domingo, 24 de junho de 2012

A GREVE NA FEPASA EM 1997 E A PERDA DAS FERROVIAS POR SÃO PAULO

Autor desconhecido

No início de março de 1997, os funcionários da FEPASA entraram em greve. Nada de novidade no fato, mas era mais do que claro que uma greve a esta altura do governo de Mario Covas era certamente um enorme risco para os funcionários e também para a empresa já moribunda.

O PSDB, partido de Covas, estava começando a governar o Estado por um longo período - dura até hoje, 15 anos depois - e já no início não demonstrava nenhum apego em manter a empresa ferroviária altamente deficitária e em péssimas condições de manutenção. Iria, em um ano, entregá-la de mão beijada para o governo federal, mais precisamente para a RFFSA, que a esta altura já havia privatizado quase todas as suas linhas.

A FEPASA iria para o mesmo saco certamente. E foi. Entregue à União em 1 de abril de 1998, foi privatizada em novembro com o nome de "malha paulista. A Ferroban começou a operar suas linhas em janeiro de 1999.

A greve já havia acabado fazia alguns dias, em 19 de março, dia em que os jornais publicaram um artigo dizendo que os trens de passageiros, parados desde o início do movimento, iriam voltar a operar.

Nessa altura, a FEPASA, desde o início do governo de Covas, já havia reduzido seu quadro de funcionários pela metade, estando então com pouco mais de sete mil empregados. Não deve ser muito erro de minha parte acreditar que ela não tinha a esta altura nenhuma intenção de não operar mais seus deficitários trens de passageiros.Porém, apesar de a FEPASA ter nesse dia citado que havia "péssimas condições nas linhas para operá-los", ela afirmou no dia seguinte que iria aos poucos fazer os trens voltarem "no próximo domingo". O que teria havido? Pressão do sindicato, temendo mais demissões?

Nesse momento, ainda havia diversos trens correndo e aguardando a diretoria decidir a data para voltarem a correr: Jundiaí-Barretos, Jundiaí-Panorama, Jundiaí-Santa Fé do Sul, Campinas-Araguari, São Paulo-Presidente Prudente (há algumas dúvidas se ele ainda estaria seguindo até Presidente Epitácio então), Santos-Embu-Guaçu e Santos-Juquiá.Todos eles voltaram a correr, exceto, talvez, o trecho entre São José do Rio Preto a Santa Fé do Sul. Em agosto, pararia o Campinas-Araquari. Em novembro, o Santos-Embu-Guaçu e o Santos-Juquiá. Em março do ano seguinte, o Araraquara-Barretos. Curiosamente, no entanto, uma linha que jamais havia existido anteriormente havia sido criada em dezembro de 1997: o Sorocaba-Apiaí.

Os poucos trens que sobraram foram operados pela FEPASA até o seu dia final de concessão, que foi 31 de dezembro de 1998. A partir do dia seguinte, a Ferroban continuaria com esses trens por pelo menos dois anos, de acordo com o contrato de concessão. Ela conseguiu piorar ainda o serviço, e, alegando linhas em más condições, desrespeitou o contrato e, dezesseis dias depois, acabou com todas as linhas.

Elas voltaram a correr em primeiro de agosto de 1999. Nova pressão para cumprir o contrato ou dos sindicatos? Para que retornar linhas que só davam prejuízos e estavam praticamente sem passageiros? Na época, somente se soube da volta por causa de ionformações internas de funcionários da Ferroban: não havia publicidade, nem a Ferroban a queria. Os trens passaram a correr com menos carros, um ou dois apenas, a constantemente encurtar trechos por falta de passageiros, não havia limpeza nos banheiros, nem carro-restaurante, nada. Eram verdadeiros trens-fantasmas. Acabaram sem festas em 15 de março de 2001.

Embora a entrega da FEPASA para a RFFSA em 1997 possa ter ajudado a abrandar a dívida paulista do BANESPA com a União - o Estado preferiu ficar com o banco, que privatizou pouco depois. Pode ter sido excelente a curto prazo. Porém, hoje se percebe claramente que a perda da posse das linhas pelo Estado - as da FEPASA, claro - tornou-se um grande problema de infraestrutura. Hoje São Paulo possui em termos de patrimônio apenas as linhas da CPTM, do Metrô e as da pequena E. F. Campos do Jordão. Destas, quase tudo está em terras da Área Metropolitana de São Paulo. Apenas "escapam" o pequeno trecho entre o túnel de Botujuru e Jundiaí, outro entre Amador Bueno e Mairinque (não operado pela CPTM mas de sua propriedade) e a EFCJ, em Pindamonhangaba e Campos do Jordão, usada por trens turísticos apenas e hoje aparentemente inviável para fins cargueiros.

Não é por acaso que alguns deputados estaduais fundaram um grupo de estudos com o nome de "Frente", tentando desde setembro de 2011 estabelecer um meio de o Estado poder ter algum controle sobre as antigas linhas da FEPASA e até sobre as que não lhe pertenciam: Santos a Jundiaí, Noroeste e ramal de São Paulo, estas duas últimas, pelo menos no seu trecho paulista. Nota-se, no entanto, pouco apoio e empenho nessa luta, onde os seus membros deputados não têm o conhecimento necessário para torná-la forte e atuante.

A forma pela qual as atuais concessionárias que atuam em São Paulo - FCA, MRS e ALL - e principalmente a falta total de fiscalização por parte das agências e departamentos da União, que permitem às empresas concessionárias fazerem o que querem sem sofrerem absolutamente nenhuma sanção. O Estado de São Paulo tornou-se apenas passagem de cargueiros. Pouquíssima carga é gerada em nosso território e pedidos feitos por empresas ou prefeituras nem têm resposta por parte das concessionárias, que transportam apenas o que lhes interessa.

Também cada anúncio ou intenção de se utilizar linhas existentes para a implantação de trens de passageiros de longa distância ou turísticos (geralmente de curta distância) são castrados na origem. Entretanto, é verdade também que a maioria dos projetos anunciados por alguém de São Paulo nesse sentido o são apenas com fins eleitorais. Nos últimos dez anos, os únicos que apareceram com razoável chance de sucesso foram os que foram apresentados pela CPTM, que, mesmo assim, apenas contempla trens de longa distância partindo de São Paulo para cidades que não distam mais do que cem quilômetros da Capital.

Um comentário:

  1. Bom dia, Ralph. A greve teve por objetivo "tentar" impedir o que aconteceu a seguir, por você bem relatado. Aconteceria ainda mais rapidamente sem ela. Lembre-se de que sindicatos acompanham planos de governo muito além das meras informações disponibilizadas na mídia. Essas coisas não acontecem por causa das greves. Acontecem ainda mais fácil e rapidamente quando percebem que não haverá nenhuma resistência. Não fazia e não faz parte ainda dos planos do governo do PSDB, em São Paulo, o resgate das ferrovias. Aliás, não faz parte de planos de nenhum governo e de nenhum partido. Temos, nós e você, acompanhado isso mais ou menos de perto nos encontros da tal "Frente". Estão investindo em ferrovias por necessidade, e não por crença ou paixão pelo modal. Tampouco a CPTM vai expandir, se não houver pressão para que isso aconteça, principalmente da parte do sindicato, interessado primeiro e legítimo nos esforços para ampliação e modernização da malha e dos trens. A rigor, fomos nós que perdemos o gigantismo que um dia representou a ferrovia no Estado de São Paulo, e que construímos. Para nós essa história não é produto de pesquisa bibliográfica, mas biográfica.

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