terça-feira, 22 de março de 2011

CONFLITOS EM JIRAU

Trabalhadores em Jirau - Foto Zero Hora, 18/3/2011
(...) tomou a direção dos trabalhos, fazendo, logo, uma revisão do traçado e estabelecendo os serviços de higiene, de policiamento e de suprimento de víveres em todos os trechos da construção. O serviço sanitário, perfeitamente organizado e cujos resultados excederam a expectativa, foi estabelecida rigorosamente com dois barracões-hospitais, três farmácias, servidas por três dedicados médicos, dois farmacêuticos e os necessários enfermeiros. Para garantia do pessoal da estrada, cerca de 7 mil operários, e do material de construção, (foi criado) o Corpo de Segurança, mantido pela construção, o qual prestou grandes serviços na repressão de constantes conflitos provocados pelos moradores da região. Todo o vale é, ainda, um sertão quase despovoado, onde de há muito se abrigam os banidos da sociedade, encontrando aí seguro e impenetrável refúgio os mais terríveis facínoras, expulsos ou foragidos (...). Aí foi e continua sendo cenário de muitos crimes, cujos autores ou mandatários, pelo terror ou pela astúcia, tomavam a suprema preponderância em toda essa obscura zona, aliando-se a outros bandidos, que estão sempre prontos a executar as façanhas projetadas e concebidas pelos seus astuciosos chefes. Inúmeros crimes são ali cometidos e seus autores continuam sob a mais vergonhosa impunidade. Com a criação do Corpo de Segurança, que exerceu sempre rigoroso policiamento, observou-se porém, ordem e calma, dando toda segurança ao numeroso pessoal. A instalação de treze grandes armazéns para fornecimento do pessoal trouxe à zona da construção um maior número de operários, ativando-se, então, os trabalhos de modo extraordinário, com a distribuição do serviço em pequenas empreitadas. Foram inúteis os esforços do diretor da construção em capturar os bandidos, apesar do auxílio das forças federal e estadual, e os trabalhos tiveram um atraso de dois meses, estando os operários continuamente ameaçados por hordas de bandidos, que para lá convergiram dos sertões."

A descrição acima seria a de alguma situação ocorrida em Jirau, Rondônia, nas últimas semanas? Não é. Porém, não parece muito similar ao que se tem lido nos jornais nos últimos dias?

É, apenas o que mudou foi a forma de escrever: o texto retrata como a imprensa (no caso, a Revista Illustrada) via uma situação no mês de março de 1911, ao final da construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, no seu último trecho entre as cidades de Caçador, ES, e de Marcelino Ramos, RS. Cem anos atrás, a relação entre trabalhadores e patrões terá realmente melhorado nas regiões inóspitas? Não conheço a região de Jirau, no rio Madeira, mas creio que, embora já não esteja lá o sertão inóspito, o Brasil desenvolvido não está batendo às portas das obras da usina.

Da forma que o texto antigo foi escrito, dá a impressão que todos ali eram bandidos, inclusive os trabalhadores da ferrovia. Certamente, bandidos existem em qualquer grupo de pessoas, assim como, naquele tempo, a São Paulo-Rio Grande não tinha muita escolha: a região não somente era praticamente inexplorada como também não tinha polícia. Afinal, aquela era a região contestada pelos estados do Paraná e de Santa Catarina e que, dois anos depois, foi palco de uma guerra civil sangrenta que durou até o ano de 1916.

É curioso como a reportagem que li ontem no jornal O Estado de S. Paulo (página 3, Notas e Informações, 21 de março) fez-me lembrar o texto parcialmente transcrito acima. Comparem os dois artigos... vale a pena. Ou leiam algum outro artigo publicado sobre este caso nos jornais durante a última semana. As semelhanças enrte as duas situações, apesar dos cem anos que as separam, é notória.

A imprensa, hoje em dia, é mais leve no que escreve e não parte mais do princípio de que pobres são sempre bandidos e ricos são santos que fazem tudo certo. Mesmo porque isso não é real.

É real, no entanto, que casos como os de Jirau e da São Paulo-Rio Grande não foram os únicos em nossa história.

Nenhum comentário:

Postar um comentário