terça-feira, 31 de maio de 2011

SANGUE, SUOR E LÁGRIMAS

Estação de Mauá, SP, 1943
A vida em meados do século XX era melhor? Mais calma? Mais fácil? Mais alegre? Eram mesmo bons tempos?

Os dois trechos abaixo foram escritos por terceiros e publicados como e-mails em resposta a uma discussão sobre a cidade de Mauá, em São Paulo. Transcrevo-os sem identificar os autores, que podem, no entanto, identificar-se se quiserem. Em itálico o primeiro texto, depois um comentário meu e finalmente o segundo texto, menor, também em itálico:

Meu avô que morava na Vila Guilherme, em 1952, em um cortiço pagando aluguel e um dia viu uma placa na Av. Ipiranga em São Paulo, dizendo que em Santo André uma empresa de urbanização estava vendendo terrenos grandes e baratos em Mauá. Ele foi então até Santo André na rua das Figueiras para checar a informação e acabou comprando um terreno em Mauá. Com o terreno comprado restava então construir a casa: a construção demorou 2 anos com a ajuda de um cunhado e, segundo meu avô, eles saíam da Vila Guilherme no sábado pela manhã e pegavam o trem, tendo de andar 4 quilômetros até o terreno, pois na época não havia linha de ônibus para todos os bairros. Na obra a areia era retirada de um rio próximo e os tijolos eram comprados de uma olaria de propriedade dos Damo e, como não havia pavimentação nas ruas, os caminhões simplesmente não conseguiam transitar pelo bairro. Meu avô, então, buscava os tijolos de carriola, mais ou menos uns 2 quilômetros, dormiam no terreno em um barraco improvisado para guardar ferramentas e voltavam para a Vila Guilherme nos domingos á tarde. Em 1954, a casa estava pronta, porém, como ainda não havia serviço de saúde em Mauá, meu avô resolveu ficar mais um tempo na Vila Guilherme, pois minha avó estava grávida da minha mãe. Depois da minha mãe, vieram mais dois filhos e aí sim em 1957 meu avô se mudou definitivamente para Mauá com toda a família. Ele conseguiu emprego na VidroBrás, posteriormente Santa Marina e atualmente Saint Golbain, e minha mãe conta que minha avó chorava muito porque, além do frio, tudo era muito longe: mercado, açougue, farmácia... Minha mãe conheceu meu pai em Mauá e eu nasci lá também. Meu avô comprava fumo de corda numa loja que ficava próxima à estação, eu ia junto com ele a pé e, de frente para a estação havia um senhor que vendia coco caramelizado, que cheirava longe. Enquanto ele comprava fumo, eu ficava olhando os trens e quando ele terminava as compras me levava para comprar o coco. Depois ficavámos na passarela de ferro fundido da SPR que passava sobre a passagem de nível e eu ficava em êxtase, com os trens passando por baixo de nós, Budd, Englishs, Lambretas... meu avô tinha simpatia pelas Englishs; ele as chavava de "máquina de duas frentes". Pois é, como eu ficava feliz com tão pouco.

Em seguida, um outro interlocutor acrescenta um pouco mais aos relatos de mais de meio século atrás:

Você vê como naquela época as coisas eram diferentes. Tudo era adquirido com muito suor e principalmente honestidade, não importava a distância e o quanto era sofrido para se conquistar um bem. Com meu avô também foi assim. Ele era funcionário de uma vidraçaria no Bom Retiro e só pôde comprar um terreno “do outro lado do rio” (o Tietê) e que era muito mais barato, porque não havia ponte e o acesso era mais difícil. Com muito suor ele conseguiu comprar o terreno, construir uma humilde casa e na mudança carregar tudo nas costas atravessando o Tietê a pé. Depois conseguiu comprar um barco, que ficava na margem do rio e quando precisava dele ele estava lá! (imagine hoje). Na época da construção da casa ele nem tinha dinheiro para comer. Caçava nos morros daqui da Casa Verde e nos brejos onde hoje é o campo de marte ele pegava muita rã. Também pescava no rio Tietê. Foi assim que ele conseguiu sua casa. Impressionante. São histórias que ouvimos de nossos antepassados e que nunca esquecemos. É uma lição de vida.

5 comentários:

  1. Nasci em 1980 e moro em Mauá desde então, com exceção de três curtos meses do último trimestre de 1988 que morei perto da Aldeinha, que se eu não me engano fica no município de Itapecerica da Serra. Dos dois lugares guardo a recordação de apenas uma coisa: o trem. Lá na Aldeinha só sobrava a estação e como eu era muito criança acreditava que um dia ele voltaria a passar ali, porque eu era um menino da 'cidade' acostumado a ver o trem de subúrbio passar todo dia por Mauá.

    Gostaria muito de saber o local exato da moradia desse depoente, não que eu esteja solicitando essa informação, longe disso, mas quando a gente escuta uma história dum lugar que a gente conhece tão bem a curiosidade fica grande.

    A fotografia do artigo me deixou paralisado, há pelo menos 25 anos tenho a consciência plena de como as coisas mudaram li na estação de Mauá: a primeira recordação era duma cancela com o solo muito amadeirado, já no começo dos anos 1990 (acho que 1992) uma passarela extremamente terrível que foi substituída por uma quiçá pior. Mas o cheiro do trem da EFSJ (acho que Mafersa sob licença da Budd Company) era algo agradável e inesquecível.

    É história que a gente já pode contar pros filhos. Muito bom o relato sobre Mauá e voltarei aqui várias vezes para ver a mesma fotografia.

    Abraços Ralph e ao escritor 'Homo Mauaensis'.

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    1. Bom dia Bill, eu sou o escritor "Homo Mauaensis".
      Moro no Jardim Anchieta, próximo a Santa Casa de Misericórdia de Mauá, a olaria que cito no depoimento ficava onde hoje é o Jardim Camila, ali perto tem um córrego que hoje está totalmente poluído, mas na década de 70 ainda era possível pescar lambaris e rãs, meu avô faleceu em 2009, mas a casa que ele construiu continua em pé até hoje (fica numa Rua paralela á minha), hoje Mauá está bem desenvolvida mas tem muito o que melhorar.
      Abraço

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  2. Para ser sincero, não sei onde ele mora, em Mauá... abraços

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    1. olá Ralph, sou o autor do depoimento de Mauá, sim nasci em Mauá e ainda moro lá, fiquei muito contente do depoimento estar no seu Blog, mandei ele tempos atrás numa lista de modelismo. Ficou muito grato.

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  3. Eu em Mauá a 53 anos, sou natural do bairro da Moóca, SP.
    Tenho 57 anos de idade, estou todos estes anos no mesmo local, Jd. Zaira.

    Amo Mauá.

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