferrovias anti-econômicas" daquela época, poderia ter sido melhorado e eletrificado naquela época mesmo, ou quando a decisão de se construir o atual aeroporto foi tomada, no final dos anos 1970.

Duas: o governo estadual - que já prometeu a licitação e posterior início das obras inúmeras vezes nos últimos anos dessa linha, que seria um ramal que sairia da linha da Variante de Poá (linha onze, hoje, creio - não consigo decorar os números que puseram nessas linhas, muito menos as cores) e seguiria por um caminho bem diferente do da Cantareira - não tem competência e/ou vonta de política de fazer esse ramal. E olhe que, até hoje, não houve uma definição da estação inicial desse ramal - que se pretende ser na zona leste, quando a maior concentração de usuários do aeroporto mora nas zonas oeste e sul da cidade.

Três: porque o governo federal, que construiu o aeroporto de Cumbica, jamais se importou que qualquer aeroporto com o movimento do de São Paulo deveria ser servido por uma linha férrea, para que houvesse uma alternativa de se evitar o trânsito caótico das avenidas Marginais, congestionadas desde os anos 1970, portanto, antes de se decidir o local do aeroporto. Qual seria este local? Realmente não sei, mas certamente haveria alguma alternativa com linha já existente ou, no mínimo, com uma linha sendo contruída concomitantemente com as obras do aeroporto.

Quatro: por que foi burro em acreditar que o serviço de táxis, caríssimo, e o de ônibus especiais dariam conta do problema e não dão. Aliás, mesmo que dessem, ficam presos aos congestionamentos, ao contrário dos trens.

Aí, folheando velhos jornais, fiquei sabendo (não sei com que margem de seriedade ou real intenção) que estava sendo cogitada em 1952 a construção de um aeroporto internacional em Jundiapeba, bairro do município de Mogi das Cruzes entre esta cidade e Suzano. A propaganda no topo da página, publicada em junho de 1952 no jornal Folha da Manhã, atual Folha de S. Paulo, mostra o loteamento - que hoje forma a parte principal do bairro (comparem com a foto do Google Maps, aqui reproduzida) - sendo "fortalecido" com a "certeza" de que o aeroporto seria construído ali (chamariz da época, pois hoje ninguém quer morar ao lado de um aeroporto).
O mapa do Google Maps em 2012 mostra a mesma área citada na propaganda. Ele está invertido (de ponta cabeça, o sul está no lugar do norte real). Suzano à direita, Mogi à esquerda - mas não tão perto quanto a propaganda mostrava

Pelo desenho, o aeroporto ficaria situado ao lado do loteamento, entre ele e a cidade de Suzano. Exatamente em que local ele seria, não dá para saber pelas (quase nenhuma) informações que consegui. Porém, em uma coisa a propaganda não mentia: havia (e ainda há) realmente uma linha férrea em Jundiapeba, hoje da CPTM, naquela época da Central do Brasil...

domingo, 13 de janeiro de 2013

PROPAGANDA DAS RUSSAS DA PAULISTA


Em 1952, quando as ferrovias ainda eram algo sério neste país (embora claramente em decadência), publicar propaganda (reclames, como eram chamados) nos jornais enaltecendo os produtos e serviços de uma delas era algo que valia a pena.

Vejam este reclame da Companhia Paulista, na época, considerada a melhor ferrovia do país, onde os rolamentos que compunham a locomotiva e os carros Pullmann que ela tracionava eram quem deve ter preparado e publicado a propaganda na Folha da Manhã (hoje Folha de S. Paulo) do dia 24 de julho. Deve ter havido entendimentos tamto com a GE, fabricante da locomotiva - conhecida popularmente como "Russa", mas que, para os puristas sempre será a GE 2-D+D-2 - , quanto com o fabricante Pullmann e a própria Companhia Paulista. Esta certamente teria apreciado bastante aparecer na propaganda.

Tanto fazia que a "Russa" não puxava carros de passageiros (ela era somente utilizada em cargueiros, dada a alta potência) e que nas linhas eletrificadas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro não existia nenhum túnel (está bem, havia um túnel na linha da E. F. Santos a Jundiaí, por onde a Paulista era obrigada a passar - o de Botujuru), mas tinha de o fazer com locomotivas desta última em grande parte das vezes e sempre com tripulação da "outra". Em Jundiaí aconteciam as trocas.

Somente por curiosidade, o que teria acontecido com essa locomotiva especificamente, a qual tem a numeração 451 no raclame? Ela foi adquirida menos de um ano antes pela CP, importada dos Estados Unidos. Não, não era russa - esta é outra história. Depois, em 1973, já depois, portanto, que a FEPASA incorporou a CP e outras quatro ferrovias paulistas, a mesma locomotiva foi fotografada em Jundiaí pelo Ivanir Barbosa, ainda com os logotipos da sagrada Paulista (veja abaixo).

E, finalmente, ela mesmo (abaixo), já com a pintura da FEPASA, fotografada por Kleber Ragassi, abandonada em Triagem, Bauru. Vejam abaixo. O nariz já era diferente. A numeração "6451" em 1973  e no início dos anos 2000 era a numeração da Fepasa, que neste caso adicionou um "6" à frente do número original da Paulista.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

JARDIM AMÉRICA E ENTORNO EM 1934


Em 1934, o bairro do Jardim America, na capital de São Paulo, ainda tinha poucas construções. Basta ver a fotografia acima, de uma propaganda da Companhia City, que era a dona dos terrenos no bairro.

Nem mesmo os famosos e hoje esquecidos "jardins internos" haviam sido ainda loteados. Esses jardins eram quintais comunitários que deveriam ser cuidados pelos proprietários que o circundavam, Ficavam no meio de alguns quarteirões. Mais tarde, foram loteados, construindo-se uma rua sem saída para chegar ao seu interior. Um dos exemplos é a atual rua Porto Rico.

Mas, para mim, o mais impressionante é a vista, ao fundo, do bairro de Cerqueira Cesar. Mas, cuidado: atualmente e desde os anos 1960 esse nome é o do bairro que fica entre o quadrilátero Rebouças-Paulista-Nove de Julho-Estados Unidos e que antes de 1960 se chamava Vila America. . Naquela época, porém, e desde o loteamento no final dos anos 1890, Cerqueira César era o nome de outro bairro, o do quadrilátero Rebouças-Doutor Arnaldo-Galeno de Almeida-Pedroso de Moraes. É a este que me refiro na fotografia acima.

Nomeei todas as ruas com a nomeação da época e, entre parênteses, o seu nome atual. O único nome que parecerá estranho, pois não cita o nome atual, é o da rua Esmeraldina, que era o trecho que, no final dos anos 1940, foi alargado - essa rua era continuação da avenida Brasil e a partir do alargamento tomou o nome da avenida. Esse trecho estava entre a rua Atlântica e a avenida Rebouças.
Cerqueira Cesar em 1930 (Sara Brasil), no trecho que aparece na fotografia acima. Onde está escrito "Avenida", à esquerda, era Avenida Brasil: o mapa chamou a Henrique Schaumann com esse nome. Teria realmente a rua se chamado assim por algum espaço de tempo nessa época?
Vejam que o bairro dá a impressão de não ter ainda nenhuma construção. Ruas sem pavimentação, incluindo a Rebouças e a rua de Pinheiros. A continuação da Rebouças no sentido da rua Iguatemi não aparece na foto. Ela se chamava rua Itapirussu e partia na verdade da rua de Pinheiros, ou seja, para ir para essa rua (que terminava na Groenlandia), havia que se seguir da Rebouças para a rua de Pinheiros por um pequeno trecho e logo depois entrar nela. Com o alargamento da Rebouças e sua continuação pela Itapirussu, eliminou-se um pequeno pedaço da rua de Pinheiros e abriu-se a Itapirussu, que desapareceu como rua e como nome.

O fato é que o mapa da Sara Brasil de 1930 mostra bastante construções nesse bairro, principalmente quanto mais se subia a Rebouças no sentido do Sumaré. Pode ser que as casas muito pequenas aparecessem pouco escondidas ao longe pelo mato ou árvores? Ou talvez a foto fosse bem mais antiga que sua publicação. É fato, porém, que, entre as ruas João Moura e Henrique Schaumann, o número de casas era baixíssimo no mapa de 1930, e essa parte aparece bem na foto.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

JULIO PRESTES E SUA ESTAÇÃO

A gare da estação São Paulo em 1930 no dia de sua inauguração.
No tempo em que as ferrovias ainda eram poderosas no Brasil, mesmo as estatais - que, na época, já tinham uma boa fatia do mercado - a hoje lendária Estrada de Ferro Sorocabana, pertencente ao Governo do Estado de São Paulo, inaugurava a estação São Paulo. Ou melhor, parte dela - exatamente a gare de embarque, que, ali, era apenas menos da metade - talvez um terço - do projeto inteiro.

O projeto todo, pronto em 1937 e inaugurado em 1938 por Getulio Vargas, embora com várias modificações sobre a planta de Cristiano das Neves, possuía, além da gare coberta de 1930, um prédio de três andares ocupado pelos escritórios da ferrovia, a terceira do Estado e a mais rica pertencente ao governo paulista. Era superada apenas pela São Paulo Railway, de proprietários ingleses, e pela Companhia Paulista, de investidores privados e em sua maioria paulistas.

Com a inauguração da estação, a terceira, deixava-se de lado a segunda estação, depois prédio do DOPS e hoje museu e que fica a seu lado. A primeira, que funcionou de 1875 a 1914, bem pequena, ficava do outro lado e foi demolida em 1979.

A inauguração de 1930 deu-se no dia 13 de maio, com a presença do ex-Presidente do Estado (1927-30), o governador da época, Julio Prestes. Na época, era já o Presidente eleito do Brasil. As eleições na hoje chamada República Velha aconteciam sempre em 15 de março e a posse, oito meses depois, em 15 de novembro. Posse que, aliás, não existiria; em 24 de outubro, o Presidente Washington Luiz, que apoiava Prestes, viria a ser deposto num golpe chefiado por Getulio Vargas, ex-governador gaúcho e ex-ministro da Fazenda do próprio Washington.
O Presidente Julio Prestes no dia da inauguração da estação, em 1930.
Julio Prestes e Washington Luiz foram presos e partiram para o exílio. Regressaram ao Brasil somente após a queda de Vargas e morreram por aqui, o primeiro, em 1946; o segundo, em 1957.

Em 1951, a estação São Paulo da Sorocabana recebeu o nome de Julio Prestes, depois de este ter sido o nome da estação Canguera (hoje em ruínas), da linha Mairinque a Santos da própria Sorocabana, entre 1949 e 1951. Por que o nome foi transferido para a estação São Paulo, não consegui descobrir exatamente; mas que dá a impressão de que os paulistas quiseram atiçar Getulio Vargas, que no início desse mesmo ano havia sido empossado na Presidência da República pela primeira vez por voto direto, ah, isso dá.

A classe média e rica paulista jamais engoliram Getulio Vargas, pelas revoluções de 1930 e de 1932; já as classes mais baixas o apoiavam, pelas leis trabalhistas aprovadas no tempo getulista da ditadura do Estado Novo (1937-45).

domingo, 6 de janeiro de 2013

A DUPLICAÇÃO DA AVENIDA SANTO AMARO


A velha estrada de Santo Amaro, chamada por tantos nomes desde que apareceu sabe-se lá quando, foi finalmente duplicada no ano de 1952. No dia 24 de junho desse ano, foi entregue o primeiro trecho da avenida Santo Amaro entre o final da avenida Brigadeiro Luiz Antonio, na praça Dom Gastão Liberal Pinto, até a rua Afonso Braz. Cinco dias depois, abriu-se o trecho entre esta rua e o córrego da Traição (hoje avenida dos Bandeirantes). Ali existia um pontilhão.

Entende-se que, da Traição para a frente, o alargamento veio mais tarde, claro. Ainda não consegui descobrir quando. Até então, tudo o que se encontrava nos jornais referia-se à "estrada velha de Santo Amaro" ou, simplesmente, "estrada de Santo Amaro". Nessa época, a nomeação de vias em bairros mais afastados do centro eram meio confusas. Há comerciais do final dos anos 1940 que se referem a terrenos e casas na altura da Vila Nova Conceição como "avenida Brigadeiro Luiz Antonio", mas ali era, efetivamente à estrada de Santo Amaro.

Afinal, a estrada original de Santo Amaro percorria o que hoje são: a rua de Santo Amaro, que sai da Praça das Bandeiras, originalmente o "Piques", larguinho que não mais existe desde os anos 1940 e que historicamente era o ponto de partida de diversas rotas para o interior paulista. Depois, seguia, a partir de onde se encontram a rua citada e a Brigadeiro, pela atual Brigadeiro Luiz Antonio até a avenida Paulista e, mais tarde, este nome continuou até o Itaim, na atual Praça Dom Gastão Liberal Pinto. Somente dali para a frente seguia o nome de Estrada de Santo Amaro.

Do córrego da Traição para a frente, a avenida mudava de nome para avenida Adolfo Pinheiro. Isto permaneceu até meados dos anos 1960. Aí, adotou-se a continuação do nome "avenida Santo Amaro" até o Borba Gato, deixando o nome de Adolfo Pinheiro somente para o trecho que vinha do largo 13 de Maio, no centro do antigo município de Santo Amaro, e ainda seguindo em frente, pela avenida João Dias, cujo nome original era Estrada de Itapecerica, até o encontro das ruas Nove de Julho e rua da Fonte, onde hoje efetivamente começa o nome João Dias. Hoje, é nesse ponto o final da "grandiosa" avenida Santo Amaro.
A avenida, hoje, na região da Vila Olimpia. Corredor de ônibus com movimento enorme, um dos dois mais movimentados da cidade, ela e a avenida Celso Garcia. A foto é do Google Maps e, como foi tirada num domingo, apresenta uma avenida com tráfego bastante aceitável.

A avenida continua da mesma largura que possuía em 1952. Já há muito tempo é muito estreita para receber todo o tráfego que por nela passa. O barulho produzido pela avenida é ensurdecedor já desde os anos 1970. Lembro-me que por volta de 1980 ainda existiam algumas pequenas lojas e oficinas ali na região da Vila Nova e do Itaim que estavam na avenida, com entrada à beira da calçada, sem recuo. Mesmo com a porta fechada, era impossível manter uma conversa com os vendedores das lojas sem elevar bastante o tom da voz. Isso melhorou um pouquinho com os ônibus elétricos, cuja história triste conto também a seguir.

Ainda por cima, o corredor exclusivo de ônibus ainda rouba uma faixa dos automóveis, que têm de circular em duas faixas estreitas juntamente com os caminhões. Por muitos anos, o corredor era para ônibus elétricos. Dona Marta Suplicy, uma tresloucada prefeita que governou São Paulo no inícios do século XXI, fez a imbecilidade de tirar diversas linhas de ônibus elétricos da cidade por "poluição visual" (de fios aéreos), entre os quais o corredor da Santo Amaro, que vinha da Nove de Julho, trocando tudo por ônibus diesels fumarentos e barulhentos (vocês devem saber, ônibus elétrico não faz barulho nenhum e nem polui). Sim, é essa incompetente que foi chamada pelo atual prefeito Fernando Haddad (por uns chamado de "Malddad") como tendo sido o melhor prefeito de São Paulo até hoje. Se é nesse modelo que ele vai se inspirar, nós podemos imaginar que tipo de governo vamos ter nos próximos quatro anos.

sábado, 5 de janeiro de 2013

COMO SE DESTRÓI A INFRAESTRUTURA DE UM PAÍS

 
O artigo abaixo tem duas partes. Na de cima, eu comento o que achei do texto na parte de baixo, de Antonio Pastori.
 
Concordo em numero, genero e grau com tudo o que ele escreveu no e-mail abaixo, enviado a mim nesta manhã. Nada diferente do que venho insistentemente escrevendo em meu blog e falado em entrevistas que dou.
 
Não há mais nada a comentar, a não ser ficar lamentando e lamentando e lamentando. Num país em que a voz do povo deixou de ser a voz de Deus há muito tempo - se é que um dia terá sido - as ferrovias, claramente úteis, devferiam estar sendo utilizadas e não estão; politicos corruptos continaum agidno por todo o país; políticos "oficialmente" corruptos, ou seja, condenados pelo STF - continuam fazendo o que querem, soltos e ricos; vamos exigir o que?
 
Talvez se começarmos a pedir para o governo fazer o contrário do que queremos, ele passe a fazer exatamente o que queiramos...
 
O e-mail recebido de Antonio Pastori segue abaixo e seu texto refere-se a um video ali citado (assistam-no, pois vale a pena e ajudará a entender o que Pastori fala):
 
Prezadas/os

Por gentileza, leiam os comentários abaixo quando tiverem tempo, mas não
deixem de acessar o link abaixo para ver uma preciosidade, um antigo filme
sobre a (simplória e incompleta) justificativa para  erradicação de 4.000
 km de ramais ferroviários antieconômicos da RFFSA, em 1964.


Algumas informações técnicas sobre o FILME e o seu momento em que foi
produzido (1964).

1 - O filme é do INCE-Instituto Nacional do Cinema Educativo(?), produzido
pela Atlântida Filmes, a pedido do MEC  e o Ministério da Viação, que não é
citado. Lembren-se que, naquela década a industria automobilistica, recém
instalada no Brasil, precisava consolidar-se.

2 - Os primeiros 8 minutos contém tomadas feitas na extinta E. F. Maricá,
que ia de Niterói (Neves) até Cabo Frio, com 158 km. Se a linha fosse
preservada, um moderno Trem Regional faria essa viagem até Cabo Frio em
menos de duas horas. Hoje esse percurso rodoviário pode levar  mais de 4
horas, sobretudo nos finais de semana e feriados.

3 - Na altura dos 8':15" do filme, temos uma belíssima surpresa, com raras
imagens do trecho a cremelheira da Serra de Petrópolis (erradicada em
1964), com passagem pelas estações Raiz da Serra, Meio e Alto da Serra.
Observem a passagem do trem pelo centenário Viaduto da Grota Funda,
teimosamente de pé até hoje. Esse trecho está totalmente ocupado, e a
reativação dessa ferrovia só depende da vontade política de resolver essa
questão das ocupações, que será cobrada insistentemente por nós dos atuais
prefeitos de Petrópolis, Rubens Bomtempo, e Magé, Nestor Vidal.

4 - A imagem final do filme é emblemática: um trem cargueiro da até hoje
eficientíssima E. F. Vitória-Minas transportando minério de ferro. Essa
ferrovia é a única que vem fazendo o transporte diário de passageiros entre
essas duas capitais.

5 - Estatísticas: a promessa de erradicar os ramais anti econômicos - foram
mais de 10 mil km - para investir em rodovias, resultou no seguinte quadro
atual: dos 1.600.000 km de rodovias existentes hoje no País, apenas 200 mil
km (12,5% do total) são mal e porcamente pavimentadas;  destes 200 mil km
pavimentados temos somente 64 mil km de rodovias federais, ou seja, apenas
31%. Essas rodovias nos cobram, além do frete elevado,  um pedágio social
em termos de desperdício na queima de combustível fóssil não renovável,
poluição, acidentes, perdas materiais e humanas, aumentando o que se
convencionou de chamar custo da infraestrutura ineficiente, ou custo
Brasil.

6 - Para compensar esse atraso, o governo federal investe bilhões e bilhões
em novas rodovias e ferrovias, em projetos "em*PAC*ados" que andam no ritmo
da velha Maria-fumaça. Por sinal, hoje a velocidade média dos nossos
modernos automóveis nas grandes Regiões Metropolitanas é muito inferior a
velocidade média da "Baroneza", primeira locomotiva a vapor que rodou em
solo brasileiro a 32 km/h, e isso foi há mais de 160 anos atrás! Evoluímos?

7 - A maquiavélica estratégia do governo Federal à época, foi deixara o
doente atingir o estado terminal para justificar a desmontagem da  RFFSA. É
claro que havia muito obsoletismo, ineficiência humana e material, mas hoje
percebe-se que foi um grande desperdício de RH e Ativos  não repensar,
naquela época, um modelo para revitalizar e modernizar a Rede.

8 - Esse desperdício poderia ter sido minimizado, por exemplo,  se alguns
os ramais ferroviários antieconômicos, ao invés de serem erradicados,
fossem preservados (retirar os trilhos foi uma imbecilidade sem
precedentes) com os trilhos sendo vendidos a preço de sucata.  Existem
ainda antigos trechos belíssimos, com paisagens de tirar o fôlego, mas que
hoje são somente acessíveis por utilitários 4X4.

9 - Idem, idem, com o material rodante. Se fossem preservados, estariam
novamente na ativa servindo como TrensTurísticos e/ou Regionais,
contribuindo para reduzir essa carnificina diária nas rodovias, gerando
emprego e renda através do Turismo e preservando milhares de estações
centenárias abandonadas relegadas ao esquecimento.

Por fim, não deixem de ler o texto abaixo, pois ele explica um pouco do "*modus
pensanti *" da época, que aplaudiu de pé a morte do trem  de passageiros,
preferindo ficar horas e horas engarrafados nas estradas ou, pior,
 envolver-se  em acidentes estatisticamente cada vez mais frequentes.

A. Pastori.
 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

PRIMÓRDIOS DO JARDIM EUROPA

Mapa do Jardim Europa - 1922
Com o sucesso da Companhia City no lançamento do Jardim América em 1912, um empreendedor português resolveu adquirir também uma gleba de terra entre o limite do tal empreendimento alguns anos depois e lançar o seu jardim também, que ele denominou Jardim Europa.

Assim como as ruas do Jardim América possuíam nomes de países da América, as do Europa viriam a ter os nomes de países europeus. A última rua do primeiro Jardim era a rua Groenlândia, que na verdade era parte da Estrada da Boiada, que vinha da Lapa, passava por Pinheiros e seguia para o matadouro da Vila Mariana. Não se sabe se o nome foi dado porque a Groenlândia é o limite norte da América, mas o nome dessa rua "casou" com as ruas do Jardim Europa, que viriam a seguir - afinal a "terra verde" gelada não está na divisa dos dois continentes, por assim dizer?

Os nomes das ruas do novo Jardim são as mesmas até hoje, com pequenas modificações. O mapa postado no topo deste artigo é de 1922. À esquerda dele, a rua Rússia e um córrego. No final dos anos 1950, isso se modificou: a continuação da avenida Nove de Julho após a rua Grienlândia acabou por açambarcar o leito da rua Rússia até o ponto em que esta dobrava à direita para chegar à praça da Liberdade (acima, no mapa) e essa curva à direita foi a única parte da velha rua que manteve seu nome após isso. O córrego é o córrego da Várzea, que nascia próximo ao túnel da Nove de Julho e acomapnhava o futuro leito dessa avenida até, depois de passar pela avenida Cidade Jardim e rua Artur Ramos, desaguava em frente a esta última no tio Pinheiros. Hoje é apenas uma galeria de águas pluviais invisível.

A rua Augusta citada no mapa é, na verdade, a rua Colômbia, sua continuação. Elas trocavam de nome na rua Estados Unidos. Da rua Groenlândia para a frente, chamar-se-ia avenida Europa. Os dois grande lotes nesta esquina teriam sido originalmente jardins públicos? Se o foram, foram-no por muito pouco tempo. O fato é que o da esquerda, no mapa, virou mais tarde o casarão de Horácio Lafer, que depois foi por muito tempo a "Casa da Manchete", de Adolfo Bloch. Hoje, não sei o que é. À direita, também se construiu depois. Em 1922, quando o Jardim Europa estava sendo lançado, a chegada dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral encantou o empresário português, que deu-lhes de presente em uma grande festa realizada ali mesmo, esse grande lote de terreno.

O Bosque São Paulo, que pode ser visto à direita na rua Suíça, também desapareceu. A Praça da Liberdade, onde a avenida Europa acaba, ainda existe, mas não tem mais esse nome. Ali começa a avenida Cidade Jardim, que só apareceu por volta de 1927 para levar à primeira e desaparecida ponte do mesmo nome sobre o rio Pinheiros.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

UM DIA UM RIO PASSOU POR AQUI


Em 2010, publiquei aqui um pequeno trabalho sobre o córrego Verde, ou rio Verde, um antigo curso d'água que cruzava os atuais bairros de Pinheiros e Jardins.

Quem quiser ver clique aqui.

De qualquer forma, nesse trabalho, os seus dois braços (um nascia no alto do Sumaré, perto da confluência da rua Oscar Freire com a Doutor Arnaldo e outro no atual Jardim das Bandeiras) eram mostrados como se juntando ali na rua Maria Carolina, próximo ao seu encontro com a alameda Gabriel Monteiro da Silva.

Porém, novas pesquisas mostraram como o local mais provável a praça Gastão Vidigal, no miolo do Jardim Paulistano.

A fotografia acima mostra a praça, vista no sentido da alameda Gabriel Monteiro da Silva (que está a cerca de um quarteirão do "fundo" da foto). Aquele ponto atrás das árvores, ou no meio delas, teria sido, há cerca de cem anos, a foz de um dos braços no outro.

Hoje está tudo debaixo da terra, em galeria deáguas pluviais. Podia ser então uma bela paisagem. Não que a preça não seja, muito pelo contrário - mas, já pensaram se os dois braços d'água ainda estivessem ali no meio de flores?

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

MAPAS E PLANOS FERROVIÁRIOS

Jornal do Brasil, 27/12/1951
Dois mapas de planos para construção de ferrovias colocados na mídia - mais precisamente, jornais - em 1951 e em 1955 mostram que naquela época, exatamente como hoje, havia muito planos e pouca realização de obras.

É verdade que, apesar do abandono das ferrovias a partir principalmente dessa década, houve sim obras ferroviárias no período de 1950 a 2000. Basta ver as retificações da Mogiana, Paulista e Sorocabana feitas por estas e pela FEPASA em seuquencia, o "o corredor de exportação" que resultou na retificação da velha e obsoleta Ituana (Mairinque-Campinas), no Tronco Sul, na Central do Paraná, na Passo Fundo-General Roca e na Ferrovia do Aço, além de outras menores.

Aqui, descobri, outra vez com a ajuda de meu amigo Danilo Gentili, dois mapas nos anos acima que mostram planos para a união de determinadas ferrovias em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.  No primeiro mapa, o que aparece acima, no alto deste artigo, o trecho que ligaria Cuiabá, MT a Anápolis, GO, poderia ter ajudado muito na infraestrutura de transportes dessa região se tivesse sido feita nessa época. A região é carente de boas estradas desde essa época e ainda se fala nessa linha, com percursos um pouco diferentes.

O mesmo mapa mostra a linha Cuiabá-Santa Fé do Sul, SP, divisa SP-MT que era então o prolongamento da E. F. Araraquara, que deveria ser feita por esta. Essa linha nada mais é do que a Ferronorte, cujo primeiro trecho somente foi aberto nesse percurso quase cinquenta anos mais tarde (1998).

Vejam que há também uma terceira ferrovia planejada a partir de Cuiabá, ligando esta capital a Campo Grande, hoje MS, e ainda uma linha que ligaria a E. F. Araraquara à Noroeste. Estas quatro linhas estão tracejadas no mapa, enquanto todas as outras, já então existentes, eram mostradas conforme o padrão das ferrovias na época, traço branco com traço preto intercalados e fechados.
Jornal do Brasil, 27/2/1955

O mapa de 1955, mostrado aqui acima, mostra uma linha que ligaria Jeceaba, MG, na linha do Paraopeba da Central do Brasil a Arantina, MG (no mapa marcado erradamente como Andradina), na linha da Rede Mineira de Viação. A intenção deveria ser dar uma opção de embarque de minérios no porto de Angra dos Reis para a carga da região do ferro em Belo Horizonte. O que resultou desse plano foi a Ferrovia do Aço, que fez a mesma coisa, mas ligando também Jeceaba com Barra Mansa, de onde o minério de ferro pode ir para três portos: São Paulo, Angra dos Reis ou Rio de Janeiro.

Se procurarmos por outros planos, acharemos diversos, durante os últimos quase 160 anos de ferrovias no Brasil. Cada um deles provavelmente daria um livro...